Crítica | Westworld - 01x08: Trace Decay
Spoilers!
Senhoras e senhores, mas que hora foi essa. Foram tantos acontecimentos e avanços narrativos neste oitavo episódio de Westworld que eu poderia jurar que tudo aquilo não estava acontecendo em um único episódio. Trace Decay é definitivamente um dos melhores episódios da temporada e que move muitas peças em direção a um caminho muito, muito interessante.
Começamos logo após o clímax surpreendente do episódio anterior, que nos revelara que Bernard (Jeffrey Wright) é de fato um dos Anfitriões secretos que respondem diretamente à Ford (Anthony Hopkins), e temos um ótimo diálogo que traz o andróide questionando suas ações e porque seu mestre o pediria para fazer algo tão odioso; Wright traz uma performance intensa aqui, onde vemos o real amor que a máquina tinha pela falecida Theresa (Sidse Babett Knudsen) e mais discursos existencialistas impecáveis que Hopkins entrega com tamanha presença e sofisticação. A sequência em que Ford obriga Bernard a friamente se livrar de qualquer vestígio que indicasse uma relação entre os dois é poderosa, e também triste justamente por vir logo após uma cena tão emocional.
A morte repentina de Theresa também provoca ramificações no interior dos escritórios de Westworld, especialmente em Charlotte (Thessa Thompson), que claramente não comprou a desculpa de que sua antiga colega escorregou em um barranco enquanto buscava sinal para contrabandear informações para fora do parque. É um momento muito sutil, mas o tom de desafio com que Thompson se refere a Hopkins durante o final da conversa diante do cadáver de Theresa é um bom indicador das ações que a personagem tomaria a seguir, levando-a a diretamente ao roteirista Lee Sizemore (Simon Quarterman), recrutando-o para uma tarefa secreta. E essa é justamente uma das ações que mais levará em direção ao tão aguardado roboapocalipse de Westworld, já que Charlotte e Sizemore entram no depósito de Anfitriões desligados e reativam Peter Abernathy (Louis Herthum), o antigo pai de Dolores (Evan Rachel Wood) que começou toda a série de glitches no primeiro episódio. O que Sizemore e Charlotte querem com ele? Criar uma história que o coloque no trem para fora do parque. Isso vai ser divertido.
E se eu disse que o plot de Charlotte era uma das ações causadoras da inssurreição, é porque a principal delas segue protagonizada por Maeve (Thandie Newton, que merece seu Emmy agora mesmo) e a evolução cada vez mais poderosa de seu sistema operacional. Aqui, pela primeira vez vemos um Anfitrião ferir um humano, quando Maeve ataca o operário Sylvester (Ptolemy Slocum) quando ele tenta desativá-la, em uma cena realmente aterradora - mas triunfante, pois inevitavelmente estamos torcendo pela andróide; e é curioso como Felix (Leonardo Nam) está claramente atraído de alguma forma a Maeve. E agora ela está determinada a sair do parque, ganhando uma atualização perigosa que lhe permite ter poder sobre tudo o que ocorre entre os Anfitriões do parque, facilitando sua estadia no bordel e garantindo que seu colega Hector Escaton (Rodrigo Santoro) execute mais elaborado assalto ao saloon. Foi a melhor cena do episódio, conduzida perfeitamente por Stephen Williams e regada ao som da belíssima valsa Breakfast with Chopin - nada mal para Hector depois de Paint it, Black e Bizet.
Porém, descobrimos mais coisas interessantes sobre Maeve, especialmente sobre os flashbacks que a mostravam com uma criança. Desde antes de ser reprogramada, Maeve era uma Anfitriã que demonstrava problemas para ser desligada e ter sua memória deletada; provavelmente ela mais uma das crias de Arnold, ou simplesmente "predestinada" a liderar a rebelião dos robôs? A personagem agora está focada a criar um exército, então certamente teremos Maeve em alguma posição de líder - algo que a performance de Thandie Newton vai cada vez mais afirmando.
Falando nesse flashback de Maeve, as coisas ficaram intensas para o Homem de Preto (Ed Harris), já que Teddy (James Marsden) sofreu repentinos flashbacks e lembrou-se das cenas do primeiro episódio em que seu companheiro humano o matou e estuprou sua amada Dolores, o que rapidamente colocou os dois em conflito. O que tivemos aí foi um insight valioso sobre o passado do HDP, um que Harris foi capaz de entregar em um envolvente monólogo que revela sua figura trágica e influente fora do parque, com uma vida marcada pelo suicídio de sua esposa em decorrência de seu comportamento violento no parque e a informação de que é "um titã da indústria". HDP também revela que matou Maeve e sua filha em um momento onde buscava testar seus próprios limites, e também quando teve a revelação do Labirinto pela primeira vez. Pela fotografia amarelada das chamas de uma fogueira, foi um momento muito intimista e que enfim removeu a casca grossa do personagem e o tornou mais identificável.
Por fim, temos a jornada de Dolores e William (Jimmi Simpson), que cruzaram o desfiladeiro e finalmente chegaram ao local das pinturas de Dolores, aonde a voz de Arnold supostamente a guiava. Somos levados a um local desolado onde mais flashbacks nos levam aos primórdios do parque, com cenas dos Anfitriões robustos aprendendo a dançar (algo que já havíamos visto de relance em um dos episódios anteriores) e um iminente massacre que gera visões confusas com Dolores ameaçando atirar em si mesma. Tais cenas lembram o cinema de David Lynch, e sugerem que há algo ligado ao início do parque e o envolvimento de Arnold que a protagonista deve decifrar. O núcleo dos dois ainda termina com aguardado retorno de Logan (Ben Barnes), e a situação não parece boa para o casal, já que o antigo amigo aparece com uma tropa de soldados à procura dos dois.
Trace Decay talvez seja o melhor episódio de Westworld até então. Movido por um ritmo intenso e uma série de acontecimentos empolgantes e memoráveis, Westworld caminha para seus dois últimos episódios com a promessa de grandiosidade e respostas. Se manter a linha do que vimos neste episódio, será algo incrível.
Crítica | Westworld - 01x07: Trompe L'Oeil
Spoilers!
Trompe-l'oeil é uma técnica artística que, com truques de perspectiva, cria uma ilusão ótica que faz com que formas de duas dimensões aparentem possuir três dimensões. Provém de uma expressão em língua francesa que significa "engana o olho" e é usada principalmente em pintura ou arquitetura.
Com esta definição que deliberadamente tomei emprestado da Wikipedia, fica bem fácil resumir o que diabos foi este sétimo episódio de Westworld. Na verdade, o conceito da ilusão e do "engana o olho" é uma vertente que pode ser seguida religiosamente por toda a série, desde a dúvida sobre a natureza dos Anfitriões até toda a ideia de realidade aumentada que o parque vende a seus convidados. Com Trompe-l'oeil, finalmente tivemos alguns esclarecimentos e revelações bombásticas, ao passo em que a temporada vai se aproximando do fim.
Ausentes no episódio anterior, voltamos para o núcleo de Dolores (Evan Rachel Wood) e William (Jimmi Simpson), que cruzam um território hostil a bordo de um trem em companhia de Lawrence (Cliffton Collins Jr). Não foi um arco exatamente revelador ou com muitos acontecimentos, mas certamente desenvolveu bem o personagem de William, que finalmente abraçou por completo a experiência de Westworld e parece ser um novo homem, culminando no esperado momento em que finalmente se entrega à tentação e dorme com Dolores. Foram ótimas cenas para Simpson e Wood, que parecem muito à vontade em seus papéis, mas o grande destaque do núcleo ficou mesmo com a elaborada cena de ação que começa quando o trem é parado por um grupo de Confederados e se desenrola para uma perseguição a cavalos que atrai membros de uma tribo indígena selvagem; rendendo um tiroteio empolgante que é bem orquestrado pela direção de Frederick E.O. Toye.
O arco do casal terminou quando Dolores avistou um desfiladeiro peculiar onde um rio o cruza; uma paisagem que ela havia pintado anteriormente enquanto no trem. É quando os dois enfim separam-se de Lawrence, que os alerta sobre o perigo do local e como ninguém nunca havia descoberto todos os seus segredos. Seria aquele, finalmente, o tão procurado Labirinto? Ou ao menos um caminho para ele? Uma pena que o Homem de Preto (Ed Harris) não tenha aparecido para termos alguma luz na situação.
