Crítica | Goosebumps 2: Halloween Assombrado - As Falhas de Ari Sandel
R.L. Stine é uma das personalidades mais misteriosas da indústria literária contemporânea e configura-se como uma dos grandes expoentes do nicho infanto-juvenil. Suas obras, recheadas de tramas macabras, finais inesperados e personagens marcantes, são lidas e relidas até hoje e já ganharam adaptações interessantes por canais como Boomerang e Nickelodeon, principalmente com especiais de Halloween que fizeram jus às suas narrativas. Em 2015, Rob Letterman resolveu eternizar o nome do romancista ao levar Goosebumps - Monstros e Arrepios para as telonas, conseguindo, em grande parte, recriar os clássicos contos a partir de uma perspectiva bem metalinguística e que no geral entretém o público.
Qual foi a surpresa quando houve o anúncio de uma continuação. Sabemos que, no contexto atual, produtores cinematográficos são fascinados por darem início a franquias de sucesso, seja crítico ou nas bilheterias. E ainda que boa parte falhe ao alcançar o objetivo, as tentativas são cada vez maiores - e Goosebumps não ficaria de fora. Assim que a Sony Pictures divulgou que as gravações começariam em breve, os fãs ficaram incertos sobre a qualidade, mas esperaram pelo melhor, rezando para que a sequência fosse ao menos divertida. Infelizmente, o longa de Ari Sandel não consegue sair de uma medíocre zona de conforto, apenas recriando sem qualquer pingo de originalidade o que Letterman fez alguns anos atrás, mas sem a mesma capacidade técnica ou artística.
Halloween Assombrado basicamente segue a mesma premissa que o filme predecessor: dois outcasts de uma escola de ensino médio acabam encontrando um livro misterioso e, ao abri-lo, invocam a presença demoníaca de um boneco ventríloquo já conhecido - o medonho Slappy (Jack Black) -, que sobreviveu ao contra-ataque passado e agora retorna para dar continuidade à sua trama de vingança. Slappy se aproxima da família Quinn, usando seus poderes sobrenaturais para “ajudá-los” pouco antes de revelar a sombria natureza de seus planos: o boneco, na verdade, deseja constituir uma família de monstros e dar vida a um eterno Dia dos Mortos, começando por aquela pequena cidade. Uma premissa conhecida e que provém de inúmeros outros thrillers e dramédias adolescentes; entretanto, mesmo que esta se trate de uma releitura de uma releitura, a execução peca em diversos pontos e fica complicado manter os olhos vidrados na tela quando o nonsense rola solto e sem qualquer motivo aparente.
O primeiro ato ao menos visa se entregar a um pequeno contexto para compreendermos a família protagonista. Temos Sonny (Jeremy Ray Taylor, acabando de sair de uma incrível performance em It: A Coisa - Parte 1) e seu melhor amigo Sam (Caleel Harris), ambos funcionando como escapes tragicômicos dentro de um cosmos bem opressivo. Os dois são vistos como párias pelos próprios “colegas” de escola e é justamente isso que os leva até um casarão abandonado para encontrarem o manuscrito perdido e não-finalizado de Stine. A partir disso, e com a ajuda da irmã de Sonny, Sarah (Madison Iseman), eles partem em uma aventura para impedi-lo de concretizar quaisquer que sejam suas maquiavélicas ideias.
A grande sacada do longa original foi permanecer em um escopo conhecido, sem ousar muito e nem se dando ao trabalho de prometer uma obra estrondosa, e fazer um ótimo uso dos personagens monstruosos das obras de Stine. Aqui, o exato oposto ocorre: a presunção não existe, mas as criaturas também não: elas são jogadas ao vento, polvilhadas em plena noite de Halloween em meio a crianças fantasiadas, e acabam não representando nenhuma ameaça real. Apenas Slappy comanda o show, e os holofotes, que poderiam muito bem virar para outras subtramas rápidas e concisas, vagam perdidamente por grande parte das sequências. Em suma, quaisquer tentativas de Sandel de recuperar um resquício de glória do passado cedem às ruínas do safezone e se tornam esquecíveis. Garanto a vocês que, ao sair de cinema, quase ninguém irá se lembrar dos monstros que apareceram.
Nem mesmo o roteiro de Goosebumps 2 assinado por Rob Lieber e Darren Lemke parecem se preocupar em deixar a obra um pouco mais tragável: com o início do segundo ato, o ritmo torna-se frenético e as motivações das personagens são ridiculamente falsas, bem como as estúpidas tentativas de encontrar uma saída pela tangente. Talvez um dos poucos momentos bons da obra seja as cenas protagonizadas pela irreverente Kathy (Wendi McLendon-Covey), matriarca dos Quinn e dotada de inúmeras frases ácidas. Mesmo assim, até ela se entrega às fórmulas compulsórias e tem seu arco finalizado do jeito mais ridículo possível.
É claro que não falamos de uma obra-prima da sétima arte. Porém, o filme nem mesmo chega a ser divertido. A atmosfera prepara o público para a chegada dos monstros, e ela pode até se concretizar, mas sem qualquer credibilidade cênica. A condução do diretor é problemática em diversos pontos, construindo pilastras para apoiar as coreografias imagéticas para cortá-las um segundo antes ou depois do esperado, causando imenso desconforto: estamos diante de algo que não é agradável de ver nem quanto à sua estética - isso sem mencionar os pífios efeitos especiais que poderiam receber melhor tratamento, igualando-se a Monstros e Arrepios.
Goosebumps 2 é uma sequência que ninguém pediu e que cairá no esquecimento antes mesmo de firmar nome no dia de seu lançamento. Caso esteja procurando por uma homenagem, por mais simbólica que seja, aos livros de Stine, sugiro que se apegue à nostalgia de fim de século da série de TV. Com certeza será uma experiência mais aproveitável.
Goosebumps 2: Halloween Assombrado (Goosebumps 2: Haunted Halloween, EUA – 2018)
Direção: Ari Sandel
Roteiro: Rob Lieber, Darren Lemke, baseado nos personagens de R.L. Stine
Elenco: Wendi McLendon-Covey, Jack Black, Madison Iseman, Jeremy Ray Taylor, Caleel Harris
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 90 min.
https://www.youtube.com/watch?v=PeN5_tgJyYc
Crítica | Não Para Não - Uma Miscelânea Musical
Pabllo Vittar é um dos maiores expoentes da cultura LGBTQIA+ tanto dentro do Brasil quando fora. Ganhando atenção da mídia ainda em 2015, quando produziu e estrelou como lead singer uma paródia festiva de Lean On, do grupo Major Lazer, sua carreira alavancou de modo assustador e reafirmaram sua posição como um dos maiores ídolos da comunidade e porta-voz da minoria dentro de um crescente espectro moralista e retrógrado. Sua fama concretizou-se com mais força quando, em janeiro de 2017, lançou o primeiro álbum de estúdio intitulado Vai Passar Mal, com músicas contemporâneas que até hoje são relembradas pelos fãs e que se tornaram ícones melódicos para as diversas festas brasileiras.
