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Lucas Nascimento

Crítica | Steve Jobs - Quase uma obra-prima

Mas de novo? Essa é a reação quase que unânime diante deste Steve Jobs, novo filme sobre a vida do icônico fundador da Apple, falecido em vítima do câncer em 2011. Depois de uma biografia mediana com Ashton Kutcher e diversos documentários obcecados em reformular a imagem de Jobs (que de gênio de informática não tinha muito, um fato absoluto), chega a vez do roteirista Aaron Sorkin dar sua versão em um biopic diferente de qualquer outro longa do gênero.

Desinteressado em contar a história de Jobs (vivido aqui por Michael Fassbender) do início ao fim, Sorkin aposta em uma estrutura que se espelha mais no teatro do que no cinema: são três atos diferentes, cada um centrado nos bastidores do lançamento de algum produto. No caso, o Macintosh em 1984, o NEXT em 1988 e o iMac em 1998.

Essa decisão ousada transforma Steve Jobs em uma experiência verborrágica e diferente, já que uma grande quantidade de informações e exposição sobre fatos passados será constantemente debatida. Mesmo que tenhamos alguns flashbacks ocasionais (incluindo uma cena na garagem real de Jobs) para traçar bons paralelos com o presente, tudo é explicado verbalmente. Desde o funcionamento dos produtos até a gerência de Jobs na Apple e, principalmente, sua conturbada relação com Chrisann Brennan (Katherine Waterston) e sua filha Lisa, a qual ele recusa insistentemente a paternidade.

Normalmente, tanta exposição é um pesadelo cinematográfico. Felizmente, Aaron Sorkin é o melhor roteirista trabalhando em Hollywood no momento. Saído dos roteiros magníficos de A Rede Social e O Homem que Mudou o Jogo (que assinou ao lado de outro monstro, Steven Zaillian), Sorkin é simplesmente um mestre na arte de diálogos. Na escolha de palavras, analogias e tiradas cômicas, tudo funciona como uma sinfonia verborrágica da melhor qualidade, e a arrogância de Jobs é perfeita para que o roteirista traga discussões onde ouvimos frases como “Não está funcionando? Você teve três semanas para consertar isso. O Universo foi construído em um 1/3 desse tempo” ou “Deus mandou seu filho único em uma missão suicida, e todos gostamos dele porque nos deu árvores”. É uma prosa tão detalhada e repleta de nuances que até a melhor das legendas em português terá dificuldades em capturar e adaptar todas elas apropriadamente.

A questão da paternidade talvez seja o elemento mais fundamental da trama. A pequena Lisa (vivida por Makenzie Ross, Ripley Sobo e a brasileira Perla Haney-Jardine em diferentes períodos) tem participações pontuais em todos os três atos, muitas vezes escondida atrás de portas ou mobílias. É uma rejeição gigantesca e uma relação peculiar a de Jobs com a suposta filha, mas é fascinante ver como a relação dos dois vai se transformando consideravelmente, até porque Sorkin confere diálogos espirituosos até mesmo às jovens atrizes. É só no ato final, porém, que a maior catarse emocional atinge como um trem-bala à toda velocidade. “Fui mal construído”, desabafa Jobs.

É um roteiro perfeito, do tipo que merece ser estudado minuciosamente por estudantes da área. Por isso, o que impede Steve Jobs de se tornar um novo clássico americano é a incompatibilidade do texto com a direção de Danny Boyle. Dono de um estilo visual marcante e agressivo, é até aliviante vê-lo muito mais contido do que costuma ser (basta lembrar-nos da fúria visual em Quem Quer ser um Milionário? ou o surtado Em Transe), adotando uma câmera leve e que acompanha os incontroláveis personagens em travellings constantes, até chegando a manter a câmera fixa durante alguns diálogos – o que é ótimo. Porém, Boyle aposta em alguns maneirismos visuais que acabam por roubar a atenção e tornar-se algo mais caótico; vide a cena em que Jobs usa a história do lançamento do foguete Skylab como alegoria, e vemos imagens de arquivo do mesmo magicamente na parede às suas costas ou até mesmo a quantidade de planos holandeses sem a menor função narrativa.

A ferocidade de uma discussão entre Jobs e John Sculley (Jeff Daniels) acaba confusa no contra-fogo de uma montagem paralela muito mal posicionada, onde o embate verbal dos dois é entrecortado com flashbacks – com mais diálogos – do dia fatídico que levou à inimizade dos dois. Mesmo que ambos os atores estejam fantásticos, a condução de Boyle é desastrosa, quase sacrificando a compreensão dos eventos diante dessa gritante falta de foco, também afetada pelo excesso de trilha sonora no momento (ainda que seja do fantástico Daniel Pemberton). É uma simples questão de dosagem.

A fotografia de Alwin H. Küchler, no entanto, se mostra uma ideia mais certeira. Com a divisão de três períodos temporais, Küchler aposta no uso de formatos diferentes para cada porção da história: o Macintosh é rodado em película 16mm, o NEXT em 35mm e o iMac enfim alcança a cinematografia digital (mesmo que seja uma decisão factualmente imprecisa, já que a técnica digital só seria bem aprimorada em 2002). Logo na primeira cena o impacto é forte, já que o grão forte dos 16mm nos revela a “sujeira” e caos por trás do lançamento de uma empresa tão notória por design e a estética clean.

Da mesma forma, o aspecto teatral de Sorkin evoca uma grandiloquência que acaba refletida no design de produção, situado todo em bastidores, palcos, salões de orquestra e camarins, o que reforça a ideia de todos ali serem artistas e até atores (até vemos Jobs retocando maquiagem em certo momento). É quase como olhar pelo ponto de vista do próprio Jobs, já que dificilmente uma platéia ficaria tão extasiante a ponto de fazer o tremer o chão com um simples anúncio tecnológico.

O que nos leva ao elenco, que certamente sofreu nas sessões de ensaio para decorar e interpretar toda a metralhadora verborrágica de Sorkin. A começar pelo sensacional Michael Fassbender, cujo Jobs está em praticamente em todas as cenas do longa, fazendo com que o ator carregue tudo nas costas. Uma tarefa que Fassbender realiza excepcionalmente, conseguindo capturar o sentimento de superioridade e quase como se suas realizações fossem dignas do Monte Olímpio, como observamos em seu trabalho vocal que oscila magicamente entre pedante e ameaçador ou os gestos no qual parece saudar a todos sua presença; em um momento, até simula a pose de um maestro, tema de um dos diálogos mais memoráveis.

Coadjuvante no melhor sentido da palavra, Kate Winslet dá vida a Joanna Hoffman, a diretora de marketing da Apple. E como Jobs era um aficionado em design, não é de se imaginar que a incansável assistente vá de ajustar propriedades na exibição de um projetor até uma cruzada de última hora atrás de uma camisa que atenda às exigências de Jobs. Winslet se sai muito bem, por também revelar um apego emocional quase que maternal diante de seu chefe, sendo a bússola moral que aponta para o conserto da situação Lisa. Sem falar que a atriz adota um discretíssimo sotaque polonês.

Por fim, temos Seth Rogen, Jeff Daniels e Michael Stuhlbarg em bons papéis menores. O comediante famoso pelas comédias stoner se sai incrivelmente bem na pele de Steve Wozniack, amigo íntimo de Jobs e o verdadeiro cérebro por trás da criação do Apple II. Não só o senso de humor está presente de forma bem contida, mas a performance de Rogen deixa bem claro que o sujeito parece borbulhar por dentro, mas não o faz em consideração a seu amigo. “Estou cansado de ser o Ringo, quando claramente sou o John”, confronta Woz, em uma divertida analogia aos Beatles.

Daniels traz mais intensidade à mesa, na pele de John Sculley, especialmente em uma calorosa discussão com seu antigo colega. É revelador analisar também como Sculley claramente se arrepende do “término” dos dois, mostrando que ali residia uma boa amizade. Por fim, Stuhlbarg revela uma importância inesperada de seu engenheiro Andy (qual deles? Hertzfeld) no último ato, enfim justificando sua quase-onipresência ao longo da projeção.