Então voltamos ao aguardado arco de Maeve (Thandie Newton) e sua cada vez mais forte intenção de libertar-se das garras dos humanos. Desnecessário dizer que Newton continua mostrando-se absurdamente incrível na pele da Anfitriã, e aqui podemos ver como seu discurso vai ficando cada vez mais confiante e ameaçador, bem ilustrado no fabuloso diálogo onde afirma que "já morri milhares de vezes, e eu sou boa nisso". Apenas o primeiro de muitos exemplares que o texto de Jonathan Nolan e Charles Yu, que deixam o arco de Maeve mais complexo quando ela testemunha sua amiga Clementine (Angela Sarafyan) sofrendo uma lobotomia no laboratório. O mais interessante é que Maeve não deve saber o que está acontecendo, mas a expressão de Newton é eficiente ao passar a ideia de raiva e tristeza da personagem, que finaliza seu núcleo com a ordem de querer escapar de Westworld e seus laboratórios.
A lobotomia nos leva a outro arco importante do episódio, que nos traz de volta à recém-introduzida Charlotte Hale de Tessa Thompson. Pra começar que a atriz tem pouco tempo na série, mas já mostra-se uma das personagens mais imprevisíveis ao começar o episódio transando com um amordaçado Hector Escaton (isso aí, tivemos Rodrigo Santoro no episódio de hoje) e iniciando uma reunião com Theresa (Sidse Babett Knudsen) ali mesmo, enquanto o Anfitrião as observa. Charlotte nos dá algumas pistas sobre o real interesse da Delos no parque, e confia a Theresa a tarefa de elaborar uma apresentação que comprove o quão perigosos são os Anfitriões de Ford (Anthony Hopkins), o que resulta na brutal cena em que Clementine tem sua programação testada com outro Anfitrião, e forçar sua aposentadoria de forma "amigável", ao mesmo tempo em que coleta propriedade intelectual do parque.
Mas os queixos coletivamente caíram com o núcleo de Bernard (Jeffrey Wright), que foi revelado no clímax do episódio como mais um dos Anfitriões de Ford. Exatamente, mesmo com flashbacks e memórias da morte de seu filho e conversas com a esposa, Bernard é um robô que obedece lealmente tudo o que o idealizador do parque faz, inclusive cometer assassinatos: Ford ordena a Bernard que mate Theresa quando esta encontra seu laboratório oculto. Não só a reviravolta ou a brutalidade do ato foram impecáveis, mas sim o sinistro discurso que Ford entrega à Theresa antes de dar a ordem final, mergulhando ainda mais fundo no lado monstruoso de Ford que já havíamos visto durante aquele antológico jantar.
As coisas serão muito diferentes em Westworld a partir de agora. Com Theresa morta e as intenções de Ford e Bernard agora mais claras, será interessante ver como o patriarca lidará com a presença cada vez mais forte de Charlotte, assim como a ascensão intensa de Maeve a um nível de poder que nem posso imaginar como deve acabar. Mas mal posso esperar para descobrir.
Crítica | Westworld - 1ª Temporada: Trilha Sonora Original
Na tarefa de criar uma série da mesma escala e qualidade da mega produção Game of Thrones, a HBO usou para Westworld algumas das mesmas estratégias que fizeram da adaptação da obra de George R.R. Martin um grande sucesso. Desde um elenco afinado, direção cinematográfica e cenas de ação de primeira, um dos elementos em comum entre as duas séries é a presença do talentoso compositor Ramin Djawadi, que serviu à série de Jonathan Nolan e Lisa Joy de forma absolutamente memorável.
A começar que Djawadi é um mestre no quesito criação de tema. A música de abertura de Game of Thrones virou praticamente um hino, enquanto suas contribuições para o cinema renderam peças memoráveis, como Círculo de Fogo, o remake de A Hora do Espanto e até o deplorável Warcraft beneficia-se de um tema musical memorável. Felizmente, Djawadi oferece algo tão belo e marcante como esses temas para a música de abertura de Westworld, sendo eficiente em transportar todos os diferentes gêneros e elementos da série na composição: o violão que infere o western, o piano que traz o drama e as cordas que sugerem as diferentes narrativas da história, que sabiamente tocam durante a porção da abertura onde vemos as linhas do sistema circulatório sendo construídas no esqueleto dos Anfitriões. Todos os elementos se misturam e rendem uma faixa absolutamente memorável, e cuja melodia já encontra-se tatuada em nossas mentes.
Djawadi segue fielmente essa mistura de instrumentos ao longo da temporada, desenvolvendo diferentes temas que acabam marcados por seus personagens. "Sweetwater" adota a pianola para nos introduzir ao primeiro ciclo narrativo da história, ao passo em que o violão ao fundo deixa sempre presente o ar de western da série, sendo algo digno de um filme de John Ford. A entrada de violinos e cellos aumenta o suspense e o mistério, ao passo em que torna a peça musical moderna e quase anacrônica - esse é um assunto no qual chegaremos em breve. Mas o mais interessante é que Sweetwater surge como um som de rotina fechada graças à repetição das notas e temas, sendo uma melodia deliberadamente repetitiva e que ajuda na identificação geográfica da cidade de Sweetwater durante o decorrer da narrativa.
https://www.youtube.com/watch?v=rYelEUVQ50g
Temas de personagens também garantem faixas memoráveis, com "This World" sendo uma melancólica - mas esperançosa - composição de piano que traduz musicalmente o arco de Dolores Abernathy. De forma similar, "MIB" traz uma gaita marcante e uma orquestra pesada para conferir o tom de ameaça e perigo ao Homem de Preto, e o fato do sopro assemelhar-se com o barulho do chocalho de uma cobra é algo muito sensato para o personagem. Já o complexo Dr. Robert Ford ganha um longo tema que aposta em uma pesada e dramática orquestra de violinos e cellos, conferindo ainda mais peso à fantástica criação de Anthony Hopkins.
Porém, quando a série toma rumos mais sombrios e abraça completamente o aspecto ficção científica de sua proposta, a música de Djawadi também transforma-se. Os instrumentos mais tradicionais dão espaço a composições inteiramente eletrônicas, como ouvimos em "Freeze All Motor Functions "e "Violent Delights", ambas associadas ao núcleo da fuga da Anfitriã Maeve das instalações de Westworld. A pulsação e a distorção de sons abstratos garante uma atmosfera tensa e imprevisível, além de conferir um senso de ameaça ainda maior para a implacável Maeve.
E, finalmente, os anacronismos. Através da pianola no saloon Mariposa, Djawadi tem a oportunidade de se divertir ao trazer diversas músicas pop convertidas para o instrumento característico do Velho Oeste. Ouvimos hits como "House of the Rising Sun", "Black Sun Hole", 'Fake Plastic Trees", "Back to Black" e 'No Surprises", o que conferem um ar de modernidade à série - nos lembrando constantemente de que o parque é ambientado no futuro, garantindo um dinâmico anacronismo. Por exemplo, observar a triunfante caminhando pelo cenário western de Sweetwater ao som de um clássico de Amy Winehouse em forma de piano é um pequeno e poderoso momento.
https://www.youtube.com/watch?v=3iZ9JRVmJ5o
Além da pianola, Djawadi oferece versões de orquestra para duas grandes canções em cenas memoráveis: "Exit Music (For a Film)" do Radiohead para o discurso final de Ford no último episódio, garantindo uma catarse emocional profunda, e a imortal "Paint it, Black" dos Rolling Stones para a apresentação do bandido Hector Escaton durante o assalto ao saloon. Esta última em particular talvez seja um dos momentos musicais mais memoráveis da série, graças a imponência das cordas, pianos e trompetes que Djawadi oferece à canção dos Stones, e confesso que o resultado é quase tão bom quanto a original, sem falar que transformou-se no tema não oficial do personagem de Rodrigo Santoro.
Ainda sobre o anacronismo, vale mencionar como Djawadi pegou duas canções melancólicas e as deixou ainda mais impactantes com seu cover de violinos. "Motion Picture Soundtrack", também do Radiohead, ganha uma versão tristíssima e digna dos músicos do Titanic para a pesada seqüência em que Maeve descobre a natureza artificial de seu mundo, e as cordas de Djawadi passam quase que rasgando a garganta do espectador. Já "Something I Can Never Have", do Nine Inch Nails, substitui o piano e a voz suave de Trent Reznor por uma percussão de cordas agudas e graves que garantem um tom místico e cerimonial para a orgia onde William, Dolores e Logan encontram em Pariah. É um efeito muito similar ao de Jocelyn Pook na trilha sonora original de De Olhos Bem Fechados.
Westworld foi um espetáculo tanto em sua narrativa quanto em sua trilha sonora original. Pelas mãos de Ramin Djawadi, a série western sci-fi ganhou uma identidade única e anacrônica, graças a um misto de composições criativas e covers de canções modernas. Mal posso esperar para ouvir o que a pianola do Mariposa vai tocar na segunda temporada...
Crítica | Westworld - 01x10: The Bicameral Mind
Spoilers!
