Quando você é um diretor melhor conhecido por filmes de ação, vivendo em uma época onde seu nome é instantaneamente remetido e consagrado como mestre do gênero, você sem dúvidas tem um dos estilos mais privilegiados do momento, o bastante para tal estilo vir a inspirar a de tantos outros até hoje, por mais que nunca tenha o reconhecido crédito. Tudo isso para dizer que, quando você tem e vive essa pequena fama, com certeza você sempre a busca trazer para um território inovador a cada novo filme que realiza.
Sendo exatamente isso que Walter Hill já vinha procurando fazer em sua época dourada dos anos 70 e 80, e com um de seus melhores (se não o seu melhor) trunfos disso foi quando realizou seu clássico instantâneo Warriors: Os Selvagens da Noite, um filme sobre gangues de personalidades e características extrovertidas se esbofeteando nas ruas de Nova York. Agora como isso se tornou grande e especial? Vamos descobrir.
Quando todas as gangues de Nova York são convocadas para um grande encontro desarmados em tréguas, pela regência de Cyrus (Roger Hill), o líder dos Gramercy Riffs, a gangue mais poderosa da cidade de, iniciando um discurso com a proposta de união entre todas as gangues da cidade no intuito de criarem uma só força para dominar à toda Nova York. Mas após Cyrus receber um tiro letal vindo da multidão, a gangue dos Warriors é rapidamente acusada por Luther (David Patrick Kelly) o psicótico líder dos The Rogue, de terem matado Cyrus. Agora a gangue de “mocinhos” devem atravessar o território rivais enquanto são caçados por policiais e todas as gangues da cidade, para voltarem com vida para o seu bairro.
Os Heróis Gregos das Ruas
O filme poderia facilmente se ater à esse conceito simples para fazer de Warriors um filme puramente focado na ação escapista que sua premissa fortemente sugere, onde estamos praticamente assistindo uma espécie de “Battle Royale” de jovens tentando fugir do perigo que os ataca de todos os lados e que está à espreita em cada esquina. Estabelecendo bem seriamente desde o início que qualquer um dos Warriors podem morrer facilmente à qualquer momento, com sua primeira vítima sendo logo o seu líder Cleon (Dorsey Wright), deixando o futuro de cada um dos personagens completamente incerto dentro dessa estrutura de um filme thriller cheio de tensão, mas absurdamente divertido como um belo filme de ação. Ambos gêneros que o filme facilmente se encaixa.
Mas estamos falando de Walter Hill, que como dito no início, sempre buscou trazer algo de inovador para as pequenas histórias que contava, independente do gênero em que estivesse. Apenas veja como alguns de seus filmes sempre foram algo à mais do que aparentavam em suas identidades. Caçador de Morte (ou The Driver) é um Western sobre rodas.; O Último Matador é o segundo remake nunca reconhecido de Yojimbo; O Confronto Final é praticamente sua enorme metáfora das cicatrizes físicas e psicológicas da Guerra do Vietnã, etc.
Então o que Warriors pode ser além de uma luta de gangues? Talvez uma luta de guerreiros indomáveis cuja bravura remete aos heróis gregos da antiguidade. Acham um exagero? Basta apenas perceber o quão pouco Hill realmente se usa da trama e temas presentes da obra de Sol Yurick no qual o filme se baseia, cujo gênero literário remete bem mais à um drama bem sombrio, enquanto as intenções de Hill aqui se mostraram admitidas pelo próprio diretor de se inspirar no conto antigo Anábase.
Cuja história narra a jornada de um grupo de soldados gregos que, em 401 a.C, marcharam desde a costa até o interior do império persa sob o contrato de auxiliarem na guerra contra a Pérsia, para depois iniciarem uma perigosa marcha de volta na tentativa de regressar a casa, envolvendo-se em conflito entre as forças militares da Pérsia e Esparta. No Filme você pode muito bem entender isso como os Warriors sendo os mercenários gregos, os Gramercy Riffs sendo os Espartanos e o resto das gangues são o império Persa dividido em “reinos”.
Uma interessante metáfora que Hill busca embutir no grupo de protagonista, os querendo fazer parecerem os 300 de Leônidas, os Mirmidões de Aquiles, os Jasão e os Argonautas que andam de metrô, interprete como for. Isso sem mencionar os nomes de alguns personagens, tirados diretamente da antiguidade grega como Ajax e Cyrus. Com essas características de uma idéia tão simples, mas com um resultado bem eficiente, querendo mostrar o porque que, como eles próprios se auto classificam, os Warriors são os melhores dos melhores. Capazes de sobreviver à tudo não importa quanto sangue percam. Tome aí essa boa dose de um conto epopeico no seu filme de ação brucutu.
Ainda assim, nem o filme e nem Hill ignoram o cenário característico em que seus personagens habitam e sutilmente aborda a situação social daqueles jovens, algo que fazia parte do livro original de Sol Yurick de forma bem mais brutal e aprofundada, com o foco aqui passando um pouco longe do fator de que esses são jovens escapando da dura realidade de seus lares se desventurando no perigo e na vida crua e violenta que enfrentam nas ruas onde provam ser “verdadeiros homens”, mas onde encontram verdadeira amizade entre si, apenas um resumo leve dos níveis sombrios que o livro aborda.
Enquanto no filme, tanto subentende-se que esses são jovens de origem pobre, como bem representado na cena que eles brevemente cruzam com um outro grupo de jovens bem vestidos e rindo, parecidos saídos de uma festa de formatura, em contrapartida aos maltrapilhos suados e cheios de hematomas que os Warriors estão, e onde o restante do filme perfeitamente ilustra que aquela é a única vida que conhecem e que no final sobreviveram bravamente para contar sua história e buscar sobreviver outro perigoso dia.
