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Crítica | Tal Pai, Tal Filha – Ensinando a lição errada

Demonizado pela grande maioria das pessoas, o clichê não passa de um artifício narrativo, que, quando bem empregado, pode verdadeiramente transformar um filme, série ou obra literária. Naturalmente que ele também pode aparecer como forma de subverter a expectativa do espectador/ leitor, preparando-o para algo em específico e, no fim, entregando algo completamente diferente. Enquanto assistia Tal Pai, Tal Filha, que, por acaso, conta com dois dos meus atores preferidos de todos os tempos (mais por questões pessoais), eu esperava ver exatamente isso, falsas pistas conduzindo para X, apenas para, no fim, eu receber o muito bem-vindo Y. Infelizmente, o que eu ganhei foi X mesmo.

A nova dramédia da Netflix começa já de um lugar comum. Rachel (Kristen Bell) está para se casar, de fato, ela já está em seu casamento e, apesar disso, está falando no celular – o que já deveria ser um alerto do que veríamos nos minutos a seguir. Enquanto isso, seu pai, Harry (Kelsey Grammer, o eterno Frasier Crane), que ela não vê desde pequena, está a caminho da cerimônia. Ao chegar lá, no entanto, tudo que ele vê é sua filha ser abandonada pelo noivo, que desiste de ficar com Rachel por ela ser workaholic, chegando a atrasar sua entrada como noiva na cerimônia por estar falando no celular.

Eis que nos deparamos com mais uma história que acaba vilanizando a preocupação de uma mulher – muito bem-sucedida – com sua própria carreira, um tipo de história que já devia ter sido extinta há muito tempo, exatamente por passar a péssima ideia de que mulheres deveriam se preocupar mais com casar do que com suas carreiras. O pior de tudo é que Tal Pai, Tal Filha mais do que justifica a atitude da protagonista – ela estava à beira de trazer um novo cliente, o que acarretaria em uma promoção para o emprego de seus sonhos. Mas não, o casamento é mais importante e ela continuará afastando homens enquanto continuar vivendo dessa forma, ela deveria abandonar o emprego e se tornar dona de casa – ao menos é essa a ideia que o filme parece querer passar, em partes.

Digo em partes, pois, em determinados momentos, o roteiro de Lauren Miller Rogen chega a beirar a (óbvia) realização de que a protagonista pode, ao mesmo tempo, se dedicar à sua carreira e ter uma vida social ao mesmo tempo. Durante boa parte do filme, essa mensagem chega muito perto de se concretizar, basta ela largar o celular de lado de vez em quando (não necessariamente o tempo todo). Infelizmente, a obra acaba morrendo na praia, já que, aparentemente, só sabe lidar com dois extremos, jamais alcançando o ideal meio-termo.

Ironicamente, para o filme funcionar minimamente, todo esse lado empreendedor da protagonista nem precisaria estar presente, tampouco sua vida amorosa. Trata-se de um longa sobre reconciliação entre pai e filha e ambos esses elementos poderiam ser substituídos facilmente por outros pontos. O constante desprezo que Rachel demonstra em relação ao seu pai não precisava ser apoiado pela sua necessidade de estar trabalhando o tempo todo – afinal, ele a abandonou, e sua mãe, quando ainda era pequena, é mais que motivo o suficiente para ela não estar tão disposta a se reconectar com ele.

Dito isso, mais parece que toda a questão do casamento cancelado mais estava presente no roteiro para justificar o cruzeiro de lua de mel, onde maior parte do longa se passa, que acaba virando um cruzeiro de pai e filha. Bastaria ela, como bem-sucedida mulher solteira, querer ir em um cruzeiro e seu pai decidir acompanhá-la para tentar reparar essa relação. O caminho seguido pelo texto acaba fragilizando a história, já que, ao fim, não há muita atenção dispensada ao lado romântico da vida de Rachel – a não ser um breve e estranho caso durante o cruzeiro com Jeff (Seth Rogen).

Para piorar, mesmo o aspecto principal da trama – a reconciliação entre Rachel e Harry – acaba sendo extremamente previsível, a tal passo que, nos minutos iniciais, já sabemos praticamente tudo que irá acontecer, restando apenas o ‘como’. Não por acaso, portanto, que o longa acaba nos cansando já na metade dos seus noventa e oito minutos. Trata-se de um filme que não faz absolutamente nada de novo e nem mesmo o inegável carisma e química entre dois dos atores com os sorrisos mais sinceros de Hollywood, Kristen Bell e Kelsey Grammer, conseguem nos prender o suficiente a ponto de não bocejarmos, mais de uma vez, durante a projeção.

Lauren Miller Rogen, nessa sua primeira empreitada como diretora de longa-metragem, ainda faz algumas escolhas duvidosas ao longo do filme. Para começar, alguns establishing shots simplesmente duram mais do que deveriam, trazendo nítido desconforto em certos momentos, como se ela quisesse aproveitar o mesmo as vistas exuberantes, mas sem saber exatamente como. Além disso, muitas das cenas acabam perdendo sua força – como o final do karaokê – graças a uma péssima decupagem, que mais nos faz sentir como se estivéssemos na última fileira de um show, do que logo de frente, ou até mesmo dentro, do palco. Pasme, mesmo os abraços não soam tão calorosos quanto deveriam, já que há uma clara escassez de closes durante todo o filme.

Tudo isso acaba gerando uma narrativa extremamente fria, que depende mais do que deveria do trabalho de Kristen Bell e Kelsey Grammer, que, como já dito antes, embora carismáticos, não há como levarem todo o filme nas costas.

Assim sendo, Tal Pai, Tal Filha falha como história de reconciliação e falha como o conto de uma mulher que aprendeu como se dedicar tanto à sua vida profissional, quanto à social. Passando a imagem errada, de que uma mulher não é capaz de ser bem-sucedida no emprego e no casamento, o longa cai nas velhas mesmices de sempre, jamais sabendo aproveitar seu elenco ou até mesmo de trazer alguns momentos calorosos, ou melhor, ele até entrega alguns poucos, mas tudo graças a milagres realizados por Grammer e Bell.

Tal Pai, Tal Filha (Like Father – EUA, 2018)

Direção: Lauren Miller Rogen
Roteiro: Lauren Miller Rogen
Elenco: Kristen Bell, Kelsey Grammer, Danielle Davenport, Kimiko Glenn, Wynter Kullman, Brett Gelman, Jon Foster, Elisabeth Ness, Seth Rogen
Gênero: Drama, comédia
Duração: 98 min.

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Publicado por Guilherme Coral

Refugiado de uma galáxia muito muito distante, caí neste planeta do setor 2814 por engano. Fui levado, graças à paixão por filmes ao ramo do Cinema e Audiovisual, onde atualmente me aventuro. Mas minha louca obsessão pelo entretenimento desta Terra não se limita à tela grande - literatura, séries, games são todos partes imprescindíveis do itinerário dessa longa viagem.

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