Antes da exibição de The Bicameral Mind, o season finale da primeira temporada de Westworld, os showrunners Jonathan Nolan e Lisa Joy prometeram que o episódio de duração de 90 minutos responderia a todas as nossas perguntas e solucionaria a maioria dos mistérios - deixando na incógnita apenas os rumos para o qual a já confirmada segunda temporada tomaria. É uma promessa complicada de se fazer, ainda mais considerando o intrincado jogo narrativo que Nolan e Joy vêm realizando desde o primeiro episódio, mantendo o espectador constantemente se questionando e bolando teorias sobre os rumos, algo que eu não via acontecer com tamanho entusiasmo e vibrância desde o auge de Lost, que também trazia J.J. Abrams como produtor.
Esses 90 minutos nos garantem tempo de sobra para que Westworld amarre as pontas necessárias. Começamos com Dolores (Evan Rachel Wood) recolhendo mais pistas de sua relação complicada com Arnold (Jeffrey Wright), ao passo em que é brutalmente atacada pelo Homem de Preto (Ed Harris). Bem... Acho que não temos mais a necessidade de se referir a ele sob essa alcunha, já que - como se no episódio anterior já não estivessse bem claro - temos uma sequência caprichada e envolvente que explica a transformação de William (Jimmi Simpson) na figura violenta e sombria intepretada por Harris. É um núcleo que acaba enriquecido pela direção competente de Nolan, que acerta ao enfatizar que o trauma do personagem veio justamente pela desilusão criada por si próprio quanto à natureza de Dolores, e o choque que este tem ao vê-la retornando à sua rotina programada e não lembrando-se dele mesmo. Um desenvolvimento de personagem simples, mas poderoso, marcado pela transição perfeita do chapéu preto de William para o do MiB.
Entendemos também o que diabos é o Labirinto, que é nada mais nada menos do que uma forma de Arnold entender o funcionamento da consciência e encontrar uma forma de criá-la nos Anfitriões, algo no qual ele é bem sucedido até que Ford (Anthony Hopkins) repreenda a ideia e o faça desistir. Isso leva Arnold a incitar Dolores a matar todos os Anfitriões do parque, revelando que ela também é o que Teddy (James Marsden) compreende como Wyatt, o complexo antagonista da misteriosa nova narrativa de Ford. Dolores mata todos os demais Anfitriões, e termina com um tiro na cabeça de Arnold antes de acertar sua própria, enfim amarrando as pontas à imagem misteriosa da moça com o revólver mirando a própria cabeça. Todas essas cenas têm uma montagem primorosa, que esconde as transições entre passado e presente de forma engenhosa e ágil.
Paralelamente, acompanhamos o segmento mais empolgante do episódio, e talvez de toda a primeira temporada: a fuga de Maeve (Thandie Newton) e sua violenta jornada para explorar o mundo dos humanos. Isso rende uma cena onde Hector (Rodrigo Santoro) e Armistice (Ingrid Bolsø Berdal) despertam no laboratório de Westworld e violentamente atacam seus criadores e a equipe militar enviada para detê-los. É uma excelente cena de ação que constantemente nos remete ao Exterminador do Futuro, especialmente pelos tiroteios mecanizados e a trilha sonora pulsante de Ramin Djawadi. Além da violência e da coreografia, o grande diferencial da cena é que Nolan parece sempre interessado nas reações de Santoro e Berdal, que parecem surpresos e assustados ao ver que são capazes de facilmente exterminar os "deuses", e como esse sentimento rapidamente transforma-se em sadismo. "The gods are pussies."
Mas o aspecto mais provocador desse núcleo vem quando Maeve reativa o corpo de Bernard, que novamente traz à tona o fato de que a programação de Maeve havia sido alterada por alguém. Vamos além quando descobrimos que absolutamente tudo o que Maeve havia feito até então, o questionamento, a fuga e o recrutamento de mais Anfitriões para ajudá-la, era apenas parte de sua nova narrativa. Ainda que a Anfitriã rejeite essa ideia, o texto de Nolan deixa espaço para que o próprio espectador questione se tudo era mesmo parte da programação, mas sua fuga definitivamente faz parte de um plano maior, o que nos leva ao gancho onde Maeve - prestes a sair do parque - acaba voltando atrás e segue em busca da filha que fora parte de sua narrativa anterior; aquela onde William brutalmente as assassinou.
E que plano é esse? Oras, a nova narrativa de Ford. Exato, como se Anthony Hopkins já não tivesse demonstrado lados complexos e misteriosos de Ford, ele revela uma camada inteiramente distinta ao nos trazer a revelação de que sua nova narrativa envolve justamente a dominação do mundo pelas mãos dos Anfitriões. Através de seus impecáveis monólogos, Ford faz uma genial comparação entre suas ações com o quadro A Criação de Adão, de Michelangelo, onde a conquista do divino veio na verdade de méritos próprios - ele inteligentemente aponta que as formas dos anjos ao lado de Deus assemelham-se com o formato de um cérebro. Então, fica claro que Ford no fundo concordava com Bernard, que os Anfitriões tinham sim o direito de ter uma consciência própria e terem suas próprias vidas; de que os dois haviam de fato criado Vida.
Dessa forma, Ford segue os passos de seu amigo e acaba sendo morto por Dolores, logo após apresentar ao Conselho da Delos sua ousada nova narrativa. Vemos Dolores então atirar em praticamente todos ali, William maravilhando-se ao ver uma horda de Anfitriões surgindo pela floresta, e sorrindo ao perceber que estes podem de fato machucá-lo, e o início de um caos absoluto. É o início da tomada dos Anfitriões e o apocalipse cibernético que vínhamos esperando acontecer desde o início, agora guardado para um imenso potencial na segunda temporada.
E assim termina uma longa e redonda narrativa de 10 episódios, uma que merece aplausos pela maestria de construir-se um mistério instigante e o nível de simbolismos e teorias para desenvolvê-los. Westworld revela-se mais um acerto monumental da HBO, que corajosamente aposta em temas complexos e um ritmo que testará a paciência do espectador, ao mesmo tempo em que o deixará perdido em um labirinto de teorias e reviravoltas.
Mas a recompensa na saída... Pode apostar que vale a pena.
Crítica | Westworld - 01x05: Contrapasso
Se eu já achava Westworld um mundo gigantesco, Contrapasso continuou a explorar fronteiras inimagináveis deste universo artificial. À medida em que nos traz alguns indícios de respostas, apresenta mais alguns mistérios e indica um futuro interessante para seus personagens, que vão ficando cada vez mais ricos e interessantes.
O grande foco do episódio ficou no núcleo de Dolores (Evan Rachel Wood), William (Jimmi Simpson) e Logan (Ben Barnes). Seguindo a dica de um fora-da-lei que implorou por sua vida, o grupo segue para a perigosa cidade de Pariah, e o próprio Logan alerta que "quanto mais longe de Sweetwater, mais intenso e realista fica o jogo". A chegada ali acaba os levando para uma outra tarefa, designada pelo chefão Lazlo (Cliffton Collins Jr, exato, o mesmo intérprete de Lawrence, chegaremos aí em alguns instantes) que coloca o grupo na divertida missão de assaltar uma carruagem e roubar um carregamento de nitroglicerina.
Isso insere mais ação para o episódio, além de mergulhar no desenvolvimento de William e seu apego cada vez maior ao jogo: William matou Anfitriões e parece claramente apaixonado por Dolores, para total alegria de Logan. Aliás, a relação entre os dois ficou mais intensa e a bomba-relógio que vinha lentamente sendo ativada enfim estourou. Conhecemos alguns detalhes da vida fora do parque de William e Logan, e um atrito entre os dois força a separação de seus núcleos. E devo dizer, muito interessante que tal confronto ocorra em meio a uma das orgias mais explícitas e hipnotizantes desde o baile mascarado de Stanley Kubrick em De Olhos Bem Fechados.
Já Dolores está cada vez mais confusa e as alucinações que sua personagem sofre ao longo da narrativa ficam cada vez mais incisivas. Por exemplo, como Ford (Anthony Hopkins) foi capaz de realizar uma entrevista com Dolores sendo que ela no momento encontrava-se em Pariah com William e Logan? Seria tudo uma projeção em sua mente? Uma espécie de avatar de Dolores existe dentro da central de Westworld para que Ford ou os Programadores comuniquem-se com ela? Sabemos que Ford estaria em Pariah algumas cenas à frente, então ela fisicamente foi retirada do local? Is this the real life?
