A história sobre a produção de O Pequeno Soldado talvez seja mais famosa que a do próprio filme. Na prática, esse seria o segundo filme de Jean-Luc Godard, filmado poucos meses depois de Acossado que também marcaria a primeira colaboração do diretor com a musa Anna Karina que se tornaria sua namorada em pouco tempo.
Marcando o primeiro verdadeiro filme político da sua carreira, Godard focou a narrativa em uma história de espionagem situada em plena Guerra da Argélia mostrando as problemáticas ideológicas do conflito com a união amorosa de espiões de lados opostos. Como o filme tem níveis de violência gráfica moderados e um discurso que complicava o lado dos franceses do conflito, o longa sofreu com a censura até o fim da Guerra com a França reconhecendo a independência do país em 1962.
Com o fim do conflito, a censura francesa liberou a estreia do filme em 1963. E para quem acompanha a carreira de Godard seguindo os filmes na ordem de lançamento, o choque é tremendo.
Trabalhos Duplos
É um fato conhecido que as narrativas de Godard só se tornam mais consistentes a partir de Viver a Vida. Apesar de não ser tão inventivo quanto Uma Mulher é Uma Mulher, o roteiro partilha as características caóticas da história simpática da comédia romântica de 1961. Com a presença massiva de uma narração over que tenta conferir um tom noir bastante falho já que Godard é péssimo em criar atmosfera aqui, ela mais funciona para aglutinar as esparsas cenas da obra bastante confusa.
A narração em primeira pessoa traz diversas explicações para entendermos como o espião Bruno Forestier (Michel Subor) falha em assassinar um alvo importante e logo é procurado por seus comparsas que passam a duvidar da sua lealdade. Nesse meio tempo, ele se relaciona com Veronica Dreyer (Anna Karina), uma outra espiã do lado oposto do conflito também em missão na cidade de Genebra.
Altamente pretensioso, Godard não dá a mínima para a coesão de sua narrativa, inventando regras absurdas ou saídas milagrosas que fazem pouco ou nenhum sentido. Com a quase inexistência de diálogos, temos diversas sequencias repletas de exposição via monólogos, seja do protagonista em narração ou quando ele exibe seus pensamentos para outros personagens. A presença massiva de leituras de trechos filosóficos ou políticos de esquerda também colabora para tornar a obra ainda mais enfadonha.
Como os personagens não parece reais pelo acabamento rudimentar do filme, não existe muita empatia com o casal ou desprezo pelos antagonistas da trama. Mas Godard acerta algumas boas sequências, principalmente a de tortura. Lenta e pesarosa, o diretor não escolhe lados mostrando como ambos utilizavam métodos grotescos para conquistar novas informações. Mesmo que seja também falha na direção, a cena ganha pontos pela coragem da realização.
Se a história de O Pequeno Soldado é uma grande bagunça incompleta apelando até mesmo para a narração para trazer à tona acontecimentos importantíssimos como a morte de uma personagem, o mesmo pode ser dito da direção de Godard, extremamente problemática e imprecisa. Basicamente, não existe clima no filme inteiro, é um exercício estéril incompleto reunido por uma montagem burocrática que nem chega a permitir que o diretor invente novos recursos fascinantes para a linguagem cinematográfica.
De estética verdadeiramente feia, coisa que até então era uma raridade, Godard não traz uma encenação interessante, não injeta ritmo para salvar o filme do marasmo, apesar de notarmos nitidamente algum esforço do cineasta em aglutinar melhor a obra. Visualmente, é apenas interessante o manejo rápido da câmera em movimentos panorâmicos para mostrar diversos detalhes de uma cena.
Pequeno Entrave
O Pequeno Soldado é mesmo uma das menores obras de Godard por seu caráter burocrático que transmite a incômoda sensação de ser um filme incompleto e todo fragmentado. Godard pode tentar fazer o máximo para trazer suas conjecturas filosóficas e políticas através dos monólogos prepotentes do protagonista espião que se torna um virtuoso intelectual em questão de segundos, mas é bem provável que o espectador não vá encontrar a resposta para todos os conflitos ou indagações transformadoras nesse pequeno filme repleto de defeitos até mesmo para o padrão mais relaxado do diretor.
O Pequeno Soldado (Le Petit Soldat, França – 1963)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Michel Subor, Anna Karina, Paul Beauvis, Henri-Jacques Huet
Gênero: Guerra, Drama
Duração: 88 minutos.