Onde mesmo em que tenhamos personagens bem básicos em suas motivações, e cujo certas atuações bem limitadas não ajudam muito como a de Michael Beck como Swan, o novo líder dos Warriors, mas que funciona na medida do possível. Com a especial exceção de David Patrick com o seu vilão Luther, que consegue roubar todas as cenas em que aparece com sua personalidade de um retardado letal que espuma pela boca mas é bem objetivo em suas intenções psicóticas.
Mas o texto consegue ser capaz de criar se não personalidades tão distintas entre os personagens, consegue criar uma motivação bem decente para eles através de outra de suas idéias tão simples mas eficiente, e que parte para uma visão até bem otimista que o filme carrega dessa vida rebelde teen dentro da estética brucutu que cerca os personagens. Algo do tipo “podemos todos morrer nessa vida à qualquer hora, mas a nossa amizade para sempre prevalecerá”.
Dando essa personalidade única bem especial à Warriors, um filme que conseguir adicionar esse tom de lirismo epopeico, com direito aos Warriors no final brevemente contemplarem sua existência frente ao mar como se estivessem no confronto final de um filme samurai; ao mesmo tempo em que estão dentro de um filme que não se leva nada à sério, com as diferentes gangues vestidas como se fossem de diferentes escolas de samba, diferentes raças e tribos vivendo em um coágulo urbano sem lei e ordem, com alguns vivendo sedentos por violência e outros apenas buscando sobreviver. Na verdade, nem tão longe da realidade assim.
E dentro disso tudo, ainda sabe dar o mínimo de coração e personalidade para os seus personagens para nos fazer se importar com cada um, e tudo acaba funcionando absurdamente bem. Mas nada disso seria possível se Walter Hill também não viesse exercitar sua maestria na ação que ele já havia iniciado em Caçador de Morte e se expandiu aqui em novos níveis para a sua carreira.
Um Épico de União e Sobrevivência
Hill sabe criar diferentes tipos de ação dentro de um filme como poucos, variando entre as escalas que o seu palco lhe proporciona, mas todas conseguindo manter uma mesma sustância palpável de brutalidade. Desde saber orquestrar um espetáculo em pequena escala quando vemos as várias gangues enchendo a praça para o discurso de Cyrus, e quando o caos começa conseguimos ver a escala do cenário com os vários figurantes correndo de um lado para o outro como se estivessem em um pequeno filme épico.
Onde ele opta nunca em filmar a cidade com nenhuma ótica aérea, deixando as ruas sombrias complemente ameaçadoras e sem nenhuma escapatória possível, dominadas por um silêncio de incertezas e imprevisibilidades, quase que lembrando um Fuga de Nova York só que dentro de um cenário mais dentro do realista e deixando os confrontos bem mais íntimos.
Nisso mostra também saber criar os momentos de porrada corpo-a-corpo em pequena escala como se fossem uma verdadeira tempestade de violência e brutalidade. Usando tacos de beisebol como espadas, correntes como chicotes letais, e sacando coquetel molotov do bolso numa boa. Sendo um dos raros diretores que usava e sabia habilmente usar uma montagem de cenas frenética, mas precisa em querer criar genuína adrenalina à cada tensa cena de perseguição que se sucedem constantemente no filme, como também as constantes cenas dos moleques se esbofeteando brutalmente.
E você que achava que o recente Missão Impossível: Efeito Fallout continha a melhor luta no banheiro de todos os tempos, necessita mesmo ver a de Warriors para ontem. Uma pequena obra-prima de porradaria franca e com altos níveis de testosterona dentro de um filme já carregado disso em outros setores. Onde até mesmo a sempre presente influência do cinema western que Hill carrega encontra lugar aqui, desde os confrontos cara a cara e trocas de olhares com o uso de belíssimos zooms em câmera lenta que remete aos filmes de Sergio Leone, junto das explosões de sangue que não esconde nem um pouco da brutalidade desse mundo.
Um mundo bruto onde o falso senso de masculinidade superior se perde em meio à uma diária luta pela sobrevivência, dentro desse mundo onde a lei e a moral não tem poder na existência de seus habitantes, mas que é capaz de ser encontrada dentro do valor da lealdade e amizade que o seu grupo de bravos jovens protagonistas carregam, dentro de um mundo dividido por diferentes tribos disputando por território e poder, com alguns apenas desejando o domínio da violência.
Tirando essa classificação à parte, esse filme então seria uma espécie de Faroeste urbano? Um thriller de sobrevivência? Um retrato de uma juventude perdida que se encontra e unem-se em um grupo onde predomina-se apenas a amizade e união, onde não importa sua cor, gênero ou raça, você será aceito e respeitado, e capaz de viver mais um dia para construir sua história no mundo perigoso que habita?! Bem, talvez seja isso tudo mesmo, e é exatamente isso que faz de ambos Walter Hill e Warriors inovadores e especiais!
Warriors: Os Selvagens da Noite (The Warriors – 1979, EUA)
Direção: Walter Hill
Roteiro: Walter Hill, David Shaber (baseado na obra de Sol Yurick)
Elenco: Michael Beck, James Remar, Dorsey Wright, Brian Tyler, David Harris, Tom McKitterick, Marcelino Sánchez,Terry Michos, David Patrick Kelly, Roger Hill
Gênero: Ação, Crime, Thriller
Duração: 92 min