Independente da resposta, o que tiramos dessa excelente cena foi a revelação de que Dolores era próxima do falecido Arnold, e que teria prometido a ele ajudar a destruir o parque. E, o mais impressionante, ela foi capaz de ocultar seu contato com a voz misteriosa (que podemos assumir quase com certeza ser do próprio Arnold) de Ford, e parece agir de acordo com uma agenda misteriosa. Aliás, cada vez mais parece-me real a existência de duas Dolores - algo que o próprio Bernard (Jeffrey Wright) metaforicamente sugeriu em um episódio passado -, a Dolores "real" e a que parece "guiá-la" em seu caminho de libertação. A performance de Evan Rachel Wood é inteligente nesse quesito, principalmente durante a sequência em que a personagem vê ela mesmo em uma tenda de cartomantes. E por fim, ver Dolores enfim trocando de figurino e tendo a epifania de que "seu papel não precisa ser o de donzela" e eliminando um grupo de pistoleiros sozinha foi muito empolgante.
O outro grande núcleo do episódio foi dedicado ao Homem de Preto (Ed Harris) e sua busca pelo Labirinto. Lembram-se de quando mencionei Lazlo? Pois bem, a série foi sutil em nos revelar como fora possível que tivessemos o mesmo personagem em dois lugares, com o HDP matando Lawrence e, por consequência, reiniciando seu loop como o destemido criminoso Lazlo; e a câmera de Jonny Campbell foi esperta na revelação de Lazlo em sua "ressurreição" em Pariah. Agora usando Teddy Floods (James Marsden) como seu novo companheiro, a jornada do HDP não avançou muito em termos de ação, mas certamente rendeu uma das mais esclarecedoras cenas de toda a série até então.
HDP e Ford encontram-se em Westworld. Como se já não fosse incrível o suficiente ver Ed Harris e Anthony Hopkins contracenando juntos, o roteiro de Lisa Joy oferece um diálogo instigante que sugere muito sobre a relação entre os dois e o mundo exterior. O HDP está muito interessado no Labirinto, enquanto Ford parece não ver sentido nisso, e também que ele é "o vilão que o jogo merece" e que está à espera de uma adversário digno - questionando se o tal Wyatt cumpriria essa função. Foi uma ótima cena no quesito "ritmo passivo-agressivo", mostrando o respeito que os dois homens nutrem um pelo outro, mas também uma certa ameaça e desconfiança - confesso que senti um leve toque de Fogo contra Fogo aqui.
Já nos corredores internos de Westworld, dois acontecimentos de extrema importância aconteceram. O primeiro deles ainda envolve o Anfitrião perdido do terceiro episódio, e a obsessão de Elsie (Shannon Woodward) em entender o motivo de sua falha e porque exatamente ele tentou matá-la. Secretamente dissecando o cadáver, Elsie encontra um dispositivo que indica uma conexão com o mundo de fora; ou seja, alguém utilizava deste Anfitrião para obter informações de dentro do parque. O HDP está envolvido demais no jogo para ser espião, mas não descartemos a possibilidade de Logan estar envolvido nisso, já que o revelador diálogo inicial com William revela sua posição como investidor em potencial no parque.
O segundo acontecimento ofereceu um final bombástico para Contrapasso. Algumas cenas antes, acompanhávamos um pouco do núcleo de dois "açougueiros"de Westworld, especificamente aqueles que testemunharam o despertar acidental de Maeve (Thandie Newton) no segundo episódio. Enquanto um deles, Felix secretamente tentava aprender códigos de programação, eis que o cadáver de Maeve acorda novamente; dessa vez consciente e aparentemente lúcida, clamando que ela e o "médico" precisariam conversar. Uma cena arrepiante e ao mesmo tempo empolgante, seja pela performance de Newton ou pelas possibilidades que essa ação possam trazer para futuros episódios.
Já estamos na metade de Westworld e sinto que teremos algumas respostas muito em breve. Contrapasso foi um episódio primoroso em virtualmente todos os aspectos, mas principalmente na forma eficiente em que desenvolveu seus personagens e revelou camadas humanas e inumanas de seus personagens, sejam eles Anfitriões ou Convidados.
Crítica | Westworld - 01x04: Dissonance Theory
Spoilers!
Ao longo dos três textos de Westworld que escrevi, não pude deixar de tecer comparações entre a série da HBO e o fenômeno de Lost e seus mistérios que cresciam como uma boneca de Matrioshka. Para minha surpresa, Dissonance Theory funciona bem como uma eficiente bússola narrativa que deixa algumas coisas mais claras e não tem medo de revelar alguns mistérios, algo que Lost só faria em um espaço de mais temporadas adiante. Mas não pensem que por isso Westworld ficou menos interessante ou cativante. Pelo contrário.
Como tem sido um hábito, o episódio começa com Dolores (Evan Rachel Wood) em mais uma sessão com Bernard (Jeffrey Wright). Mas antes que entremos em mais uma discussão redundante sobre a liberdade da personagem, retornamos para o último ponto onde a havíamos visto: sob os braços de William (Jimmi Simpson) e Logan (Ben Barnes), que preparavam uma caçada a um fugitivo quando Dolores acabou cambaleando para o acampamento da dupla. O núcleo dos dois ficou ainda mais divertido com a inclusão de Dolores, já desenvolvendo ainda mais o personagem de William, que cada vez mais torna-se afeiçoado ao parque e à filha do fazendeiro, ao mesmo tempo em que nos dá mais tempo para ver Ben Barnes agindo de forma deliciosamente canalha.
A jornada dos dois ofereceu ainda mais flashes misteriosos de Dolores, agora traçando uma conexão com o Labirinto que o Homem de Preto (Ed Harris) vem buscando desde o primeiro episódio. O mais curiosos é o fato de Bernard claramente mencioná-lo durante sua sessão com Dolores no início do episódio, como se oferecesse um papel nele a ela. Mas ao mesmo tempo, é agradável ver a relação entre Dolores e William fortalecendo, especialmente no desfecho do núcleo, onde Dolores se desvia mais ainda de sua narrativa ao acompanhar os dois em um rumo perigoso para a caçada - de acordo com Logan, seria um "nível mais divertido do jogo, um easter egg". Seria o Labirinto do qual estamos tanto estamos ouvindo falar?
Ausente no episódio anterior, a narrativa mais agitada certamente foi a do Homem de Preto. Ainda acompanhado de Lawrence (Cliffton Collins Jr ), sua missão de encontrar o Labirinto ganha uma reviravolta interessante ao descobrirmos o significado real da "cobra sangrenta", diretamente relacionada à tatuagem de cobra da pistoleira Armistice (Ingrid Bolsø Berdal), uma das comparsas de Hector Escaton (Rodrigo Santoro). O HDP oferece um acordo tentador à Armistice, prometendo resgatar Hector de uma prisão em troca do segredo por trás de sua tatuagem. É uma interação inesperada e que rende mais momentos excelentes da sagacidade de Ed Harris.
Isso também resulta na ótima sequência em que o HDP resgata Hector da prisão, utilizando um mero fósforo como principal instrumento de fuga. Aliás, é curioso como os padrões para certos personagens vão se repetindo mesmo que estes não tenham ciência disso, como a tomada que praticamente recria o primeiro momento em que o HDP salvou Lawrence da forca, com o plano parado no rosto do condenado enquanto os tiros ao fundo revelam a chacina de seus captores. Foi ótimo rever Rodrigo Santoro aqui, e ainda de quebra ganhou mais uma elaborada sequência de "assaltar ao saloon", dessa vez ao som de uma rendição moderna de "Habanera", de Georges Bizet.
Também foi possível tirar 3 fatores importantes desse núcleo: a conexão entre Armistice e a chacina da gangue de Wyatt, o fato de que o HDP realmente é um Convidado (e um famoso, dada a cena em que um outro Convidado o reconhece) e também de que o mesmo definitivamente não é o misterioso Arnold.
Por falar nele, precisamos comentar o que anda acontecendo na nova Narrativa de Ford (Anthony Hopkins). Vimos um maquinário absurdo movendo rochas e aparentemente construindo algo inteiramente novo no parque, o que provoca diversas mudanças nas demais Narrativas e a fúria do Conselho e da implacável Theresa Cullen (Sidse Babett Knudsen). A situação resulta em um jantar passivo-agressivo entre os dois, com exemplos formidáveis da direção certeira de Vincenzo Natali e do ótimo roteiro de Jonathan Nolan e Ed Brubaker. Pela primeira vez, vemos o quão ameaçador Ford pode ser, e a performance de Hopkins durante sua ameaça pacífica de "fique fora do meu caminho" é digna de seus tempos como Hannibal Lecter no cinema.