Steve Jobs é um ótimo filme, e traz um dos roteiros mais refinados que o cinema americano já viu nos últimos anos. Por esse motivo, é um tanto frustrante que a odisseia de Aaron Sorkin chegue tão perto de tocar o céu, ficando perto de tornar-se uma obra-prima. Afogo-me em lágrimas ao imaginar como seria a realidade alternativa utópica em que David Fincher imaginou ao assumir, em determinado ponto, a direção do projeto.

Steve Jobs (EUA – 2015)

Direção: Danny Boyle
Roteiro: Aaron Sorkin, baseado no livro de Walter Isaacson
Elenco: Michael Fassbender, Kate Winslet, Jeff Daniels, Seth Rogen, Katherine Waterston, Michael Stuhlbarg, Sarah Snook, John Ortiz, Perla Haney-Jardine
Gênero: Drama

Duração: 118 min

https://www.youtube.com/watch?v=aEr6K1bwIVs


by Lucas Nascimento

Crítica | Sombras da Noite (2012) - Uma Linda oportunidade perdida

Levante a mão se você não aguenta mais filmes de vampiro. Graças à Stephenie Meyer e seu Crepúsculo, estúdios de cinema por todo o mundo deram sinal verde para produções com os seres sanguessugas apresentando, ou não, um teor romântico. É certo que tivemos bons resultados pelo caminho (como Deixa ela Entrar e sua versão hollywoodiana), mas o gênero já vai se esgotando. Era de se esperar que o gênio bizarro de Tim Burton fizesse algo inovador, mas Sombras da Noite é mais um ponto fraco na carreira do diretor.

Inspirado a partir do seriado de Dan Curtis, a trama é bem promissora: Barnabas Collins (Johnny Depp, em sua oitava colaboração com Burton) é um vampiro que, depois de aprisionado por dois séculos, desperta repentinamente em plena década de 70. Tentando se ajustar às estranhezas do mundo moderno, ele luta para recuperar o prestígio de sua família.

O problema de Sombras da Noite é o mesmo que Tim Burton enfrentou em seu Alice no País das Maravilhas: o roteiro. Plasticamente impecável, o diretor acerta novamente no visual e na ambientação da história – contando com uma bela trilha instrumental (que inclui até uma participação de Alice Cooper) para auxiliar nesse quesito e uma lindíssima fotografia dark de Bruno Delbonnel. Mas o texto de Seth Grahame-Smith simplesmente não empolga, diverte pouco (o timing cômico raramente acerta, tendo uma de suas melhores piadas envolvendo o McDonalds) e falha ao explorar todo seu vasto potencial em um longa sem ritmo.

Por exemplo, não é realmente empolgante ver um vampiro recém-libertado de um caixão tratando de negócios de sua empresa de pesca. O que torna o filme suportável é de longe Johnny Depp, que acrescenta mais um personagem memorável à sua invejável carreira e o faz sem repetir-se, acertando no sotaque e nas expressões de Barnabas; cujo contraste entre  bom e mau (ele é uma máquina de matar, mas sente remorso por suas ações) surpreende. É satisfatório também ver o ator encarnando a caracterização “clássica” do vampiro: pele pálida, presas e longos dedos que remetem diretamente ao icônico Nosferatu.

Vampiros à parte, bruxas, fantasmas e lobisomens não impressionam tanto como o protagonista. Maliciosa e atraente como seu decote, Eva Green se destaca dentre os coadjuvantes, que contam com as apagadas Michelle Pffeifer e Helena Bonham Carter; duas personagens desinteressantes e cujas intenções nunca são bem desenvolvidas. Salva-se Chloë Grace Moretz (já bem crescidinha), mas seu bom trabalho é prejudicado pela reviravolta estúpida – ainda que a mesma apresente “pistas” antes de acontecer – que sua personagem sofre próximo ao fim.

Caminhando lentamente até um clímax decepcionante, Sombras da Noite chega a ser entediante. Mais uma vez, Tim Burton dedica mais atenção ao belo visual do que a história que está contando e, perdoem o trocadilho, resulta num filme tão notável como uma sombra na noite.

Sombras da Noite (Dark Shadows, EUA - 2012)

Direção: Tim Burton
Roteiro: Seth Grahame-Smith, baseado na obra de Dan Curtis
Elenco: Johnny Depp, Eva Green, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Chloë Grace Moretz, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Bella Heatchcote, Gulliver McGrath, Christopher Lee, Alice Cooper
Gênero: Comédia
Duração: 113 min

https://www.youtube.com/watch?v=bvhQ2pbZ2fI


by Lucas Nascimento

Crítica | Pantera Negra - O filme da Marvel com mais personalidade

Sempre que um novo filme da Marvel Studios é lançado, a reação da crítica internacional (que sempre assiste antes do que nós meros mortais) é a de total deslumbramento, sempre clamando que "nunca nada parecido com isso já foi feito". Cansei de ouvir esse tipo de reação prévia, e nunca encontrava nada realmente especial em todos esses filmes, sempre muito bem enlatados e seguindo a mesmíssima fórmula, ano após ano. Com Pantera Negra, primeira produção do estúdio protagonizada por um herói negro, a reação foi a mesma, e a sobrancelha de quem ouviu o absurdo de rotularem filmes como Thor: Ragnarok de obra-prima rapidamente se levantou. Porém, o filme de Ryan Coogler é mesmo diferente. Agora, sou forçado a usar aquele clichê de que vocês nunca viram algo como isso no gênero, pois Pantera Negra é realmente especial.

Após uma breve aula sobre a história da nação secreta de Wakanda, a trama começa alguns dias apos os eventos de Capitão América: Guerra Civil, com o príncipe T'Challa (Chadwick Boseman) retornando para casa e assumir seu posto como rei legítimo, após a morte de seu pai, T'Chaka (John Kani). Lá, T'Challa também assume o manto do Pantera Negra, protetor de Wakanda e que já começa a fazer valor de seu mandado ao ordenar uma caçada ao contrabandista Ulysses Klaue (Andy Serkis), que trabalha em conjunto com o misterioso e vingativo mercenário Erik Killmonger (Michael B. Jordan).

Wakanda Forever

Por mais que pareça o típico filme de super-herói da semana, algo no qual a Marvel Studios é mais do que especialista, Pantera Negra é uma fera diferente. Traz diversos clichês e convenções do gênero, além do insuportável senso de humor impregnado em todas as produções de Kevin Feige, mas é realmente uma obra distinta em suas pretensões e execução. Todo o primeiro ato do filme é centrado não apenas em mecanismos de história e subtramas, que o roteiro assinado por Coogler e Joe Robert Cole insere de forma orgânica e exemplar para qualquer estudioso de Syd Field, mas para fazer algo que quase nenhum filme da Casa das Ideias faz: world building, introduzir e explorar os diferentes elementos de Wakanda, fazendo com que a nação fictícia realmente ganhe vida diante das telas; e merece créditos pela originalidade com que mistura os traços tribais com um caráter de ficção científica. É refrescante ver uma abordagem desse tipo, especialmente com o gênero tão obcecado por ação constante e universos compartilhados.

O fato de que este herói também é um líder de uma nação também oferece uma história mais peculiar, sem as típicas provações do herói egocêntrico aprendendo uma lição de humanidade após algumas cenas de ação. O grande dilema de T'Challa é honrar o legado de seu pai e não desapontar todas as tribos e vidas que dependem de suas decisões, e o texto de Coogler e Cole acerta em cheio nesse retrato, com discussões políticas válidas em relação ao Pantera Negra e as outras tribos de Wakanda - que constantemente discordam de sua opinião - até a forma como a nação é escondida do restante do mundo.

