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Artigo | Os porquês de Pantera Negra não ser isso tudo

É só ok, mas se acalme!

Pois é, reconheço desde já a grande fragilidade que um texto e título como esse podem levantar para os mais irritadiços. Mas se ainda estão controladamente lendo até aqui, tenham noção de que esse texto passa longe de querer tocar ou discutir tópicos étnicos ou sociais cuja obra levanta e que podem ser mesmo de extrema importância para muita gente, e sim se propõe a ser uma análise da qualidade do filme em si como obra e discutir um pouco da grande valorização que o público vem colocado nesse filme desde seu lançamento no início de 2018 até agora.

Agora que a explicação e esclarecimento necessários para tentar evitar o máximo de histeria que o tema em questão pode levantar, comecemos a falar, novamente, sobre Pantera Negra de Ryan Coogler. Mas a primeira questão de todas é: o que mais pode ser dito e discutido do que já não foi dito e discutido sobre esse filme de novo e de novo até hoje?! Talvez o mais bem elogiado de todos os filmes do Universo Cinematográfico da Marvel desde o primeiro Vingadores ou o primeiro Homem de Ferro.

Ou melhor, quotando algumas das mais ditas frases de elogio para esse filme: “O melhor filme solo ou até Marvel desde Homem de Ferro ou Homem Aranha 2” (quem dera fosse); “O melhor filme de super-herói com o melhor vilão de quadrinhos desde O Cavaleiro das Trevas” (tá bom); “O primeiro filme afro-americano de super-heróis de todos os tempos!”. Ok… é mais ou menos compreensível que as pessoas não considerem Blade um super-herói, sendo que ele que tem dois filmes superiores, mas isso é outra história. E creio que o filme “Steel” com Shaquille O’Neal não conta certo? Poderiam pelo menos dizer que foi um dos primeiros bons e de grande sucesso. Sem falar claro dos inúmeros outros tipos de elogios sobre importância racial para o gênero, a indústria, etc.

O “Épico” da Representatividade

Bem talvez não seja uma classificação tão fácil assim de se conquistar, embora o filme tivesse tudo ao seu favor para tal e esse tudo proveio do filme Creed de Ryan Coogler. Um sucesso surpreendente que tanto renovou a franquia Rocky para uma nova geração de fãs, como também lançou o seu diretor e seus talentosíssimos atores como nomes a se prestar atenção. O que Kevin Feige na Marvel com certeza viu, ao ponto de escalar todos os principais nomes para o Universo Cinematográfico da Marvel: Sylvester Stallone em Guardiões da Galáxia volume 2, Tessa Thompson em Thor Ragnarok, e Coogler e Michael B. Jordan aqui em Pantera Negra.

E graças ao talento desses dois, e de toda uma boa equipe por trás do filme, vieram fazer de Pantera Negra o sucesso arrebatador que foi. A tal inegável marca de representatividade racial na indústria cinematográfica, e principalmente no mundo dos filmes solo de super-heróis. Isso tudo graças à enorme e rica personalidade cultural que a equipe e direção de Coogler tinham em desafio e conseguiram trazer à vida uma parte antes não vista do universo compartilhado da Marvel.

A cultura Africana e o fictício mundo de Wakanda trazida à vida dos quadrinhos, de forma visualmente fantástica, misturando uma realidade (razoavelmente próxima do palpável) que consegue conquistar os corações de muitos fãs e pessoas ao redor do mundo, e fez muitos simpatizar com sua boa história e bons personagens que são contadas neste filme, e mais importante para alguns, fizeram os se sentir representados.

Isso é tudo de bom e tematicamente importante para os dias de hoje, mas falando de qualidade como cinema e o filme em questão, diria que outros filmes do MCU como Thor Ragnarok e até Vingadores: Guerra Infinita, fizeram algo se não melhor, pelo menos mais interessante vendo por uma perspectiva de entretenimento. Mesmo que tal também se aplique à Pantera Negra que garante sua boa dose de diversão, mas realmente não muito mais que se pode tirar de altamente memorável, como quase todos os filmes da Marvel.

Então dizer que Pantera Negra se trata apenas de outro filme pipoca da Marvel que você se diverte assistindo, e logo esquece após assistir, não é um grande absurdo. E com certeza aessa altura esse texto e autor estão sendo julgados de racistas por não saber admirar essa “obra-prima” do gênero e um marco do cinema negro sendo levado para um sucesso blockbuster. E claro que há quem argumente o quanto Pantera Negra se diferencia de outros filmes da Marvel em sua história completamente aparte de outros filmes do mesmo universo (que é verdade), e focando em uma narrativa mais tonalmente focada e tomada seriamente, e com um alívio cômico mais comedido, e até mesmo a falta dele.

