Era uma vez um imponente estúdio de Hollywood que buscava formas de se inovar nas telas. Com uma história irretocável em seu passado de animações e clássicos para a família, a Disney encontrava-se em um ponto decisivo no começo da década: prestes a dominar o mundo ao comprar as propriedades da Marvel e a alguns passos de adquirir a LucasFilm e revitalizar Star Wars para uma nova geração – essa dominação continua até hoje, com Mickey Mouse tendo comprado a Fox para expandir seu império.
Mas 2010 foi um ano de virada. Isso por conta de Tim Burton e seu improvável sucesso bilionário com Alice no País das Maravilhas, que oferecia uma continuação para um clássico animado do estúdio. Esse foi o estopim, quando Bob Iger e os executivos perceberam que – por algum motivo – as pessoas estavam interessadas em contos de fadas ganhando uma abordagem live action fantasiosa, desencadeando uma série de produções infinitas que visa replicar esse sucesso, com versões live action de Malévola, Cinderela, Mogli: O Menino Lobo e A Bela e a Fera sendo produzidas; sem falar nos vindouros Dumbo, Aladdin, O Rei Leão e Mulan.
Todos esses filmes foram bem sucedidos, na pior das hipóteses, mas finalmente temos uma evidência de algo dando terrivelmente errado. Desde a proposta bizarra até sua execução catastrófica, O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos representa tudo o que essa fase “moderna” de contos de fadas pode trazer de pior.
Leite de Pedra
A trama nos apresenta a Clara (Mackenzie Foy) a filha mais inventiva de uma família que acaba de perder a mãe, e que agora lida com um pai melancólico (Matthew Macfadyen) na Londres do século XIX. Ao receber um presente inesperado de sua mãe, ela segue pistas para acabar indo parar em um mundo mágico, onde um soldado Quebra-Nozes (Jayden Fowora-Knight) lhe apresenta aos Quatro Reinos e revela que sua mãe foi rainha daquela terra antes de desaparecer. A fim de honrá-la, ela se junta com os regentes de cada um dos reinos para se defender da misteriosa Mãe Ginger (Helen Mirren), que acabou sendo banida para os confins do local, orquestrando ataques com seu exército de ratos.
As chances de fracasso deste Quebra-Nozes eram mais altas do que as dos remakes live action da Disney. A começar pelo fato de não ter uma história já fundamentada para seguir, desajeitadamente tirando pedaços e inspirações de um conto e um ballet, que a roteirista estreante Ashleigh Powell costura no maior aglomerado de clichês e fórmulas gastas que o gênero pode trazer. Pense em todos os estereótipos e convenções do gênero de contos de fadas, mas mal escritos e movidos pela pura conveniência, e temos o roteiro de Quebra-Nozes.
A história carece de bons personagens e de um universo verdadeiramente rico, que nem chega a ser definido ou suficientemente explorado. Há uma explicação tola durante um ballet (para honrar as origens) sobre a criação dos Reinos, mas nota-se um desinteresse até mesmo dos realizadores. Tudo o que envolve Clara e as regentes, que contam com uma insuportável Keira Knightley, são ridículos, assim como o plano maléfico da antagonista – uma que parece ser uma ideia descartada por Burton, além de anacrônico com toda a “lógica” daquele universo. Raios, nem ao menos o Quebra-Nozes tem grande tempo em tela, e seu nome literalmente é o título da produção.
Quintal do Estúdio
É de conhecimento público que a produção do filme foi um desastre, com Joe Johnston (Jumanji) tendo que literalmente terminar o filme de Lasse Hallstrom, e nem quero imaginar a burocracia e os pauzinhos que a Disney deve ter puxado para manter os dois nomes creditados na direção – algo virtualmente impossível para o DGA. Esse caos dos bastidores é nítido durante toda a projeção de O Quebra-Nozes, que alterna entre o monótono e o ridículo com frequência assustadora, jamais sendo possível encontrar um balanço entre os dois diretores envolvidos.
O clímax do filme chega a ser embaraçoso, com o elenco fazendo o que pode para fazer uma coreografia péssima e sem energia funcionar, mas acaba apenas rendendo o riso involuntário. Não é sempre que vemos a imponente Helen Mirren passando tanta vergonha em cena, e fica a prova de seu talento por se esforçar durante uma cena de luta com chicote tão desprovida de adrenalina quanto Indiana Jones recorrendo a seu revolver para matar um bandido em Os Caçadores da Arca Perdida. A grande “batalha de CGI” também é muito abaixo do esperado, sendo resolvida rapidamente e sem a escala que o longa almeja. Fica a impressão de que tudo foi gravado no quintal de algum estúdio, no tempo máximo de alguns dias, com algumas das telas verdes mais horrorosas dos últimos anos.
Se há algo de realmente notável na produção é seu design, que conta com o impecável Guy Hendrix Dyas na função. Ironicamente, Dyas perdeu um merecido Oscar por A Origem para Alice no País das Maravilhas, e agora ele está aqui, trabalhando justamente com essa direção de arte mais fantasiosa. Algo que o executa com maestria, já que todos os cenários e locações apresentam um nível de detalhes considerável, desde as maquinações de relógios presentes em diversos espaços ou a abundância de elementos mais fantasiosos e excêntricos – afinal, a raiz de Tim Burton está sempre presente. Só é uma pena que sejam esforços para um produto defeituoso.
O que foi isso?
Quebra-Nozes e os Quatro Reinos representa tudo o que a Disney pode trazer de pior quando o plano falha, o que no caso vem da ideia absurda até a execução inexplicavelmente ruim. O embelezamento plástico e o carisma de Mackenzie Foy não são capazes de salvar o dia, não quando desesperadamente tenta ser Tim Burton, mais uma vez.
O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos (The Nutcracker and the Four Realms, EUA – 2018)
Direção: Lasse Hallstrom, Joe Johnston
Roteiro: Ashleigh Powell, baseado no conto de E.T.A. Hoffman e o ballet de Marius Petipa
Elenco: Mackenzie Foy, Keira Knightley, Helen Mirren, Morgan Freeman, Jayden Fowora-Knight, Eugenio Derbez, Richard E. Grant, Matthew Macfadyen
Gênero: Aventura
Duração: 99 min