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Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 3 – Uma conclusão razoável para uma franquia excelente

Eu não estava preparado em 2010 para encontrar um filme tão fantástico de animação como aconteceu com Como Treinar o Seu Dragão. Ele realmente foi o ápice criativo e de storytelling da Dreamworks Animation conseguindo superar com folga a concorrência por conta de sua história bastante única de um tema bastante explorado, mas repleto de originalidade pelos seus personagens.

Adaptando as histórias de amizades improváveis com um feeling de Pokémon através da relação dos humanos com seus dragões, principalmente dos protagonistas Soluço e Banguela, Como Treinar o Seu Dragão se tornou um fenômeno mundial. O sucesso do primeiro filme possibilitou uma miríade de seriados contando mais da trajetória da dupla o que possibilitou um trabalho bastante intenso para as sequências dos filmes.

O segundo, lançado em 2014, elevava ainda mais a barra do espetáculo ao trazer o filme mais épico da trilogia. Cinco anos depois, finalmente, recebemos a conclusão já muito esperada dessa franquia. Como Treinar o Seu Dragão 3 justifica sua demora pela qualidade irretocável de sua animação fluída e repleta de detalhes, além da concepção visual das obras que nunca decepcionaram em termos técnicos.

Uma História de Dragões

Ao contrário de seus predecessores, Como Treinar o Seu Dragão 3 é muito menos sobre Soluço, mas sim sobre Banguela. O roteirista e também diretor Dean DeBlois simplesmente acredita em um conceito, em um momento único, que só chega no final e investe todo a história fraca de seu filme para chegar nesse momento.

Assim como em Como Treinar o Seu Dragão 2, a terceira iteração traz um vilão caçador de dragões, mas dessa vez o ardiloso e inteligente Grimmel que fará de tudo para destruir o último Fúria da Noite na natureza, o dragão de Soluço.

Porém, para a surpresa dos protagonistas, Banguela não é o último de sua espécie. Por uma coincidência, o dragão descobre seu par ao encontrar uma fêmea de sua espécie, chamada de Fúria da Luz. Nisso, a amizade dos dois sofre abalos monumentais graças à descoberta do amor romântico na vida do dragão.

Falta coesão no roteiro de DeBlois. Se comportando mais como um grande episódio duplo do seriado homônimo desse universo, o filme estranhamente não se comporta como uma conclusão de trilogia. Praticamente todos os personagens humanos e os novos companheiros apresentados no 2º filme são escanteados. Os coadjuvantes servem apenas para repetirem piadas e não oferecerem grande apoio moral ao protagonista ou ensinarem a ele lições preciosas.

A complexidade emocional e temática que estava presente nas obras anteriores simplesmente some para dar origem a um roteiro mais infantilizado e simples. Não há problema, obviamente, para espectadores mais novos, porém para quem acompanha a franquia desde 2010, é um tanto decepcionante notar a falta de maior amadurecimento no herói.

É bastante bizarro notar como a mãe de Soluço, Vulka, uma personagem nova e de pouca relação com o filho até então, praticamente não se esforça em ajuda-lo como líder de Berk ao lidar com questões difíceis que impactam a vida de toda a vila. Desperdiçada, Vulka somente empurra Astrid, a namorada de Soluço, para que ela ofereça o apoio e conselhos que ele precisa. Com cenas curtas e diálogos simplistas, resolvendo questões complexas em apenas três frases, a relação entre os dois também não ganha camadas novas.

A novidade em texto para esses personagens basicamente é inexistente. As piadas se repetem, os coadjuvantes perdem qualquer resquício de importância e até mesmo a mitologia é levemente expandida. Há conceitos interessantes como a apresentação de culturas asiáticas nesse universo e uma outra nova forma de domar os dragões que dialogam inclusive com dramas de abuso animal através da apresentação dragões novos que mais se assemelham a aracnídeos como escorpiões, além de algumas poucas criaturas novas, mas tudo é igualmente raso.

O vilão Grimmel também é escrito com preguiça. Sendo muito semelhante ao do filme passado, apenas contando com uma astúcia óbvia para fazê-lo inteligente quando na verdade os heróis que são “emburrecidos”, há pouco espaço para o vilão prosperar. Ele somente é mais um obstáculo na vida de Soluço e Banguela para chegarmos à completa obviedade da conclusão da saga.

Isso não quer dizer, porém, que a história é ruim. Apesar de rasa e simples, ainda é uma história que entretém. Além disso, temos o ponto alto da obra, a relação de Banguela com a Fúria da Luz. Reencontrando seu lado selvagem depois de anos domesticado, o dragão contempla sua deficiência por não conseguir voar, além de reconhecer que não está mais sozinho no mundo – pontos de narrativa que lembram bastante os filmes Rio e A Era do Gelo.

Pelo jogo de contrastes, a sinergia entre os personagens encanta, assim como a relação de Banguela com Soluço, trazendo o indizível do sonho de liberdade para a compreensão de seu grande amigo. Com um momento bastante belo na melhor cena do filme, vemos uma valsa entre os dois dragões adentrando uma tempestade, obviamente, furiosa, com ambos descobrindo seu lugar no mundo e seu propósito. Através da direção inteligente de Dean DeBlois nesse segmento e da trilha musical excelente de John Powell, temos essa cena poética digna da arte de entrar em Fantasia, clássico da Disney de 1940.

Embora tenhamos esse bom momento, é um tanto peculiar e surreal também notar a falta de dedicação em montar características mais interessantes para o Mundo Escondido, um núcleo escondido no fim do mundo que serve como santuário para diversos dragões. O conceito de refúgio já não é exatamente novo, pois há uma importante característica no 2º filme envolvendo isso. Aqui, é um elemento que chega até a servir como subtítulo original do filme, mas não há ao menos mais de uma sequência ocorrendo no lugar.

Ele é apresentado e descartado em enorme velocidade, apenas deixando os dragões um tanto mais coloridos em uma cena. É um desperdício.

Banguela: O Filme

No fim, resta a incômoda impressão de que a história desse longa, somente focando em Banguela, renderia muito bem um média metragem ou um longa de apenas sessenta minutos para encerrar a saga. Afinal, claramente o foco não é trazer mais relevância para os outros personagens, além de terminar a narrativa de Soluço e Banguela. Com um texto mais coeso ou outro que fosse mais criativo, facilmente teríamos uma conclusão épica para a trilogia.

Se trata sim de um final emocionante, com ótimo valor de produção e capricho técnico, mas que, depois de duas iterações tão fantásticas, o peso do passado é muito alto para que esse filme alce voos maiores.

Como Treinar o Seu Dragão 3 (How to Train your Dragon: The Hidden World, EUA – 2019)

Direção: Dean DeBlois
Roteiro: Dean DeBlois, Cressida Cowell
Vozes originais: Jay Baruchel, Jonah Hill, Gerald Butler, Cate Blanchett, Kit Harington, Kristen Wiig, America Ferrera
Gênero: Aventura, Infantil, Fantasia
Duração: 104 minutos

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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