Embora se por um lado temos aquela horrível piada entre Okoye e o rinoceronte durante a batalha final, no outro temos a fofura e carisma de Shuri de Letitia Wright que conquista com a sua personalidade de Moneypenny jovem pirralha (mesmo que sua piada de “colonizador” se dirigindo ao agente Ross soe como uma completa forçada de barra), mas definitivamente uma personagem e atriz com o potencial para ser muito melhor explorada no futuro. Mas recapitulando, isso tudo não vai impedir o seu filme de entrar no panteão da Marvel de filmes genericamente estruturados.

Algo similar já havia acontecido por exemplo com Doutor Estranho de Scott Derickson. Aquele filme contou com a presença de um ótimo protagonista e com um ator fenomenal como Benedict Cumberbatch que se encaixou como uma luva o interpretando, e com todo um universo rico à sua volta e com boas linhas dramáticas a serem exploradas. Temas sobre a sensibilidade volátil do tempo, e a valorização e fragilidade sobre a existência.

Tudo isso pronto para serem explorados com seu protagonista principal e seus outros personagens, mas o filme perde todas essas oportunidades com um ritmo apressado e um terrível timing cômico, que nem mesmo o seu deleite visual inovador e deslumbrante trabalho em CGI, coberto de criatividade técnica (algo que até Pantera Negra falha criticamente) poderiam o transformar em um grande filme, apenas um bom e divertido, mas longe de ser memorável em seu todo.

Você consegue entender esse mundo, mas tampouco o consegue sentir de verdade. O conceito de Wakanda ser uma realidade escondida dentro da nossa parece boa papel no papel e a construção de antecipação para finalmente a vermos funciona bem, com a boa trilha sonora de Ludwig Göransson conseguindo dar uma identidade sonora a esse mundo antes mesmo de o vermos. Mas exatamente tudo o que vemos dentro dele são tomadas aéreas de longe sobre os mesmos edifícios e lagos, algumas montanhas, templos, etc; se destaca o subsolo azulado com os trens de vibranium e o laboratório legal de Shuri.

O covil nas montanhas do personagem de M’Baku também é visualmente bem legal e interessante, porém se resume também à uma sala de trono e nada mais, pelo menos o personagem de Wiston Duke torne tudo gostável, e ele sim tem a melhor piada contra o agente Ross no filme (“somos vegetarianos”). O fortão e carismático alívio cômico com um coração de ouro é sempre bem-vindo, mas nunca atinge o nível de Drax em Guardiões da Galáxia é claro.

Porém quando realmente vemos a cidade e sua população de perto, é tudo reduzido para apenas UMA rua com população, para nós, o público, vermos T’Challa e Nakia caminhando em apenas duas cenas. Até entendemos essa sociedade e vemos um vislumbre de suas diferentes tribos e classes, distinguidas por um ótimo trabalho de vestimentas tribais e multicolorida que deixa tudo mais intrigante de se ver e querer ser melhor explorado, mas pouco disso acontece.

Só não é um problema tão grave como por exemplo no primeiro Thor onde Asgard parecia mais vazia do que um cemitério. Pelo menos até podemos concordar que esteticamente, Wakanda não deixa tanto a desejar. Mas aí quando entramos nos personagens que a habitam e seus arcos principais…, bem…

A Jornada do “Herói”

O que o filme descreve como a jornada e a luta principal de T’Challa no filme é certeira no papel e o público consegue facilmente a compreende, mas apesar de Chadwick Boseman ser um dos melhores atores que a Marvel já teve a chance de descobrir e explorar seu talento, ele ainda não parece criar uma personalidade completa ou tão única como tantos dizem. Passando o filme inteiro sempre com os mesmos olhares e poses de seriedade que ele já trazia de Guerra Civil, com um pouco de sarcasmo sendo o único vestígio de leveza que podemos encontrar nele, e raramente vê-se um brilho nos seus olhos de admiração e pureza de coração, que nunca é bem explorado, e explodindo raiva e violência em outros.

Funciona na medida e entende-se que no final, o que acabamos de ver, foi o terceiro ato da jornada do Simba em O Rei Leão se transformar em um filme de duas horas, onde o herói acaba provando sua realeza, aprendendo com os erros do passado e de seus ancestrais, algo que ele já tinha parcialmente passado no início do filme e até já lidado em a Guerra Civil, só que melhor expandido claro. Mas ao mesmo tempo, isso parece não dar muita variedade ao personagem, algo que todos os protagonistas da Marvel possuem, até mesmo os personagens secundários aqui como Okoye, Nakia, Shuri, e até o Agente Ross (por mais que ele seja a piada do cara branco recebendo alfinetadas raciais a todo estante).

