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Crítica | Baywatch: S.O.S. Malibu

Apesar de uma audiência massiva que a sustentou por 11 temporadas, Baywatch ou S.O.S Malibu como a série é conhecida no Brasil, não era uma pérola de narrativa, atuação ou valor de produção. Entretanto, pelo carisma de David Hasselhoff, Pamela Anderson e outras inúmeras beldades que passaram no icônico slow motion que definia o seriado, salvaram a produção a ponto de entrar no imaginário coletivo. Querendo ou não, Baywatch tornou-se parte intrínseca do imaginário americano.

Essa nova onda vinda com Anjos da Lei, diversos estúdios decidiram “redescobrir” seriados antigos e moldá-los para um novo formato nos cinemas. No caso de Anjos da Lei, a aposta foi mais que certeira rendendo dois excelentes filmes. Porém, outras empresas já morreram na praia ao ressuscitar obras que deveriam permanecer no passado. Isso aconteceu com O Cavaleiro Solitário e, recentemente, com CHIPS – filme que nem chegou a estrear por aqui. Agora é a vez de Baywatch ser presenteado com uma porcaria de primeira linha.

A tempestade perfeita

A narrativa de Baywatch é pífia. Tão rasa que frequentemente e literalmente, tudo pausa, para termos uma tentativa cômica frustrada por alguns bons minutos. Aqui, acompanhamos as seletivas para novos trainees na equipe lendária do Baywatch, os salva-vidas de Emerald Bay. O viciado e apaixonado pelo ofício, Mitch Buchannon, abre três vagas para novos integrantes. No teste, passam apenas o ex-medalhista olímpico problemático e bad boy Matt Brody, o gorducho nerd Ronnie e a crânio sabichona Summer Quinn (a qual vira interesse romântico de Brody).

Os três novos recrutas vão auxiliar uma investigação secreta de Buchannon sobre uma suspeita de tráfico de drogas que está degradando o paraíso litorâneo da Flórida. E é isso. Acredite que até o filme entrar nesse núcleo destinado à investigação custa uma eternidade, ao menos 40 minutos. Esses problemas de ritmo e sequenciamento narrativo não são os únicos problemas desse “roteiro”.

Os preceitos mais básicos de narrativa são jogados no lixo pelos roteiristas de Baywatch que mais se comporta como uma coletânea de esquetes cômicos esdrúxulos amontoados numa tigela decadente de história – para encaixar as “frenéticas” cenas de ação e um clímax ridículo. Não há qualquer cuidado em amarrar essa investigação, pois muita coisa é presumida pelos personagens que agem apenas na base do palpite. A ligação de um evento para guia-los até a vilã pode facilmente ser considerada risível pela enorme preguiça em construir algo minimamente coerente.

Enquanto não chegamos nessa investigação que rende as melhores cenas do filme, somos obrigados a aguentar uma rixa interna em um conflito forçado entre Buchannon e Brody. Sobre todos os personagens, já aviso que o espectador não encontrará nada além dos estereótipos mais básicos.

Brody é o único que tem alguma relevância e motivação externa para entrar na equipe de Baywatch – não dá para dizer que a motivação de Ronnie em pegar a personagem CJ seja lá muito criativa. Brody é ex-medalhista olímpico que caiu em desgraça após um evento brega nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Essa crise existencial do personagem é interessante, mas os roteiristas insistem em apenas adicionar camadas desprezíveis para um anti-herói que já é bastante difícil de sentir empatia. É como se Zac Efron encarnasse o mesmo personagem de Vizinhos, só que em uma versão ainda mais burra, estúpida e egoísta. Ao menos, pela sua atuação, há bons contrastes de seu choque e despreparo em notar que a profissão de salva-vidas é algo bastante sério – a sequência que dá origem a essa reação é ridiculamente ruim.

