em , ,

Crítica | Hellboy (2019) – O pão que o diabo amassou

É um caminho cheio de sonhos destruídos, petições e intrigas hollywoodianas que culminam nesta nova versão de Hellboy nos cinemas. O anti-herói dos quadrinhos de Mike Mignola ganhou as telas pela primeira vez em 2004, quando Guillermo Del Toro dirigiu um bom filme com Ron Perlman no papel principal. Apesar de não ter sido um grande estouro, o longa gerou uma continuação espetacular em 2008, com Hellboy II: O Exército Dourado. Novamente, ainda que tenha sido elogiado, os números de bilheteria não falaram tão alto quanto os críticos e fãs. 

Del Toro e Perlman sempre quiseram produzir um terceiro filme para encerrar a história, mas dois obstáculos entravam no caminho. Primeiro, a Universal Pictures não queria injetar mais dinheiro em uma franquia que não apresentava retorno financeiro nas bilheterias. Segundo, o quadrinista Mike Mignola não apreciava as mudanças feitas por Del Toro na mitologia de Hellboy, que é bem diferente nos quadrinhos do que sua versão cinematográfica. A resposta? Jogar tudo no lixo e dar espaço a um reboot total, que acaba sendo tão ruim quanto o pão que o diabo amassou.

A trama não gasta (tanto) tempo reapresentando a origem do personagem titular, que foi invocado pelos nazistas à Terra para trazer o Apocalipse, mas acabou transformado em força do bem pelo Professor Broom (Ian McShane). Já crescido e com a forma monstruosa de David Harbour, Hellboy se alia ao gente Daimio (Daniel Dae Kum) e a vidente Alice (Sasha Lane) para tentar impedir a vinda da maléfica Rainha de Sangue (Milla Jovovich), uma feiticeira que pretende destruir o planeta com uma praga mortífera.

Roteiro dos infernos

Desde o início, este novo Hellboy busca validação através de tentativas patéticas de se mostrar audacioso e “ousado”. Logo nos segundos iniciais, a narração apressada de Ian McShane para apresentar um prólogo no século V surge cheia de informalidade e palavrões, o que acaba soando mais tolo do que inovador – além de uma clara tentativa de tentar simular a dinâmica de Deadpool e sua quebra de quarta parede. O roteiro de Andrew Cosby é cheio desses momentos de virar os olhos, que ainda insistem em referências forçadas a cultura pop e aplicativos como Twitter e Uber.

Por mais que seja uma trama bem direta, Cosby consegue encher seu texto de enrolação, subtramas completamente episódicas e outras barrigas narrativas que servem para impedir a trama de chegar à sua inevitável conclusão. E ainda que não conheça a fundo os quadrinhos dos personagens, a conexão do protagonista com a lenda do Rei Arthur neste filme é uma das coisas mais estúpidas que vi em muito tempo. Pode funcionar nas HQs, mas no longa é pura conveniência e seus efeitos são praticamente inconsequentes. E pessoalmente… Del Toro foi esperto em manter essa origem longe de seus dois filmes.

A tentativa de ser ousado também se reflete visualmente. Praticamente gritando que é uma obra para maiores de idade, Hellboy aposta em diversos momentos de violência completamente gratuita. Neil Marshall certamente tem criatividade para mostrar desmembramentos e carnificina sem fim, mas nenhuma delas traz o menor peso para a história, e raramente nutre algum efeito em qualquer cena – já que parecem descolados de qualquer ação, como a matança aleatória nas ruas de Londres no último ato.  Isso quando essas ações gráficas conseguem ser realistas, já que os efeitos visuais em sua maioria carecem de verossimilhança. Tudo isso com heavy metal e rock bate-cabeça que certamente devem provocar muito impacto se você tem 10 anos de idade; mal posso reconhecer o compositor Benjamin Wallfisch aqui.

“Save me from the nothing I’ve become”

Como diretor, Neil Marshall até tem boas ideias. A idealização da luta entre Hellboy e três gigantes, que consiste em um longo plano onde o protagonista usa as armas dos brutamontes contra eles mesmos, é criativa, mas a execução é péssima; principalmente pelos efeitos artificias e os nada discretos truques para esconder os cortes do plano falseado. Temos diversos exemplos assim ao longo do filme, e nos outros Marshall acaba limitado a montagem intensa e planos fechados, sem grande imaginação para o espetáculo – e eu não sei quem pensou que seria uma boa ideia ver Hellby num ringue de luta livre mexicana. Uma grande decepção vindo do homem que dirigiu duas das maiores batalhas em Game of Thrones.

E se Marshall passa longe de Del Toro, infelizmente David Harbour não é Ron Perlman. Falta a doçura e o carisma que tornaram aquele Hellboy tão fácil de se gostar e identificar. O ator de Stranger Things tem seus momentos quando surge com alguma tirada sarcástica, mas o personagem é escrito de forma mais apática e durona, e em alguns momentos a pesada maquiagem parece limitar suas feições. Pouco pode ser dito sobre o restante do elenco, com Ian McShane dando a nítida impressão de estar apressado para estar em qualquer lugar menos ali, enquanto Daniel Dae Kum e Sasha Lane passam batido como coadjuvantes desinteressantes. Nem mesmo Milla Jovovich oferece algum brilho de overacting para sua vilã genérica, além 

A Baba Yaga é legal…

Mas se o novo Hellboy tem algum crédito, está em um setor herdado de Guillermo Del Toro: a maquiagem. Ainda que longe da imaginação e estética incomparável do mexicano em seus dois filmes, o reboot se mostra inspirado ao trazer diversos efeitos práticos para criar alguns de seus antagonistas. O destaque fica para a assustadora Baba Yaga, que não só aterroriza pelo visual marcante, mas também pela fascinante performance física da atriz Emma Tate e do contorcionista Troy James, que juntos criam as imagens mais memoráveis de todo o filme. Mas, infelizmente, é mais uma sequência completamente episódica e que em nada acrescenta à narrativa. Serviu como um curta bacaninha, ao menos.

Hellboy é um desastre do início ao fim. É um filme feito pelos motivos errados e que carece da imaginação e criatividade de Guillermo Del Toro, não trazendo nada de interessante ou divertido além de algumas boas maquiagens e uma performance semi-carismática de David Harbour. Nem de longe valeu a pena trocar Hellboy 3 por isto.

Hellboy (EUA, 2019)

Direção: Neil Marshall
Roteiro: Andrew Cosby, baseado nos quadrinhos de Mike Mignola
Elenco: David Harbour, Milla Jovovich, Ian McShane, Sasha Lane, Daniel Dae Kum, Brian Gleeson, Stephen Graham
Gênero: Aventura
Duração: 120 min

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica com Spoilers | Vingadores: Ultimato – O Final Definitivo do MCU

Crítica | Love + Fear – A Jornada Psicológica de Marina Diamandis