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Crítica | O Menu é um dos filmes mais saborosos e originais do ano

Nada como uma boa inversão de expectativas. Dado o atual fascínio de Hollywood pelo tema de canibalismo, não é incomum olhar para um longa-metragem batizado de O Menu, cuja proposta promete “um cardápio com muitas surpresas”, e supor que seu tema também irá remeter ao consumo de carne humana. Felizmente, esse prato traz muito mais camadas do que seu cheiro possa sugerir, e o filme de Mark Mylod facilmente se destaca como uma das surpresas mais agradáveis e originais do cinema de 2022.

Na trama, o casal Tyler e Margot (Nicholas Hoult e Anya Taylor-Joy) viaja para o requintado restaurante do renomado Chef Slowick (Ralph Fiennes), localizado em uma ilha remota. Obcecado com controle e perfeição, o excêntrico chef promete preparar um menu diferente de tudo o que seus convidados já experienciaram, e suas práticas logo se revelam como algo muito além do que um mero afinco culinário.

Escrito pela dupla Seth Reiss e Will Tracy, mais acostumada com séries de TV ou programas de Late Show, O Menu é uma sátira feroz ao mundo da gastronomia de alta classe. Tal como o canibalismo em Hollywood, programas de cozinha como Masterchef garantiram um interesse gigantesco do público nos últimos anos, e o texto de Reiss e Tracy acerta ao incorporar diversos elementos desse subgrupo social – como a degustação excessiva, os pratos conceituais – e jogá-los em uma trama muito bem costurada. A dupla é particularmente inspirada na forma como prepara a exposição, incorporando elementos que remetem diretamente à cozinha para ditar as “regras” de seu universo, como a sequência de pratos e os letterings extremamente irônicos que detalham cada refeição – e, posteriormente, alguns eventos relevantes à história.

À medida em que o lado mais sombrio de Slowick começa a florescer, o texto de Reiss e Tracy ganha uma nova camada pelas mãos do diretor Mark Mylod (que comandou diversos episódios de Succession). Tratando-se de um verdadeiro psicopata na cozinha, a figura de Slowick garante ao espectador um excepcional exemplo de riso nervoso, já que a situação na qual o grupo de convidados se encontra é extremamente assustadora e claustrofóbica, mas o absurdo do “conceito” de seu colorido antagonista, e suas práticas que garantem quadros visualmente impressionantes, também provocam a veia do humor negro de forma muito eficiente; alcançando um resultado similar ao do ótimo Casamento Sangrento, também produzido pela Searchlight Pictures.

Mas um dos grandes deleites de O Menu é observar o feroz duelo que passa a ser travado entre o Slowick de Fiennes e a aparentemente inocente Margot de Anya Taylor-Joy. Enquanto Fiennes oferece sua postura tradicionalmente rígida e temperada com toques de humor (como seu hilário personagem em Ave, César!), Joy parece contestar e nunca levar seu tratamento à sério; contrariando também a postura de fanboy agressivo de seu parceiro, muito bem retratado por Nicholas Hoult. À medida em que Fiennes e Joy vão descobrindo e expondo segredos um sobre o outro, com o roteiro se aproveitando bem de foreshadowings e pequenas pistas ao longo do caminho, O Menu oferece uma experiência genuinamente empolgante e imprevisível – e o preparo de um simples cheeseburger nunca pareceu tão saboroso e triunfante quanto o que ocorre no terceiro ato da projeção.

Ainda que tenha sua parcela de absurdos e suspensões de descrença no ato final, O Menu se destaca no catálogo de lançamentos de 2022 como uma de suas oferendas mais interessantes. É uma história magistralmente contada, com uma direção precisa e um excelente elenco. Um prato que cai bem e definitivamente vale a repetida.

O Menu (The Menu, EUA – 2022)

Direção: Mark Mylod
Roteiro: Seth Reiss e Will Tracy
Elenco: Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Hong Chau, John Leguizamo, Janet McTeer, Aimee Carrero, Paul Adelstein, Judith Light, Rob Yang, Mark St. Cyr, Arturo Castro, Reed Birney
Gênero: Comédia, Suspense
Duração: 106 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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