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Crítica | The Old Guard – A Imortalidade É uma Faca de Dois Gumes

Em 2017, o autor Greg Rucka e o artista Leandro Fernández ganharam aclame e reconhecimento internacional ao lançarem a primeira iteração da fantástica série de quadrinhos The Old Guard, cuja envolvente narrativa misturava elementos da ficção científica, da fantasia e do drama de ação. Não demoraria muito até que algum estúdio enxergasse a história como passível de adaptação audiovisual – e, poucos meses depois do début dos quadrinhos, a Skydance Media, em parceria com a gigante do streaming Netflix, anunciaram a compra dos direitos intelectuais e que trariam Rucka como o roteirista da releitura fílmica. O resultado sem precedentes chegou ao público em meio a uma complicada pandemia mundial como um escapismo perfeito para se divertir – e para se apaixonar por seus complexos personagens.

Assim como grande parte das HQs da década passada, é comum encontrarmos diversos temas sociais presentes em um intrincadas tramas e arcos de tirar o fôlego. Aqui, Rucka usa de sua própria criação para dar vida a algo mais “didático”, por assim dizer, acompanhado da habilidosa mão da diretora Gina Prince-Bythewood, que sai de sua zona de conforto de A Vida Secreta das Abelhas para mergulhar em um gênero totalmente diferente – e que reflete sua versatilidade e sua competência como realizadora cinematográfica. Ainda que valendo-se de certos convencionalismos (o que não necessariamente é ruim, por assim dizer), cada frame é um espetáculo circense de ação que, por vezes, acaba ofuscando os apelos melodramáticos de seus protagonistas – inclusive quando o enredo se destila de explicações e motivos ocasionais demais para se tornarem palpáveis. No final das contas, os deslizes pouco importam: queremos mais – e queremos logo.

A gira em torno da Guarda Velha, um grupo de soldados imortais que se reuniram através dos séculos e lutam para criar um mundo melhor – por mais difícil que isso seja. Charlize Theron também faz sua volta para o universo da ação heroica ao interpretar a líder Andrômaca de Cítia, uma forte mulher que dialoga diretamente com o mito grego da personagem. Andy, como é conhecida nos dias de hoje, é uma sorrateira combatente que já desistiu de guiar as pessoas para o caminho certo e agora sobrevive através de pequenas ações que julga importante para si mesmo e para o time que comanda. Entretanto, as coisas mudam drasticamente quando ela e sua equipe caem numa armadilha e são expostos para uma maligna corporação que quer usar seus genes para conquistar a vida eterna e negar a própria morte.

Mas isso não é tudo: a chegada de um quinto membro para a desconexa e conturbada família põe em xeque a tentativa de acabar com esse “presente de grego” com o qual foram agraciados sem mais nem menos. Nile (KiKi Layne) é uma soldada estadunidense que foi assassinada por um terrorista islâmico e que voltou à vida, levando Andrômaca e os outros a encontrarem-na para protegê-la e explicar quem são. Felizmente, Nile passou longe do radar dos antagonistas da produção e foi utilizada como o trunfo para o impecável embate final – e emerge como uma futura líder quando a personagem de Theron, que já se esgota de suas energias após milênios “na ativa”, dar adeus a seus companheiros.

Enquanto a delineação dos acontecimentos segue um padrão prático o suficiente para nos manter intrigados e torcer para que os “mocinhos” vençam no final, mas longe da ousadia necessária para transformá-lo em um épico bélico, a química do elenco protagonista é o que fala mais alto. Além de Theron e Layne, temos também a presença de Matthias Schoenaerts como o problemático Booker, que viu seus filhos morrerem um a um durante a Era Napoleônica enquanto permanecia com a mesma idade de sempre; um irreconhecível Marwan Kenzari e o adorável Luca Marinelli como Joe e Nicky, respectivamente – inimigos religiosos que se enfrentaram nas Cruzadas e acabaram se apaixonando; e Harry Melling como o sádico Merrick, um jovem CEO da indústria farmacêutica que representa o pior lado do capitalismo – e que deseja capturar os guerreiros imortais a todo custo.

Entre histórias de amor eternas e perdas inestimáveis, o principal obstáculo enfrentado pelo filme é tentar se transformar em uma obra que abranja o máximo de estilos narrativos e cinematográficos possíveis: temos as nuances das produções de execução entrando em conflito com os ressentidos diálogos humanizados entre os personagens; as inflexões melodramáticas que explicam a frieza com a qual Andrômaca encara vida; e reviravoltas premeditadas por alguns foreshadowings previsíveis, mas estruturados bem o bastante para deixar os fãs satisfeitos. E, em outra medida, Theron rende-se a uma atuação incrível, por mais que roube o holofote de seus colegas, cujo passado é brevemente explanado a encargo de preencher certas lacunas nas cenas.

The Old Guard é aprazível do jeito que precisa ser e até mesmo entrega um cliffhanger que segue os passos dos quadrinhos originais – prometendo uma possível continuação que deve expandir a mitologia criada por Rucka. No geral, é uma diversão muito bem-vinda em tempos de crise que cumpre com todas as exigências de um blockbuster, mesmo tropeçando no caminho.

The Old Guard (Idem – Estados Unidos, 2020)

Direção: Gina Prince-Bythewood
Roteiro: Greg Rucka, baseado nos quadrinhos homônimos de Greg Rucka e Leandro Fernández
Elenco: Charlize Theron, KiKi Layne, Matthias Schoenaerts, Marwan Kenzari, Luca Marinelli, Chiwetel Ejiofor, Harry Melling, Veronica Ngo, Anamaria Marinca, Joey Ansah
Duração: 124 min.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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