Mas especialmente o COMPLETAMENTE DESPERDIÇADO Klaue de Andy Serkis. Quer dizer, vocês trazem o próprio excelente e subestimadíssimo ator para o seu filme, para ele mostrar seus reais talentos de atuação que vão muito além de suas performances em motion-capture que muitos ainda só o associam, o deixando mostrar sua grande presença em cena, roubando todas em que aparece com carisma de sobra, e antes do meio do filme simplesmente o matam?

Isso não é uma tentativa ousada de querer quebrar expectativas, e sim mais parece ser um total desperdício de um grande ator e o principal antagonista do herói nos quadrinhos. Mas aparentemente não queriam ter um vilão branco no filme, apenas se livram dele e desperdiçam toda antecipação em Era de Ultron, e ignoram a possibilidade de tentar sequer transformá-lo em uma presença interessante no futuro. Pra quê ter dois ótimos vilões se podemos ter só um, não é mesmo?!

E sim, isso um pouco se justifica levando em conta de que o arco de T’Challa se estende sobre o fato de seu reinado e suas ações como rei, se refletem em contraposição ao papel do vilão principal na história, e nos complexos temas morais e raciais que ele traz consigo. Que nesse caso não seria o papel de Klaue e sim do tão aclamado, até mais que o próprio filme, Killmonger de Michael B. Jordan.

Um papel que é inegavelmente competente, em sua maioria. Killmonger é sim um vilão “compreensivo” em suas atitudes e dramático suas motivações que podemos entender e desprezar ao mesmo tempo, embora algumas pessoas exagerem um tanto demais nas discussões elogiosas sobre o personagem, não só dizendo que ele é o maior vilão do gênero desde o Coringa em O Cavaleiro das Trevas, mas também vir a dizer que ele era o verdadeiro herói do filme e que seu plano sobre armar todos os negros do mundo e iniciar uma guerra contra os brancos era a coisa certa a fazer (isso sim é um discurso muito perigoso).

Parecem ignorar quaisquer tipos de consequências subjacentes que as palavras do personagem proferee em prol de um discurso político extremista que o personagem também suscita. Não é querer dizer ou pensar que todos que dizem isso viriam mesmo a cometer esses atos ou algo parecido, mas os defender como uma boa causa é onde o verdadeiro discurso de ódio começa, e o exagero nos elogios se intensifica.

Killmonger tem um papel simples e direto, ele é o Hamlet que foi levado pelo mal caminho. Uma representação de milhares indivíduos marginalizados pelo racismo e que são consumidos pelo ódio e revolta, tudo isso já deveria ser o suficiente para fazer um personagem interessante, no qual B. Jordan o encarna muito bem como sempre, mas até o filme parece se esforçar para fazê-lo sentir ser um vilão tão razoável e até mesmo perdoável (com direito à uma morte ao pôr do sol).

Ao mesmo tempo em que o filme parece se esforçar em tentar deliberadamente convencer a vilania do personagem, fazendo o ator constantemente abrir um sorriso maquiavélico como se ele rosnasse para dentro. E basicamente o fazer dele, não só um extremista, mas também um machista com mulheres, maltratando cada uma com que interage no filme, matando a própria namorada, enforcando uma senhora, matando uma Dora Milage com um sorriso no rosto.

Meio que te faz sentir falta dos dias com mais simplicidade em que odiávamos amar o Magneto de Ian McKellen ou Michael Fassbender, ou que queríamos dar um tapa no Doutor Octopus em Homem-Aranha 2 e dizer: SAI DESSA HOMEM, VOCÊ NÃO É ESSE MONSTRO! Algo que nós iriamos ter com Thanos, mas esse é outro filme para discutir.

Direção Contida

Outro fator que desestimula o filme de ser melhor do que é, é a própria visão de Coogler, ou melhor, a quase falta dela. Muitos dizem que desde Guardiões da Galáxia 2 temos ganhado mais e mais filmes dentro do MCU com marca autoral de seus diretores, o que não deixa de ser verdade, mas não é o que se viu por exemplo em Homem-Aranha: De Volta ao Lar jogando tão seguro com os desafios pessoais e como herói de Peter Parker, que quase tem zero consequências até o final. O mesmo não é o caso com Pantera Negra claro, mas o filme mostra sofrer muito com uma falta de estrutura sólida. No que diz respeito tanto a narrativa já mencionada, mas também em seu estilo de direção e construção de ritmo.

