em , ,

Crítica | Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis – Fique pelas artes marciais

Desde que inicio sua conquista para dominar a Sétima Arte, a Marvel se especializou em jogar personagens desconhecidos do público geral em grandes produções hollywoodianas. Deu certo com o Homem de Ferro em 2008, com o grupo carismático dos Guardiões da Galáxia e até disputou um Oscar com o sofisticado Pantera Negra há alguns anos. A fim de provar que o toque de Midas de Kevin Feige ainda é poderoso, o estúdio agora aposta na figura ainda mais underground de Shang-Chi, herói dos quadrinhos que ficou conhecido como Mestre do Kung-Fu (uma óbvia inspiração na figura de Bruce Lee) e que agora protagoniza a mais nova peça do MCU. O resultado, porém, é bem misto.

A trama nos apresenta ao personagem titular de Simu Liu, que evita seu passado como um guerreiro marcial ao levar uma vida pacata ao lado de sua amiga Katy (Awkwafina) na cidade de São Francisco. Quando seu vilanesco pai, o Xu Wenwu (Tony Leung) reaparece de posse dos místicos Dez Anéis (que tecnicamente são braceletes), ele precisa encarar seus demônios pessoais em uma jornada que revelará o segredo de sua linhagem, assim como o seu papel no universo.

Kung-fusão

Eu sinceramente estou com sintomas do que a crítica internacional definiu como “superhero fadigue”, especialmente em relação aos filmes da Marvel Studios. Seja pela fórmula manjada, o senso de humor sempre idêntico ou os terríveis filtros de cinza na fotografia, é difícil me empolgar para uma nova produção da Casa das Ideias. A proposta de Shang-Chi, porém, era uma dessas que provocava uma certa curiosidade, principalmente por ser um filme que parece se esforçar para se pertencer a um gênero: o de artes marciais, e ainda por cima com os holofotes em um personagem novo.

Durante metade da projeção de A Lenda dos Dez Anéis, me encontrei positivamente surpreso. Desde o prólogo inteiramente narrado em chinês até a ambientação natural em São Francisco e o uso bem habilidoso de transições entre o passado e presente, o filme de Destin Daniel Cretton é bem eficiente em criar sua própria linguagem e estilo. A encenação mais estilística definitivamente ganha pontos ao contar com o habilidoso diretor de fotografia Bill Pope, cuja experiência na trilogia Matrix ajuda a garantir um flow impressionante para as cenas de ação extremamente físicas. 

Apesar de nem mesmo Pope conseguir fugir do filtro sem graça e visualmente morto do MCU (a não ser quando faz homenagens gritantes a O Tigre e o Dragão), a sequência de luta dentro de um ônibus sanfonado pelas ruas de São Francisco é genuinamente de tirar o fôlego; mérito também da coreografia brilhante e da trilha sonora pulsante de Joel P. West. De forma similar, o embate de Shang-Chi com sua irmã Xialing (a ótima Meng’er Zhang), assim como a subsequente perseguição pelas beiradas de um edifício, também representam ótimos momentos da colaboração Cretton-Pope – ainda que haja um vício enorme em planos-sequência costurados digitalmente.

Perdido na Transição

Meu problema com Shang-Chi começa quando o longa faz a brusca decisão de transitar de um filme de artes marciais para um de fantasia épica. Não pretendo mergulhar em spoilers aqui, mas é uma variação brusca e que envolve uma montanha de exposição nada elegante do roteiro assinado por Dave Callaham, Andrew Lanham e pelo próprio Cretton. Há pelo menos três sequências em que personagens andam de um canto para o outro contando longas histórias que despejam uma mitologia complexa dentro da história, cujo efeito em mim foi do mais puro tédio – que só é eclipsado pelas sequências que preferem evitar qualquer tipo de conversação para mergulhar em batalhas de efeitos visuais genéricas e barulhentas. Tudo o que acontece na segunda metade é uma quebra assustadora com o eficiente longa de artes marciais que vinha se estabelecendo na primeira hora, e eu pessoalmente não via a hora de os créditos começarem a subir.

O que é uma pena, já que se o texto do trio falha nos elementos fantasiosos, conduzia um trabalho interessantíssimo no arco familiar de Shang-Chi, especialmente com seu pai. Vivido pelo habilidoso Tony Leung, a versão “atualizada” do vilão dos quadrinhos Mandarim (fãs de Homem de Ferro 3, se preparem para uma desajeitada explicação) garante uma presença de cena poderosa e imponente, e a motivação por trás de suas ações criminosas é bem justificada até a primeira metade da projeção (novamente, a segunda metade coloca tudo a perder), garantindo também um tom de tragédia bem construído. O conflito também é bem mais pesado quando temos o clássico pai vs filho em um longa assim, e Liu se sai bem ao dividir a cena com o gigante do cinema asiático, mesmo que a performance dos dois acaba tendo que disputar atenção com muita pirotecnia.

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é uma experiência frustrante. Começa muito bem como uma aventura de artes marciais empolgante e com muito mais estilo do que o MCU costuma ter, mas acaba prejudicado por sua brusca transição para mais um espetáculo CGI fantasioso que acaba tirando-o sua força vital. Merecia muito mais.

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings, EUA – 2021)

Direção: Destin Daniel Cretton
Roteiro: David Callaham, Andrew Lanham e Destin Daniel Cretton
Elenco: Simu Liu, Awkwafina, Tony Leung, Michelle Yeoh, Meng’er Zhang, Fala Chen, Wah Yuen, Florian Munteanu, Ben Kingsley
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 132 min

Leia mais sobre Marvel Studios

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Um Comentário

Leave a Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anya Taylor-Joy estará em remake de Nosferatu dirigido por Robert Eggers

Crítica | A Lenda de Candyman – Um conto de violência e horror