A família Gilroy só pode ser uma das mais influentes e trabalhadoras em Hollywood. Entre recomeçar a franquia Bourne e literalmente salvar capítulos da saga Star Wars, os irmãos estão espalhados por diversas produções, seja o experiente Tony Gilroy com seu trabalho em roteiros e direção (vide o ótimo Conduta de Risco), o montador John Gilroy (que até tentou arrumar aquela bagunça estrutural de Esquadrão Suicida) e o novo queridinho da família, Dan Gilroy, que teve uma estreia forte como diretor e roteirista de O Abutre, em 2014, e desde então sumiu dos holofotes. Agora, três anos depois, Gilroy repete a dose com Roman J. Israel, um filme abaixo da crônica noturna de Jake Gyllenhall, mas com qualidades o bastante pra comprovar seu talento.
A trama gira em torno do brilhante advogado Roman J. Israel (Denzel Washington), que tem seu mundo sacudido após seu sócio sofrer um infarto, fazendo com que o escritório e todos os clientes sejam absolvidos pela grande firma de George Pierce (Colin Farrell). Relutante de início, Roman aceita continuar seu trabalho no escritório de Pierce, colocando em prova suas habilidades sociais pouco desenvolvidas – afinal, sempre foi o cabeça por trás dos processos, enquanto seu parceiro representava a face pública da empresa – e também a força de seu código moral, que é testado ao trabalhar em um arriscado novo caso.
De início, preciso tirar o elefante da sala e comentar como Roman J. Israel, Esq. é um título extremamente pavoroso. Mas, por um lado, confesso que sua estranheza e ausência de forma reflete bem o texto igualmente estranho de Gilroy, que parece não saber exatamente qual história quer contar aqui. Tal como em O Abutre, o roteiro mergulha o espectador de cabeça em um universo diferente, mas se antes nos fazia passar o tempo com produtores de TV e cameramen noturnos, agora temos uma trama de advogados e diálogos que trazem inúmeros termos técnicos da área (o famoso juridiquês). Gilroy tira bons diálogos daí, especialmente com a dicção eloquente de Roman, mas em diversos momentos parece estar à deriva, simplesmente relatando algum acontecimento sem importância ou relevância para a trama. Nada no primeiro ato é capaz de prender a atenção do espectador, com o roteiro levando tempo demais para apresentar sobre o quê será este filme.
O maior exemplo disso é a subtrama envolvendo o grupo da personagem de Carmen Ejogo, onde Roman protagoniza uma cena sem nexo algum para o restante do longa, onde tenta discursar sobre a importância de manifestações e protestos sociais – apenas evidenciando como é um homem perdido no passado, mas seus fones de ouvido dignos de Star-Lord já nos gritam isso.
Não sabemos exatamente o que Roman J. Israel quer, e quando finalmente descobrimos, a narrativa já caminhou bastante e o relógio aponta para quase 1 hora de projeção. O fator que torna a jornada interessante é mesmo como Gilroy e Washington constroem o personagem, que de fato parece como uma figura tridimensional. Seus acessórios, penteado e a bagunça de seu apartamento ajudam a concretizar uma figura insegura e confusa, e a performance de Denzel Washington eleva tudo isso. Dentre todos os seus trabalhos recentes, Roman é sua atuação mais sutil e marcada por nuances, sempre com um olhar desconfiado, reações fora de nossa expectativa e a palpável sensação de ser um homem com dificuldade para se relacionar, e que simplesmente despeja suas emoções e intenções ao primeiro sinal de abertura; como na cena em que apresenta seu projeto especial para Pierce, literalmente abrindo sua maleta e mostrando todos os processos no meio da rua, algo que ele faz até mesmo em um ato de defesa pessoal, por medo de uma repreensão que da qual o novo sócio o acusava.
A narrativa fica mais interessante no ponto de virada, que enfim traz algum fator que movimenta a história, e oferece um estudo competente de causa e consequência por parte de Gilroy. Roman toma uma decisão extremamente imoral e incorreta neste ponto, e todo o restante da trama lida com as ramificações dessa ação, e é aí onde o filme tem seus momentos de brilho. A pequena transformação de Roman é divertida, e novamente trazendo excelentes momentos de Washington, e Gilroy explora melhor sua mise en scène ao retratar a paranoia que o protagonista passa a carregar, com direito a uma intensa cena em uma rodovia no deserto, onde brinca bem com a dúvida quanto a Roman estar ou não sendo perseguido por um carro esporte.
Mas, novamente, são momentos. Até mesmo a conclusão da história não deixa de soar um tanto novelesca demais, e que abraça clichês e convenções que não pareciam dignas do mesmo autor de O Abutre. A condução da cena final envolvendo o protagonista é outro demérito, onde Gilroy tenta criar mais uma situação de suspense e o balanço de vida e morte – similar à seu projeto anterior -, mas que aqui sai completamente errado. Aliás, as circunstâncias que tornam possível essa reviravolta são um tanto confusas, e também contradizem a construção mais sutil da paranoia de Roman. No mais, é um final decepcionante e sem inovações, para uma história que finalmente prometia estar caminhando para algo diferente.
Em um nível técnico, não há muito o que se esperar de um longa que passa boa parte de sua projeção ambientado em escritórios contemporâneos. Novamente trabalhando com o diretor de fotografia Robert Elswit, Gilroy capta imagens muito diferentes de Los Angeles, preferindo seu aspecto mais urbano e comercial, evitando os cartões postais de Hollywood, Santa Mônica e até mesmo outras paisagens usadas pelo próprio em O Abutre. É um lado de LA que raramente vemos nos cinema, e como alguém que já turistou pela cidade das estrelas, é realmente inédito ver o sistema de transporte público da cidade – algo bem presente aqui, visto que o protagonista não possui carro, um grande tiro no pé se tratando de LA. A grande decepção nesse quesito fica com a trilha sonora de James Newton Howard, que havia se mostrado tão rico e original na colaboração anterior, agora se rendendo a uma música genérica e que parece tirada de um biblioteca de livre domínio do YouTube, que só nos diz o que devemos sentir e pontua transições de forma pouco envolvente.
No fim, Roman J. Israel, Esq. é um passo bem abaixo para Dan Gilroy, que parecia muito mais inspirado com sua jornada noturna e sombria com O Abutre. Porém, traz características o suficiente para comprovar que sua estreia não foi sorte de principiante, mantendo aqui sua habilidade em construir personagens centrais ricos e multifacetados, elevado por um Denzel Washington inspirado, além de um olhar especial para a cidade de Los Angeles. Só faltou uma história mais cativante e um universo mais rico para circundar sua preciosa criação titular.
Roman J. Israel (Roman J. Israel, Esq. – EUA, 2017)
Direção: Dan Gilroy
Roteiro: Dan Gilroy
Elenco: Denzel Washington, Colin Farrell, Carmen Ejogo, Amanda Warren, Hugo Armstrong, Lynda Gravatt, Sam Gilroy, Tony Plana, Amari Cheatom
Gênero: Drama
Duração: 122 min