É justamente nesse ponto que Killmonger constrói sua narrativa, o que acaba tornando-o um dos antagonistas mais memoráveis que o MCU já teve; na verdade, se for olhar a competição, talvez seja até o melhor deles. Seu discurso ataca o preciosismo de Wakanda, e questiona o rei sobre como todas as maravilhas tecnológicas não poderiam ajudar do mundo, e como o isolamento da nação do resto do planeta não foi capaz de ajudar seus ancestrais em momentos de opressão - a escravidão, principalmente. É uma abordagem similar à da franquia X-Men com a rivalidade entre Charles Xavier e Magneto, baseada nos discursos opostos dos ativistas Martin Luther King e Malcolm X, onde T'Challa é King (sem trocadilho) e Killmonger assume a postura mais radical de Malcolm. Tanto Boseman quanto Jordan acertam em cheio, atingindo níveis emocionais inesperados.

Simba Bond

Não que Pantera Negra seja concentrado apenas nisso, já que Coogler já nos provou antes seu olhar apaixonado para a ação. Aqui, ela aparece muito mais a favor da história, que segue uma estrutura de filme de espionagem: imagine uma mistura de O Rei Leão com os filmes de James Bond, e você tem uma ideia do que esperar aqui, com a personagem de Letitia Wright servindo como uma divertidíssima versão de Q, inventor das bugigangas de 007. Saído de Creed: Nascido para Lutar, Coogler nos oferece duas cenas de natureza brutal, onde os oponentes não tem super-poder algum, apenas dois homens lutando com suas habilidades e forças naturais; e é aqui onde o diretor brilha. Não há excesso de cortes ou o efeito de shutter elevado banalizado pelos irmãos Russo em seus filmes do Capitão América: apenas o bom e velho uso de planos abertos e locações de risco como palco, no caso dessas duas cenas, uma cachoeira elevada; que rende planos lindíssimos da fotógrafa Rachel Morrison, que ajuda a fazer deste um dos mais belos filmes do MCU. O diretor até arrisca alguns planos longos elaborados impressionantes, tanto pela coreografia das lutadoras Dora Milaje, quanto pelo seu trabalho exímio na movimentação de câmera, bem evidenciado pelo combate em um cassino.

Quando temos cenas mais dependentes de efeitos visuais, nota-se uma deficiência, e os bonecões de CGI logo tornam-se mais evidentes, mas Coogler nunca perde a mão. É o mesmo exemplo da trilogia Homem-Aranha de Sam Raimi, cujos bonecos digitais são terríveis olhando-se hoje, mas ainda divertem pois seu diretor tem criatividade em coordenar um combate, e a perseguição de carros pelas ruas da Coreia do Sul é um bom exemplo. Mantendo nossa atenção no herói, no carro com as personagens de Lupita Nyong'o, os bandidos comandados por Andy Serkis e o comando externo de Wright (em seu laboratório), a montagem é excepcional nessa distribuição de tempo. Além disso, a trilha sonora que mistura composições instrumentais de Ludwig Goransson (praticamente composta apenas de tambores) e músicas de rap e pop de Kendrick Lamar é o ingrediente secreto que torna estas sequências tão pulsantes e energéticas.

Sobre defeitos? Há coisas que não se podem escapar em um filme da Marvel, mas que felizmente não prejudicam tanto aqui. Mesmo que em um nível menor, as piadinhas e o senso de humor infantilóide acabam aparecendo aqui e ali, sempre destruindo a construção de algum momento épico ou um discurso inspirador, sempre impedindo que o longa alcance um estado mais glorioso. Outros clichês típicos como "o personagem que morreu, mas volta" ou "o personagem que se recusa a ajudar, mas ajuda" também estão presentes, mas de uma forma menos trapaceira - nada daquelas mortes descaradas de Nick Fury ou Groot. Os efeitos visuais também têm sua parcela de deficiência, como já comentado acima, mas entre bons efeitos e uma história acertada, o último certamente é a prioridade. E também é alentador ver que este filme é mais isolado em seu universo, sem muitas conexões com os Vingadores.

Um novo marco

Depois de 10 anos, a Marvel Studios enfim entrega uma obra com genuína personalidade e estilo com Pantera Negra. É um dos poucos filmes da produtora que consegue construir e explorar um universo próprio com eficiência e de forma com que o espectador realmente acredite ser real, sendo um triunfo plástico em todos os sentidos. É uma ótima aventura e um estudo de personagem eficiente, e que ainda traz uma mensagem louvável sobre diversidade e igualdade. De bônus, talvez seja o melhor filme do estúdio até agora.

Pantera Negra (Black Panther, EUA - 2018)

Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Joe Robert Cole, baseado nos personagens de Stan Lee e Jack Kirby
Elenco: Chadwick Boseman, Lupita Nyong'o, Michael B. Jordan, Danai Gurira, Martin Freeman, Andy Serkis, Daniel Kaluuya, Letitia Wright, Sterling K. Brown, Forest Whitaker, Angela Basset, Winston Duke, John Kani
Gênero: Aventura
Duração: 134 min

https://www.youtube.com/watch?v=wL4a4MafSjQ

Leia mais sobre Marvel Studios


by Lucas Nascimento

Crítica | Eu, Tonya - Margot Robbie brilha em biopic nada convencional

Histórias reais sempre são assuntos complicados em uma dramatização. Na maioria suprema dos casos, teremos muita romantização e deturpamentos dos fatos, de forma a garantir um entretenimento mais favorável, e isso não deve tirar o trabalho de qualidade do projeto; mesmo que longe de retratar a realidade, o resultado artístico é o que deve ser levado em conta no que diz respeito ao cinema - para um apuramento mais factual, documentários e reportagens estão aí. Dito isso, é difícil dizer o que é real e o que é ficção em Eu, Tonya, mas basta dizer que o pouco que é comprovado na vida de Tonya Harding encaixa-se na infame categoria de "tão inacreditável que só pode ser verdade", e o filme de Craig Gillespie se diverte com isso.

Baseado na vida da famosa patinadora de gelo, acompanhamos todo o início de carreira de Tonya (vivida por Margot Robbie na principal fase), desde a criação difícil com sua mãe, LaVona (Allison Janney) até o casamento abusivo com Jeff Gillooly (Sebastian Stan), tudo isso enquanto Tonya tenta enfrentar a visão seletiva do comitê olímpico dos EUA e tornar-se a maior patinadora de sua geração. Porém, a história é mais conhecida pelo público geral graças ao escândalo onde uma das competidoras de Tonya sofreu um ataque misterioso dentro do ginásio, iniciando uma investigação policial que coloca a protagonista como suspeita de ter orquestrado a ação para sabotá-la.

Acredite, mesmo que a ideia de um biopic sobre uma patinadora de gelo possa soar desinteressante para a maioria, a forma como Eu, Tonya subverte os modelos de uma produção do gênero é capaz de surpreender a qualquer um. Inspirado no formato ácido, metalinguístico e autorreferencial das obras de Martin Scorsese - especialmente Os Bons Companheiros, Cassino e O Lobo de Wall Street - Craig Gillespie e o roteirista Steven Rogers partem para um filme de humor afiado e diversas brincadeiras com suas própria linguagem, desde a ocasional quebra de quarta parede, a narrativa não linear e o modelo de entrevistas "reais" com os personagens, onde vemos versões envelhecidas dos protagonistas prestando depoimentos para uma câmera jornalística, devidamente editada para simular o visual de uma fita cassete. Isso garante uma experiência dinâmica e divertida, levando a momentos em que determinada personagem está narrando algo enquanto uma sequência de cenas se desenrola, apenas para que ela mesmo complete a frase iniciada em off dentro de uma cena sendo exibida, às vezes até para contrariar uma fala ou informação, resultando em interjeições como "eu nunca fiz isso" diretamente para a câmera; um recurso usado com frequência, mas com precisão. 

Toda a situação do incidente polêmico envolvendo o ataque já é algo inacreditável demais, e a decisão de Rogers de tratá-lo como um grande esquema fraudulento é acertadíssima, trazendo até personagens mais cartunescos (e, novamente, inacreditavelmente verdadeiros) para compor uma grande sequência de decisões erradas, e seu texto e a condução de Gillespie - com uma câmera ágil e demarcada por movimentos ensaiados impressionantes - estão sempre nos reforçando o absurdo de tudo isso, com um humor negro muito bem-vindo. Novamente, a autorreferência é a chave para o sucesso da dupla; mesmo quando o filme acaba perdendo o ritmo e se concentrando demais em determinada narrativa, temos algum tipo de interjeição exatamente sobre isso, como no instante em que Allison Janney simplesmente desaparece da narrativa, e a própria aparece reclamando sobre sua ausência, praticamente lendo a mente do espectador. Até mesmo o fato de claramente vermos a cabeça de Robbie sendo inserida digitalmente na dublê que executa todos os passos de dança agrega ao debate do real e ficcional de Tonya - mesmo que esta curiosa ironia provavelmente não fora algo intencional.

Mas claro, não valeriam de muita coisa o roteiro e a direção se Margot Robbie não segurasse a fita na pela de Tonya, e felizmente a atriz entrega um trabalho sensacional. Se Robbie era uma força de carisma comprovada em filmes irregulares como Golpe Duplo e Esquadrão Suicida, aqui realmente vemos sua força como uma atriz, apresentando uma carga dramática assombrosa, mas que jamais destoa desse universo muito particular estabelecido pela direção. A atriz chora, grita, xinga, ri e faz tudo o que a figura complexa de Tonya requer, uma pessoa de crescimento difícil e que sempre procura o reconhecimento de seus "superiores", sendo hilário ver Robbie encarando uma das comentaristas esportivas e rispidamente mandá-la "chupar um pinto" após um receber um comentário pouco agradável sobre seu trabalho. Na mesma nota, Allison Janney quase rouba o show na pele da enigmática LaVona, abraçando a personagem mais desagradável e irreverente da produção. A relação turbulenta com Robbie garante as melhores cenas do longa, e até mesmo as reais intenções de LaVona ganham uma envolvente ambiguidade, com a mãe justificando que o tratamento duro era o maior incentivo de Tonya.

Sebastian Stan também merece créditos por retratar com afinco a personalidade repungante de Gillooly, e atinge um feito notável: em todas as cenas em que não está sendo um marido abusivo e completamente violento, Stan retrata um sujeito que pareceria impossível de se cometer esse tipo de ato, podendo até mesmo ser uma figura com a qual poderíamos simpatizar - caso já não soubessemos de suas atitudes. Todo o escândalo do ataque à patinadora, que vem de sua iniciativa, é quase visto como uma forma distorcida do sujeito demonstrar seus sentimentos à Tonya. Nesse universo bizarro, é algo quase orgânico. Uma merecida menção também para Paul Walter Hauser, que diverte ao tentar convencer todos a seu redor que fora um agente da CIA, atuando agora como o "guarda-costas" de Tonya. Basta dizer que esse será o personagem mais odiado pela maioria, mas sem nunca tirar um sorriso do rosto.

Marcado por uma irreverência e uma metalinguagem irresistível, Eu, Tonya explora a vida e os abusos de sua biografada como poucas obras, rendendo uma experiência dinâmica e diferente do que estamos acostumados. Tem seus excessos, mas a performance central de Margot Robbie carrega todo o espetáculo, revelando-se pela primeira vez como uma atriz excepcional.

Eu, Tonya (I, Tonya, EUA - 2017)

Direção: Craig Gillespie
Roteiro: Steven Rogers
Elenco: Margot Robbie, Sebastian Stan, Allison Janney, Bobby Cannavale, Julianne Nicholson, Paul Walter Hauser, Caitlin Carver
Gênero: Drama/Comédia
Duração: 119 min

https://www.youtube.com/watch?v=iZbTLdDHRvs


by Lucas Nascimento

Crítica | Lady Bird: A Hora de Voar - A boa estreia na direção de Greta Gerwig

Já vi e escrevi tantas vezes sobre incontáveis filmes categorizados no gênero coming of age, que é até difícil começar um texto desses sem parecer repetitivo. Eis que um pequeno longa dessa variante acaba ganhando grande atenção da mídia e da crítica especializada no último ano, sendo responsável por aparecer em diversas listas de melhores, e um disparado favorito para o Oscar: Lady Bird: A Hora de Voar, filme que marca a estreia da atriz Greta Gerwig como diretora e roteirista, em um projeto evidentemente autobiográfico. E ainda que, como de praxe, as reações tenham sido um tanto exageradas, o primeiro trabalho diretorial de Gerwig resulta em um filme adorável e divertido.

A trama nos entrega a visão mais vintage de 2003 que eu já vi, nos jogando no universo de Christine "Lady Bird" McPherson (Saoirse Ronan), uma jovem de 17 anos que mora em Sacramento, Califórnia e estuda em um colégio religoso. Seu grande sonho é mudar-se para Nova York e cursar uma universidade "das artes", ao mesmo tempo em que lida com suas primeiras experiências sexuais e a relação afetiva com sua mãe (Laurie Metcalf).

É difícil pensar no que traz originalidade à Lady Bird. Já vimos esse tipo de história um milhão de vezes antes, já tivemos o arquétipo da adolescente espertinha e sagaz em um número até maior, e não é difícil prever os rumos que o roteiro de Gerwig toma ao longo do filme. Nós já vimos isso, e devo acrescentar que de forma melhor: o recente Quase 18 é um filme muito mais complexo e original, e infelizmente passou batido na última temporada de premiações. Porém, mesmo com tudo isso, é de se admirar a construção de Gerwig, que sempre parece pender para o clichê absoluto, mas acaba trazendo alguma surpresa: por exemplo, a relação de Lady Bird com sua mãe é apresentada como tumultuosa no começo, mas as duas acabam cobrindo isso com momentos de real ternura e afeto. Bird sempre parece se achar superior e mais inteligente a todos, mas o texto de Gerwig felizmente explora muitas de suas falhas e inseguranças, e seus diálogos são sempre muito bem humorados e com boas sacadas: "é 2002. A única coisa emocionante desse ano é que é um palíndromo".

O fato de Gerwig estabelecer a trama em um colégio religioso também parecia o pontapé ideal para uma série de críticas e comentários gratuitos, mas que não se encaixam dentro da proposta da roteirista, que enche esse núcleo com personagens, bem representados por uma adorável Lois Smith e um divertido Stephen Henderson. Há muito ironia, claro, mas Gerwig nunca é unilateral, zombando tanto do discurso caloroso de uma mulher contra o aborto (com um desfecho ácido) até o pseudo intelectual de Timothée Chalamet que não vê problema em desrespeitar sua relação com a protagonista, especialmente quando o Iraque é invadido pelas tropas americanas, em uma boa caricatura do arquétipo do "abaixo ao sistema". No fim, é mesmo pela doçura da relação com Lady e seus pais, com Tracy Letts também se mostrando uma figura muito complexa, na forma de um pai com depressão, e que infelizmente não ganha tanto destaque.

Como diretora, Gerwig faz um bom trabalho, mas nada que justifique a campanha exagerada para empurrá-la a uma indicação ao Oscar. É uma direção eficiente e que mantém um ritmo agradável, e a decisão de Gerwig em retratar os anos 2000 como um ambiente que parece saído dos anos 60 é interessante, quase como um filtro de vaselina que preenche a visão calorosa de sua protagonista - e, novamente, revela como a diretora olha para esse período como algo saudoso. Sua câmera não tem muitos invencionismos ou momentos memoráveis, com o maior destaque para um plano longo e na mão onde somos surpreendidos por uma reviravolta envolvendo o personagem de Lucas Hedges - excelente, mesmo em participação pequena-, e sua composição traz algumas pérolas; sendo o belo plano inicial uma perfeita metáfora visual para a relação de Lady Bird e sua mãe, representando o "passarinho no ninho". 

Porém, é nessa relação com Lady e sua mãe que o filme engata, e temos a agradecer a Saoirse Ronan e Laurie Metcalf. Ronan parece ter nascido para esse papel, já tendo interpretado um tipo parecido em outras produções, e é curioso como sua Lady é praticamente uma versão mais externalizada de sua personagem no pavoroso Brooklin, outro filme onde Ronan interpreta uma jovem que lida com a questão de moradia, relações familiares e triângulos amorosos... Porém, Ronan carrega todo o longa nas costas, divertindo com os ataques de raiva e explosões de alegria de Lady Bird, mas também como é capaz de encarnar tipos diferentes e mais vulneráveis quando na presença de outros que busca atenção, como o personagem de Timothée Chalamet ou a "garota popular" de Odeya Rush.

Uma estreia sólida na direção, Lady Bird é um filme que agrada pelas performances e o humor de seu texto, mesmo que não traga realmente nada de novo e digno de grande destaque. Greta Gerwig comprova seu talento como roteirista, e Saiorse Ronan lidera um elenco fantástico que faz a valer a visita, mas que no fim acaba nos fazendo perguntar o que exatamente ocorreu de tão marcante.

Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird, EUA - 2017)

Direção: Greta Gerwig
Roteiro: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Beanie Feldstein, Lois Smith, Stephen Henderson, Odeya Rush, Jordan Rodrigues 
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 94 min

https://www.youtube.com/watch?v=GuZojySX8HE


by Lucas Nascimento

Crítica | O Homem que Mudou o Jogo - As escolhas que nós fazemos

Apenas imagine alguém chegando para você oferecendo uma aula sobre estatística no beisebol. No meu caso particular, é uma ameaça dupla, visto que envolve duas áreas da qual sou absolutamente averso: esportes (beisebol, dentre todos eles) e matemática, que sempre assombrou meu boletim escolar e deixou um rastro de notas vermelhas em sua trajetória. Imagino que um produtor de Hollywood talvez tenha uma reação similar, independente se for um prodígio das exatas, especialmente em se tratar de um assunto um tanto distante do grande público. Porém, alie-se um roteiro poderoso de dois dos maiores profissionais de sua área, uma direção precisa e um elenco absolutamente carismático, e eu duvido que alguém seja capaz de não se encantar por O Homem que Mudou o Jogo, e suas preciosíssimas lições.

A trama dramatiza os eventos da vida de Billy Beane (Brad Pitt), general manager do time de beisebol Oakland Athletic's, que em 2002 enfrentava uma de suas piores crises na história do esporte. Com derrota atrás de derrota e um orçamento que simplesmente não comporta mais grandes estrelas, Beane conhece o jovem economista Peter Brandt (Jonah Hill), que o apresenta ao sistema experimental do Moneyball, que visa montar o melhor time possível sem ter altos gastos, valorizando as habilidades específicas de cada jogador, não a força de seu nome - comprar vitórias, e não jogadores, de acordo com o jovem. Dessa forma, Billy e Peter desafiam as convenções do esporte a fim de virar a situação do A's. 

Fórmula do sucesso

Como comentado no início, estatísticas de beisebol é um tema cuja mera menção me faria correr para as colinas. Isso em uma sala de aula, provavelmente, mas é diferente quando duas lendas do roteiro unem suas forças para contar uma história incrível: Steven Zaillian, vencedor do Oscar por A Lista de Schindler, e o grande Aaron Sorkin, responsável pela obra-prima de texto que é A Rede Social, que foi chamado para polir o texto. Partindo do livro de Michael Levis, a dupla acaba com um roteiro muito peculiar, que exibe bem as características distintas de ambos os escritores. A verborragia e as metáforas de Sorkin estão presentes como nunca, e a grande capacidade de Zailiian em organizar datas, linhas narrativas e grandes quantidades de informação se distribuem de forma eficiente, com direito a imagens reais dos jogos desta temporada específica do Oakland A's - apenas imagino o trabalho do montador Christopher Tellefen, merecidamente indicado ao Oscar por equilibrar e organizar uma narrativa coesa e que constantemente flerta com o documentário. É uma prosa explicativa e que nunca soa como exposição tola, sempre bem traduzida através de diálogos charmosos e naturais, complementado pelos personagens mais especialistas (Brandt) ou até por narrações de comentaristas esportivos, que constantemente entram como o coro grego da narrativa.

Até mesmo um leigo em esportes como eu é capaz de entender e se envolver com os personagens, até mesmo quando o texto começa a se concentrar puramente no aspecto competitivo. Não é preciso ciência de foguete para ligar a TV e ver jogadores de futebol - trazendo o exemplo para nosso cotidiano - que parecem mais preocupados em sua imagem pública do que suas habilidades, e é justamente nessa questão que Brandt tanto reforça, e não é à toa que Zaillian sempre traga os orçamentos de cada time quando nos apresenta a uma cartela de jogo. E mesmo que não gaste muito tempo explorando os arcos dos jogadores, somos capazes de criar uma certa afeição por alguns deles através de pequenas informações entregadas aqui e ali, e o roteiro ainda se diverte explorando aspectos típicos do gênero esportivo, como o fato de Billy nunca assistir aos jogos nos estádios por ter medo de "azarar" a situação; e quando este enfim pisa em um durante um jogo praticamente ganho, apenas para o A's sofrer uma súbita queda, é simplesmente arrepiante do ponto de vista dramático, e até um pouco assustador.

Ainda que não seja claro, é uma aposta certeira falar que Sorkin é o responsável pelo elo mais forte do texto, e que parece ter sido inserido após sua entrada no projeto: a relação de Billy com sua filha (a ótima Kerris Dorsey), algo que o roteirista vem trabalhando muito em seus últimos projetos, de Steve Jobs ao vindouro A Grande Jogada; ambos filmes onde o núcleo da história reside no pai e filha. Não é diferente aqui, visto que, mesmo que Billy e a filha tenham pouco mais do que cinco cenas juntos, a maior decisão que o GM toma na narrativa vem motivada por sua filha; uma clara romantização da vida real, mas que ganha muita força graças à execução primorosa de Sorkin, com destaque para o uso da canção "The Show" que vem com uma modificação muito relevante para a história. Ainda sobre a jornada de Billy Bean, os flashbacks que mostram sua promissora, mas eventualmente fracassada carreira como jogador de beisebol profissional é importante para que compreendamos seu receio e conflito quando posto diante de uma escolha que envolve dinheiro. É o núcleo que acaba nos distraindo da trama central, mas que tem a importância justificada pelo arco do personagem.

O silêncio diz tudo

Na direção, temos uma escolha ainda mais peculiar do que o tema. Bennett Miller, saído de sua indicação ao Oscar por Capote, empresta seu estilo inconfundivelmente lento e silencioso para o longa, algo que não vêm à mente quando imaginamos um roteiro verborrágico e rápido como a maioria da prosa envolvendo Sorkin. Porém, quando analisamos o que um cineasta mais dinâmico como Danny Boyle faz com um material desses, percebemos como a abordagem de Miller mostra-se acertada, oferecendo um ritmo nunca antes visto para um texto do roteirista. Ele valoriza a riqueza dos diálogos e dá tempo para que o espectador realmente deixe as palavras absorverem em nossa mente. Essas pausas também garantem um viés cômico muito sutil e discreto, como quando Brandt informa uma notícia ruim a Billy, e ele espera cerca de 5 segundos antes de jogar sua mesa para alto, no acesso de raiva mais silencioso e educado do planeta.

Essa decisão de Miller garante uma mise en scéne muito inteligente, e que constantemente aposta mais nas imagens para transmitir algo. A cena de abertura é um exemplo primoroso dessa narrativa puramente visual, já captando a curiosidade do espectador com a imagem de Billy sentado sozinho entre as cadeiras de um estádio deserto e sombrio (lindamente fotografado por Wally Pfister, em uma rara colaboração que não seja para Christopher Nolan), já simbolizando que nosso herói está em uma jornada aparentemente solitária: ele é o único que ainda acredita no time, e que tem uma visão diferente de sua bancada de olheiros, composta principalmente por idosos. O jogo de enquadramentos continua para nos mostrar que Billy está ouvindo o jogo ao vivo dos A's. Não está no estádio, nem ao menos se sujeitou a assistir pela televisão, apenas ouvindo. Em seguida, Billy entra em seu carro e começa a dirigir, com raiva; ele quer fugir daquela situação, e é muito simbólico que Miller comece e termine o longa com o personagem dentro de um carro. Para finalizar, Billy desconta a frustração no rádio de bolso, batendo-o contra o painel e jogando-o pela janela. Mas, passada a emoção, ele lentamente sai do carro e caminha para apanhá-lo de volta. Por mais que Billy odeie sua situação, ele não vai simplesmente abandoná-la.

Não só na narrativa, o estilo de Miller obviamente afeta toda a performance do elenco, e de maneira mais do que positiva. Como o diretor opta por uma trilha sonora praticamente nula (geralmente acompanhando tomas de estabelecimento ou transições), todo o elenco não conta com o poder da música inspiradora ou os beats cômicos/dramáticos que geralmente reforçam suas atuações. Aqui, Miller capta até mesmo som de pessoas tossindo ao fundo, deixando-os completamente desarmados de elementos externos. Isso garante performances arrasadoras do elenco principal, com Brad Pitt trazendo um de seus trabalhos mais complexos até então, capturando o carisma de Billy e sempre deixando seu medo transparecer por pequenas camadas atrás de seu senso de humor: quando ele diz para Brandt em tom de ameaça que "é bom que isso funcione", os 2 segundos de silêncio que antecedem sua risada e a fala "só estou brincando", revelam que o GM realmente está paralisado de medo, em apenas um exemplo das muitas sutilezas de uma performance que ganha riqueza através de suas diversas reações.

O mesmo se aplica a Jonah Hill, que na época entregava sua primeira atuação inteiramente dramática, surpreendendo a todos por sair de comédias como Superbad, e mal levantando o tom de voz para viver o tímido Peter Brandt. Como esperado nesse tipo de arquétipo, o mais interessante no trabalho de Hill é ver como o analista vai perdendo seu aspecto mais reservado e mostrando seu lado mais extrovertido, e também superando o medo para contornar situações embaraçosas, como demitir jogadores. Seu grande momento também vem de um momento de reação e silêncio, com Miller retratando Brandt e Billy falando ao telefone para conseguir a troca de alguns jogadores. Nunca ouvimos a voz na outra linha, ficando apenas com os rostos dos atores como indício do diálogo, e a reação "silenciosamente histérica" de Hill ao cerrar seus punhos é simplesmente maravilhosa. Pitt e Hill juntos é uma combinação que nunca imaginaria, mas que funciona perfeitamente.

Os dois dominam o filme, mas vale mencionar o rico elenco coadjuvante, que conta ainda com o finado Philip Seymour Hoffman entregando uma performance que expressa a decepção do técnico do time com as novas táticas empregadas por Billy, raramente trocando sua expressão de rabugento. Hoje badalado por Guardiões da Galáxia, Chris Pratt tem bons momentos como o jogador Scott Hattenberg, sendo eficiente em transmitir a humildade do jogador que, esquecido pelo simples fato de "arremessar de forma esquisita" é lembrado por Billy e tirado das trevas do desemprego. Robin Wright e o diretor Spike Jonze têm uma boa cena para transmitir a estranheza do encontro de um pai com sua ex-esposa e seu atual namorado, mas a pequena Kerris Dorsey rouba a cena como a filha do protagonista, com performances encantadoras da canção já discutida anteriormente.

Representando o ponto alto da carreira de um diretor que ainda precisa ganhar seu devido reconhecimento, O Homem que Mudou o Jogo é um triunfo. Acerta na maioria dos aspectos técnicos e narrativos com a mesma precisão matemática do programa de seus personagens, com um roteiro poderoso e um elenco carismático. Mesmo com a primeira impressão não muito convidativa, ao final da projeção só podemos parafrasear Billy Beane e nos perguntar: "como é possível não ser romântico com beisebol?"

O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball, EUA - 2011)

Direção: Bennett Miller
Roteiro: Aaron Sorkin e Steven Zaillian, baseado na obra de Michael Lewis
Elenco: Brad Pitt, Jonah Hill, Philip Seymour Hoffman, Robin Wright, Chris Pratt, Kerris Dorsey, Stephen Bishop, Reed Diamond, Brent Jennings
Gênero: Drama
Duração: 133 min

https://www.youtube.com/watch?v=RAG74hfW4pM


by Lucas Nascimento

Crítica | A Hora do Pesadelo (2010) - Freddy Krueger merece um destino melhor

Ficamos um bom tempo sem Freddy Krueger nos cinemas. Havíamos visto sua figura pela última vez em 2003, com Freddy vs. Jason, mas não tínhamos um filme de A Hora do Pesadelo desde 1996, com Novo Pesadelo. Remake era a escolha ideal para a produtora Platinum Dunes, ainda mais pela recepção calorosa ao novo Sexta-Feira 13. Adotando a política do “sombrio e realista”, Samuel Bayer parte para recontar o mito de Krueger em seu próprio A Hora do Pesadelo.

É exatamente a mesma trama do original, o que certamente facilitou o trabalho dos roteiristas Wesley Strick e Eric Heisserer. Temos início com o aparente suicídio de Dean Russell (Kellan Lutz), um sonâmbulo que vinha se privando do sono por um medo incontrolável. Seus amigos logo começam a experienciar pesadelos similares com a figura de um homem queimado com luva de garras, que eles logo descobrem ser o misterioso Freddy Krueger (Jackie Earle Haley), um sujeito que de alguma forma está ligado ao passado de todos eles.

Vamos ser honestos: Freddy precisava de uma reinvenção sombria. Nos últimos filmes, como vimos, sua figura estava mais associada à de um palhaço do que a de um serial killer sádico, então faz sentido que a Platinum opte por redescobrir o terror de Krueger. Isso já é nítido na estilizada fotografia de Jeff Cutter, que equilibra bem os tons quentes e frios para a estética dos sonhos, além de ser predominante sombrio por toda a projeção. A decisão de transformar Krueger em um pedófilo (enquanto no original era “apenas” um assassino de crianças) também revela-se forte e incômoda, e a performance de Jackie Earle Haley é sensacional em sua abordagem mais agressiva e com humor negro pontual, funcionando também graças à maquiagem que se aproxima mais de queimaduras reais e dos elementos dramáticos que traz de seu trabalho em Pecados Íntimos; onde também interpretara um pedófilo. Definitivamente tem presença, ainda que não se aproxime da figura icônica criada por Robert Englund.

Infelizmente, não há muito mais que seja capaz de salvar o filme. Samuel Bayer revela-se um diretor sem imaginação, incapaz de enxergar como as habilidades de Krueger poderiam render imagens e situações espetaculares, limitando-se a estragar momentos icônicos do original com efeitos digitais capengas; especialmente quando temos a imagem do assassino tentando sair da parede ou quando Kris (Katie Cassidy) é morta enquanto “voa” pelo quarto. Quase todos os ataques são baseados na vítima sozinha em um ambiente sombrio, uma leve perseguição e olhando para atrás apenas para encontrar Freddy e um efeito sonoro exagerado para um jump scare artificial. Não é surpresa que Bayer nunca mais tenha dirigido um filme após o resultado.