Finalmente, retornamos a um dos núcleos que fica cada vez mais instigante a cada novo episódio. Maeve (Thandie Newton) vai reunindo cada vez mais pistas sobre sua natureza artificial, dessa vez provocada quando a personagem começa a lembrar-se de um ferimento de bala provocado no passado - na certa, por um dos Convidados. A lembrança gera mais flashbacks de seu despertar sinistro nos laboratórios de reparo, dessa vez marcando a imagem de um homem em traje de contenção, o que leva Maeve a desenhar a figura e esconder embaixo do assoalho de seu quarto para futura referência. O momento mais impactante do episódio veio justamente quando Maeve encontra dezenas de desenhos dessa figura humana, nos deixando bem claro que Maeve está presa em mais um loop.
Essa intuição leva a uma das ações mais intensas de Maeve, ao forçar Hector a esfaqueá-la no local de seu ferimento anterior a fim de provar seu ponto. É uma cena poderosa não só pelo gore, mas pela química incendiária entre Santoro e Newton, já deixando implícito um passado curioso entre os dois personagens. Outra revelação incrível é a de que tribos indígenas de Westworlds têm sua própria mitologia e crença religiosa a respeito do desenho apresentado por Maeve, que Hector explica ser a ilustração de "deuses que viajam entre os mundos para ficarem de olho em nós". É uma frase simples, mas que já demonstra uma riqueza notável em Westworld, onde até os Anfitriões são evoluídos a ponto de criarem mitos sobre seus próprios criadores. Pergunto-me quem seria responsável por tal programação...
Foi mais uma hora memorável e intensa em Westworld. Tudo parece estar convergindo de alguma forma para o misterioso Labirinto, ao passo em que Dolores e Maeve vão cada vez mais descobrindo as camadas de sua realidade e a nova Narrativa de Ford mostra-se algo realmente grandioso. Trazer à tona parcialmente esses mistérios certamente não tirou a graça do jogo.
Só o tornou mais fascinante.
Crítica | Black Mirror - 3ª Temporada
Finalmente!
Com o anúncio de que a Netflix produziria novos episódios da cultuada série britânica Black Mirror, todos os fãs entraram em frenesi e ficaram colados a seus próprios "espelhos negros" a fim de novidades e muita expectativa. Ainda com a presença de Charlie Brooker, criador e roteirista de todos os episódios da série, a Netflix nos presenteia com 6 novos episódios para a antologia de ficção científica social, com a confirmação de mais uma temporada chegando ano que vem.
Enfim, vamos ver o que a Netflix aprontou.
1 - Perdedor
A Netflix precisava mostrar a que veio em seu primeiro episódio de Black Mirror. É uma responsabilidade enorme preencher os sapatos de Charlie Brooker (responsável pela ideia deste episódio), e fico feliz em constatar que o serviço de streaming entendeu perfeitamente o espírito da coisa. Perdedor é um excelente início para a temporada e também, de todos os episódios da série até então, o que traz uma sátira e lição de moral mais relevante e importante para a sociedade contemporânea.
A trama tem início em um mundo onde todas as pessoas são avaliadas por um aplicativo conectado a seu smartphone e a retina. É possível ver todo o conteúdo que determinada pessoa compartilha virtualmente, desde citações, vídeos e imagens, e atribuir a estes uma nota de 0 a 5 estrelas, o que serve para construir a reputação pessoal de cada um: uma pessoa com nota 4.5 é beneficiada na sociedade, enquanto alguém com menos de 3 é praticamente um marginalizado. Nesse cenário movido por bajulação e falsidade, conhecemos Lacie (Bryce Dallas Howard), uma mulher nota 4.2 desesperada para mudar-se da casa de seu irmão, mas que só será possível se sua avaliação subir para 4.5. Assim, Lacie fará de tudo para atingir a nova avaliação.
Primeiramente, isso é genial. O roteiro de Rashida Jones e Michael Schur é tão certeiro em oferecer uma visão deturpada e caricata dos Facebooks e Instagrams da vida que é algo que parecia gritar para ser parodiado. Perdedor representa um dos grandes problemas da sociedade atual, com pessoas desesperada pela aceitação de estranhos e obcecadas em aprovação, onde uma realidade falsa é projetada virtualmente para ocultar os problemas do mundo real: quantas vezes alguém não "força" naturalidade em uma selfie apenas para simular um momento de falsa felicidade? Para a mera aceitação de outros? Perdedor vai muito além nessa discussão, onde praticamente todas as pessoas deste universo esboçam sorrisos forçados e risadas falsas, oferecem elogios gratuitos e gestos de educação exagerada. Não existe mais nenhuma naturalidade, tudo é feito em prol das notas. Ironicamente, muitos dos que trazem avaliações mais baixas são justamente aqueles que não se importam com esse "código da falsidade", o que resulta em uma cena final extremamente reveladora e catártica.
A trama se desenrola em um arco envolvente onde Lacie é convidada para ser dama de honra no casamento de sua popular "ex-amiga" Naomie (Alice Eve), levando-a a uma jornada intensa onde a performance de Bryce Dallas Howard mostra-se impressionante. É curioso como sentimos repúdio das ações claramente tendenciosas de Lacie, mas somos compelidos a sentir pena de sua inevitável descida no poço.
2 - Versão de Testes
Junto com Momento Waldo, Versão de Testes é um dos episódios de Black Mirror que menos se parece com Black Mirror. Não que isso seja algo ruim, mas é curioso encontrar essa história compartilhando espaço com as demais, mas também é interessante por nos mostrar o quão diversa a criação de Charlie Brooker pode ser.
Aqui, acompanhamos o aventureiro Cooper (Wyatt Russell), que tenta superar a morte de seu pai ao fazer um repentino mochilão pela Europa. Quando seu cartão de crédito é misteriosamente bloqueado e o jovem se vê sem condições para pagar sua passagem de volta para os EUA, ele aceita participar de uma experiência remunerada para uma conceituada empresa de games, que desenvolve um revolucionário jogo survival horror de realidade virtual. O aparelho realiza uma conexão com neural com Cooper, para descobrir seus temores mais profundos e projetá-los contra ele em uma experiência psicologicamente devastadora.
O que separa Versão de Testes de praticamente todos os outros episódios da série é a ausência de um comentário. Claro, temos uma visão destorcida e assombrosa do que o VR pode vir a representar aos gamers, mas não é essa exatamente o alvo de Brooker neste episódio. Afinal, não temos uma forte sátira sociológica ou sentimental como nos anteriores, sendo mais um episódio de sci-fi com forte inclinação para o terror. E isso não é nem de longe algo ruim, já que a direção de Dan Trachtenberg (revelação do excelente Rua Cloverfield, 10) comanda com maestria o suspense e o pavor que começam a circular o protagonista. O setting de uma casa antiga e solitária é a escolha mais óbvia para um game de terror, mas que funciona muito bem graças ao domínio de Trachtenberg do gênero e sua linguagem, sabendo construir com habilidade a atmosfera pesada e os sustos bem colocados.
Wyatt Russell também é outro fator que torna a experiência tão agradável. O filho do Kurt em pessoa já havia surpreendido com papéis menores em Anjos da Lei 2 e Jovens, Loucos e Mais Rebeldes!! e aqui tem a chance de segurar todos os 55 minutos de duração sem nunca deixar a bola cair. A persona animada e extrovertida de Cooper nos mantém a seu lado durante todo o tempo, e Russell mostra-se um grande ator ao demonstrar a lenta decaída do protagonista a seus terrores mais profundos - e seja no Reino Unido, seja nos EUA, Black Mirror ainda é capaz de nos fazer sentir mal pelas dores de seus personagens.
Infelizmente, é uma pena que essa condução magistral de Trachtenberg perca-se no velho clichê do "final falso", um recurso artificial e trapaceiro com o espectador, e que acaba repetindo-se mais de uma vez durante a conclusão. Tirando esse deslize, é uma sólida experiência e que comprova mais uma vez que Trachtenberg e Wyatt Russell são dois nomes pra se ficar de olho.
3 - Cala a Boca e Dança
Infelizmente, sempre chega esse dia. É inevitável que uma série trilhe um caminho tão primoroso sem falhas, e Black Mirror encontra em Cala a Boca e Dança seu episódio mais fraco até então. Claro, ainda é um episódio eficiente e com incrível capacidade de chocar e envolver o espectador, mas é definitivamente muito abaixo do nível de Charlie Brooker, que aqui acaba preso a convenções e clichês que prejudicam fortemente a experiência.
A trama nos apresenta ao jovem Kenny (Alex Lawther), solitário e atendente em uma loja do bairro. Certa noite, sua irmã acidentalmente infecta seu notebook com um malware, levando Kenny a buscar um antivírus e se livrar da ameaça virtual. Para sua surpresa, o vírus provocou uma invasão misteriosa em sua webcam, que é controlada por terceiros para espionar o cotidiano de Kenny. Quando este acaba usando o notebook para masturbação, passa a receber diferentes mensagens em seu celular e notebook, onde anônimos ameaçam vazar o vídeo de seu momento íntimo a menos que Kenny faça exatamente o que as mensagens mandarem.
