Desde que a Marvel Studios tem se aventurado em produções seriadas no Disney+, basicamente levando sua premissa de universo compartilhado para o streaming, esperei por alguma mudança radical. No cinema, o modelo bilionário implementado por Kevin Feige rendeu boas experiências e easter eggs divertidos, mas quase 20 anos depois, já se mostra esgotando a criatividade autoral de seus realizadores.
Passando por WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal, Loki, What If…?, Gavião Arqueiro e Cavaleiro da Lua, é um processo torto para o MCU. Alguns acertos, muitos erros e, só agora, um real investimento em novos personagens. Após o vigilante perturbado de Oscar Isaac, é a vez da heroína paquistanesa Kamala Khan ganhar as telas em Ms. Marvel, uma série que realmente começa com muita promessa, mas infelizmente cai no mesmo lugar comum do MCU.
A trama nos introduz à carismática adolescente Kamala Khan (a estreante Iman Vellani), filha de uma família paquistanesa que mora em Nova Jersey, e obcecada pelos atos grandiosos dos Vingadores e todos os heróis que habitam o universo – em especial a Capitã Marvel. Quando Kamala recebe um bracelete misterioso de sua avó, ganha poderes sobrenaturais que logo a colocam na mira de vários inimigos perigosos; ao mesmo tempo em que parte em uma jornada para entender a origem de suas habilidades.
De início, Ms. Marvel realmente encanta por seu enfoque no coming of age. Mais preocupado em drama adolescente e as pressões do colegial, a série comandada por Bisha K. Ali gasta bastante tempo construindo as relações humanas de seus protagonistas, enfim dando espaço para o cidadão comum, o literal “mundo” que os heróis estão sempre salvando, mas que nunca eram banhados pelo holofote. Seja nas amizades de Kamala e seus amigos de escola, ou nas dóceis cenas envolvendo sua carismática família paquistanesa, o coração de Ms. Marvel bate muito forte.
Fica ainda melhor graças às realizações estéticas da produção. Preenchendo a tela com mais cor, fumaça e neon do que qualquer outra obra do MCU, toda a paisagem visual de Ms. Marvel é de se encher os olhos, especialmente porque seu piloto é ditado pela talentosa dupla belga Adil El Arbi e Bilall Fallah (que conquistaram Hollywood após Bad Boys para Sempre), que injetam energia e emoção nas situações mais cotidianas – é um estilo maravilhoso e digno do que esperamos de uma adaptação de histórias em quadrinhos.
O problema da série começa a aparecer na metade. Ms. Marvel bem que se sairia muito melhor se os grandes perigos envolvessem provas da escola ou castigos dos pais, mas infelizmente o lado MCU fala mais alto e não demora para que vilões de conceitos macarrônicos, lutadores extradimensionais, viagem no tempo e sociedades secretas comecem a estragar o belíssimo tom e contexto perfeitamente estabelecido em seu terço inicial. É uma decisão que ainda acarreta em cenas de ação medianas, efeitos visuais de qualidade duvidosa e mudanças de comportamento apressadas em diversos personagens.
Em uma franquia tão colossal e que satura-se a cada ano que passa, Ms. Marvel tinha o segredo para reinventar a roda: apostar em sua própria simplicidade. Uma verdadeira pena que essa ingenuidade criativa e vibrante troque espaço para a velha fórmula do MCU em sua metade final. Quase uma ótima série.
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