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Crítica | Aquarius

Desde Tropa de Elite que um filme nacional não causava tanto furor e popularidade quanto Aquarius, novo longa do recifense Kleber Mendonça Filho. O sucesso de O Som ao Redor foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e segue até hoje colecionando elogios e participações em festivais de cinema importantes ao redor do mundo – mesmo que tenha perdido a vaga para representar o Brasil no Oscar do ano que vem. Porém, o principal motivo pelo qual Aquarius ficou notório na mídia e nas redes sociais é a manifestação política de seu diretor e elenco em Cannes, algo que certamente ajudou no interesse popular e atraiu atenção para o projeto. Uma pena que tanto furor não seja muito justificado.

A trama nos apresenta a Clara (Sonia Braga), última moradora do complexo habitacional Aquarius, por qual preserva ali saudosas memórias de sua família e o crescimento de seus filhos, agora trabalhadores e atarefados demais para lhe visitarem com a mesma frequência. Não bastasse seus próprios conflitos e inseguranças pessoais, Clara sofre a pressão de uma construtora que insiste para que a senhora saia de seu apartamento a fim de sua demolição e construção de um novo e mais moderno projeto ali.

Antes de mergulharmos na análise da obra em si, é sempre bom deixar algumas coisas bem claras. Não é só porque a equipe de um filme realiza um gesto político em um espaço totalmente propício a isso (KMF não foi o primeiro, nem será o último) que este é imediatamente elevado a um status de obra prima irretocável; como boa parcela da mídia tem feito. E da mesma forma, é irracional detonar ou criticar um longa (sem tê-lo visto, ainda por cima) por visões políticas de seus realizadores, ação que outra considerável parcela da mídia tem feito. Resumindo, concentremo-nos na obra artística em si, e não em ações completamente irrelevantes ao caso, que a rodeiam.

Assim como em O Som ao Redor, há um conflito social inserido sutilmente na narrativa. No anterior era algo mais explícito, enquanto em Aquarius é mais expresso pela disputa da grande empresa capitalista contra uma mulher e suas lembranças, um tipo de embate que costuma render obras muito interessantes – basta olhar para o primeiro ato de Up: Altas Aventuras e ver como essa pauta está presente até mesmo em animações. Seja para bem ou para mal, e isso vai depender inteiramente do ponto de vista do espectador, Kleber Mendonça Filho desperdiça esse conflito durante boa parte de Aquarius.

Adotando uma estética profundamente naturalista e contemplativa, o roteiro do longa debruça-se sobre diálogos longos e que procuram captar o realismo e naturalidade de seus personagens, incluindo extensas sequências em que Clara e seus filhos discorrem sobre o passado e passeiam por fotografias antigas em álbuns empoeirados. O ritmo é lento e os diálogos acabam esvaecendo-se ao vento, e até mesmo a mixagem do som do filme oferece um caráter experimental ao trazer um pouco de polifonia – vide a cena em que Clara e suas amigas estão em uma festa. São muitas sequências do tipo, e compreendo quem admira esse tipo de prosa (eu mesmo sou fã incondicional dos diálogos humanistas e “reais” de Richard Linklater), mas confesso que as achei intermináveis e maçantes.

O conflito entre Clara e a construtora Bonfim (créditos pela sacada de Mendonça pelo nome) é o fiapo de trama que agita mais a narrativa, especialmente quando Clara bate de frente com o jovem engenheiro Diego (o ótimo Humberto Carrão), que é um bom exemplar de – nas palavras de Naz de The Night Of – uma “fera sutil”, e sua educação e boa postura consegue ser mais ameaçadora do que uma capa preta ou um par de chifres. Mas, novamente, sinto que KMF não fez o melhor de sua proposta com essa subtrama, já que são poucos momentos em que essa ameaça corporativista é realmente capaz de provocar algum efeito significativo na trama; há uma sequência interessante envolvendo barulho de festa e uns colchões queimados, mas é um excesso de sutileza que torna o conflito morno demais. Com exceção, é claro, do clímax, que finalmente abraça o potencial de sua proposta e o faz com um simbolismo aceitável envolvendo cupins.

A direção de KMF também traz esse minimalismo e “calmaria” em suas ações, com planos abertos que preservam a beleza das praias de Recife e a paleta de cores harmoniosa que destaca o azul do prédio Aquarius. O único traço destacável de sua condução é a mise em scène quase voyeriustíca que dá a impressão constante de Clara estar sendo vigiada, mas infelizmente nem isso ajuda a construir uma tensão palpável – e qualquer sutileza desses enquadramentos é logo esquecida com os zooms de câmera nada elegantes e anacrônicos da câmera de KMF, mais propícios a um faroeste spaghetti do que um drama intimista.

Porém, se há um aspecto inquestionavelmente brilhante em Aquarius é a performance central de Sonia Braga. Presente em praticamente todas as cenas do longa (com exceção do prólogo, onde Clara é vivida por Bárbara Colen), a atriz exala uma presença magnética e hipnotizante, seja por seu olhar vibrante ou a postura que nos sugere que, mesmo aos 60 anos, Clara ainda tem um espírito jovem ali dentro. Braga se sai bem tanto nessas cenas em que praticamente não abre a boca quanto nos momentos mais dramáticos e intensos, mantendo o nível de voz suave durante uma discussão com sua filha (Maeve Jinkings) ou invocando uma força rígida e determinada durante conflitos com a construtora Bonfim. Certamente uma das melhores performances de 2016.

Aquarius traz uma excelente Sonia Braga e uma potencial admirável em sua história, mas que raramente o aproveita, trazendo uma narrativa que peca pela falta de eventos e um ritmo propositalmente longo que vai afastar uma boa parcela do público. Não traz nada que justifique sua polêmica e o turbilhão político desnecessário, mas isso é o de menos.

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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