Convenhamos, você já viu essa história um milhão de vezes. Desde o irregular Controle Absoluto até o mais recente Nerve: Um Jogo sem Regras, a ideia de ser forçado a obedecer ordens de alguém escondido por trás de um celular já tornou-se antiga, e o roteiro de Brooker pouco pode fazer para tornar a trama original. Cada reviravolta é tristemente previsível e esperada, então não é nenhuma surpresa quando as ordens indicadas pelos misteriosos chantagistas envolvem atos criminosos, violência e por aí vai. Previsibilidade não é uma coisa que costumo esperar de Charlie Brooker...
Porém, a direção de James Watkins é eficiente ao manter uma tensão crescente e um ritmo ágil. A performance desesperada e apavorada de Alex Lawther também cria uma afetividade forte pelo personagem, mas a situação só fica realmente interessante quando Kenny acaba encontrando Hector (o ótimo Jerome Flynn), outra vítima dos nebulosos chantagistas, e os dois são forçados a trabalhar juntos para terem suas vidas de volta. A dinâmica entre Lawther e Flynn é o ponto alto, sendo capaz de render alguns momentos pontuais de humor em meio ao pânico.
4 - San Junipero
De cara, parecia a decisão mais ousada de Black Mirror: uma história ambientada nos anos 80. É uma proposta que vai contra tudo o que a série vinha apresentando desde então, narrativas distópicas que geralmente enxergam um futuro próximo, nunca o passado. Por isso, é muito estranho quando San Junipero tem início, e demora muito para que finalmente percebamos que esta narrativa de fato pertence ao universo de Charlie Brooker.
A história começa em uma noite de 1987 na cidade praieira de San Junipero, quando a tímida Yorkie (Mackenzie Davis) conhece a festiva e extrovertida Kelly (Gugu Mbatha-Raw) em uma danceteria local. As duas rapidamente se conectam e um pequeno romance se inicia, até o momento em que Kelly some repentinamente e começa a evitar Kelly aparentemente sem motivo.
É muito estranha a sensação dos primeiros 30 minutos ou mais de San Junipero. O texto de Brooker é o mais sentimental e humano do que qualquer outro episódio, mas a estranheza mesmo é causada pela ausência do fator Black Mirror ali. Por alguns instantes até desconfiei que a Netflix tivesse saído da exibição normal e estivesse nos mostrando alguma prévia da nova temporada de Stranger Things. Confesso que pode até tornar-se maçante, já que é um diálogo que almeja pelo naturalismo de um Richard Linklater ou Jim Jarmusch, mas que acaba seguindo sem um rumo claro - o que torna envolvente são as performances centrais de Davis e Mbatha-Raw, ambas excelentes.
Porém, passando pela metade, um dos personagens diz uma coisa que mudou o episódio completamente para melhor. Enquanto procura por Kelly, Yorkie encontra um colega que sugere que ela "a procure em outra época, como anos 90 e 2002". Não vou estragar a surpresa do que vem a seguir, mas é quando finalmente descobrimos o "elemento Black Mirror" deste episódio e a genialidade de Charlie Brooker vem à tona, trazendo uma ideia realmente original e que serve à história romântica das protagonistas de forma inesperadamente afetiva.
5 - Engenharia Reversa
Depois da doçura de San Junipero, é hora de retornar às trevas do mero ser com Engenharia Reversa, outro episódio que também começa num território estranho para a série, nos apresentando a uma misteriosa "guerra" futurista onde soldados militares são enviados para caçar e matar criaturas conhecidas apenas como Baratas; explicadas ao espectador como seres humanos modificados por um vírus mortal e que tornaram-se se uma ameaça para a população. É quando conhecemos o soldado Stripe (Malachi Kirby), que, durante uma das missões para exterminar as Baratas, é afetado pelo dispositivo de uma delas e passa a sofrer estranhos efeitos colaterais que lhe fazem questionar toda a natureza de seu trabalho.
Não vale a pena revelar a twist do efeito provocado pelas Baratas em Stripe, mas posso dizer que é uma das propostas mais ousadas e corajosas de toda a série. Diz muito sobre a manipulação das massas e a cultura do medo, enquanto traz todo o aspecto de "tecnologia maligna" que Charlie Brooker sabe explorar tão bem, trazendo na figura do personagem de Richard Kelly um antagonista mais assustador do que as tais Baratas que movem toda a trama.
Vale destacar também a ótima performance do desconhecido Malachi Kirby como Stripe, trazendo toda a confusão e dor do personagem de forma crível e envolvente, enquanto a direção precisa de Jakob Verbruggen (mais conhecido por dirigir alguns episódios de House of Cards) é eficaz ao construir suspense durante as cenas de ação que envolvem a caçada dos militares às baratas ou os momentos mais lúdicos, como o programa de computador que permite que Stripe sonhe com uma mulher misteriosa (Loreece Harrison).
Certamente é capaz de provocar reflexões sobre muita coisa presente na política atual...
6 - Odiados pela Nação
Com impressionantes 90 minutos de duração, Black Mirror é praticamente elevado à categoria de longa-metragem com Odiados pela Nação, o ambicioso season finale da nova temporada que agora abraça o famigerado gênero policial para um conto cauteloso distópico derradeiro.
Aqui, somos situados em um cenário aparentemente contemporâneo. Com a exceção do advento de abelhas drone que desempenham um papel útil na sociedade, é um período muito similar com o nosso, especialmente no que se diz respeito à escrutínio online e a cultura do ódio que impera em praticamente todos os setores de comentários da internet. Tudo começa quando uma blogueira influente é misteriosamente assassinada, chamando a atenção das investigadoras Karin (Kelly McDonald) e Blue (Faye Marsay), que percebem que a vítima sofrera uma campanha pesada na internet que praticamente exigia sua cabeça, liderada por uma hashtag que ordenava sua morte. Dias depois, uma celebridade sofre o mesmo destino, também marcado pela presença da hashtag movida por uma campanha expressiva nas redes sociais.
Exatamente, é um serial killer de hashtags. O jogo sádico idealizado por Charlie Brooker nos apresenta a uma campanha online que decide por voto popular qual pessoa irá morrer no dia escolhido. Certamente é a versão deturpada de todos os trolls e haters de internet, e Brooker os torna mais assustadores ao fazer de Odiados pela Nação um típico filme de mistério e de corrida contra o tempo, ganhando fôlego e suspense pela direção certeira de XX. Traz o clássico clima perturbador e as decisões erradas que tornam Black Mirror tão memorável, e ainda oferece uma metáfora fortíssima que envolve as abelhas drone.
Só peca mesmo pela excessiva duração. Não tem a necessidade de estender a trama para 90 minutos, o que acaba gerando muitas cenas arrastadas de exposição e mais personagens do que o necessário. Mas, no fim, é um season finale digno.
O futuro realmente sorri?
Black Mirror vive novamente na Netflix. Confesso que não se trata do melhor trabalho que traz o nome de Charlie Brooker, mas a nova temporada de sua antologia de tecnoterror traz momentos de verdadeiro prestígio e inspiração. Com a quarta temporada já agendada para o ano que vem, ficaremos no aguardo para mais vislumbres da visão pessimista de Brooker para o futuro.
Crítica | Westworld - 01x02: Chestnut
SPOILERS!
Depois de um piloto arrasador e que já introduzia perfeitamente o admirável novo mundo que a HBO nos lançaria em Westworld, é incrível que o segundo episódio não deixe a peteca cair. Ainda roteirizado por Jonathan Nolan e Lisa Noy, este episódio é radicalmente diferente do anterior, por centrar-se agora em um pouco mais do núcleo humano, ainda que os enigmáticos Anfitriões tenham sua considerável parcela de tempo em cena.
Pra começar, somos apresentados a dois novos personagens humanos: Logan (Ben Barnes) e William (Jimmi Simpson), que estão prestes a chegar no parque e embarcar na jornada pela primeira vez. Esse núcleo é valioso por explorar com mais nitidez o universo onde o parque está inserido, assim como trazer ótimas cenas como a chegada de um trem futurista até a recepção de Westworld - em uma amostra do incrível design de produção de Zack Grobler - e o guardarroupa que oferece diferentes vestimentas do Velho Oeste para os personagens e Anfitriões que já oferecem seus serviços na entrada; tudo é permitido antes mesmo que os Recém-chegados pisem os pés na areia da cidade. A empolgação quase doentia de Logan em brigar e transar com tudo o que se mexe é bem contrastada pelo receio de William, um homem casado que estranha todo o realismo que a experiência proporciona. É um toque humano necessário que o piloto não havia introduzido com eficiência.
