em , ,

Crítica | O Esquadrão Suicida – A DC reescreve sua História

Eu me lembro perfeitamente bem da imensa decepção causada por Esquadrão Suicida após aquela primeira sessão de exibição. Uma decepção que só foi exacerbada pela promessa enorme do material publicitário do filme, que acabou sendo, ironicamente, uma das causas de seu fracasso colossal. Em meio a pós produção do projeto, o filme mais dark de David Ayer foi transformado – após a recepção positiva do alegre primeiro trailer – em uma aberração que flertava com elementos cômicos, coloridos e algo que parece ter saído da MTV dos anos 80 – no pior sentido da coisa. Mais um caso da famosa interferência criativa dos estúdios.

Corta para anos depois, com um cineasta demitido pela Disney e um certo Palhaço do Crime fazendo 1 bilhão de dólares sozinho nas bilheterias, e o grupo de supervilões dos quadrinhos da DC ganha uma bizarra segunda chance nas telas. Difícil chamar de sequência, tampouco de reboot. O que James Gunn faz com o seu apropriadamente entitulado O Esquadrão Suicida é quase como Zack Snyder fez com seu recente novo corte de Liga da Justiça no HBO Max: é uma forma de se reescrever a própria história.

Apesar de não ser necessariamente relacionado ao filme de 2016, não machuca posicioná-lo nesse mesmo universo. Dessa forma, a trama do filme não perde tempo a rapidamente explicar o que é a Força Tarefa-X da durona Amanda Waller (Viola Davis), que reúne mais um time de vilões encarcerados para realizar uma missão secreta que, provavelmente, acarretará na morte de todos da equipe. A tarefa em questão envolve mandar o grupo composto pelos peculiares Arlequina (Margot Robbie), Sanguinário (Idris Elba), Pacificador (John Cena), Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior), Tubarão Rei (Sylvester Stallone) e Bolinha (David Dastmalchian) para uma queima de arquivo intergaláctica em uma ilha na América do Sul que acaba de ser tomada por um regime ditatorial.

Segunda chance

Além de ser uma segunda chance para a franquia (e de seus protagonistas em busca de redenção, de certa forma), este O Esquadrão Suicida também é uma certa forma de redimir James Gunn. Após fazer alguns dos mais autorais filmes na máquina da Marvel Studios com os dois Guardiões da Galáxia, Gunn foi demitido pela Disney após uma polêmica envolvendo tweets antigos do cineasta. A Warner Bros, em busca de um sucesso para sua marca da DC, apostou em Gunn e colocou O Esquadrão Suicida em suas mãos, dando completa liberdade criativa – que está bem presente na tela, com toda a certeza.

No final das contas, Gunn ainda conseguiu seu emprego em Guardiões da Galáxia 3 de volta, mas toda essa confusão acabou rendendo este filme maluco, imprevisível e absolutamente arrebatador que é O Esquadrão Suicida. Por mais que eu goste de ambos os filmes dos Guardiões, sempre senti que Gunn precisava se conter dentro do modelo de filme familiar PG-13 da Disney. Não aqui. Com uma classificação para Maiores, o filme da DC se diverte com uma carnificina brutal (mas cartunesca) e elementos gore verdadeiramente grotescos, assim como diálogos que parecem dar toda a voz que Gunn tentava colocar para fora no MCU; ainda mais por se tratar de uma história protagonizada pelos caras maus, com figuras realmente detestáveis e desprezíveis.

Mas o grande charme do trabalho de Gunn no roteiro é sua capacidade de oferecer arcos dramáticos sólidos à maioria deles. Seja no dilema do Sanguinário para aprender a se tornar um líder ou superar um medo bem específico, a dificuldade do Tubarão Rei em fazer amigos, o trauma digno de Psicose do absolutamente ridículo Bolinha ou a Arlequina tentando descobrir o que diabos fazer com uma lança, todas essas linhas são bem utilizadas dentro da trama geral; além de renderem infinitas munições de piadas sujas e sem freio algum.