Outro foco sobre seu desenvolvimento é a tentativa de uma jornada do herói básica e bastante deteriorada. Todo o conflito que move a relação entre Buchannon e Brody é sobre a inaptidão do coadjuvante em conseguir trabalhar em grupo. Sobre não saber fazer parte de um time e todas essas coisas que você já viu oitocentos filmes antes desse. Bom, a novidade é que não tem nada de novo. Esse conflito consegue sim, porém, humanizar um pouco o personagem e ao menos confere um nítido desenvolvimento nessa bagunça. Logo, o personagem mais imbecil é também o mais bem escrito (uma das muitas ironias involuntárias dessa pérola). Aliás, há um mistério sobre o passado de Brody que nunca é revelado, mas é apontado diversas vezes ao ponto de se tornar um furo, já que se trata da motivação de Brody em entrar no Baywatch.

Infelizmente, o restante do elenco também sofre na mão dos roteiristas. Nunca tinha visto um rol de personagens femininas tão inúteis como vemos aqui. Até mesmo a inteligente e determinada Summer é esquecida rapidamente só retornando para concluir a tensão sexual furada que forçam com Brody – as piadas recorrentes aqui focam nos peitos da atriz Alexandra Daddario (inclusive, a primeira delas é extremamente deslocada da cena). Depois temos Stephanie e CJ Parker (outrora papel de Pamela Anderson, aqui encarnada por Kelly Rohrbach), personagens que os roteiristas realmente não têm a menor ideia do que fazer com elas, pois elas nem mesmo conseguem virar alvo de piadas ruins. No fim, servem como par amoroso dos outros dois personagens masculinos.

Já o outro personagem, Ronnie, ganha alguma função no final do filme, explorando o lado tecnológico e nerd. Mas, em maioria, os roteiristas insistem em piadas envolvendo pintos e outros recursos que apostam em demasia na performance medíocre de Jon Bass (o ator mais parece uma versão nova bizarra de Danny McBride). Na verdade, esse talvez seja o cerne dos problemas de Baywatch: seu elenco. Não temos humoristas trabalhando aqui e o timing pessoal deles é péssimo para emplacar até mesmo as piadas mais elaboradas – como a de Buchannon chamar Brody com diversos apelidos (a piada envelhece rápido).

Já no lado antagonista, temos a vilã Victoria Leeds, tão mal escrita quanto o restante da obra. Seu plano maléfico não tem a menor justificativa plausível, além de ficar, gradativamente, cheios de furos tampados com informações vomitadas em exposição xucra. O modo de operação da vilã se torna burro demais principalmente pelo fato de matar seus oponentes do modo mais estúpido possível dando brechas para qualquer investigador amador ver que os acidentes montados por ela são mesmo assassinatos.

A caricatura péssima da Priyanka Chopra também não ajuda a conferir nenhuma camada para a personagem. Chopra assume uma pompa incoerente com tudo, sempre posando de sabichona, vestida para matar, sem o menor resquício de sutileza e preparada enquanto a personagem cai nos truques e roteirismos mais forçados do gênero. As conveniências e facilidades para o grupo de Buchannon entrar em colisão com a vilã são tantos que extrapolam o limite do bom senso de qualquer espectador.

Nesse roteiro cheio de piadas sobre pintos, peitos, vômitos e referências torpes, com uma infinidade de personagens irritantes e inúteis (destaque especial para o pior policial de todos os tempos), uma vilã bizarra que não sabe em qual filme pertence e uma história que se estende mais do que o necessário com reviravoltas que conseguem ofender a sua inteligência, tudo se resume a um festival de vergonha alheia de duas horas. Não existe carisma de Dwayne Johnson que salve esse filme.

Afogando Gordon

De longe, esse é o pior trabalho de Seth Gordon que já havia dirigido obras consideravelmente engraçadas (pelo menos em algumas partes) como Quero Matar Meu Chefe e Uma Ladra Sem Limites. Em ambos trabalhos anteriores, Gordon sabia manter tom e consistência ao longo de toda a obra, sem tentar almejar mais do que o texto propunha.

Claramente esse não é o caso aqui em Baywatch. Isso é bastante nítido logo no começo da obra, em seus créditos iniciais. Vemos belas imagens de Emerald Bay até um desafortunado banhista espancar sua cara nas rochas costeiras. Rapidamente então, em contra plongée e na contraluz, vemos Dwayne Johson correr em câmera lenta para salvar o dia ao se atirar no mar! Carregando o homem ferido nos braços, vemos o título em letras garrafais explodir ao fundo embalado pela trilha musical cheia de graves eletrônicos. Claramente algo brega e cafona para não ser levado a sério. Pensei então que veria uma boa paródia ao decorrer da obra.

