Prequels são assuntos complicados. Pergunte a George Lucas com sua questionável trilogia sobre a origem dos acontecimentos de Star Wars, ou até mesmo a Peter Jackson em sua insuportável viagem ao passado dos personagens de O Senhor dos Anéis em O Hobbit, e terá ciência de que é algo muito difícil tornar interesse por uma história cujo final nós já sabemos. E não só isso, mas manter o interesse do espectador nos personagens e naquela história, indepentende de seu rumo. Então quando a Fox anuncia que trabalhará em um prequel de Planeta dos Macacos, onde o desfecho da história está literalmente no título, a reação imediatamente é negativa.
Porém, assistindo a este Planeta dos Macacos: A Origem, temos um raro ponto fora da curva: um prequel excelente, que conta uma belíssima história e cuja conclusão já sabida pelo espectador é apenas um mero detalhe. Um filme que tem vida própria e que inicia sua própria jornada não só para fazer jus a sua franquia original, mas para superá-la.
Inspirando-se no quarto filme da franquia (A Conquista do Planeta dos Macacos, de 1972), a trama mostra os eventos que levaram os símios a dominarem o planeta, começando com os experimentos de um cientista (James Franco) obcecado em encontrar a cura para a doença de Alzheimer, conduzindo uma série de experimentos em chimpanzés. Tendo na figura do chimpanzé César (Andy Serkis) a chave para solucionar o problema, o símio acaba desenvolvendo uma inteligência muito mais avançada do que todos poderiam imaginar, algo que pode colocar em risco a própria humanidade.
Planeta dos Macacos: A Origem é uma grande surpresa. Na minha opinião tinha tudo para dar errado, mas felizmente o resultado é mais do que satisfatório. A começar pelo roteiro de Ricka Jaffa e Amanda Silver, que traça perfeitamente a saga dos personagens e cria diálogos e situações eficientes que sucedem em contar bem a história – mesmo que não escape de algumas incoerências (como uma explicação mais elaborada no vírus ALZ 112). De quebra, ainda há muito respeito pelo original (atenção a uma importante notícia de jornal) e diversas referências empolgantes que trarão um sorriso aos fãs do original, com destaque para muitas frases marcantes (“Tire suas patas de mim, seu macaco imundo!”) ganhando novos contextos aqui. Fan service, bem entregue.
Com um roteiro consistente em mãos, o diretor Rupert Wyatt respeita o material e elabora diversas táticas visuais para adaptá-lo às telas, mostrando-se um talentoso contador de histórias que sabe bem quando equilibrar o drama (é tocante a cena em que Cesar olha assustado a seu redor após proteger seu mentor) e a ação – aqui, um espetacular ataque na ponte Golden Gate. Wyartt também mostrou habilidade em trabalhar com efeitos visuais impressionantes na época, mas que hoje demonstram uma certa artificialidade. Wyatt também é inteligente em sua movimentação de câmera, como no sutil movimento onde um dos cientistas segura uma bebida para atrair um chimpanzé, apenas para que tenhamos um zoom out que revele um segurança com uma coleira esperando para capturá-lo.
Encarregados pela Weta – a empresa de Peter Jackson que trabalhou em O Senhor dos Anéis, King Kong, Avatar, entre outros – os efeitos digitais que criam os diversos sídios do filme garantem a eles um realismo assombroso. Chimpanzés, gorilas e orangotangos enchem as telas e têm todas as suas feições e movimentos espelhados pelo CG, que conta com a tecnologia de captura de performance, que ajuda a fortalecer a sensacional performance de Andy Serkis. Inclusive, todas as cenas em que acompanhamos apenas o núcleo dos macacos merecem aplausos pela resolução visual sem diálogos ou exposição, utilizando de enquadramentos bem colocados e até linguagem de sinal para estabelecer uma ligação entre os diferentes símios. É quase um filme mudo protagonizado por macacos, algo que Matt Reeves elevaria ainda mais com sua continuação, 3 anos depois.
Serkis, especialista em personagens computadorizados, mostra mais uma vez que tais performances merecem reconhecimento de premiações. Perfeito como o macaco Cesar, ele utiliza como grande trunfo os olhos (humanos ao extremo), que servem para o personagem expressar-se de forma bem subjetiva, e a captura de performance mantém o impecável trabalho do ator, que desde sempre vem merecendo uma indicação ao Oscar. Será que a Academia enfim quebrará esse tabu com o lançamento de Planeta dos Macacos: A Guerra?
Mesmo com Cesar na linha narrativa principal, os humanos também conseguem brilhar. James Franco traz uma das raras performances de sua carreira onde o melodrama está precisamente na medida, criando um laço fortíssimo com o símio Cesar, enquanto John Lithgow acerta ao explorar corretamente a doença do pai de Will. Do outro lado, Freida Pinto serve apenas como enfeite e muleta narrativa para avançar alguns eventos, e Tom Felton repete o estilo malvado do Draco Malfoy de Harry Potter, ganhando destaque por trazer de volta os icônicos bordões de Charlton Heston.
Entre os valores técnicos, a direção de arte é criativa no design dos laboratórios e nas terríveis jaulas onde os macacos ficam aprisionados. A montagem é ágil e bem coordenada – principalmente nas cenas de ação – e a trilha sonora de Patrick Doyle é excelente, empolgando nos momentos mais radicais a passo em que funciona também nos mais dramáticos.
Alcançando o efeito de reboots como Star Trek e Batman Begins, Planeta dos Macacos: A Origem é um ótimo retorno à franquia original – não incluo aí o fraco remake de Tim Burton – e um dos melhores blockbusters do ano, repleto de agradáveis referências e uma trama bem equilibrada e cheia de conteúdo para refletir. Parabéns Fox, continue assim.
Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of the Planet of the Apes, EUA – 2011)
Direção: Rupert Wyatt
Roteiro: Amanda Silver e Rick Jaffa
Elenco: Andy Serkis, James Franco, John Lithgow, Freida Pinto, Tom Felton, Brian Cox, David Oyelowo
Gênero: Drama, Ficção Científica
Duração: 105 min