Bayer também não faz ideia do que fazer com o elenco. Todos sabemos hoje que Rooney Mara é uma ótima atriz, mas não temos nenhum indício de que a intérprete de Lisbeth Salander sairia daqui, já que da vida a uma Nancy inexpressiva e moribunda. Kyle Gallner como o amigo Quentin se esforça, mas seu personagem é tão interessante quanto… Bem, qualquer um dos outros jovens chatos e sem personalidade do filme. Thomas Dekker, Katie Cassidy e o banana Kellan Lutz são todos rostos descartáveis. Confesso que a situação tediosa aqui faz sentir saudade dos esterótipos dos anos 80, com a jovem promíscua e o valentão jogador de futebol.

Esta nova visão para A Hora do Pesadelo parte de uma premissa apetitosa e com gigantesco potencial, mas desaba por não mirar mais alto em suas intenções, além de sofrer com uma direção horrorosa. Jackie Earle Haley honra o suéter, mas Freddy Krueger merece um destino melhor.

A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, EUA – 2010)

Direção: Samuel Bayer
Roteiro: Wesley Strick e Eric Heisserer, baseado nos personagens de Wes Craven
Elenco: Jackie Earle Haley, Rooney Mara, Kyle Gallner, Katie Cassidy, Thomas Dekker, Kellan Lutz, Clancy Brown, Connie Britton
Gênero: Terror

Duração: 95 min

https://www.youtube.com/watch?v=16IpwmLGHkU

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by Lucas Nascimento

Crítica | Creed: Nascido para Lutar - O legado da franquia se fortalece

2015. Nesse ano, uma franquia consagrada dos anos 70 retorna às telas depois de seis filmes com uma espécie de continuação/reboot. O novo filme aposta agora em um protagonista negro que utiliza o herói dos clássicos como mentor, ajudando-o a se inserir neste universo e iniciar sua própria saga de histórias. E não, curiosamente não estou falando de Star Wars: O Despertar da Força, mas sim de Creed: Nascido para Lutar, filme de Ryan Coogler que é bem sucedido nessa mesma missão do Episódio VII de J.J. Abrams: passar o bastão de uma franquia icônica para uma nova geração.

Dessa vez, somos apresentados a Adonis Johnson (Michael B. Jordan), o filho bastardo do famoso lutador Apollo Creed, falecido oponente de Rocky Balboa (Sylvester Stallone). Sentindo a necessidade de abraçar o seu legado e construir uma carreira sólida no boxe profissional, o jovem abandona sua vida de luxos e muda-se para a Filadélfia com o objetivo de encontrar o aposentado Garanhão Italiano e convencê-lo a treiná-lo.

Em muitos aspectos, é uma recriação da estrutura clássica do primeiro filme, ou de virtualmente todo filme do gênero esportivo. Uma longa preparação física e psicológica para um recompensador clímax catártico. O diferencial é o tratamento certeiro do roteiro de Coogler e Aaron Covington, que são eficientes em utilizar todos os artifícios e muletas narrativas para construção de uma história. A trajetória de Adonis já difere bastante da de Balboa por trazer um personagem mais avantajado, dada a fortuna de sua mãe adotiva e o valor de seu nome; o que paradoxalmente garante uma preocupação ainda maior ao jovem: a necessidade de honrar o legado de Creed, e provar que sua capacidade vai além do nome.

Isso garante muito mais foco em Adonis do que Balboa, que serve mais como um coadjuvante de luxo (chegaremos a ele em alguns instantes). O show é todo de Michael B. Jordan, que novamente se mostra um dos grandes nomes da nova geração. Adonis é um jovem difícil de se gostar a maior parte do tempo, dado seu temperamento explosivo e impaciência (algo bem distinto da ingenuidade e humildade de Rocky), mas Jordan compensa pelo carisma nas cenas com Stallone e também na delicada maneira com que constrói a relação com a vizinha Bianca (Tessa Thompson). Mas é mesmo quando, em uma explosão de fúria, vemos uma tímida lágrima saindo de seu olho (e a pressa para enxugá-la) que realmente entendemos a pressão que Adonis sente, seja na necessidade de se provar ou a mera rejeição que experimentou a vida toda – e a angústia de nunca ter conhecido o pai.

E, finalmente, chegamos a Sylvester Stallone. Encarnando Balboa pela sétima vez, o ator de 69 anos felizmente passa longe dos ringues e ainda conta com a direção mais naturalista de Coogler, entregando aqui aquela que muito provavelmente é a melhor performance de sua carreira. Sly resgata os elementos clássicos de Balboa, como sua simpatia e bom coração, praticamente como se o ator nunca tivesse deixado de interpretar o lutador. Mas é quando a trama explora o lado mais melancólico e sombrio do personagem que realmente vemos território nunca explorado pelo ator: sozinho, com todos os entes queridos falecidos (com exceção de seu filho, apenas mencionado), Rocky parece confortável e ansioso para o momento de sua morte. Isso rende uma complexa e desafiadora cena entre Stallone e Jordan, e nos faz lembrar como o eterno herói de ação é um grande ator.

Aliás, todas as cenas com os dois são excelentes, auxiliadas pelo texto divertido e a direção acertada de Coogler. Saído do elogiado Fruitvale Station, Coogler já em seu segundo filme demonstra talento para compor quadros altamente simbólicos e capazes de contar por si só uma história: tome como exemplo o plano que traz Adonis e Rocky treinando socos juntos em uma plataforma de punching ball, demonstrando a parceria e sincronia dos dois, apenas para que – em outro ponto mais sombrio da trama- vermos exatamente o mesmo plano, mas dessa vez trazendo Adonis sozinho enquanto a outra punching ball fica em evidência, fora de uso.

O domínio de Coogler atinge o ápice quando, auxiliado pela diretora de fotografia Maryse Alberti (já familiarizada com o gênero, tendo fotografado O Lutador para Darren Aronofsky), aposta em retratar a primeira grande luta de Adonis em um longo plano no qual a câmera circula entre os dois lutadores, captura primeiros planos dos dois e ainda traz certeiras reações de Rocky – no canto do ringue – e da plateia, em uma verdadeira dança com a câmera. O resultado em tela é espetacular, já que vai completamente contra a estética com a qual estamos acostumados quando vemos uma cena de luta de boxe no cinema; geralmente estruturado por uma montagem incessante e frenética. Até mesmo a luta final de Adonis, que opta por uma abordagem mais tradicional, limita os cortes e as câmeras de televisão (como vimos em Rocky Balboa), apostando fortemente em uma trilha sonora operática e efeitos em câmera lenta marcantes – que, aliás, rende uma poderosa catarse para o protagonista.

O saudosismo que uma produção do tipo é capaz de provocar também é muito bem dosado. A estrutura consagrada do primeiro é mantida, com direito à obrigatória montagem de treinamento, que merece créditos ao compositor Ludwig Göransson, que traz um remix operático e grandioso da famosa “Gonna Fly Now”, ao mesmo tempo em que a mixagem de som a combina com trechos de rap de Meek Mill; uma forma muito eficiente de atualizar a franquia e conferi-la a um novo protagonista, com o rap surgindo como uma nova identidade cultural. Até mesmo o clássico tema de Bill Conti é usado uma única vez, mas com uma precisão impressionante.

Se há um fator no qual Creed realmente falha é seu oponente. Seja Apollo Creed no primeiro filme, o ótimo Mason Dixon em Rocky Balboa ou até mesmo o ciborgue Ivan Drago em Rocky IV, os adversários sempre foram figuras marcantes e memoráveis. O “Pretty” Ricky Conlan infelizmente passa todo o longa como um sujeito arrogante e provocador, sendo facilmente um arquétipo de antagonista. Claro, temos uma subtrama sobre o lutador tentando reestruturar sua família após um delito, mas empalidece diante do tratamento à jornada de Creed. O único fator redentor sobre Conlan vem logo ao final da luta climática, mas paro por aqui para não entregar surpresas.