De qualquer modo, Pabllo encontrou um caminho fortuito e fértil para continuar trilhando sua incrível história - ainda que estivesse pecando, citando os críticos mais eruditos e clássicos da música, “na convicção vocal”. Na verdade, as discussões acerca da extensão dx cantorx pouco importam, visto que suas composições são abraçadas pela maior parte do público e volta e meia são direcionadas para as rádios e os serviços de streaming. Não há como negar que o fenômeno Vittar é real e dá força até mesmo para a entrada de artistas desconhecidos na indústria do entretenimento - afinal, elx teve um início pueril, por assim dizer, e encontrou um merecido espaço no lugar que sempre almejou: os palcos.
E como é de praxe para os cantores pop da atualidade, x artista resolveu lançar seu álbum de surpresa às vésperas de um dos momentos mais conturbados do país, talvez procurando uma forma de amenizar as tensões. Não Para Não, seu segundo trabalho profissional, alcançou números importantes para sua carreira nas poucas horas depois de ter sido lançado - e não é por menos: aqui, o espírito de brasilidade parece ganhar força, mesclando inúmeros estilos musicais e concentrando-os em dez faixas divertidas e no melhor estilo “chiclete”. Ainda que não esteja livre de problemas eventuais, principalmente na identidade da obra, cada música tem o seu valor comercial e abre margens para a produção de mais singles futuros, com imenso potencial artístico.
Buzina pode não ser um início perfeito, mas sem sombra de dúvida é envolvente, indicando o tom predominante do restante das tracks. Pabllo encontra o território adequado para uma letra animada, otimista e própria de uma cultura ballroom dos dias de hoje, com o crescendo bem marcado até o beatdrop do refrão mudo, que traz referências de um synthpop travestido por marcas brasileiras. É claro que a sutileza é o que ganha mais pontos aqui, e não seria até Seu Crime que a miscelânea se estrutura como premissa: o definitivo ponto alto do álbum é uma construção nostálgica e atemporal que conversa tanto com o estilo do pop nacional dos anos 2000 quanto com o forró e o brega, num mergulho inesperado e quase catártico.
Ainda assim, a produção não abre mão das batidas eletrônicas - e nem deveria. É fácil ver a mantida parceria entre a lead singer e compositores como Diplo e Rodrigo Gorky, este estando com elx desde as primeiras investidas no âmbito mercadológico. Em Problema Seu, o primeiro single dessa era, o refrão verborrágico que facilmente poderia ser empregado dá lugar a um respiro, um compasso mais uma vez bem demarcado que ajuda em sua fluidez. As tangências do eletropop mostram as caras com repaginações mais originais que outras faixas. Porém, uma coisa que pode ser dita é que a originalidade em questão de forma alguma chega aos pés da espontaneidade de seu trabalho predecessor, e os motivos são bem óbvios.
Vittar agora está dentro de uma comunidade que, se não x respeita por motivos injustos, deve aceitar o que representa. Manter o status está nos planos dx artista - e é justamente que elx opta por um disco virado mais para o comercial que para o pessoal. Em momento algum tiro o mérito das músicas, ainda mais porque todas são muito bem aproveitadas por um time competente e que definitivamente merece reconhecimento. Mesmo assim, a tríade formada por Não Vou Deitar, Ouro e Trago Seu Amor de Volta parece mecanizada quando justaposta ao restante do álbum: não importa em que ordem você as escute, as semelhanças são indiscutíveis e representa um leve deslize. De qualquer forma, a participação de instrumentos como o bumbo e o pandeiro conseguem incrementá-las e poli-las em certa parte.
As motivações de alegria não são as únicas que movem Não Para Não. Pabllo também faz bom uso de um escopo mais melódico em detrimento das compulsórias batidas em Disk Me. Ainda que a letra seja reflexo inerente à grande parte das faixas, falando sobre relacionamentos, amores não correspondidos e ilusões românticas, é a voz e a suavidade da composição sonora que marcam um passo interessante e funcionam como uma extensão técnica de Indestrutível. É claro que há algumas imperfeições; todavia, a conexão é quase tão imediata que as mudanças bruscas existentes na construção da faixa desvanecem em um piscar de olhos. A calmaria e a serenidade dessa ballad puramente brasileira é o que vale mais a pena a ser discutido.
Apesar do declive supracitado, a obra se reencontra novamente em um exponencial crescente, partindo de Vai Embora, passando por No Hablo Español, uma divertida e enraizada canção icônica e anacrônica, e culminando em Miragem, uma das melhores produções dx cantorx. Desde a contínua e fluida mudança do ritmo até a manutenção de notas seguras e bem estruturadas, as entradas carnavalescas e nostálgicas quase gritam por atenção sem fazer muito - e, no final, funcionam muito bem.
O segundo disco de Pabllo Vittar pode até perdido um pouco do enlouquecido brilho de seu trabalho inicial, mas mesmo sua estrutura mais pensada e mais comercial não são capazes de tirar o potencial de envolvência. Não Para Não se entrega à busca de um espírito próprio da nossa cultura e o faz dentro de um fusionismo musical interessante e bastante digno de reconhecimento.
Nota por faixa:
- Buzina - 3,5/5
- Seu Crime - 4,5/5
- Problema Seu - 4/5
- Disk Me - 4,5/5
- Não Vou Deitar - 4/5
- Ouro (feat. Urias) - 3,5/5
- Trago Seu Amor de Volta (feat. Dilsinho) - 3,5/5
- Vai Embora (feat. Ludmilla) - 4,5/5
- No Hablo Español - 4/5
- Miragem - 4,5/5
Não Para Não (Idem, Brasil – 2018)
Label: Sony Music
Lead: Pabllo Vittar
Composição: Pabllo Vittar, Maffalda, Zebu, Rodrigo Gorky, Pablo Bispo, Arthur Marques, Diplo, King Henry, Alice Caymmi, Noize Men
Gênero: Dance-pop, Eletropop
Faixas: 10
Duração: 26 min.
Crítica | PéPequeno - O Encontro de Dois Mundos
A divisão de animação da Warner Bros. é bem nova se comparada a outros grandes estúdios do gênero como a Disney e a DreamWorks. Não é à toa que a companhia tem apenas cinco filme, no total, produzidos, sendo que três fazem parte de um mesmo universo e partem de personagens pré-existentes. É claro que LEGO - O Filme e sua sequência-spin-off acerca do Cavaleiro das Trevas rendeu uma ótima aceitação tanto do público quanto da crítica, mas partindo de uma visão mais ampla, manter-se dentro de uma zona de conforto hora ou outra iria cair nas próprias ruínas. Foi pensando nisso que a Warner Animation resolveu mergulhar em seu segundo longa-metragem original e primeiro musical, buscando inúmeras referências hollywoodianas clássicas para dar vida a uma narrativa que, ainda que peque em vários aspectos, é, no final das contas, fofa o suficiente para o público infantil.
