2015. Nesse ano, uma franquia consagrada dos anos 70 retorna às telas depois de seis filmes com uma espécie de continuação/reboot. O novo filme aposta agora em um protagonista negro que utiliza o herói dos clássicos como mentor, ajudando-o a se inserir neste universo e iniciar sua própria saga de histórias. E não, curiosamente não estou falando de Star Wars: O Despertar da Força, mas sim de Creed: Nascido para Lutar, filme de Ryan Coogler que é bem sucedido nessa mesma missão do Episódio VII de J.J. Abrams: passar o bastão de uma franquia icônica para uma nova geração.
Dessa vez, somos apresentados a Adonis Johnson (Michael B. Jordan), o filho bastardo do famoso lutador Apollo Creed, falecido oponente de Rocky Balboa (Sylvester Stallone). Sentindo a necessidade de abraçar o seu legado e construir uma carreira sólida no boxe profissional, o jovem abandona sua vida de luxos e muda-se para a Filadélfia com o objetivo de encontrar o aposentado Garanhão Italiano e convencê-lo a treiná-lo.
Em muitos aspectos, é uma recriação da estrutura clássica do primeiro filme, ou de virtualmente todo filme do gênero esportivo. Uma longa preparação física e psicológica para um recompensador clímax catártico. O diferencial é o tratamento certeiro do roteiro de Coogler e Aaron Covington, que são eficientes em utilizar todos os artifícios e muletas narrativas para construção de uma história. A trajetória de Adonis já difere bastante da de Balboa por trazer um personagem mais avantajado, dada a fortuna de sua mãe adotiva e o valor de seu nome; o que paradoxalmente garante uma preocupação ainda maior ao jovem: a necessidade de honrar o legado de Creed, e provar que sua capacidade vai além do nome.
Isso garante muito mais foco em Adonis do que Balboa, que serve mais como um coadjuvante de luxo (chegaremos a ele em alguns instantes). O show é todo de Michael B. Jordan, que novamente se mostra um dos grandes nomes da nova geração. Adonis é um jovem difícil de se gostar a maior parte do tempo, dado seu temperamento explosivo e impaciência (algo bem distinto da ingenuidade e humildade de Rocky), mas Jordan compensa pelo carisma nas cenas com Stallone e também na delicada maneira com que constrói a relação com a vizinha Bianca (Tessa Thompson). Mas é mesmo quando, em uma explosão de fúria, vemos uma tímida lágrima saindo de seu olho (e a pressa para enxugá-la) que realmente entendemos a pressão que Adonis sente, seja na necessidade de se provar ou a mera rejeição que experimentou a vida toda – e a angústia de nunca ter conhecido o pai.
E, finalmente, chegamos a Sylvester Stallone. Encarnando Balboa pela sétima vez, o ator de 69 anos felizmente passa longe dos ringues e ainda conta com a direção mais naturalista de Coogler, entregando aqui aquela que muito provavelmente é a melhor performance de sua carreira. Sly resgata os elementos clássicos de Balboa, como sua simpatia e bom coração, praticamente como se o ator nunca tivesse deixado de interpretar o lutador. Mas é quando a trama explora o lado mais melancólico e sombrio do personagem que realmente vemos território nunca explorado pelo ator: sozinho, com todos os entes queridos falecidos (com exceção de seu filho, apenas mencionado), Rocky parece confortável e ansioso para o momento de sua morte. Isso rende uma complexa e desafiadora cena entre Stallone e Jordan, e nos faz lembrar como o eterno herói de ação é um grande ator.
Aliás, todas as cenas com os dois são excelentes, auxiliadas pelo texto divertido e a direção acertada de Coogler. Saído do elogiado Fruitvale Station, Coogler já em seu segundo filme demonstra talento para compor quadros altamente simbólicos e capazes de contar por si só uma história: tome como exemplo o plano que traz Adonis e Rocky treinando socos juntos em uma plataforma de punching ball, demonstrando a parceria e sincronia dos dois, apenas para que – em outro ponto mais sombrio da trama- vermos exatamente o mesmo plano, mas dessa vez trazendo Adonis sozinho enquanto a outra punching ball fica em evidência, fora de uso.
O domínio de Coogler atinge o ápice quando, auxiliado pela diretora de fotografia Maryse Alberti (já familiarizada com o gênero, tendo fotografado O Lutador para Darren Aronofsky), aposta em retratar a primeira grande luta de Adonis em um longo plano no qual a câmera circula entre os dois lutadores, captura primeiros planos dos dois e ainda traz certeiras reações de Rocky – no canto do ringue – e da plateia, em uma verdadeira dança com a câmera. O resultado em tela é espetacular, já que vai completamente contra a estética com a qual estamos acostumados quando vemos uma cena de luta de boxe no cinema; geralmente estruturado por uma montagem incessante e frenética. Até mesmo a luta final de Adonis, que opta por uma abordagem mais tradicional, limita os cortes e as câmeras de televisão (como vimos em Rocky Balboa), apostando fortemente em uma trilha sonora operática e efeitos em câmera lenta marcantes – que, aliás, rende uma poderosa catarse para o protagonista.
O saudosismo que uma produção do tipo é capaz de provocar também é muito bem dosado. A estrutura consagrada do primeiro é mantida, com direito à obrigatória montagem de treinamento, que merece créditos ao compositor Ludwig Göransson, que traz um remix operático e grandioso da famosa “Gonna Fly Now”, ao mesmo tempo em que a mixagem de som a combina com trechos de rap de Meek Mill; uma forma muito eficiente de atualizar a franquia e conferi-la a um novo protagonista, com o rap surgindo como uma nova identidade cultural. Até mesmo o clássico tema de Bill Conti é usado uma única vez, mas com uma precisão impressionante.
Se há um fator no qual Creed realmente falha é seu oponente. Seja Apollo Creed no primeiro filme, o ótimo Mason Dixon em Rocky Balboa ou até mesmo o ciborgue Ivan Drago em Rocky IV, os adversários sempre foram figuras marcantes e memoráveis. O “Pretty” Ricky Conlan infelizmente passa todo o longa como um sujeito arrogante e provocador, sendo facilmente um arquétipo de antagonista. Claro, temos uma subtrama sobre o lutador tentando reestruturar sua família após um delito, mas empalidece diante do tratamento à jornada de Creed. O único fator redentor sobre Conlan vem logo ao final da luta climática, mas paro por aqui para não entregar surpresas.
No geral, Creed: Nascido para Lutar é mais um fantástico exemplo de como se rebootar uma franquia sem invalidar ou simplesmente se apoiar nos feitos do original. Como o próprio protagonista, este filme de Ryan Coogler encontra sua própria identidade dentro de um universo familiar, sem dúvida fazendo justiça ao legado do icônico Rocky Balboa.
Espero que seja apenas o início…
Creed: Nascido para Lutar (Creed, EUA – 2015)
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Aaron Covington, baseado nos personagens de Sylvester Stallone
Elenco: Michael B. Jordan, Sylvester Stallone, Tessa Thompson, Phylicia Rashad, Tony Bellew, Ritchie Coster, Graham McTavish
Gênero: Drama, Ação
Duração: 133 min