A história você já conhece: uma jovem moça de uma cidade do interior resolve sair de casa e deixar o passado para trás enquanto trilha um caminho conturbado (e não muito convidativo) para alcançar os sonhos e ter tudo o que sempre quis. Entretanto, depois de perceber que as coisas não são tão simples assim – e ter perdido uma grande chance que alavancaria sua carreira -, ela decide voltar para casa e se reerguer do zero. É basicamente sobre isso que Feel the Beat, a mais recente rom-com clichê do extenso catálogo da Netflix fala sobre; protagonizado por Sofia Carson, que fez seu grande début na trilogia fantástica Descendentes, do Disney Channel, a conhecida narrativa já foi explorada à exaustão nas últimas décadas – incluindo Hannah Montana – O Filme e Doce Lar. Então, o que de fato a produção em questão traria de original para os espectadores?
De fato, não há nada de revolucionário em uma obra de baixo orçamento que se valha tanto das fórmulas do gênero. A ideia aqui é a delineação de um enredo que permaneça na zona de conforto e que, valendo-se de praticamente todos os convencionalismos que se possa pensar sobre comédias românticas, é a pedida certa para se ver em família num período que clama por qualquer construção escapista. Não é por coincidência que a trama principal traga uma ambiciosa dançarina chamada April (Carson) para o centro dos holofotes: tentando fazer sua experiência valer ao máximo na gloriosa e controversa cidade de Nova York. Esquecendo-se de suas raízes de Wisconsin e mantendo um breve contato com o pai, ela se prepara arduamente para uma audição e vê seus sonhos sendo destruídos – e sua chance de brilhar na Broadway descartada como um copo plástico.
Sem ter como pagar o aluguel e sem quaisquer trabalhos à vista, ela recorre à casa que outrora deixou para trás e faz um sutil retorno para tudo que sempre quis esquecer. E, levando em conta que cidades pequenas são sinônimo de comunidade, sua volta chama a atenção de várias pessoas – incluindo de sua antiga professora de ballet, Barb (Donna Lynne Champlin), que a convida para uma aula magna na academia de dança New Hope. É aqui que o conflito de gerações e de ideologias começa a ser arquitetado: April, sendo convidada para ensinar as garotas e levá-las para a competição juvenil nacional, não tem um pingo de tato com as crianças e passa a imagem de megera – que, querendo ou não, veio construindo para não ser devorada por suas concorrentes no show business. Porém, ela se esquece que já teve aquela idade e que, apesar de ter se tornado uma impecável performer, ainda é igual a elas.
À medida que a história se desenrola, percebe-se que a diretora Elissa Down opta bastante pela previsibilidade como forma de talvez fornecer uma certa solidez em uma época marcada pela falta de segurança – o que funciona, em certa parte, visto que cria-se algumas sequências inteligentes e engraçadas que servem para colocar em xeque as fortes personalidades protagonistas. Explorando temas como amor adolescente e amadurecimento, principalmente quando acrescenta ao longa-metragem Nick (Wolfgang Novogratz), ex-namorado de April, e Sarah (Eva Hauge), que a enxergava como uma segunda mãe, Down afasta-se dos dramas que pincelaram sua filmografia predecessora e entrega exatamente o que esperamos.
Nesse ponto, o trio protagonista está formado – mas não é tudo. No espectro talhado das tragicomédias ascendentes dos anos 1990, é necessário que a heroína (ou anti-heroína, nesse caso), esteja acompanhada de um braço-direito que servirá como extensão de seu pensamento ou estará ali para ajudá-la a superar adversidades. Deco (Brandon Kyle Goodman) atinge todas as exigências necessárias como o melhor e talvez único amigo de April, um aspirante a estilista de moda que é recrutado para ajudar na confecção das vestimentas das meninas. Num espectro mais além, temos o suprassumo intocável alvo de suspiros da personagem principal: Welly Wong (Rex Lee), diretor de teatro, o homem que ela tenta impressionar a todo custo (e agora, com o auxílio de um time de jovens dançarinas) para se tornar uma estrela.
Cada arco é imprimido e delineado para não falar mais alto do que consegue: em outras palavras, não espere encontrar qualquer complexidade nas personas que pululam em cena ao longo de quase duas horas. De um lado, há a inocência de garotas que desejam, mais que tudo, expressar-se pela dança e não serem encaradas como perdedoras; de outro, a culpabilidade frustrada de alguém que foi derrotada pela realidade e, por isso mesmo, transforma em seu mote de vida a premissa “ter os dois pés no chão o tempo todo” – não pensando muito para dar um choque de realidade em suas otimistas alunas. Eventualmente, esse linear e unidimensional jogo toma outro rumo, caminhando para um final feliz fabulesco e que, apesar de não dizer muitas coisas, é a única pedida possível.
A partir do terceiro ato, ‘Feel the Beat’ rende-se a um número desnecessariamente grande de reviravoltas forçadas, manchando o que poderia ter se mantido aos planos originais. Unindo-as em uma resolução bastante premeditada desde os minutos iniciais, o filme é o mais do mesmo quando o comparamos ao restante das iterações da plataforma de streaming – e, por isso mesmo, nós escolheremos assisti-la de cabo a rabo.
Feel the Beat (Idem – Estados Unidos, 2020)
Direção: Elissa Down
Roteiro: Susan Cartsonis
Elenco: Sofia Carson, Wolfgang Novogratz, Donna Lynne Champlin, Enrico Colantoni, Rex Lee, Brandon Kyle Goodman, Eva Hauge
Duração: 155 min.