PéPequeno tem como ideia subverter o clássico mito do Pé-Grande, invertendo as perspectivas e colocando como centro heroico uma sociedade de iétis que vive no topo das montanhas do Himalaia, alheios a qualquer coisa que se passe além da suposta “ilha flutuante”. A comunidade, movida pelas verdades fabricadas das Pedras (que podem ser apenas interpretadas pelo respectivo Guardião), crê piamente em um nascimento mitológico provindo de mamutes gigantes que sustentam seu mundo e impedem as criaturas de caírem nas desgraças do vazio cósmico. E não é à toa que todos acreditam nisso: uma espessa e densa névoa impede que qualquer um enxergue o que existe lá embaixo, compulsoriamente mantendo todos em uma aceitação coletiva.
É claro que, levando em conta que a obra é voltada para uma audiência mais enxuta, essa profundidade não aparece de modo escancarado e é travestido com uma roupagem musical que funciona quase por completo. De qualquer modo, temos uma narrativa específica a ser seguida - a do iéti Migo (Channing Tatum), que sempre seguiu todas as regras até dar de cara com o lendário PéPequeno, nome dado aos humanos. Ao tentar avisar seus conterrâneos sobre o ocorrido, ele é tachado de louco pelo Guardião (Common) e é banido até reaprender as respeitar as leis e não duvidar da onipotência das pedras. A partir disso, ele se encontra com um grupo de rebeldes que também desconfia do sistema no qual estão inseridos há tantas gerações, partindo numa busca por provas de que os pequeninos realmente existem.
A narrativa funciona bem até meados do segundo ato, quando começa a desandar pelo excesso de informações em pouco tempo. Toda a trama move-se baseada no cômico com alguns parcos brilhos do drama obrigatório que serve para dar continuidade aos arcos dos personagens. Mesmo com a previsibilidade da animação, o encontro das duas raças em questão é hilário e se desenrola de acordo com a atmosfera simples orquestrada pelo diretor Karey Kirkpatrick: acontece que ambos os mundos são mitos um para o outro, e isso contribui até mesmo para a mudança de perspectiva que impede uma compreensão imediata entre eles - ao menos até Migo levar um “exemplar”, o jovem apresentador decadente Percy (James Corden), para sua terra natal e provar que todos estavam enganados.
A delineação dos atos é muito bem demarcada tanto pelo roteiro quanto pela estética fílmica. Conforme o longa mergulha em seu bloco de transição, a fotografia torna-se mais bruta e opressiva em comparação à paleta de cores viva da introdução: as sombras tornam-se ainda mais presentes e o uso do vermelho, do laranja e do amarelo vão de proposital encontro ao escopo externo azulado. Uma jogada um tanto quanto óbvia, mas que traz seu peso dramático para as revelações e traições a serem feitas pelos protagonistas e coadjuvantes - incluindo uma virada inesperada que casa com a fantasia a qual a história se dispõe a explicar.
Mesmo assim, não podemos negar que essa parte em específico é saturada de informações desnecessárias que só vale pela transformação forçada do herói em alguém que deve decidir o que é justo e o que é certo para proteger aqueles que ama. A compulsoriedade insurge no esquecimento de pequenas subtramas, como, por exemplo, a deixa de um suposto romance entre Migo e Meechee (Zendaya), líder do movimento de oposição e filha do Guardião, que nunca toma uma forma concreta e é varrida para debaixo do tapete. Até mesmo seu arco irreverente é roubado pela presença de personas de apoio, retornando com certa glória quando o último ato ganha seu espaço e ela decide voltar ao mundo dos humanos para ajudar Percy.
A concepção dos iétis e humanos é caricata e dialoga quase que imediatamente com os longas animados da Illumination Entertainment (responsável por Meu Malvado Favorito e Minions, por exemplo). Os traços faciais são largos, ondulados e sinuosos - e até as expressões, por mais irreverentes que sejam, tentam de alguma forma manter-se coesos. Mas optar por utilizá-las sem escrúpulos é o que abre margens para a queda livre. Kirkpatrick parece não perceber que não precisa se utilizar de quebras de expectativa e construções imagéticas bruscas o tempo inteiro para passar sua mensagem - e, mesmo para as crianças, isso se torna monótono e cansativo depois de um tempo.
De qualquer forma, PéPequeno consegue recuperar a bela mensagem que tenta e mostra-se relativamente satisfatório. É claro que existem obras do gênero que ousam com mais precisão naquilo que pretendem, mas essa aqui não entrega muito além do que promete, mostrando uma melhora quase imperceptível em relação a produções anteriores da companhia.
PéPequeno (Smallfoot, EUA – 2018)
Direção: Karey Kirkpatrick
Roteiro: Karey Kirkpatrick, Clare Sera
Elenco: Channing Tatum, James Corden, Zendaya, Common, LeBron James, Danny DeVito, Gina Rodriguez, Yara Shahidi, Ely Henry
Gênero: Animação, Comédia, Aventura
Duração: 94 min.
https://www.youtube.com/watch?v=taymWOY_qBc
Crítica | Blackout - Britney Revive o Pop
A indústria do entretenimento não é um lugar tão mágico quanto as pessoas pensam: em um momento, você pode estar no topo das paradas, conquistando milhões de fãs e mergulhando em uma montanha russa rumo ao sucesso; no outro, as estruturas de sua vida podem ser desmanteladas por um simples comentário ou um dia não tão bom quanto gostaria que fosse. Esse escopo inconstante de conciliação entre o pessoal e o profissional foi um dos principais motivos que desencadearam o famoso e até hoje relembrado meltdown da princesa do pop Britney Spears entre os anos de 2006 e 2007, cuja figura passava por inúmeros problemas dentro e fora de casa e acabaram explodindo da forma mais humilhante possível para a cantora.
Spears sempre esteve completamente embebida pela fama, desde o tempo em que participava do extinto programa A Casa do Mickey Mouse. Ao completar dezesseis anos, lançou-se na carreira solo e ficou marcada pela baby voice e a baby face - a composição estereotipada da rebelde colegial que mais tarde abriu portar para transformá-la num sex symbol. É claro que, em meio a problemáticas da hiperssexualização, a artista tornou-se também uma forma de expressão que ia de encontro a uma bolha comandada por homens - e, ao lado de Madonna, Christina Aguilera e outras cantoras que vinham das últimas décadas de um conturbado século, alcançou um patamar que lhe trouxe uma pressão imensurável e culminou na quase destruição de sua carreira. Não é à toa que ficou quatro anos em hiato entre In the Zone e seu próximo álbum.
