Até mesmo a fábrica de sonhos tem seu período sombrio. A era da Lista Negra de Hollywood surgiu em 1948 quando a MPAA – Motion Picture Association of America, perseguiu quaisquer artistas que fossem suspeitos de participar do partido Comunista americano ou seguir ideologias identificadas à esquerda no compasso político. Tudo isso foi catalisado pela paranoia crescente conforme a Guerra Fria começava a tomar forma.
Dentre as muitas condenações, um grupo se destacou na resistência contra a opressão estatal dos julgamentos dos artistas. Os chamados Dez de Hollywood se impuseram contra os abusos da associação. Um dos membros de maior prestígio profissional era o roteirista Dalton Trumbo. O peso da perseguição política com Trumbo foi avassalador.
O filme escrito por John McNamara trata justamente dos anos difíceis de Trumbo e a adaptação dele e sua família diante de uma nova realidade. Apesar de possuir um texto satisfatório e uma verve cômica excelente, o trabalho do roteirista é bem instável. Isso já começa no primeiro minuto de projeção. McNamara oferece um estabelecimento histórico tão pobre e cínico que falha em cravar o alicerce do filme.
No primeiro ato inteiro, o mais fraco, o roteirista tenta trabalhar com a ideologia esquerdista, a romantização apaixonada da convicção de Trumbo – estranhamente o personagem mais se comporta como um liberal – e, consequentemente, com os conflitos iniciais da Lista Negra. Infelizmente, tudo é muito rasteiro e maniqueísta. Caindo no vício mais condenável de cinebiografias, ele vitimiza Trumbo além da conta. O personagem é demonizado pela MPAA representada por John Wayne e pela anti comunista ferrenha Hedda Hopper e também por desconhecidos após a exibição de um newsreel.
Já com apenas isso, o roteiro começa a mostrar suas deficiências nítidas. A maior problemática se encontra na figura de Hedda, encarnada por Helen Mirren que sustenta a personagem. McNamara insiste em deixar a mulher como uma caricatura histérica superficial, algo muito próximo de um Dr. Evil de saias. As tramoias e os jogos ardilosos de Hedda deixam isso claro, fora a criação de alguns conflitos inadequados que ela tece em diálogos com Trumbo chegando ao ápice na última cena que os dois personagens contracenam. Hedda é tão profunda como a vilã de uma novela mexicana. Também é muito bizarro como a principal antagonista do filme desaparece por boa parte da fita.
Outro ponto que incomoda é o fato de McNamara lançar muitas ideias interessantes, mas nunca as desenvolvê-las de modo apropriado pela necessidade em encaixar mais períodos na vida de Trumbo. Nisso, o longa torna-se pouco complexo e instável devido à pressa. Nunca temos a oportunidade de entender melhor o processo do Estado contra Trumbo, de observarmos seu período na prisão com mais calma, da ironia de sua posição como uma figura que entretém diversas pessoas que o odeiam, de acompanharmos o processo criativo de filmes importantíssimos como A Princesa e o Plebeu, Arenas Sangrentas ou Spartacus. Até mesmo as amizades e a família de Trumbo saem prejudicadas nisso. E, pior, para quem já conhece a fórmula que o roteirista usa, é possível identificar alguns clichês e reviravoltas antes mesmos delas acontecerem.
McNamara passa boa parte do texto insistindo no desenvolvimento muito dúbio na amizade de Trumbo com Arlen Hird. Seja pelos diálogos desinteressantes ou pela repetitividade desses encontros, a verdade é que pouco ligamos para o relacionamento dos dois ou no desenlace desse arco.
Após abandonar o campo da ideologia e da vitimização do protagonista, McNamara passa a construir uma história significativamente melhor na segunda metade do filme. Infelizmente a pressa em incluir muita coisa permanece, porém com o surgimento de novos personagens e com a exploração da dinâmica familiar de Trumbo, além da deterioração do personagem diante de sessões intensas de trabalho pouco gratificante.
Numa escolha muito inusitada, temos Jay Roach – diretor da trilogia Austin Powers, na direção do longa. Infelizmente, Roach segue uma linha de direção nada inspirada. Trumbo é um filme quadrado tanto no conteúdo quanto na forma. Logo, fica difícil identificar quem falha mais ao trabalhar uma grande história como a vida de Dalton Trumbo, afinal McNamara e Jay Roach não ousam em nada.
