Uma das principais características da franquia Jogos Mortais é a sua montagem paralela, que divide a obra, em geral, em dois focos distintos, um nos mostrando a investigação policial, cujo objetivo é encontrar o serial killer Jigsaw, e outro mostra as vítimas do mais recente “jogo” elaborado por esse assassino. Embora se passem em locais distintos e, ocasionalmente, em tempos diferentes, os dois lados da história dialogam entre si, um complementando o outro, enquanto caminham para o mesmo ponto em comum. Por mais que a visão original de James Wan tenha sido deturpada ao longo das sequências do primeiro longa-metragem da série, essa estrutura se manteve intocada.
Jogos Mortais 5, no entanto, comete o erro mais crasso imaginável dentro dessa proposição, criando narrativas paralelas que (quase) nada se complementam, uma praticamente anulando a outra, de tal forma que o filme poderia facilmente existir sem qualquer uma delas. Mais agravante ainda é a própria trama geral, que praticamente nada acrescenta ao universo da franquia, soando mais como um fictício making-of dos jogos de Jigsaw do que qualquer outra coisa – puro fan service dispensável, sem um pingo de criatividade. Antes, contudo, de entrarmos nos outros graves problemas dessa quinta entrada da franquia – e acreditem, eles são muitos – vamos à trama.
Seguindo a mesma premissa da obra anterior, que atua como continuação direta de Jogos Mortais 3, ao contrário dos dois primeiros filmes, que funcionam perfeitamente como obras fechadas em si próprias, o longa em questão nos leva de volta para os minutos finais de seu antecessor, com o agente Strahm (Scott Patterson) sendo preso na sala onde encontrou o corpo de John Kramer (Tobin Bell) – inexplicavelmente, já que o cadáver já havia passado por sua necrópsia em outro lugar e certamente sentiriam falta caso ele tivesse simplesmente desaparecido, mas isso é esquecido pelo roteiro, naturalmente. Dentro dessa sala, o agente encontra uma passagem secreta e mais uma fita, que dá a entender que ele está entrando em um jogo elaborado pelo serial killer. Ignorando os avisos de Jigsaw, ele continua sua jornada, convicto de que o detetive Mark Hoffman (Costas Mandylor) é um dos ajudantes do assassino – algo que descobrimos no filme anterior. Enquanto isso, outro jogo se desenrola com cinco pessoas tendo de vencer uma série de provas que os forçam a trabalhar em equipe.
De imediato, a premissa de Jogos Mortais 5 soa como um sopro de originalidade na franquia – enquanto os grandes twists das obras anteriores girava em torno de quem era o assassino, nesse quinto longa já sabemos quem está por trás de tudo. O whodunnit se transforma na velha perseguição de gato e rato, sem deixar claro quem desempenha cada papel nessa história toda. Ainda que o roteiro de Marcus Dunstan e Patrick Melton dê certa atenção ao detetive Hoffman, contudo, é perdida a oportunidade de nos colocar mais na pele desse criminoso, o que, no fim, acaba não diferenciando muito a estrutura narrativa do filme em relação aos seus antecessores.
Oportunidade perdida, no entanto, é o menor dos problemas da obra, visto que ela traz algumas questões de ativar a incredulidade de qualquer um com o mínimo de atenção. A mais evidente dessas é a investigação conduzida por Strahm, que de trabalho policial realmente não tem nada: ele simplesmente entra em uma sala, olha para o alto, a cena corta para um flashback (making-of dos jogos) e quando retornamos ao presente o agente aprendeu algumas informação nova, como se ele próprio tivesse contemplado esse olhar sobre o passado ou tivesse absorvido, por osmose, tudo o que aconteceu naquela sala. Chega a ser ridículo como o personagem descobre que Hoffman é o assassino, logo nos minutos iniciais, sem levantar qualquer dado, apenas tendo uma súbita epifania.
Para piorar essa situação, é abandonado o notável trabalho em cima das cores da imagem, que acompanhamos nos longas anteriores. Aqui a diferença é mais sutil, o que acaba nos confundindo vez ou outra quando vamos ao passado e não há praticamente nenhuma mudança no tom das cores, ou sequer um filtro mais diferenciado. Jogos Mortais 4 já está longe de ser um bom filme, mas, ao menos, ele demonstra maior preocupação com tais fatores – essa sua continuação nem isso, provando ser uma produção preguiçosa, pouco inspirada e repleta de erros amadores.
Mas ainda falta para acabarmos a longa lista de defeitos da obra, afinal, é preciso comentar sobre o encadeamento dos eventos e sobre a falha montagem paralela criada nesse quinto filme. Os constantes vai-e-vem entre agente, Hoffman e vítimas do jogo são realizados de maneira extremamente burocrática – não há coesão entre as sequências do longa, como se fossem recortes de filmes diferentes colocados ,de maneira alternada, em sequência. A impressão passada é a de que estamos assistindo uma nada boa série de televisão com diversas subtramas se desenrolando paralelamente.
Não satisfeitos com todos os deslizes levantados até aqui, os roteiristas ainda fizeram a questão de criar uma das armadilhas mais absurdas de toda a franquia: uma lâmina gigante que realiza movimentos pendulares – algo que não faz o menor sentido, considerando que a pessoa teria de fazer isso sozinho, sem levantar suspeitas, sendo que poderia fazer algo muito mais simples e mais efetivo. E não irei sequer comentar sobre o fato de ter sido um policial e não um engenheiro que construiu esse monumental exagero.
Ao menos, a direção de David Hackl, que trabalhara como designer de produção na franquia desde Jogos Mortais 2, nos poupa do excesso de planos curtíssimos entrecortados, péssimo maneirismo de Darren Lynn Bousman, que extrapolara a linguagem visual estabelecida por James Wan. Hackl, no entanto, continua a nos mostrar mais do que deveria, esbanjando do gore sem qualquer justificativa, tentando apenas criar algo ainda mais sangrento que seus antecessores – o que, de fato, consegue, criando uma sequência em específico, próximo do fim, de revirar o estômago. Assim como nos três longas que vieram antes desse (o primeiro foge disso), temos a violência como mórbido espetáculo.
Claro que, independente de qualquer erro ou acerto que o filme possa ter, nada irá superar a mais cruel das verdades acerca dessa produção: ela é inteiramente desnecessária. Se jamais tivesse existido, a franquia poderia pular do quatro para o seis sem o menor problema, ao passo que as duas histórias paralelas desenvolvidas em Jogos Mortais 5, além de não dialogarem apropriadamente entre si, não impactam em absolutamente nada a trama geral da franquia. Dito isso, não podemos deixar de enxergar essa quinta entrada da série como um grande filler, que esquece quase que por completo os acertos do longa original.
Jogos Mortais 5 (Saw V, EUA/ Canadá – 2008)
Direção: David Hackl
Roteiro: Marcus Dunstan, Patrick Melton
Elenco: Scott Patterson, Costas Mandylor, Tobin Bell, Betsy Russell, Julie Benz, Meagan Good, Mark Rolston, Carlo Rota, Greg Bryk, Laura Gordon, Joris Jarsky
Gênero: Terror, suspense
Duração: 92 min