Os Velhos e os Novos

Este novo filme ainda consegue um bom aproveitamento de algumas das figuras que estavam no filme de Ayer. O Rick Flag de Joel Kinnaman, mesmo sem o óbvio arco amoroso do original, é muito mais envolvente e simpatizante como o líder do grupo, e mesmo que tenha um tempo de tela bem menor, o Capitão Bumerangue de Jai Courtney garante uma boa presença. Mas é mesmo a Arlequina de Margot Robbie que ganha mais destaque dentro dos nomes “veteranos” do grupo, mostrando-se ainda bem confortável no papel – e protagonizando aquela que, talvez, seja a melhor  e mais florida cena de ação de todo o filme.

Mas o que realmente faz O Esquadrão Suicida brilhar são os novos nomes. A disputa de egos entre o durão Idris Elba e o fanfarrão John Cena é um deleite de se assistir, especialmente pelo timing cômico de Cena como um “herói” que claramente confunde paz com o fascismo, ao passo em que Elba nunca se esforça para ser agradável ou alguém “admirável”, mas seu arco o leva justamente para esse caminho. Sylvester Stallone empresta sua voz para o adorável e abobalhado Tubarão Rei, que rende as melhores piadas do filme, mas a grande surpresa é mesmo a atriz portuguesa Daniela Melchior, que faz de sua Caça-Ratos 2 o elo mais emocionante do projeto, além de apresentar um carisma que rivaliza com o de Robbie e sua Arlequina.

Com peças de tabuleiro tão fascinantes, James Gunn escolhe o tipo de trama que é mais apropriado para um filme do Esquadrão Suicida, e que remete a filmes de ação da década de 70 e 80. A ideia de um país sul-americano sob as mãos de um ditador é bem mais apropriada do que uma bruxa ancestral no primeiro filme, mas infelizmente Gunn não oferece o mesmo capricho para esses personagens vilanescos que parecem ter saído do primeiro longa de Os Mercenários: vilões militares sem qualquer característica interessante, nem mesmo com a presença de Alice Braga para contrapô-los. Ainda bem que o roteiro nos leva para uma virada digna de um filme de ficção científica B envolvendo uma ameaça monstruosa que vai deixar os fãs de quadrinhos muito felizes – e eu como fã de kaijus e ficção científica fiquei bastante satisfeito, principalmente pelos elementos de horror.

Gibi saltando da tela

Dentro da Marvel, James Gunn foi responsável por trazer algumas das composições visuais mais criativas e elaboradas daquele universo marcado pela monotonia cinzenta. Com O Esquadrão Suicida, ele experimenta novas técnicas ao lado do diretor de fotografia Henry Abraham: desde o primeiro minuto de projeção, quando usa uma inversão de eixo em ponta cabeça para enquadrar o reflexo do personagem de Michael Rooker em uma poça de água, já sendo capaz de simbolizar esse “mundo invertido” em que o espectador entrará, tal como “mudar a perspectiva” em relação ao Esquadrão Suicida para os novos espectadores.

Gunn e Abraham adotam uma paleta de cores bem quente e colorida para o restante da produção, se divertindo com elementos mais sujos na cena em que os protagonistas visitam um bar, ou – em um dos meus preferidos – quando a luta entre dois personagens é vista inteiramente pelo reflexo do capacete do Pacificador. Toda a energia do texto de James Gunn se traduz na imagem de forma inventiva e estimulante, assim como a narrativa não-linear que funciona para justificar algumas “muletas” do roteiro e a bela trilha sonora incidental que Gunn equilibra com as ótimas composições originais de John Murphy.

Sendo um filme essencialmente de quadrinhos sem vergonha alguma, O Esquadrão Suicida é um dos maiores acertos da DC nos últimos anos. Poucas vezes vi um diretor com tamanha liberdade em um filme de estúdio desse porte, e me encontrei encantando constantemente com esses personagens coloridos, ridículos e fascinantes.

Que James Gunn continue achando mais espaço para ser ele mesmo.

O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad, EUA – 2021)

Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: Margot Robbie, Idris Elba, John Cena, Daniela Melchior, Sylvester Stallone, David Dastmalchian, Viola Davis, Joel Kinnaman, Peter Capaldi, Jai Courtney, Flula Borg, Nathan Fillion, Michael Rooker, Pete Davidson, Sean Gunn, Alice Braga, Storm Reid, Jennifer Holland, Taika Waititi
Gênero: Ação, Comédia
Duração: 132 min

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | The Flight Attendant: 1ª Temporada – A Comissária que Sabia Demais

Podcast Três É Demais #71 | O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos