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Crítica | Conversations With a Killer: The Ted Bundy Tapes – O Diabo entre Nós

Um tema sempre em alta em popularidade certamente é o que envolve os psicopatas. Casos criminais sobre indivíduos extremamente perturbados que cometem atrocidades implacáveis com suas vítimas sempre trouxeram a curiosidade mórbida dos espectadores à flor da pele. Quem está sempre atenta com essas produções, trazendo diversas histórias de investigação criminal para as telinhas é a Netflix.

Seja em documentários com How to Make a Murderer ou na ficção com a excepcional Mindhunter, a plataforma já traz uma nova produção de peso para o começo de 2019: Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes. Trazendo a história de um dos psicopatas mais infames dos EUA, Ted Bundy, toda a narrativa condensada em quatro horas de duração é justificada e, até mesmo, fica a impressão de que falta algo a mais.

Esse filme em série se propõe a trazer todos os fatos envolvendo Ted Bundy e suas vítimas que ceifou a vida entre os anos de 1974 a 1978. Cerca de 36 assassinatos aconteceram em seis estados americanos e, graças a completa falta de preparo da polícia americana, Bundy simplesmente conseguia driblar a lei por diversas vezes – até mesmo quando tinha o azar de ser capturado por pura sorte de algum policial rodoviário.

Título Pega-Trouxa

É bastante raro que um documentário traia a proposta de seu próprio título. Por exemplo, em A Marcha dos Pinguins, vemos um impactante documentário relatando o incrível processo migratório dessas aves. Entretanto, em The Ted Bundy Tapes, não é exatamente isso que ocorre. Dirigido pelo diretor de A Bruxa de Blair 2, Joe Berlinger, há uma confusão estética grave no formato do filme em série.

Já experiente em produções sobre assassinatos e investigações, é um surpreendente como Berlinger fuja significativamente da proposta original do filme: trazer um estudo completo sobre as mais de 100 horas de entrevistas de Bundy com os repórteres Stephen Michaud e Hugh Aynesworth após o criminoso ter sido condenado a duas penas de morte. A verdade é que esse documentário raramente toca no tópico das entrevistas e seu conteúdo. O que é uma escolha estranha, já que pouca gente sabe desse material, além de ser raro termos um psicopata oferecendo detalhes dos assassinatos que cometeu – mesmo que seja em terceira pessoa (Bundy só confessou ter matado 36 pessoas apenas 72 horas antes de ser executado).

Apesar de ser um problema grave e simplesmente esnobe uma característica que tornaria esse documentário muito distinto dos demais, a partir do momento que o espectador aceita o fato de que não será sobre esse episódio da vida de Bundy que verá, o documentário começa a fluir. Berlinger opta por trazer um grande panorama da vida do assassino, desde sua infância bastante normal até a sua morte na cadeira elétrica.

Do modo mais clássico do gênero documentário, Berlinger conduz os episódios sempre com o mesmo tom até virando uma surpresa quando terminam, já que raramente há um ápice narrativo neles. Baseando-se em vasto material de arquivo e muitas entrevistas exclusivas, o diretor consegue tornar a história de Bundy bastante envolvente, embora os méritos sejam, de maior parte do psicopata.

A partir do momento no qual Bundy é capturado e se torna o grande protagonista do documentário somente com as imagens de arquivo, afinal Bundy era um exibido completo, um narcisista cruel que adorava humilhar as autoridades. A partir do segundo episódio, a série se torna mais intensa, mostrando as fugas surreais de Bundy da cadeia, evidenciando sua inteligência e incrível habilidade de planejamento, incluindo seu estranho talento de se disfarçar somente com alterações básicas na sua aparência.

O documentário foca bastante em como Bundy era um ponto fora da curva do perfil da psicopatia, apesar de demonstrar os indícios mais clássicos do transtorno na infância: projeção do ódio, abuso infantil e crueldade com animais. Bundy impressiona e assusta até hoje pelo fato de ser “um de nós”. Um cara bem-apessoado, com senso de humor, educado e inteligente, porém um assassino brutal principalmente. É um lobo na pele de cordeiro.

