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Crítica | Até os Ossos é uma curiosa história de amor canibal

Hollywood definitivamente está interessada em canibalismo. Seja no investimento em conteúdos de não ficção ou filmes de terror, o tema está em alta no cinema e no streaming, e o renomado Luca Guadagnino agora está colocando suas fichas na mesa. Curiosamente, o resultado de Até os Ossos é radicalmente diferente de alguns de seus antecessores, por se tratar de um romance.

Ainda mais divertido é perceber como Até os Ossos parece combinar os dois principais sucessos de Guadagnino como cineasta nos Estados Unidos: um romance adolescente e coming of age com Timothée Chalamet, saindo de Me Chame Pelo Seu Nome, e uma história de terror, vísceras e sangue; tal como em seu remake de Suspiria. O resultado é surpreendentemente eficaz.

Baseando-se no livro de Camille DeAngelis, a trama segue a jovem Maren (Taylor Russell), que tenta controlar sua vontade incontrolável de consumir carne humana. Após ser abandonada pelo pai (André Holland), ela parte em uma viagem pelos Estados Unidos a fim de encontrar sua mãe biológica, deparando-se com uma série de estranhos carismáticos; especialmente com Lee (Timothée Chalamet), que compartilha da mesma condição.

Assistindo a Até os Ossos, fica claro como o longa é genuinamente uma adaptação literária. A extensa narrativa de mais de 2 horas aposta em diversos personagens, locações e saltos no tempo, adequando-se como um road movie padrão. Dessa forma, o roteiro de David Kajganich não é incapaz de fugir de alguns clichês e convenções do gênero – principalmente quando a jornada de Maren esbarra em personagens que pouco acrescentam ou que carecem de carisma.

Porém, o saldo é bem mais positivo. Justamente por estar inserido em um gênero mais romântico e também derivativo do coming of age, Até os Ossos surpreende por sua abordagem ao canibalismo. Ainda que nada muito gráfico ou violento como o francês Raw, o longa fascina por suas descrições e diálogos extensos, onde personagens compartilham as sensações e reflexões sobre o ato de se devorar um ser humano – especialmente no tipo de “refeição” que dá título ao filme.

Também é muito original observar como a história coloca inúmeros personagens canibais no filme, oferecendo a curiosa justificativa de que “um devorador pode sentir o cheiro do outro”, mesmo a quilômetros de distância. Isso garante encontros com a bizarra dupla formada por Michael Stuhlbarg e David Gordon Green (sim, o diretor da nova trilogia de Halloween) e o assustador sociopata interpretado por Mark Rylance, Sully. É uma figura absolutamente imprevisível, enigmática e que sempre deixa o espectador inquieto; já que sua aparente simpatia é sempre mascarada por uma ameaça aterradora, e Rylance se garante como o grande destaque entre os coadjuvantes.

Já o romance central entre Taylor Russell e Timothée Chalamet é bem funcional. Mesmo quando a câmera de Guadagnino seja um tanto viciada na estética “fly on the wall”, servindo como um observador inquieto, o carisma de ambos os intérpretes é aparente e muito convincente. Chalamet acerta em criar uma figura que equilibra uma postura de bad boy com uma fragilidade palpável, enquanto a relativamente desconhecida Russell (dos filmes da franquia Escape Room da Sony Pictures) segura boa parte da projeção com uma performance quieta, mas cheia de carisma e um olhar penetrante.

Mesmo que seja um tanto longo e com algumas barrigadas narrativas, Até os Ossos é uma experiência muito original e envolvente. Clássico road movie, o filme de Luca Guadagnino é capaz de chocar e emocionar na mesma medida, e definitivamente se garante como uma das experiências mais únicas do cinema de 2022.

Até os Ossos (Bones and All, EUA – 2022)

Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: David Kajganich, baseado no livro de Camille DeAngelis
Elenco: Taylor Russell, Timothée Chalamet, Mark Rylance, Michael Stuhlbarg, David Gordon Green, Chloe Sevigny, André Holland
Gênero: Drama, Romance
Duração: 131 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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