O cinema do cineasta francês François Ozon vai muito além das questões cotidianas de seus personagens. Suas histórias, geralmente, exploram o aspecto psicológico com situações que fogem do lugar comum do presenciado em algumas produções do gênero em Hollywood. O diretor gosta de trabalhar as mais diversas relações em seus longas, como em O Amor em 5 Tempos (2004) em que um casal é apresentado do divórcio até o dia que se conheceram e se apaixonaram, e também em O Amante Duplo (2017) em que há uma imersão na mente humana, mas com o foco no relacionamento do casal principal. Em Graças a Deus François Ozon continua trabalhando a trama a partir do ponto de vista das relações humanas, mas neste caso não amorosas.
Graças a Deus é inspirado em uma história real, em que um grupo de rapazes que foram abusados sexualmente por um padre ligado a diocese de Lyon, quando ainda eram crianças, buscam justiça investigando e conversando com várias outras vítimas. Fato resultou na prisão do cardeal francês Philippe Barbarin, assim como mostrado no filme e fez com que se tornasse um escândalo para a igreja Católica. A ideia do diretor francês é a de levar para a tela com o máximo de clareza o drama particular desses agora homens adultos e mostrar o sofrimento que tiveram quando criança.
Para isso o diretor escolhe contar a narrativa sob o ponto de vista de três protagonistas distintos, mas com o mesmo propósito em mente: o de buscar justiça contra os constantes atos de pedofilia praticados pelo padre da diocese no passado. A escolha dos personagens é feita de forma pontual, ao apresentar a vida de um homem (Alexandre) casado e que não consegue esquecer o que aconteceu com ele quando jovem, outro rapaz (François) que tenta esquecer o ocorrido vivendo apenas o presente, e outro (Emmanuel) com problemas de epilepsia possivelmente acarretados pelos sucessivos atos do padre.
A produção ia bem até metade do segundo ato, depois de um tempo acaba por se tornar cansativo e o filme fica chato, pois a dinâmica inicial, com o início das investigações feitas por Alexandre fazia o longa fluir bem, a trama era bem desenvolvida e não havia muita enrolação em contar os acontecimentos. A partir do momento que entram os dois novos protagonistas, François e Emmanuel, passa a ficar extremamente maçante, em alguns momentos a ponto de ser difícil de acompanhar seus traumas e suas histórias de vida.
A ideia é boa, de apresentar pelo olhar dos três protagonistas seus dramas e traumas mais íntimos. O diretor consegue botar para pensar o telespectador a respeito do terror que aquelas crianças vivenciaram. Alguns cortes rápidos na edição ajudariam a dar maior agilidade para uma história que já sofre pela falta de ação por si só. As cenas em que os personagens conversam entre si são frias e sem emoção. Ajudaria se Ozon parasse de dar voltas no roteiro e chegasse ao resultado final mais rapidamente. O que não era nada enrolativo de início se torna extremamente árduo de acompanhar após um tempo.
Não é um tema dos mais fáceis de se levar para a telona, mas Graças a Deus cumpre seu objetivo de chegar à discussão principal sobre os questionamentos da fé e religião, colocando seus personagens, por em muitos momentos, discutir essa relação da perda da fé após os atos cometidos. É uma discussão pertinente, pois a partir do momento em que as então crianças foram abusadas em um local em que deveria ser de amor e paz, é que vem o golpe de Ozon em tentar dar um tom de denúncia para os fatos abordados.
O tom usado para contar a trama é de uma frieza e de uma falta de emoção que faz sentido para o que é relatado, tratar a história de uma maneira mais suave não é a ideia de François Ozon. A emoção fica em segundo plano, mas até a metade do segundo ato, com a chegada de François e Emmanuel os sentimentos passam a ser mais bem discutidos ao entender o problema pelos quais passaram no passado. A linguagem é explícita em alguns momentos, não poupam de mencionar como eram feitos os atos sexuais pelo padre. Neste quesito lembra bastante o filme chileno O Clube (Pablo Larraín) em que um dos personagens fala abertamente e sem pudor algum como eram feitos os abusos sexuais pelos padres.
Graças a Deus não é dos melhores filmes de François Ozon, mas há uma beleza no jeito que o diretor prende a atenção do público, utilizando os traumas dos protagonistas para contar a história, mesmo que em alguns momentos se perca a atenção é por causa do jeito que o longa foi feito, e não por causa de sua trama, que segue o caminho árduo de apresentar a cada passo as angústias de cada um dos personagens. Ozon é um dos grandes nomes, atualmente, do cinema francês e novamente conta uma história pesada e sem alívios, mas que aqui serve mais como denúncia que propriamente como apenas uma reprodução dos fatos como aconteceram.
Graças a Deus (Grâce à Dieu, França – 2019)
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon
Elenco: Melvil Poupaud, Denis Ménochet, Swann Arlaud, Éric Caravaca
Gênero: Drama
Duração: 147 min