Com isso, pouco a pouco, as entrevistas vão sendo esquecidas até o seriado se aproximar muito da abordagem do cinema direto. Porém, tudo volta ao padrão mais clássico no último episódio. O que é bastante surreal em The Ted Bundy Tapes é o fato da obra ser de censura baixa o que, obviamente, compromete bastante a parte das vítimas do psicopata.

Sem poder mostrar imagens forenses, dar detalhes dos assassinatos, explorar o modus operandi, a assinatura e tantas outras características que fazem parte da história de Bundy, cria-se uma imagem bizarramente humana para uma das figuras mais perversas da história dos EUA. O espectador nunca encara de fato o Bundy monstro, mas sempre o Bundy showman bizarro que entretém as massas – há insights inteligentes mostrando entrevistas de jovens na época de seu julgamento que simplesmente se sentiam incrivelmente atraídas por ele.

Enquanto detalhes dos assassinatos raramente são oferecidos, o espectador é presenteado com informações bastante intensas sobre a tentativa frustrada de sequestro de uma das vítimas que sobreviveu à Bundy, da relação do psicopata com suas namoradas e noivas e até mesmo de suas últimas horas vivo nas quais simplesmente confessou, pela primeira vez, todos os assassinatos que cometeu.

Nas entrevistas, entretanto, também há detalhes interessantes que exibem a abordagem dos entrevistados sobre o tema. Exibindo algumas pequenas loucuras temos relatos de ódio profundo, confusão, fascínio e prepotência que, infelizmente, essas figuras nunca são confrontadas com perguntas mais pertinentes ou provocativas.

A Face Charmosa do Mal

Os pontos brilhantes existem, mas são bastante dispersos entre as quatro horas de duração da série. O mais forte deles, com certeza está durante a comemoração da execução de Bundy em 1989. Após anos no corredor da morte, o psicopata finalmente seria executado e, como tudo envolvendo sua vida pública, um circo foi montado para cobrir o acontecimento ao vivo.

Diversos jovens que eram crianças na época que os crimes ocorreram estavam presentes como um subterfúgio para zoar e se embebedarem. Curiosamente, poucos que testemunharam de fato o terror que Bundy perpetrou nos anos 1970 acompanharam a execução in loco. De todo o modo, Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes é uma série impressionante.

Mesmo apenas com entrevistas e pouco grafismo na violência descrita, incluindo na brevíssima menção à necrofilia que Bundy praticava, há simplesmente um tom muito perturbador sobre a vida desse psicopata. Nas imagens de arquivo, há diversos momentos estranhos nos quais o espectador percebe por conta que havia algo de errado com esse indivíduo que escondeu tão bem a sua pior face.

Entre a incompetência completa da polícia para resolver esse caso que simplesmente foi resolvido por pura sorte e em um pioneirismo forense, é muito perturbador imaginar como Bundy, apenas se algo tivesse acontecido diferente, poderia ter matado mais inúmeras pessoas. As deficiências na polícia na época são um tema recorrente trazido pelos próprios investigadores que muitas vezes culpam a falta de tecnologia existente para capturar o psicopata. Porém, o fato é que Bundy só acabou atrás das grades pelo palpite sortudo de polícias de rua, níveis abaixo na hierarquia policial. O mesmo ocorre com a completa falta de noção da força policial de Aspen que permitiu as duas fugas de Bundy de modo facílimo.

Entre essas duas faces, do demônio encarnado perpetrando assassinatos brutais e a completa insegurança que o polícia ofereceu às mulheres jovens que poderiam ser sequestradas e mortas a qualquer momento, esse bom documentário vai muito além do que se espera dele. Seja pelos seus defeitos e qualidades.

Conversations With a Killer: The Ted Bundy Tapes (Idem, EUA – 2019)

Direção: Joe Berlinger
Gênero: Documentário
Episódios: 4
Duração: 60 min/cada

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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