Ressentida entre fãs assustados e uma imprensa visceral e compulsória que não a deixava em paz, Spears recuperou as rédeas de sua vida e deu ares de renovação com a chegada de Blackout. É óbvio que, após as controvérsias que envolveram seu casamento e seus filhos, ninguém a estava levando a sério - mas o lançamento do primeiro single, Gimme More, provou que todos estavam errados e que Britney ainda conseguia causar um impacto. Sem sombra de dúvida, a composição da música já mostra ares totalmente diferentes de seus trabalhos anteriores, mergulhando em uma mescla contemporânea que abandona os ares noventistas e conversa com um público movido pelo dinamismo. A faixa de abertura é sexy, quase empoderadora, cuja letra traz um eu lírico sedento por mais - seja lá a que isso se refira.
Toda a estrutura do álbum, como já dito, afasta-se dos convencionalismos anteriores - não totalmente, mantendo aproximações com Toxic e Overprotected, por exemplo. Entretanto, os arranjos estendem suas inclinações para algo muito mais indie, talvez até mesmo ousando buscar alguns estilos musicais mais marginalizados. Heaven on Earth e Freakshow, fazendo parte do miolo, são referências claras ao Europop e a uma construção sintética que tangencia a eletrônica, mas permanece fiel às raízes do electro-pop. O uso de tons musicais distorcidos contribui para criar uma atmosfera onírica e propositalmente incômoda - um reflexo das próprias emoções da cantora.
Enquanto isso, Get Naked (I Got a Plan) e Toy Soldier procuram uma abordagem mais bruta, tendo o funk como pano de fundo principal. As tracks do disco se aproximam muito mais entre si pela estruturação que pelo conteúdo, apesar de insurgirem enquanto continuação dos temas já tratados pela lead singer. Afinal, sabemos muito bem que Spears nunca teve problemas em falar abertamente sobre sexo, beleza, sensualidade e outros tabus um tanto quanto rechaçados pelos mais conservadores; aqui, entretanto, à medida que algumas faixas trazem narrativas esperadas, outras procuram explorar outros caminhos, criticando sutilmente a manipulação de certas pessoas e como ela está cansada de lidar com “soldadinhos de brinquedo”.
O álbum funciona em sua completude de diversos modos: a visão mercadológica e comercial está ali, dialogando com sua repaginação modernizada e refrescante a um pop prestes a mergulhar na era digital. Ao mesmo tempo, há também um experimentalismo claro, partindo do hibridismo de inúmeros estilos que casam e criam uma harmonia quase perfeita. É claro que os baixos existem, incluindo na participação de Pharell Williams em Why Should I Be Sad, construindo um parênteses fragmentado em comparação ao restante da sólida base. Mas os ápices são mais frequentes, senão pelos vocais em autotune de Britney, por tudo que suas investidas representam - afinal, é sua primeira participação como produtora executiva, conferindo-lhe mais autonomia em fazer o que quiser.
Piece of Me, o segundo e mais aclamado single, é a definição perfeita do que o título da obra significa: buscando colocar a vida de volta nos trilhos, Britney percebe que um dos principais motivos de ter cedido a uma insanidade aterrorizante foi a pressão exercida por uma imprensa manipuladora e sensacionalista. E que melhor forma de responder a esses ataques com um afronte bem claro? A faixa, uma ironia nem um pouco sutil que serve de resposta àqueles que tentaram diminui-la, e não só tem uma letra deliciosamente perversa, como também traz elementos do dubstep e das distorções acústicas que a transformam em uma obra-prima. A maturidade dessa canção é refletida até mesmo em Break the Ice, cuja abordagem mais delicada cria contrapontos entre um poderoso refrão e bridges muito fluidos.
Blackout é um state-of-art por natureza e não poderia ter melhor representante que Britney Spears. A ideia de desligar-se para voltar à ativa é um dos motes que move a idealização do álbum e mostra como é sempre possível dar a volta por cima, mesmo que todos estejam contra você e ninguém acredite mais em seu potencial.
Nota por faixa:
- Gimme More – 4,5/5
- Piece of Me – 5/5
- Radar – 4,5/5
- Break the Ice – 4,5/5
- Heaven on Earth - 4/5
- Get Naked (I Got a Plan) - 3,5/5
- Freakshow - 4/5
- Toy Soldier - 4,5/5
- Hot as Ice - 3,5/5
- Ooh Ooh Baby - 4/5
- Perfect Lover - 4,5/5
- Why Should I Be Sad - 3/5
- Outta This World (versão exclusiva Target) - 3/5
- Everybody (versão exclusiva japonesa) - 3,5/5
- Get Back (versão exclusiva japonesa) - 3,5/5
Blackout (Idem, EUA – 2007)
Label: Jive
Lead: Britney Spears
Composição: Nate Hills, James Washington, Keri Hilson, Marcella Araica, Christian Karlsson, Pontus Winnberg, Britney Spears, Klas Ahlund, Pharrell Williams, Nicole Morier, Nick Huntington
Gênero: Dance-pop, Electropop
Faixas: 12
Duração: 44 min.
Crítica | (Des)Encanto: 1ª Temporada - Groening nos Tempos Medievais
Matt Groening é um dos maiores expoentes da televisão norte-americana contemporânea, responsável por trazer algumas das animações mais hilárias e distorcidas dos últimos anos, como Os Simpsons e Futurama. Tais obras são conhecidas por fugir dos convencionalismos narrativos e buscarem uma perspectiva crítica e ácida da sociedade, traduzindo em tramas absurdas os exageros humanos. Ainda que esta tenha funcionado de forma mais transigente, aquela permanece ainda no gosto popular - não é à toa que está chegando ao seu trigésimo ano. E foi partindo dessa premissa e com o advento de inúmeras plataformas de streaming que Groening encontrou espaço para sua próxima narrativa: (Des)Encanto.
Ambientada numa versão totalmente inesperada da Idade Média, a trama gira em torno de Dreamland, reino governado pelo irritadiço Zog (John DiMaggio), cuja filha, Tiabeanie “Bean” (Abbi Jacobson) mostra-se como um obstáculo em potencial para o exercício de todo seu pleno poder. Mas diferente do que podemos imaginar, o pano de fundo é sobre a garota, e não sobre o Rei: Bean está no ápice de sua adolescência e, levando em conta a época na qual a série se passa, suas irreverências insurgem na bebida compulsória, nos jogos de azar e nas escapadas românticas, colocando em xeque a integridade de sua família e de si mesma. Entretanto, logo com o primeiro episódio, percebemos que tudo isso é justificado pelo fato de seu casamento obrigatório como forma de manter a aliança entre territórios outrora inimigos.
Ao que tudo indica, estamos lidando com mais de uma histórias coming-of-age animadas com mensagens otimistas e aventuras mirabolantes. Todavia, em se tratando de uma construção de Groening, nada será o que aparenta; as críticas estão lá, nuas e cruas, como forma de chocar e traçar um paralelo com a loucura e a sandice da sociedade contemporânea. Há um espaço fértil, recheado de infinitas possibilidades que inclusive não precisam de valer de estereótipos, mas sim utilizá-los a seu favor para orquestrar o sarcasmo de modo completo e satisfatório. O problema principal: criar uma história com começo, meio e fim, algumas viradas interessantes e um cliffhanger digno para uma futura segunda temporada - e é justamente isso que o showrunner não consegue trazer para as telinhas.