Mas isso não acontece, pois Gordon nunca decide qual bendito tom ele assumirá no restante da obra. Portanto, temos um ora um filme policial, ora um melodrama, ora uma comédia pastiche, depois drama novamente e assim vai até o filme acabar. Essa inconsistência de tom é nitidamente exibida na confusão feita pelo elenco como na já mencionada péssima performance de Priyanka Chopra.

Em termos visuais, há sim cenas montadas com um descuido irritante, mas no geral, Gordon trabalha na gramática cinematográfica correta. Mesmo que não seja nada substancialmente bom ou inspirado, ao menos não chega a ser uma porcaria até nisso como no caso do também péssimo O Chamado 3. Na verdade, as belas vistas litorâneas potencializadas pela fotografia saturada salvam um pouco o sufoco que é aguentar a obra em sua totalidade.

Baywatch também tem um motivo ilustre para se orgulhar: entrará na lista de piores efeitos visuais já vistos em um blockbuster com toda a certeza. Caso tenha coragem de conferir essa bomba, terá o prazer de rir involuntariamente na cena de um resgate da equipe em um barco pegando fogo. Sem dúvida, em toda essa década, esse será o pior efeito simulando fogo, faíscas, fumaça e detritos de incêndios que você verá em uma obra hollywoodiana. É algo tão primário que parece ter saído das versões mais rudimentares do After Effects. Até as introduções flamejantes de Tela Quente colocam os efeitos visuais de Baywatch no lixo.

Esse festival de vergonha alheia é retomado no clímax com um show de fogos de artifícios “lutando” contra um péssimo helicóptero de CGI digna de um GTA de PlayStation 2. Além de aprovar algo tão ridículo a ponto de te tirar do filme, Gordon não consegue realizar sequer uma boa sequência de ação. Há tentativas de movimentos de câmera interessantes como um que acompanha Brody saltando de uma moto para salvar uma mulher que está afogando.

Nota-se, então, que houve, em algum momento, o mínimo de interesse de Gordon pela obra, mas assim como o público, o interesse foi embora no fim do primeiro ato.

Nem o campo sonoro se salva. O uso histérico da trilha original e das canções licenciadas em absolutamente todas as cenas de ação também é um equívoco de Gordon. Se ele já usa excessivamente a montagem e a encenação equivalentes de propagandas sedução-fascínio e videoclipes latinos, as músicas só colaboram em tornar sua visão sobre a obra ainda mais enlatada. A condução delas também se faz presente para prejudicar o filme ao evidenciar muito mais as já mencionadas mudanças tonais bipolares.

Bayflop

Baywatch: S.O.S. Malibu é uma das comédias mais falhas e inexpressivas que já tive a tristeza de ver. Com ao menos 5% das piadas conseguindo tirar um sorriso falso do meu rosto, fica absolutamente impossível apontar que esse filme tenha o dom da boa comédia (sei que a graça é um conceito abstrato – pode ser que você se divirta, mesmo que eu ache improvável). Por uma infinidade de motivos, Baywatch consegue tirar a paciência de quem assiste.

A proposta de bom divertimento é subvertida a tal ponto que a poltrona do cinema vira uma cadeira iron maiden já que o filme parece interminável em suas duas horas – até Silêncio, com três, passa mais rápido do que a sensação provocada pela montagem rudimentar do filme “bronzeado”. Entretanto, Baywatch não é o pior filme desse ano – esse trono ainda está reservado para outra obra já mencionada no texto. Mas, acredite, esse filme se esforça ao máximo para conseguir o lugar mais alto do pódio.

Baywatch: S.O.S Malibu (Baywatch, EUA – 2017)

Direção: Seth Gordon
Roteiro: Jay Scherik, David Ronn, Thomas Lennon, Robert Ben Garant, Mark Swift, Damian Shannon
Elenco: Dwayne Johnson, Zac Efron, Priyanka Chopra, Alexandra Daddario, Kelly Rohrbach, Ilfenesh Hadera, Jon Bass, Rob Huebel, David Hasselhoff, Pamela Anderson
Gênero: “Comédia”, Ação
Duração: 116 min.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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