O diretor trabalha tanto no piloto automático que a decupagem do filme é quase televisiva de tão pouco variada que é. Repare como sempre há os mesmos enquadramentos quando acompanhamos Trumbo a trabalhar seja dentro de sua banheira ou em seu escritório. Ou então na repetição visual causada pelas muitas inserções intrusivas de newsreels pouco funcionais – somente em um, o diretor aproveita para criar alguma transição visual interessante. Pior, quando Roach resolve inventar algo que acredita ser visualmente apelativo, ele erra veio e acerta o brega. Isso ocorre na cena onde o personagem observa seu nome nos créditos de determinado filme. Roach enquadra o nome de Trumbo através do reflexo dos óculos do personagem enquanto este contempla o feito.
Porém, o visual do filme é satisfatório, por sorte, graças a fotografia adequada e pelo competente design de produção. Assim como o roteiro, Roach apresenta boas ideias pouco aproveitadas. Por exemplo, é difícil não notar a semelhança entre Marat, jornalista importante durante a Revolução Francesa, e Trumbo durante as sessões de escrita dentro da banheira – ambas as figuras históricas tinham esse hábito.
A pressa não é somente característica do texto. O filme inteiro possui um ritmo bom por causa das diversas elipses que sempre nos jogam em conflitos novos, mas ao mesmo tempo que se cria isso, o diretor e o roteirista convenientemente se esquecem de muitas coisas deixadas para trás. Fora isso, percebemos que Trumbo vai evoluindo como personagem, mas não vemos exatamente o que ocorre para realizar essa transformação. Isso se dá bastante com as cenas dedicadas à família de Trumbo. O ápice chega com a inesperada cena do aniversário da filha mais velha de Trumbo e o conflito decorrido nessa passagem para logo depois esquecer essa neurose do protagonista assim como não há o menor desenvolvimento da relação dele com seus outros dois filhos e esposa. Na maioria das vezes, o diretor falha em conseguir criar tensão, pois não há o mínimo de antecipação. Tudo é jogado na tela e resolvido com notória rapidez.
Talvez o maior mérito de Roach seja na direção de seus atores, pois o elenco de Trumbo é muito competente. O destaque fica mesmo na interpretação forte de Bryan Cranston ao encarnar o protagonista. Realmente o ator consegue criar facetas novas para seu personagem. Variando entre a ternura nos gestos de carinho com seus filhos, no olhar obstinado que evocam inspiração nas cenas de trabalho acompanhadas pela excelente trilha musical de Theodore Shapiro, na convicção da voz e na expressão de desdém no julgamento dos Dez de Hollywood entre diversas outras coisas.
Somente na última cena na qual contracena com Louis C.K. – o ator mais fraco do elenco, Cranston puxa uma expressão corporal meio corcunda cheia de indignação e impaciência que lembra muito com as poses que o ator fazia ao encarnar Walter White quando este desmoralizava Jesse Pinkman – se o leitor viu Breaking Bad, não será difícil imaginar a atuação de Cranston. Fora Cranston, John Goodman também brilha ao encarnar o caricato produtor Frank King. Christian Berkel está tão bom quanto com seu excêntrico Otto Preminger. Diane Lane e Elle Fanning também conseguem moldar coisas interessantes com o pouco que havia a trabalhar.
Trumbo: Lista Negra é um filme que segue à risca a receita de uma cinebiografia genérica. Não é de modo algum um filme ruim, mas sim um longa desperdiçado. Com uma história interessante acompanhada do elenco repleto de grandes nomes, é triste perceber como Trumbo poderia ser algo muito mais grandioso do que ele é. A pressa em solucionar conflitos breves para incluir novas passagens na vida do protagonista certamente é o fator que mais prejudica o filme. A direção engessada, porém, razoável de Roach também não permite a criação de elementos interessantes ou genuínos. Não fosse a grande atuação de Bryan Cranston, certamente este longa passaria despercebido aos olhos de muita gente. O que resta é a boa mensagem do filme enaltecendo às liberdades individuais, o humor certeiro, a oportunidade de conhecer um pouco mais da vida de um dos maiores roteiristas da História do Cinema e, também, de uma mancha na história de Hollywood. Um bom filme que se contenta com pouco.