Levando em conta a decorrência de eventos do piloto, é natural que nos sintamos em território estranho (afinal, precisamos nos acostumar à nova ambiência). Mas o que acontece quando essa singularidade, por assim dizer, permanece durante cada um dos dez episódios? É muito complicado para uma audiência acostumada ao ritmo frenético de Simpsons seguir as construções contemplativas desse show em questão, ainda mais um que não se vale de muitos acontecimentos ou extravagâncias para conseguir uma estrutura sólida. A priori, a narrativa parece querer nos levar em uma direção, cruzando o caminho de Bean com o demônio Luci (Eric André) e depois fundindo seu arco ao do elfo Elfo (Nat Faxon) - mas todo o potencial é desperdiçado sem dó, obrigando-os a permanece no mesmo território o tempo inteiro.
É quase frustrante observar como tais personagens, cuja interessante química seria melhor aproveitada em circunstâncias diferentes, são jogados em uma linearidade narrativa insuportável. Eles não têm nenhuma evolução aparente até os episódios finais, caem nos mesmos erros e mergulham em ciclos viciosos inquebrantáveis, afastando cada vez mais o espectador de qualquer possibilidade de conexão. A ideia aqui era, após Bean fugir de seu casamento, pegar seus novos amigos e sair para conhecer o mundo, colocando-os em uma clássica-porém-distorcida jornada do herói - e tudo abriria margens para as mais hilárias subtramas. Entretanto, o time de roteiristas não leva isso em conta e brinca dentro dos limites de uma zona de conforto entediante.
Nem mesmo a aparição de coadjuvantes ajuda a aumentar a complexidade: devendo servir como respaldo tragicômico, como por exemplo a Rainha Oona (Tress MacNeille) ou o conselheiro de três olhos Ovaldo (Maurice LaMarche), as investidas não tão recorrentes quanto os protagonistas fazem um trabalho inverso e refletem a estupidez de suas construções. Os poucos pontos de quebra de expectativa provêm da obviedade, afastando a série das tentativas de recuperar a glória das obras antecessoras. Eventualmente, os acontecimentos se mostram repetitivos, caindo nas mesmas alternativas de fechamento de arco que os outros capítulos.
Mesmo assim, não podemos negar alguns pontos fortes trazidos pelo show. Groening encontra um espaço propício para trabalhar um passado narrativo que mantém certo dialogismo com as outras séries animadas - afinal, ele já brincou com o presente e com o futuro. Em um cenário medieval, marcado pela magia e por criaturas fantásticas, a estética de um contingente considerável de personagens secundários e terciários foge dos padrões e busca uma humanização excessiva - temos, por exemplo, a intocável transcendência das fadas misturando-se aos vícios humanos (como o fumo e a bebedeira) de modo tão desconstruído que chega a ser propositalmente ofensivo e deturpado. Além disso, devo dizer que a irregularidade da primeira metade encontra seu caminho e um equilíbrio interessante até o season finale, arquitetando algumas viradas satisfatórias que já dão as cartas do próximo jogo.
(Des)Encanto é uma série desperdiçada e irregular que encontra sua identidade tarde demais para haver uma conexão profunda entre as mensagens que deseja entregar e a receptividade do público. E não há muito o que se possa dizer, apenas a ligeira sensação de desapontamento, justificada pelo fato de um grande nome da indústria não ousar mais do que julgava conseguir.
(Des)Encanto – 1ª Temporada ((Dis)Enchantment, EUA – 2018)
Criado por: Matt Groening
Direção: Wesley Archer, Frank Marino, David D. Au, Peter Avanzino, Albert Calleros, Dwayne Carey-Hill, Brian Sheesley, Ira Sherak
Roteiro: Matt Groening, John Weinstein, Jamie Angell, Jeff Rowe, Shion Takeuchi, Jeny Batten, David X. Cohen, M. Dickson, Rich Fulcher, Reid Harrison, Eric Horsted, Bill Oakley, Patric M. Verrone
Elenco: Abbi Jacobson, Eric André, Nat Faxon, John DiMaggio, Tress MacNeille, David Herman, Maurice LeMarche, Sharon Horgan
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Comédia, Animação, Fantasia
Duração: 30 min. aprox.
https://www.youtube.com/watch?v=Gp_RnJcb8Ig
Artigo | Conheça o Instituto de Cinema e seus diversos cursos para apaixonados por audiovisual
Ainda que não chegue aos pés de Hollywood ou Bollywood, ou até mesmo do cinema asiático, o Brasil sempre teve seus expoentes do mercado cinematográfico - e tal paixão estende-se até os dias de hoje. Não é nenhuma surpresa que inúmeras escolas de audiovisual tenham despontado principalmente nas grandes metrópoles como Salvador, Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo, cidade na qual se concentram os maiores números de projetos que apoiem a formação de jovens filmmakers.
E dentre essas consideráveis escolas, está o Instituto de Cinema, que cada vez mais vem ganhando força por sua competência e pelo grande número de alunos que arranjam espaço no precário e fechado mercado do entretenimento nacional.
Fundado em 2006 a partir de um coletivo de artistas e profissionais da área, o Instituto se iniciou em uma pequena construção de esquina na Oscar Freire e expandiu o seu império ao longo de doze anos de existência, criando parceria com outras instituições ao redor do Brasil e do mundo - incluindo a Modern School of Film, localizada em Los Angeles (antro do cinema contemporâneo e clássico) e a Primary Stages, em Nova York (também conhecida por suas inúmeras produções, inclusive teatrais).
A escola traz como mote principal a capacidade de avaliação crítica e crescimento político-artístico de seus alunos - e foi através disso e da criação da produtora Operahaus, nascida ao lado do Instituto e uma das responsáveis por fomentá-lo, que conseguiu idealizar a materialização de uma consciência crítica, explanada através de sua visão mundo, e a abertura de inúmeras margens para o mercado brasileiro, possibilitando aos discentes deixarem sua marca nos diversos âmbitos da arte.
É inegável dizer que a indústria audiovisual passou por inúmeras transformações ao longo das décadas - e o Instituto definitivamente não ficou por trás, oferecendo uma variedade incrível de cursos que contemplam as necessidades de seus alunos e suas aspirações para um futuro um tanto quanto próximo. E é por isso que o Bastidores separou alguns dos melhores cursos àqueles que desejam a melhor formação para o mercado.
Confira:
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Os canais do YouTube representaram uma mudança vigorosa nas relações mercadológicas do entretenimento e trouxeram um espaço ainda inexplorado pelos diretores de cinema e TV. Não é à toa que plataformas de streaming se baseiem nas mesmas ideias estruturais do site para viralizar suas webproduções. O Instituto, visando fornecer o melhor para a formação de seus estudantes, não apenas ministra um curso para youtubers, como também o amplia para uma visão mais burocrática da coisa, mostrando como usar as mídias sociais para divulgação dos produtos e até mesmo como ganhar dinheiro.
E mais: como sabemos, a plataforma em questão é detentora da disseminação de alguns dos maiores videoclipes da história - talvez a única, com o esquecimento da outrora MTV; logo, você também pode mergulhar a fundo na produção de vídeos musicais, desde os pré-processos até colocar a mão na massa.
TV
Não importa o que seja dito, o futuro da TV não corre perigo. E levando isso em consideração, incluindo a contínua produção de séries de respaldo crítico e público altíssimo - é só pensarmos em obras como Game of Thrones e The Handmaid's Tale -, o Instituto abre portas para uma variedade de aulas dentro do mundo televisivo, incluindo a compreensão e a "mão na massa" das várias etapas de uma série, técnicas de roteiro para criar personagens e histórias inesquecíveis, intensivos de análises e construções de textos dramatúrgicos e até mesmo um soberbo curso de atuação para câmera que torna sua equipe a mais completa possível.
CINEMA
O carro-chefe do Instituto obviamente não poderia ficar de fora - e sem sombra de dúvida, também não fica a desejar. As aulas ministradas sobre a maior e mais antiga indústria do entretenimento audiovisual da História contemplam cada uma das etapas da produção fílmica, seja em cursos específicos sobre as mais diversas áreas - como direção de arte, produção e edição (esta última em alta no mercado atual, então fica a dica) -, como também métodos para vender o seu filme e sair na frente de seus concorrentes no complexo mercado cinematográfico.
E é claro: para aqueles mais apaixonados pelo cinema e que desejam absorver o máximo de conhecimento, é sempre possível optar pelo curso de cinema extensivo, um dos mais procurados pelos alunos.
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Crítica | Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível - Atirando para Todos os Lados
Quem não conhece as incríveis aventuras do ursinho mais fofo da literatura e do cinema? O Ursinho Pooh, ainda que pertença a gerações um tanto quanto antigas, tem seu rosto muito familiar e já foi repaginado inúmeras vezes para o crescente público apaixonado por histórias comoventes, infanto-juvenis e de superação de obstáculos. Logo, levando em conta a constante propagação em live-action dos clássicos da Disney, não é surpresa que os estúdios tenham mergulhado mais uma vez nesse clássico universo para trazê-los às telonas de uma forma já vista em, por exemplo, Mogli - O Menino Lobo: o hibridismo entre animação e realidade.
Em 2017, uma tentativa de dramatizar todo o escopo acerca dos personagens da Floresta dos Cem Acres havia chegado ao expoente máximo da indústria do entretenimento com a releitura um tanto quanto excessiva em seu melodrama em Adeus, Christopher Robin, trazendo Domnhall Gleeson e Margot Robbie. Entretanto, ao contrário do que poderíamos imaginar, a história não focava exatamente nos animais antropomorfizados, mas sim na vida do criador A.A. Milne, que se respaldou no próprio filho para vender suas histórias e acabou abrindo um abismo psicossocial em sua família que culminou na morte pré-matura de seu único legado. Ainda que baseado em fatos reais com um quê de ficção, o que poderia ter se tornado uma investida interessante e suposta base para uma continuação futura caiu no esquecimento - e sequer chegou ao Brasil.
O marketing de Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível prometia mudar isso e colocar Pooh, Leitão, Tigrão, Ió e todos as outras personas de volta à tona, incluindo o personagem-título a ser interpretado pelo sempre carismático Ewan McGregor. Mas o que esperar desse “reencontro”? Afinal, a história gira em torno de um jovem Christopher que mergulha de cabeça na vida real, forçado a estudar em um austero internato, obrigado a amadurecer com a morte prematura do pai e logo depois abandonando sua infância perdida ao se mudar para Londres, casar-se, constituir família, lutar na II Guerra Mundial e então viver sua vida como um corretor de juros numa grande empresa de malas de viagem, entregando-se total e apenas ao laboro constante.
Enquanto isso, numa narrativa paralela, Pooh (Jim Cummings) percebe que a Floresta está acometida por uma estranha névoa que a transforma num cenário amedrontador - e todos os dias caminha até a conhecida árvore, esperando que seu melhor amigo retorne. Essa constância se mantém até que, repentinamente, o urso dá conta de que seus amigos sumiram, levando-o a tomar coragem para cruzar a “fronteira entre mundos” e parar na cidade grande, onde, por obra de destino, os dois se cruzam, cada qual com seus próprios obstáculos. O primeiro momento entre Pooh e Christopher é cômico e nada além de fofo, e começa a dar outro tom para uma insossa trama que esperançosamente será varrida para debaixo do tapete.
Entretanto, não é muito bem isso o que acontece: o diretor Marc Forster, em conjunto com um time formado de três roteiristas, não abandona em nenhum momento as raízes melodramáticas que insiste em enfiar onde for possível, tornando a obra maçante em diversos pontos. Talvez ele tenha puxado algumas referências desnecessárias de construção cênica de sua obra-prima, A Última Ceia, ou até mesmo de outra tragicomédia interessante, porém falha - Em Busca da Terra do Nunca. As investidas técnicas com a câmera são próprios de seus macetes fílmicos, incluindo os momentos em que um personagem mais velho reencontra-se em uma situação totalmente diferente da inicial com um bem mais jovem, naturalmente uma criança e, no caso, sua filha Madeline (Bronte Carmichael), para resolverem seus problemas. Mesmo assim, a brusca quebra de ritmo entre os múltiplos atos é incômoda ao extremo e parece não buscar o apoio de um público-alvo certeiro.
Apesar disso, alguns aspectos artísticos são inegáveis, a começar pela direção de arte. O fotógrafo Matthias Koenigswieser e a designer Jennifer Williams fazem um trabalho incrível tanto na atmosfera urbana quanto na selvagem, optando por elementos expressionistas que conversem relativamente com os espectadores mais jovens. As árvores retorcidas da Floresta dos Cem Acres antes da chegada de Christopher Robin, tomadas por uma luz difusa e pela névoa envolvente e assustadora, entram em contraste com a iluminação propositalmente asséptica de Londres, ambas encontrando uma convergência no antigo chalé do protagonista - cujas delineações são realizadas com mais afinco nas presença de Madeline e da esposa Evelyn (Hayley Atwell).
O filme não sabe o que quer - e nem parece se preocupar em achar um caminho conciso. Mesmo com a adorabilidade de seus personagens animados, incluindo a melancolia excessiva de Ió (Brad Garrett), o medo de Leitão (Nick Mohammed) e a irreverência cômica e aplaudível de Tigrão (também dublado por Cummings), o qual de longe rouba a cena. A inocência de Pooh por vezes é ofuscada pela química dos outros coadjuvantes, principalmente quando todos se juntam à garota para tentar salvar uma das maiores apresentações de trabalho do pai e embarcam numa jornada que definitivamente poderia ser mais explorada.
Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível é muito irregular - irregular até demais para ser aproveitado tanto pelos adultos, no tocante à parte dramática, quanto pelas crianças, em relação ao hibridismo entre live-action e animação. Mas não precisamos jogar tudo fora: algumas sequências são ótimas e, no final das contas, a Disney consegue passar mais uma vez uma mensagem fofa, ainda que facilmente esquecida.
Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível (Christopher Robin, EUA – 2018)
Direção: Marc Forster
Roteiro: Alex Ross Perry, Tom McCarthy, Allison Schroeder, baseado nos personagens de A.A. Milne
Elenco: Ewan McGregor, Hayley Atwell, Bronte Carmichael, Mark Gatiss, Jim Cummings, Brad Garrett, Nick Mohammed, Peter Capaldi, Sophie Okonedo
Gênero: Família, Drama
Duração: 104 min.
https://www.youtube.com/watch?v=T-wpaNZIDCo
Artigo | Cidadão Kane e a Perfeição Cinematográfica
Cidadão Kane é, sem qualquer sombra de dúvida, um dos filmes mais controversos de todos os tempos, além de insurgir como um clássico atemporal que ditou as regras até mesmo do cinema contemporâneo. E o mais interessante é que não apenas a sua construção fílmica é extremamente envolvente, mas toda a backstory envolvendo a produção é misteriosa e digna também de ganhar sua própria adaptação para as telonas. Afinal, em plena II Guerra Mundial, no qual os ideais de patriotismo e nacionalismo encontravam extremismos e barreiras muito além do que se poderia imaginar, criar uma narrativa que se opusesse a um dos nomes mais poderosos da indústria da comunicação da época não era algo a ser abraçado por qualquer pessoa - e as drásticas consequências que acometeram o longa-metragem apenas reafirmam a sua grande importância para a História.
É importante ter em mente que o jovem Orson Welles, com seus meros vinte e seis anos de idade, provinha de uma onda de construções artísticas muito questionáveis pela crítica e pelo conservadorismo da época - e talvez a coragem com a qual comandava seus projetos foi o que lhe permitiu total independência para a realização de Cidadão Kane. Welles vinha do teatro, no qual dirigira uma versão totalmente negra de Macbeth, uma das tragédias mais famosas de William Shakespeare, além de ter causado uma comoção generalizada com a adaptação radiofônica de Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, no dia 31 de outubro de 1938. Tal releitura do clássico romance deu origem às produções ultrarrealistas e trouxe o pânico para a sociedade norte-americana, crente de que o país estava sendo invadido por alienígenas.
Entretanto, o maior desafio de Welles chegaria três anos mais tarde, ao ser contratado pelos estúdios RKO para dirigir uma cinebiografia livremente inspirada na vida de um dos maiores magnatas dos meios de comunicação dos Estados Unidos, o empresário William Randolph Hearst. E é justamente aqui que dois mundos totalmente opostos se chocam: o cineasta sempre teve apreço pela polêmica, e com o filme em questão não faria muito diferente; em mãos, ele possuía a oportunidade de traduzir a partir de uma perspectiva muito ácida a história de Hearst, que ficou conhecido por resgatar o jornal comandado pelo pai das ruínas e dar início à “imprensa marrom” - como ficou conhecida as matérias sensacionalistas que circularam pelos newspaper desde a década de 1940. A megalomania de Hearst e seu desejo pela manipulação abriram margem para que inúmeras notícias falsas, às vezes criadas pela própria mente deturpada, fossem espalhadas sem qualquer filtro a quem estivesse interessado em ouvir.
E com isso, Charles Foster Kane (interpretado pelo próprio Welles) ganhou as telas, em uma representação clara do empresário - e mais assustador ainda, divulgando o quanto o diretor conhecida sobre a vida e os podres de Hearst. Em uma macro-conjuntura, a história de Kane é uma sátira anacrônica que, em termos narrativos, segue o simples padrão de ascensão e queda de uma celebridade movida pela ambição e cuja ruína vem pelos próprios meios. O anti-herói foge aos convencionalismos do protagonismo cinematográfico e serve de exemplo para a ostentação, o luxo descabido e o sucesso advindo de mentiras, traições e manipulações constantes - e isso não se restringe apenas a ele, mas também a todos que o acompanharam.
É importante ressaltar que Welles tinha plena liberdade como diretor, autor e produtor: movido pelas vanguardas de final de século da Europa e pela busca de novas técnicas de filmagem que procuravam fornecer uma nova perspectiva para o cinema norte-americano, ele conseguiu transformar sua própria obra em uma investida avant-garde que influenciaria inúmeros outros nomes da esfera do entretenimento - e não, não estou exagerando ou fazendo apologias forçadas: ser considerado o melhor longa-metragem de todos os tempos é um título incontestável por uma série de razões.
Ao contrário do que muitos podem imaginar, a narrativa não começa do modo convencional: em conjunto com Herman J. Mankiewicz, Welles orquestrou o seu roteiro de modo a fugir da cronologia passado-presente, mergulhando em uma narrativa fragmentada (ratificada pela própria montagem). Em outras palavras, a primeira cena do filme é a morte de Kane, trancafiado e solitário em sua mansão, onde murmura a misteriosa palavra Rosebud antes de encontrar seu fim. O que muitos podem chamar de furo do roteiro - visto que o personagem estava sozinho -, eu, pessoalmente, encaro como um profundo mergulho nesse cosmos: pois, logo depois, um jornalista aparece determinado a entender sua história e o significado do vocábulo, entrando em uma jornada através da infância, adolescência e vida adulta do empresário.
A estrutura não-linear viaja inúmeras vezes no tempo em múltiplas perspectivas que, para a época, representavam um avanço incomensurável e que voltaria à moda após a virada do século - de forma mais palpável, é possível ver essa multiplicidade em séries contemporâneas como 13 Reasons Why, que parte da história microcósmica de cada um dos personagens envolvidos. Ainda que traga o protagonista em foco em grande parte, outros nomes aparecem para dar mais apoio ao “furo de reportagem”, incluindo Susan Alexander Kane (Dorothy Comingore), equivalente a Marion Davies, esposa de Hearst, e James W. Gettys (Ray Collins), que emerge como um tutor do futuro jornalista. Todo o escopo é uma simples amostra que se aprofunda a cada cena construída de como realidade e ficção encontram pontos convergentes quando postas lado a lado.
Cidadão Kane não é apenas uma obra-prima pela coragem e ironia com a qual tratou um tema bastante peculiar e perigoso - que transformou o próprio Hearst como inimigo de Welles. “Kane teria aceitado.”, ele disse ao magnata quando este simplesmente se recusou a ir à estreia do filme e armou um boicote que o tornou um fracasso total de bilheteria. O ambicioso projeto também trouxe inovações técnicas que seriam emuladas com toda a certeza, além de unir estéticas predecessoras de essencial importância: o expressionismo, provindo principalmente de F.W. Murnau, é traduzido pelas construções imagéticas do diretor de fotografia Gregg Torland, o qual se utiliza de jogos de luz e sombra para aumentar a complexidade da personalidade dos personagens, mantendo sempre um lado do rosto escurecido em detrimento da verdade e da clareza dialógica - e surpresa, surpresa: tais investidas seriam base para o cinema noir de alguns anos mais tardes.