No geral, Creed: Nascido para Lutar é mais um fantástico exemplo de como se rebootar uma franquia sem invalidar ou simplesmente se apoiar nos feitos do original. Como o próprio protagonista, este filme de Ryan Coogler encontra sua própria identidade dentro de um universo familiar, sem dúvida fazendo justiça ao legado do icônico Rocky Balboa.

Espero que seja apenas o início…

Creed: Nascido para Lutar (Creed, EUA – 2015)

Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Aaron Covington, baseado nos personagens de Sylvester Stallone
Elenco: Michael B. Jordan, Sylvester Stallone, Tessa Thompson, Phylicia Rashad, Tony Bellew, Ritchie Coster, Graham McTavish
Gênero: Drama, Ação

Duração: 133 min

https://www.youtube.com/watch?v=661sQScpXJc


by Lucas Nascimento

Crítica | Fruitvale Station: A Última Parada - A impactante estreia de Ryan Coogler

É uma tarefa muito complicada adaptar tragédias reais às telas. Especialmente uma que seja ambientada em único dia, e com uma fatalidade inesperada como a sofrida por Oscar Grant nos primórdios de 2009. Diferente de eventos como o  naufrágio do Titanic ou o 11 de Setembro (que também renderam obras cinematográficas), a morte de Oscar não foi um evento de escala monumental, mas – como nos bem mostra o filme do estreante Ryan Coogler – não menos importante e com a mesma dose de impacto para os envolvidos, além de tocar em uma ferida ainda exposta nos dias de hoje.

Assinada também por Coogler, a trama dramatiza as últimas 24 horas da vida de Oscar Grant (Michael B. Jordan), um jovem desempregado e pai de uma filha com sua namorada (Melonie Diaz). Na celebração da virada do Ano Novo de 2009, ele foi morto a sangue frio por um policial que deteve Oscar e seus amigos após uma briga na estação de metrô do título.

Felizmente, Coogler não se desvia de seus objetivos. Em seus 80 minutos de projeção, Fruitvale Station mantém-se apenas aos eventos finais de Oscar, invalidando uma análise geral sobre toda sua vida ou digressões temporais (há apenas um flashback em toda a projeção, mas é só no terceiro ato nos damos conta da importância fundamental deste). É inegável que o espectador esteja desde o início esperando pelo clímax dramático, e Coogler sabe disso, conscientemente apostando em sequências onde Oscar faz planos para o futuro ou quando sua mãe (Octavia Spencer, excelente) lhe aconselha a tomar o metrô ao invés de dirigir. Mesmo sendo um jogo interessante de subversões de expectativas, atrasa um pouco o ritmo do arrastado primeiro ato, onde se salva a performance do ótimo Michael B. Jordan (você já o viu em Poder sem Limites e provavelmente o verá muito mais…), que absorve todas as complicações, intrigas e problemas de Oscar – sem nunca deixar seu bom humor morrer.

Quando o momento esperado finalmente chega, ele não decepciona. Coogler se mostra um cineasta seguro ao apostar em um intenso uso de câmera na mão e uma reconstituição quase que documental do assassinato em Fruitvale: seja pelo figurino dos personagens, os celulares da época ou até mesmo o cenário (que não era um set, e sim a própria estação em Oakland). O resultado é realmente devastador, capaz de deixar o espectador chocado até os créditos começarem a subir. E Coogler novamente brinca com as expectativas (dessa vez, de maneira até sádica) ao trazer a mãe, namorada e amigos de Oscar rezando por sua melhora no hospital em uma poderosa cena, que certamente seria um formulaico deus ex machina caso a história trouxesse uma conclusão feliz. Mas, infelizmente, todos sabemos o inevitável desfecho.

No fim, Fruitvale Station: A Última Parada serve tanto como um documento quanto uma manifestação do choque e fatalidades injustas, sendo seus motivos ligados à brutalidade ou, simplesmente, incompetência. Traz ótimo elenco e uma direção afiada, lançando também o promissor nome de Ryan Coogler ao mundo. Ficaremos de olho.

Fruitvale Station: A Última Parada (Fruitvale Station, EUA - 2013)

Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Elenco: Michael B. Jordan, Melonie Diaz, Octavia Spencer, Kevin Durand, Chad Michael Murray, Ariana Neal
Gênero: Drama
Duração: 85 min

https://www.youtube.com/watch?v=6QqNAqiITJU


by Lucas Nascimento

Crítica | O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger - Assustadora Metalinguagem

Freddy Krueger estava morto. Depois de 6 filmes e muito dinheiro e fãs arrecadados, o mito criado por Wes Craven parecia estar aposentado para sempre… Bem, pelo menos em um período de 3 curtos anos, que é o tempo que separa A Morte de Freddy de seu próximo e mais irreverente capítulo, encabeçado pelo próprio Craven: O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger.

Para quem não conhece, Novo Pesadelo é um dos filmes mais metalinguísticos já feitos, sem dúvida alguma servindo como a gênese da franquia Pânico, que Wes Craven viria a dirigir alguns anos depois. Mas aqui, todos os atores, produtores e diretores interpretam versões deles próprios, que trabalham em um novo filme de Freddy Krueger. O que acontece, é que Krueger é revelado como um espírito demoníaco que assume muitas formas, e a franquia A Hora do Pesadelo foi uma forma de mantê-lo aprisionado em um mundo ficcional. Com sua presença ameaçando invadir o mundo real, cabe a Wes Craven (sério) escrever um filme definitivo para que Heather Langenkamp (a Nancy Thompson do original) possa derrotar Krueger de uma vez por todas.

Certo, mas que premissa absolutamente brilhante. Não só é uma ideia verdadeiramente original para trazer a franquia de volta, como também dá vida a antiga ideia de Craven de produzir um filme em que Freddy assombraria os produtores que garantiam infinitas continuações para A Hora do Pesadelo; vale lembrar que o idealizador nunca quis que o personagem ganhasse continuações, e já demonstrou mais de uma vez sua insatisfação com o nível dos longas produzidos.

E O Novo Pesadelo funciona? Definitivamente, mas acerta muito mais baixo do que poderia. É fascinante ver Langenkamp, Robert Englund e principalmente Wes Craven interpretarem versões idealizadas de si mesmos (Craven é o escolhido para realizar a tarefa divina de aprisionar o demoníaco Krueger, com a magia de suas palavras…), assim como as cenas em que algum personagem lê uma página de roteiro que diz exatamente o que acontece em cena. O novo visual de Freddy Krueger também é espetacular. Segue mais a proposta original de Craven, com um longo sobretudo, uma maquiagem mais profunda e uma luva de garras que se aproximasse de garras de osso. Na pele de Englund, Freddy nunca esteve tão amedrontador, além de não trazer consigo o humor galhofa que dominou suas últimas aparições.

O problema é que não há nada de realmente marcante. Nenhum dos ataques de Freddy traz a criatividade que tornou o personagem tão amado, nem o terror que a abordagem mais séria prometia. Há algumas cenas de suspense, como quando o filho de Nancy adota um comportamento estranho em um playground, ou a própria primeira aparição de Freddy, que traz de volta o truque de andar nas paredes do longa original, mas nada digno de Wes Craven. O núcleo de Heather protegendo seu filho de uma ameaça invisível não empolga, mesmo que a atriz entregue uma performance protetora notável.

Wes Craven parte de um conceito genial para seu Novo Pesadelo, mas não foi o bastante para que Freddy Krueger voltasse a ser uma força marcante. É uma despedida muito mais eficiente do que a porca conclusão da franquia, mas o personagem ainda assim merecia mais.

Mais do que viria a seguir, ainda.

O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger (Wes Craven’s New Nightmare, 1994 – EUA)

Direção: Wes Craven
Roteiro: Wes Craven
Elenco: Robert Englund, Heather Langenkamp, Wes Craven, David Newsom, Marianne Maddalena
Gênero: Terror

Duração: 112 min

https://www.youtube.com/watch?v=TV8za5nWxwo

Leia mais sobre A Hora do Pesadelo


by Lucas Nascimento

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