O filme te faz sentir como se estivesse assistindo a um filme dos Irmãos Russo, só que mais colorido e com uma câmera menos instável, mas não um filme realmente com a marca de Ryan Coogler. Com transições de cena preguiçosas e nem um pouco inspiradas, junto de um trabalho de montagem muito apressado e que quase dá sinais de picotes de cenas por questões de duração.

Sem falar do já tão e merecidamente criticado trabalho em CGI que se é minimamente decente nas cenas paisagísticas, são terríveis nas cenas de ação cartunescas, o que só implica em uma falta de humanidade mais real em sua história. Falando em ação, que é sempre um tema inevitável e de importância nesses tipos de filme, apesar do plano sequência no Cassino (um raro sinal do toque de Coogler) nada realmente se destaca, além dos desafios físicos no torneio de disputa pelo trono que são bem legais e brutais de se assistir. Mas os péssimos efeitos nível gráficos de PlayStation 2, e batalha final clichê do clímax ala Rei Leão, são coisas que realmente fazem o olho rolar de tédio.

O que até te faz se perguntar sobre aonde foi aquele diretor talentosíssimo de “Creed”? O diretor que sabia dar a cada personagem seu pequeno momento para deixar o público ver e sentir seus conflitos íntimos e pessoais, para nos fazer realmente se sentir também íntimos dos mesmos; o diretor que sabia como construir o relacionamento de seus personagens a partir de atos naturais de um ser humano, com pequenas trocas de gestos e gostos comuns, o suficiente para fazê-los sentir realmente como pessoas reais.

Sei que isso é um sobre Pantera Negra, e que os elementos fantásticos e de ficção científica de suas origens das histórias em quadrinhos são inevitáveis em estar presentes e fazer partes da história, mas será que isso é mesmo um grande obstáculo para o diretor ser o que ele é na construção de seu trabalho? Será que ele não estava tão confortável ainda em trabalhar com um grande blockbuster de estúdio e decidiu realizar um filme de forma segura e seguir as regras? Ou o próprio estúdio o impediu de ser mais ambicioso e assegurou-lhe que ele não precisava fazer muito esforço para fazer um sucesso com a marca da Marvel Studios.

A recente notícia sobre como a diretora Lucrecia Martel esteve inicialmente em conversas para dirigir o filme solo da Capitã Marvel e decidiu se afastar devido a certas restrições que a equipe executiva da Marvel dava para os diretores em certos setores do filme, como no design das cenas de ação e o que ou não contar em sua história, só comprovam isso, e até explica porque ela e outra diretora como Ava Duvernay se afastou da direção antes de Ryan Coogler assumir, para ele próprio vir e se ater à tais restrições(?!).

Isso não é um tópico de hoje, mas já é um fato bem recorrente desde muito tempo que um dos maiores erros do MCU está na pós-produção ou até durante as filmagens, que já resultou em inúmeros tropeços técnicos e narrativos em seus filmes, que muitos ainda parecem fazer vista grossa para com essas falhas, abafadas pela diversão sessão da tarde que todos conseguem proporcionar. Claro que isso não é o caso de todos os seus filmes, mas a grande falta de liberdade criativa de seus diretores e apressadas produções já tanto prejudicaram seja história ou efeitos, apenas em prol de entregar um filme de fácil acesso e que vai fazer dinheiro.

Divertido e esquecível…novamente.

No final, isso é exatamente a principal problemática com Pantera Negra. As pessoas o adoravam e o louvam pelo que ele representa culturalmente, mas não pelo que ele é artisticamente como um filme bem realizado ou um personagem devidamente desenvolvido. Que é divertido e simpático por causa de seus bons personagens secundários (bem mais interessantes que o protagonista), e com uma bela cultura e identidade sendo posta a vida, que ao longo do filme é sim capaz de fazer sim você abrir um sorriso em seus pequenos momentos que tenta te abraçar dentro desse mundo.

Mas sua ação ainda tão genérica em execução e a já repetida história Shakespeariana, dessa vez contendo sua afiada temática racial, não são o suficiente para torná-lo em um dos melhores filmes do gênero, tampouco um dos melhores de sua marca genérica e às vezes já batida da Marvel Studios, fazendo bilheterias bilionárias com seus filmes de super-heróis anuais, enquanto filmes de outras marcas e estúdios (e até alguns dentro do MCU) que tentam ir diferentes em tom e estilo, têm seu valor ainda ignorado em prol de um entretenimento enlatado.

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Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

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