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Crítica | Passageiros (2016)

Como muitos outros filmes de romance que vimos por aí, Passageiros se guia a partir de uma pergunta: devemos aceitar a solidão? Bem, a pergunta, pelo menos, é a mesma nesses filmes.  Porém, o contexto em Passageiros a leva ao pé da letra. Como os trailers não explicam corretamente a premissa, deixo um aviso de possíveis spoilers antes de dar a sinopse. Se quiser ter uma “surpresa” logo ao início do filme, sugiro que leia a crítica após assistir ao filme. Coloco entre aspas pois não é uma surpresa intencional, mas sim consequência da explicação incorreta dos trailers.

Contextualizando, então: a espaço-nave Avalon, num futuro distante, transporta 5 mil passageiros em sono criogênico em uma viagem que durará 120 anos ao todo. O destino é o planeta Homestead 2, futura colônia dos mesmos passageiros. 30 anos de viagem já se passaram. Após atravessar um campo de asteroides, a nave apresenta problemas e uma das cápsulas criogênicas se abre, acordando o mecânico James Preston, interpretado por Chris Pratt (de Guardiões da Galáxia e Jurassic World). Após certo tempo explorando a nave, Jim percebe que apenas ele acordou, 90 anos antes de chegar a seu destino. As cápsulas não podem ser reativadas, mensagens demoram décadas para serem enviadas.  Ele se encontra sozinho. Isso é, se não contarmos o bartender robô (que diz ser um androide), interpretado por Michael Sheen (da série Masters of Sex). Jim passa um ano solitário, cada vez mais cansativo. Conversa apenas com um robô sem pernas, o que parece divertido para nós do século 21, mas que para pessoas do futuro distante deve ser rotineiro.

Jim está sozinho, cada vez mais depressivo, alcoólatra e,  muito provavelmente, doido. Após tentar cometer suicídio, se depara com uma mulher, Aurora Lane, interpretada por Jennifer Lawrence (de Jogos Vorazes), que ainda se encontra adormecida em sua cápsula. Jim fica obcecado por sua figura, pesquisando o máximo que pode sobre ela. Um stalker do futuro, por falta de um melhor termo. Sentindo o peso da solidão e da situação em que se encontra, acaba no dilema central do filme: morrerá sozinho ou condenará outra pessoa ao mesmo destino, para que viva junto dele? Como Jennifer Lawrence não interpreta uma personagem adormecida nos trailers, obviamente Jim acorda Aurora. Conta a ela que sua cápsula também se abriu acidentalmente, para que não acabe hostilizado. A relação dos dois evolui e eventualmente se torna um romance.

Considerando o que foi mostrado nos trailers e em outros materiais promocionais, a sinopse que acabei de dar parece ser de outro filme. Honestamente, é outro filme. O filme que temos é problemático. Mas os principais problemas são, de fato, no “fazer-cinema”. A questão do consenso (ou falta dele) no início do romance mostrado é sim problemática, mas é abordada pelo próprio filme. De maneira atrapalhada e inconsistente, mas abordada. Passageiros é um caso de muitas peças competentes e produto final decepcionante. Pratt e Lawrence estão visivelmente dedicados aos seus papéis e compartilham certa química, mesmo que seus personagens sejam pouco desenvolvidos, e o filme traz efeitos especiais muito bem realizados que, infelizmente, não são muito bem aproveitados. Percebe-se então que para cada qualidade, se tem um ou mais problemas.  Irei por partes, então.

A direção de Morten Tyldum, cujo filme mais recente é o famoso indicado ao Oscar O Jogo da Imitação, é genérica, sem qualquer marca de personalidade. Já provou ser um diretor competente no passado, o que gerou expectativa para esse. No entanto, não faz nada de interessante com o verdadeiramente interessante material que tem. Seu trabalho é tão genérico que uma análise mais aprofundada é difícil de realizar.

A fotografia, de Rodrigo Prieto (de Silêncio, novo filme de Martin Scorsese, ainda não lançado), enquadra bem o ambiente, valorizando a competente direção de arte e design da obra e fazendo com que as cenas mais movimentadas sejam fáceis de seguir. O 3D, ao menos na sessão vista, também é razoavelmente valorizado. Por outro lado, Prieto não faz nada de criativo com essas mesmas cenas de ação ou efeitos, num visual extremamente sanitizado e já esperado do gênero “filme espacial que não é Star Wars ou Star Trek“.

Os principais problemas, roteiro e trilha sonora, estão relacionados diretamente ao grande equívoco do filme: o tom. Um dilema como o de Jim e a sua análise caberiam bem mais em um produto mais sombrio ou melancólico, mas não é o que acontece. O roteiro de Jon Spaihts (de Doutor Estranho), se encontrou na “Black List” por alguns anos, uma lista de roteiros promissores que circulam por Hollywood. Realmente, o argumento é promissor. Também se tem a construção de um mundo interessante, seja pela divisão entre classes sociais pronunciada nas máquinas da nave (a qualidade da comida é dividida pela hierarquia social/monetária dos passageiros) ou a burocracia da empresa Homestead (dona da nave). Mas, novamente, a ideia principal, da solidão, é mal servida por um roteiro cheio de coincidências, pieguices e conveniências que chegam no último minuto.

E a trilha sonora? Provavelmente você está pensando: como uma trilha sonora pode ser um dos principais problemas de um filme? Bem, em Passageiros temos um exemplo. O trabalho de Thomas Newman (grande compositor de Beleza Americana), mesmo que competente, é açucarado e intrusivo demais, atrapalhando diversos diálogos entre Jim e Aurora, onde as atuações de Pratt e Lawrence são, na verdade, bem sutis e equilibradas. Parece tentar guiar as emoções do espectador. Isso não é um problema em si, afinal, as grandes trilhas de John Williams guiam nossas emoções também. Em Passageiros, parecem guiar para a direção errada, criando uma sensação de quebra entre a história e a maneira como é narrada. A direção sem sal e roteiro ambíguo podem ter contribuído aos erros de Newman.

A ética do filme, a questão problemática do consentimento na relação explorada não são, ao meu ver, os principais problemas do filme. Essa é a temática  do filme e é, de fato, abordada ao longo da obra. Se admite o egoísmo de Jim ao acordar Aurora e se tem uma reação a essa escolha. Porém, isso tudo é realizado de maneira rasa, de tom inconsistente, que eventualmente perde de vista tal questão da solidão e consentimento, se tornando ao mesmo tempo em um romance açucarado e em uma ficção científica tantas vezes repetida. O caso é simples: o filme não é tão bom.

Passageiros (Passengers, 2016, EUA)
Direção: Morten Tyldum

Roteiro: Jon Spaihts
Elenco: Chris Pratt, Jennifer Lawrence, Michael Sheen, Laurence Fishburne, Andy Garcia.
Gênero: Romance, Suspense, Ficção Científica.
Duração: 116 min

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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