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Hitchcock, o diretor e produtor de Psicose – Parte 1 (o diretor)

Hitchcock, o diretor e produtor de Psicose – Parte 1 (o diretor)

Hitchcock como o maior diretor

Alfred Hitchcock é, muito provavelmente, o maior diretor de todos os tempos. Para dirimir eventuais dúvidas, nesta avaliação entra o conceito de direção, e não de cineasta. Um diretor é aquele que organiza a mise em scène, não necessariamente aquele que faz os filmes que gostamos ou não. Estabelecendo que quem faz filmes é cineasta, e quem manipula a linguagem audiovisual é diretor, a discussão fica desanuviada para nossos propósitos.

Nem sempre Alfred Hitchcock é o escolhido em votações como melhor diretor, principalmente entre votações de críticos. Porém, em geral, quando a votação é feita entre diretores, ele reina inconteste. O que diz muito sobre nossa afirmação primeira.

O que faz de Alfred Hitchcock um cineasta ímpar? Em primeiro lugar, nenhum outro diretor consegue trabalhar a linguagem audiovisual como ele faz. Seus travellings e movimentos de câmera conseguem avançar a narrativa como nenhum outro consegue fazer. Os melhores filmes de Hitchcock, quando resumidos verbalmente, não possuem a força dramática de quando assistidos, confirmando o uso sui generis que consegue fazer da linguagem cinematográfica.  Poderíamos citar uma miríade de exemplos, como a cena do tiro num concerto no Albert Hall em O homem que sabia demais (The man who knew too much, Alfred Hitchcock, 1956), a revelação da chave em Interlúdio (Notorious, Alfred Hitchcock, 1946), o assassinato no chuveiro em Psicose (Psycho, Alfred Hitchcock, 1960). Para sair um pouco do óbvio, acho brilhante a sequência onde James Stewart e Doris Day descobrem o paradeiro de seu filho sequestrado no filme de 1956. Uma parte da sequência pode ser vista aqui. Esta cena ilustra bem Hitchcock como diretor. É um trecho que só se resolve dramaticamente enquanto assistida. O diálogo não narra a cena. Quem nos conta é a câmera, em seus cortes e movimentos, o uso da música, os olhares, a manipulação do espaço diegético. Em 7 minutos, você tem constrangimento (o fato de Doris Day, em evento para a elite britânica, cantar uma música de criança), os pais resolvendo seus problemas por si próprios, uma sequestradora que, pungida pelo sentimento materno, se apieda da situação e da criança e a libera do infortúnio. Tudo isto nos é dito de maneira puramente audiovisual, emocionante, inteligente e instigante. É isto que Hitchcock realiza e que os outros raramente conseguem, e que faz com que os outros diretores o admirem. Cary Grant, ator parceiro do diretor, achava, durante a filmagem de Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), que o filme não tinha sentido, e em Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) um executivo da Paramount só o entendeu depois de pronto[1].  Os melhores filmes de Hitchcock parecem ser obras puramente audiovisuais. Além disso, Hitchcock foi um cineasta de sucesso nas bilheterias.

Entretanto, entre os críticos, Hitchcock não reina absoluto. Os motivos são vários, desde o fato de que críticos, em geral, privilegiam o conteúdo, passando pelo fato de que o gênero policial e de crime nunca teve muito prestígio intelectual, culminando em um preconceito ideológico pelo fato de Hitchcock fazer sucesso, ser rico, conservador e trabalhar em Hollywood. “Sr. Friedkin, o senhor não está de gravata”[2], foi o comentário que Hitch fez ao diretor William Friedkin quando este estreava na direção dos programas de TV do mestre inglês, o que demonstra bem sua formalidade.

Alfred Hitchcock nasceu em Londres, filho de um comerciante de classe média, numa Inglaterra que, até o advento da Primeira Guerra, era o país mais próspero e de maior liberdade comercial no planeta. Uma nação de lojistas (e o pai de Hitchcock era um deles), nas palavras de Napoleão. O que o francês via com desprezo, era justamente o que fazia a força de um povo, que pelo comércio conseguiu se manter independente de um poder centralizador do Rei / Estado.

Num país de maioria protestante, Hitchcock era católico. Em um tempo onde a maioria era magra, ele sempre foi rechonchudo. Interessado por engenharia e filmes, se vê compelido a trabalhar e acaba num estúdio de uma companhia subsidiária americana desenhando letreiros de filmes mudos. Sua evolução é rápida, e acaba indo para Hollywood na virada dos anos 1940. Seu percurso coincide com o percurso da livre iniciativa, que passa da Inglaterra para sua criação, os EUA.

A motivação para o presente texto

Sou um admirador de Hitchcock de longa data, e posso dizer que ele foi decisivo em minha formação. Quando tinha em torno de 14 ou 15 anos, encontrei a primeira edição brasileira de seu livro de entrevistas com Truffaut em uma livraria, durante uma viagem. A leitura deste livro, junto com o relançamento de cinco de seus filmes nos anos 80, dos quais tive a oportunidade de assistir três em um cinema comercial em São Carlos (o que demonstra a incrível pobreza intelectual pela qual passa o Brasil, onde atualmente o acesso à cultura clássica é praticamente nulo em uma cidade no interior…) fez com que eu decidisse estudar Cinema, o que não era um norte da minha vida até então.

Tendo visto 54 de seus 55 filmes, lido algumas biografias, assistido a uma série de making ofs e realmente gostar de seu trabalho posso dizer, sem falsa modéstia, que sou quase um especialista nele.

Por fim, o fato decisivo que me leva a escrever este foi a exibição do filme Hitchcock (Sacha Gervasi, 2012), filme que consegue manter o interesse entre o público mesmo falando de um assunto absolutamente sem conotação popular: uma filmagem.

 

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[1] REBELLO, Stephen. Alfred Hitchcock e os bastidores de Psicose. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. p. 43.

[2] Apud BISKIND, Peter. Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2009. p.221.

Adriano Barbuto

Publicado por Adriano Barbuto

Adriano S. Barbuto é diretor de fotografia, professor de cinematografia e gosta de ir ao cinema, ler, ouvir música e assistir óperas. E fazer longas caminhadas.

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