Deixamos o núcleo de William e Logan para voltar aos Anfitriões. A Dolores de Evan Rachel Wood tem uma participação consideravelmente reduzida, mas vital. Vemos que o incidente com seu "pai" acabou afetando sua programação; é como se um código lentamente a fizesse ter acesso a suas "memórias" (no caso, tudo o que os demais Recém-Chegados já lhe proporcionaram) e esse código rapidamente se alastra para a prostituta Maeve (Thandie Newton), que agora passa a ter flashes de um passado violento. É quando Chestnut fica cada vez mais intenso, fruto da direção habilidosa e atmosférica de Richard J. Lewis, capaz de construir uma inquietação e suspense pelo simples fator macabro da imagem dos Anfitriões encarando seus criadores com um olhar frio e sem vida - a performance de Newton nessa cena é particularmente sinistra, assim como a sequência subsequente em que Maeve acorda no laboratório de Westworld.
Falando neles, tivemos um bom tempo para passarmos ao lado do Dr. Ford de Anthony Hopkins. Dentro do parque, vemos Ford conversar com um jovem Anfitrião sobre alguns segredos que o local guarda, assim como a promessa de uma nova Narrativa para seu programador, Bernard (Jeffrey Wright). Hopkins entrega um desempenho formidável durante uma cena em que rejeita a nova proposta de Narrativa do ambicioso Lee Sizemore (Simon Quarterman), claramente enxergando ali que o parque não deve ser apenas um joguinho de truques e violência sem sentido - ainda que a maioria dos Recém-Chegados os vejam dessa forma, claro.
Na questão de segredos e humanos sádicos, chegamos ao núcleo do Homem de Preto (Ed Harris). Com o misterioso mapa encontrado no escalpo de um índio morto, o implacável pistoleiro continua sua jornada para encontrar os "níveis secretos do jogo". A busca o leva até o condenado Lawrence (Clifton Collins Jr.) e resulta em um tiroteio excepcional onde o Homem de Preto leva a maior vantagem, descobrindo novas pistas sobre sua jornada. A sequência também revela que o personagem também é vigiado pelos administradores do parque, mas que ignoram sua conduta violenta por tratar-se de mais um jogador. Ainda tenho minhas dúvidas quanto a real natureza do Homem de Preto, e este novo episódio só aumenta o mistério, vide sua aparição surpreendente durante o pesadelo de Maeve. Novamente um Nolan nos faz questionar se um sonho é real ou pura ficção. Coisa de família, suponho...
Chestnut consegue ser ainda mais enigmático e eficiente quanto seu antecessor, colocando Westworld em uma linha de mistério cada vez mais próxima de Lost em seu auge. O elemento de ficção científica e o temor da inteligência artificial continuam fortes, e a constatação de que "esses prazeres violentos têm fins violentos" está galopando cada vez mais próxima da realidade.
Crítica | Gotham - 1ª Temporada
Estamos vivendo um boom de adaptações de super-heróis no mercado audiovisual. Não só o cinema orquestra gigantescos universos cinematográficos que visam viajar por diversos gêneros com seus personagens coloridos e sombrios, mas a televisão também vem criando algo que rapidamente tornou-se popular e com uma base de fãs fortíssima - e com seguidores mais fiéis, alguns diriam. A Marvel foi um passo além na escolha de unificar absolutamente tudo, incluindo suas séries na ABC, Agents of SHIELD e a finada Agent Carter, e suas adaptações sombrias e violentas de heróis urbanos na Netflix.
Já a DC tem algo mais próximo de um "multiverso". Todas as séries da CW e FOX vivem seus respectivos universos isolados, sem conexão com a ainda pequena franquia cinematográfica que vem se montando com a entrada de Zack Snyder - o que ocasionalmente força a saída de núcleos e personagens da telinha, como o Esquadrão Suicida, por exemplo. Flash, Arrow, Legends of Tomorrow e agora Supergirl vão lentamente montando sua própria Liga da Justiça ali, enquanto outra série popular da DC vive em seu próprio mundinho separado: Gotham.
A ideia de uma série do Batman sem o Batman parecia estúpida. A noção de ter versões infanto-juvenis dos principais vilões do Cavaleiro das Trevas, pior ainda - já que as melhores encarnações do personagem exploram a ideia de que sua presença é o principal motivo pelo qual temos uma insurgência de vilões, como se fosse responsável por eles. Para se apreciar a série de Bruno Heller, é preciso ter em mente que estamos diante de um universo paralelo completamente aleatório, que vai tomar todas as liberdades artísticas possíveis e definitivamente não será para todos. A grande surpresa é que Gotham não é a porcaria que eu imaginei.
Como poderia imaginar, a trama começa justamente na noite em que Bruce Wayne (David Mazouz) tem seus pais assassinados em sua frente, durante um assalto que contou com a jovem Selina Kyle (Camren Bicondova) como testemunha oculta. Paralelamente, acompanhamos o novato Jim Gordon (Ben McKenzie) acostumando-se à rotina do corrupto departamento da polícia da cidade, sendo designado a trabalhar com Harvey Bullock (Donal Logue), um tira com métodos pouco ortodoxos que apresenta Gordon ao submundo comandado por Fish Mooney (Jada Pinkett Smith) e sua guerra de gangues com as famílias mafiosas de Carmine Falcone (John Doman) e Sal Maroni (David Zayas).
São diversos núcleos que misturam-se em uma narrativa linear complexa para alguns personagens com a velha fórmula do caso da semana para os protagonistas, algo esperado quando estamos no gênero policial. Nesse sentindo, a melhor maneira de enxergar a série é como uma revistinha pulp barata. O conteúdo não é exatamente bom, ou executado da melhor forma, mas agrada justamente por esse aspecto capenga e às vezes tosco que Heller e seu time de roteiristas abordam. Por exemplo, como não torcer o nariz para um criminoso que executa suas vítimas ao amarrá-las em pequenos balões de hélio para fazê-los flutuar pela cidade ou um serial killer que acredita estar possuído pelo espírito de um cabrito. É uma mistura saudável e divertida do Batman de Joel Schumacher com o aspecto gótico de Tim Burton, mas com um nível de violência um pouco acima da média - o que torna a combinação ainda mais curiosa.
A estrutura de caso da semana é definitivamente o maior demérito da série, que se vê na necessidade de criar oponentes e tramas que até funcionariam com maior desenvolvimento (Ok, menos a do Homem do Balão, essa é imperdoável) caso tivessem mais tempo para serem trabalhadas, e o que temos no lugar é uma fórmula batida, clichê e que acaba sendo resolvida fácil demais com alguma pancadaria ou visitas aos pontos barra pesada da cidade. Isso só melhora após o décimo episódio, posterior ao hiato da série que retornou com uma narrativa mais centrada e focada em menos núcleos - o caso da semana agora se convertia em caso de "algumas semanas", como a introdução ao Espantalho e o assassino Ogro, em uma boa performance de Milo Ventimiglia.
Mas o que nos faz suportar Gotham em seus piores momentos e nos empolgar naqueles mais bem sucedidos é o elenco e a caracterização de seus personagens. Mesmo sem o icônico bigode, Ben McKenzie é muito eficiente na construção de seu Jim Gordon. Mesmo sendo uma performance de uma nota só, o ator consegue captar e transmitir a bússola moral do personagem e a raiva interna que ocasionalmente lhe toma, na maioria das vezes por ser incapaz de combater a corrupção ou levar a melhor sobre seus superiores no departamento.
Sua química com Daniel Logue também é um ponto alto, já que abraça o estereótipo do buddy cop de forma leve e engraçada, o que também se deve à performance fanfarrona de Logue - que surpreende quando os roteiristas lhe fornecem raros momentos dramáticos. Só fica difícil aguentar todo o núcleo romântico de Gordon com Barbara (Erin Richards), que acaba se levando a sério demais em um seriado que abraça o cartunesco. Se bem que a situação fica pior justamente quando os produtores resolvem inventar uma reviravolta completamente absurda e risível para a personagem, em mais um exemplo da reinvenção proposta por Heller. Felizmente, Gordon ganha uma subtrama amorosa mais interessante com a entrada de Morena Baccarin.
Quem surpreende aqui é Jada Pinkett Smith, dando vida a uma vilã inédita nos quadrinhos do personagem e que mostra-se uma das figuras mais perigosas e ameaçadoras da série, e a atriz claramente se diverte ao criar uma figura que constantemente ultrapassa a linha do over the top. Mas quem realmente se encaixa nesse perfil é o excelente Robin Lord Taylor, que entrega a versão em carne e osso mais carismática e memorável do Pinguim até hoje (não que seja difícil esquecer a encarnação idiota de Danny DeVito em Batman - O Retorno). Este Oswald Cobblepot em início de "carreira" garante os melhores momentos da série com seu núcleo que concentra-se na ascensão do sujeito no mundo criminoso, evocando até mesmo O Poderoso Chefão em seus momentos mais gloriosos, e Taylor domina cada cena em que aparece com sua mistura certeira de grotesco e excêntrico.
Ainda sobre jovens vilões do Morcego, vale destacar a incrível Camren Bicondova. Embora tenha meus problemas com ver uma Selina Kyle completamente formada e já experienciada mesmo quando criança, a performance energética e irônica da atriz é capaz de nos fazer aceitar a ideia, e o seriado ganha ritmo quando sua mini ladra gatuna está em ação. Outro destaque é Cory Michael Smith, que interpreta Edward Nigma antes de sua transformação no Charada, colocando-o como um isolado e tímido forense no departamento de polícia. Seu núcleo que envolve um difícil aproximamento com uma colega de trabalho começa tedioso, mas ganha proporções interessantes quando vemos os vislumbres de seu alter ego enigmático. Só poderiam diminuir os trocadilhos, claro.
Temos também uma introdução duvidosa e confusa a um tal de Jerome que pode vir a se tornar o Coringa no futuro, e ainda que a série não saiba exatamente o que fazer com ele, Cameron Monaghan é uma revelação ao trazer a psicopatia e a risada maléfica de Jerome.
Por fim, temos Bruce Wayne. Infelizmente, Heller não é muito hábil em como lidar com o personagem. Compreendo que isso é uma releitura e liberdades criativas são inevitáveis, mas realmente não há muito o que Bruce possa aprender antes do período em que viaja o mundo e aprende artes marciais de todos os tipos. Como a série dificilmente deixaria o garoto de luto durante todo o tempo, Bruce ganha um núcleo forçado onde tenta encontrar o assassino de seus pais e treinar seu corpo para se livrar do medo. É fraquíssima, mas vale para termos a interação de David Mazouz com Sean Pertwee, que faz uma das encarnações de Alfred Pennyworth mais divertidas e diferentes que já vi.
Tecnicamente, Gotham é formidável e ao mesmo tempo não. Mas isso faz parte do charme. O trabalho de design de produção da equipe é realmente fantástico por trazer a arquitetura gótica, colorida e ocasionalmente sombria (a paleta é quase sempre de filtro tungstênio) da era Tim Burton a um período temporal difícil de se identificar; nunca fica claro em que ano a série se passa, e as vestimentas, adereços e carros de época ajudam nessa confusão que torna-se atmosférica. Quando digo que "ao mesmo tempo não", é porque a presença de efeitos visuais de preenchimento e cenários virtuais são perceptíveis, mas isso estranhamente torna a experiência mais característica e próxima da analogia feita com a revistinha pulp.
A fotografia é um departamento que também surpreende ocasionalmente. A paleta de cores frias e puxadas para o tungstênio acabam entrando em contraste com o amarelo e vermelho durante as cenas que envolvem o clube de Fish Mooney ou a aconchegante mansão de Bruce Wayne, garantindo um visual sólido para a série. Ainda que poucas, algumas cenas de ação são impressionantes pela simplicidade da coreografia e a direção certeira, principalmente quando temos T.J. Scott atrás das câmeras, vide a sequência de luta em contra luz que é uma grata combinação da luz de 007 - Operação Skyfall com a cenografia de Blade Runner: O Caçador de Andróides. Créditos também para Paul A. Edwards que trouxe um confronto claustrofóbico em uma trama levemente inspirada em Clube da Luta para o episódio que nos apresenta ao Máscara Negra.
Gotham é uma série beneficiada pelo cartunesco. Sem apelar demais ao camp ou ridículo que afundou a franquia de Joel Schumacher nos anos 90, a história é bem sucedida ao trazer boas encarnações de personagens consagrados e narrativas despretensiosas que são capazes de manter o interesse. Agora, o universo é tão bem estabelecido e atmosférico que eu queria mesmo era ver o Batman ali...
Crítica | Westworld - 01X01: The Original
A HBO talvez seja a maior emissora de televisão do planeta. Não em audiência, em acessibilidade ou outros benefícios que serviços de streaming ou a TV aberta são capazes de fornecer, mas certamente em termos de escala e produção; ninguém no ramo é mais ambicioso e cinematográfico, e basta olhar para alguns trechos de Game of Thrones para a absoluta constatação. E claro, a HBO precisa entregar as chaves do reino para outro gigante após a conclusão das Crônicas de Gelo e Fogo, atualmente a maior série de todos os tempos em termos de escala e prêmios Emmy. Bem, acho que é seguro afirmar que a HBO encontrou seu novo trunfo em Westworld, novo seriado que o Bastidores teve a oportunidade de conferir com exclusividade.
A nova megaprodução é baseada no longa-metragem Westworld - Aqui Ninguém tem Alma de 1971, com um roteiro original de Michael Crichton (responsável também pelo livro que inspirou Jurassic Park) que imaginava um parque temático para adultos que recriava o período do Velho Oeste fielmente com andróides, locações e vestimentas. Uma experiência verdadeiramente imersiva. Agora, a série que traz os nomes de Jonathan Nolan, Lisa Joy Nolan e J.J. Abrams na produção mergulha ainda mais fundo ao se debruçar sobre conceitos de ficção científica e filosofia, oferecendo um enfoque maior sobre a inteligência artificial que pouco a pouco vai tomando consciência da natureza fabricada de seu mundo, para desespero (e fascínio) de seus criadores.
O primeiro episódio é especialmente eficiente nesse quesito de surpresa, ainda mais para aqueles que forem assistir sem qualquer conhecimento prévio. Somos jogados em uma rotina de época com a jovem Dolores (Evan Rachel Woods), que reencontra um amor antigo, Teddy (James Marsden) em uma de suas costumeiras viagens à cidade. O passeio jocoso é interrompido quando bandidos invadem sua casa e massacram sua família, sendo então abordados por um pistoleiro conhecido apenas como Homem de Preto (Ed Harris), que extermina os bandidos e coloca o casal sob sua mira. Teddy reage atirando, mas as balas simplesmente quicam no corpo do Homem de Preto: é quando aprendemos a real natureza daquele mundo, onde os andróides são incapazes de machucar humanos, e que estes são livres para fazer o que bem entenderem em Westworld. A cena reseta e acompanhamos novamente a rotina de Dolores. Entendemos também que o parque funciona em um looping diário que programa cerca de 2.000 robôs envoltos em 100 narrativas interligadas, para o entretenimento e diversão sádica dos visitantes.
São diversos temas que Jonathan Nolan explora com maestria aqui, tanto em seu roteiro conciso quanto na direção acertadíssima. Ainda que o episódio exibido estivesse incompleto em termos de efeitos visuais e design de som, é uma produção que impressiona por sua escala e nível de detalhes, deixando o queixo no chão com as lindas tomadas que exploram a área externa do terreno e as montanhas rochosas tão icônicas do gênero do faroeste. O design de produção também impressiona pelo visual quase assombroso da sala de controle do parque e as salas de testes onde vemos a programação dos andróides, liderada pelo excelente Jeffrey Wright e o sempre imponente Anthony Hopkins - aqui em uma performance que promete explorar um lado muito mais sensível do ator.
Mas, dentre tantos grandes nomes, é Evan Rachel Wood quem rouba os holofotes. Os diferentes dramas enfrentados por Dolores nas diferentes variações de seu cotidiano e a reviravolta final são evolventes, e a performance da atriz é sensacional ao conferir tanto o aspecto "mecânico" do andróide quanto aos tiques de humanidade e revolta que encontramos ali - seu interrogatório que abre e encerra o piloto é memorável. De maneira similar, o pistoleiro vivido por Ed Harris cativa nossa curiosidade por sua movitação: um humano cruel que parece querer descobrir os segredos de Westworld e seus andróides, iniciando uma caçada específica pelo sistema de controle do local. E ainda que tenha um papel limitado neste primeiro episódio, o bandido Hector Escantor de Rodrigo Santoro garante uma presença marcante graças ao carismático trabalho do ator e uma excelente cena de ação que se beneficia de um arranjo incrível de "Paint it Black" pelas mãos talentosas de Ramin Djawadi.
Com apenas um episódio, já fica a ciência de que a HBO tem algo muito especial com Westworld. Uma série grandiosa e épica com um gigantesco potencial, tanto na aventura, quanto na ficção científica desafiadora e genuína em sua mais pura forma. Mal posso esperar pra ver aonde a série será capaz de chegar.
Westworld estreia na HBO em 2 de Outubro.