A expressividade do próprio cenário fornece uma nova perspectiva para os diretores de artes e cenógrafos: a utilização do teto é e extrema importância para conversar diretamente com a megalomania e as tendências psicóticas e tirânicas do protagonista - a sequência de seu discurso preza por um teto baixo que indica opressão ditatorial, expandindo a metalinguagem para a conjuntura sociopolítica da época e colocando a persona da qual faz menção em uma saia justa propositalmente hilária.
As técnicas de filmagem também encontram um novo espaço: Welles introduziu a grande profundidade de campo para sua obra e a utilização desenfreada do plano-sequência. Quando a narrativa migra para a infância de Kane, o diretor orquestra uma longa cena que se inicia com o jovem protagonista brincando na neve e, à medida em que a câmera se afasta, mostrando sua morada campesina e dois supostos tutores conversando com a mãe, Mary Kane (Agnes Moorehead), o foco permanece o tempo inteiro e permite que o espectador se sinta mais próximo de cada um dos personagens que são apresentados.
Os efeitos visuais e especiais também não deixam a desejar - e, diferente de outras obras fílmicas, essa aqui não envelheceu de um jeito ruim, mas tornou-se clássica pelos motivos apresentados acima. Welles encontrou um modo de elevar a maquiagem de envelhecimento para outro nível, tornando-a mais realista e que também serviria de base para as modelagens em 3D e para os pontos sensoriais do cinema digital: o diretor e roteirista interpreta, exceto na fase juvenil, todas as fases de Kane, e consegue traçar paralelos e diferenças entre uma personalidade corrompida pela ambição e que, paradoxalmente, reflete com nostalgia um apego pelo passado, onde tudo era mais simples. As estratégias de fluidez para a montagem insurgem com a sobreposição de imagens, criando ilusões tão realistas que chegam a confundir o público sobre a veracidade das informações do filme mais de uma vez.
É claro que um produto como este não insurgiria em bons olhos por todos. Ainda que a crítica tenha ovacionado desde a época do seu lançamento, Hearst, dito anteriormente, organizou um boicote para a estreia do filme e para suas consecutivas semanas em cartaz, chegando até a ameaçar os cinemas que ousassem transmiti-lo de não divulgar mais suas programações nos jornais que controlava. Até mesmo na cerimônia do Oscar do ano seguinte as coisas não foram tão bem quanto o esperado: mesmo com oito indicações, incluindo Melhor Filme e Melhor Montagem, Welles levou para casa a estatueta de Melhor Roteiro Original junto com Mankiewicz, e desde então nunca mais obteve o mesmo sucesso na indústria fílmica como durante aquela época.
Justiça seja feita, Welles e Cidadão Kane encontraram o pódio tão aguardado em 1970, quando a Academia condecorou o cineasta com o Oscar honorário, e quinze anos depois, em celebração ao centenário do cinema, o longa foi considerado o melhor de todos os tempos pelo American Film Institute - e ainda que sua posição seja ameaçada, talvez, por O Poderoso Chefão, nenhum outro longa conseguiu desbancá-lo do patamar, reafirmando sua importância e sua atemporalidade.
Cidadão Kane (Citizen Kane, EUA – 1941)
Direção: Orson Welles
Roteiro: Orson Welles, Herman J. Mankiewicz
Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorhead, Everett Sloane, Ray Collins, Ruth Warrick
Gênero: Drama, Mistério
Duração: 119 min.
https://www.youtube.com/watch?v=mbv3ZyRJCg8
Crítica | Hotel Transilvânia 3: Férias Monstruosas - Drácula Ganha os Mares
Drácula (Adam Sandler) e sua turma completamente irreverente de monstros estão de volta para mais uma aventura - e, dessa vez, os perigos tornam-se mais mortais que nunca. Enquanto os protagonistas que tanto fizeram parte das mais sobrenaturais narrativas procuram paz no Hotel Transilvânia - nome emprestado ao título do filme, inclusive -, uma força muito conhecida dentro desse mesmo cosmos insurge para tentar exterminá-los: o lendário e temido Van Helsing (em uma caricatura forçada e nunca antes vista interpretada por Jim Gaffigan).
Não é um trabalho nem um pouco complexo imaginar como a história irá se desenrolar, ainda mais levando em conta que as outras iterações da franquia Hotel Transilvânia, idealizadas e dirigidas por Genndy Tartakovsky, não ousam muito além do óbvio. Apesar do divertimento que o filme original nos traz ao misturar de forma hilária o mundo pacífico dos monstros em contraposição ao conturbado cotidiano humano - que não sente mais pavor dessas criaturas, mas sim um apreço que as transforma em celebridades -, tudo é direcionado para um público estritamente infantil, e nem mesmo tenta levá-lo a sair dos convencionalismos animados como tantas outras obras similares. Logo, o terceiro e talvez último filme também resolve manter-se na zona de conforto e acaba nos proporcionando o mesmo do mesmo.
Depois de um prólogo que incrivelmente nos presenteia com algumas inovações cênicas, incluindo alguns planos-sequência que logo são esquecidos e guardados a sete chaves, voamos para o tempo presente, no qual o vampiro mais conhecido de todos se tornou organizador e gerenciador de eventos ao lado da filha Mavis (Selena Gomez) e sob o olhar desaprovador de seu pai (Mel Brooks divertindo-se mais que qualquer um no longa). Entretanto, Mavis percebe que seu pai precisa de um tempo do trabalho e do hotel, principalmente agora que demonstra se sentir sozinho nos assuntos do coração - afinal, como bem sabemos, sua esposa faleceu quando a filha era apenas um pequeno “morceguinho”, e ele nunca mais se apaixonou por acreditar que o zing acontece uma vez só.
Assim, todos partem para uma viagem nem um pouco ortodoxa a bordo de um transatlântico de luxo localizado no Triângulo das Bermudas e cujo destino é a não-tão-mais-perdida cidade de Atlântida. Tartakovsky, também responsável pelo roteiro ao lado de Michael McCullers, sabe que sua criação não se leva a sério e por isso mesmo opta por misturar inúmeros elementos não tradicionais em um único lugar, brincando com uma paleta de cores viva, quase berrante, além de buscar o que pode de mais ridículo e mais escrachadamente cômico em seus protagonistas. Ainda que grande parte seja igual a tudo que já havíamos visto, alguns momentos são interessantes e satisfatórios, como a cena em que o casal Wayne (Steve Buscemi) e Wanda (Molly Shannon) finalmente se livram de suas centenas de filho na creche dentro do navio e voltam aos tempos de glória em que eram “livres”.
Os problemas começam quando a capitã Ericka (Kathryn Hahn), uma humana extremamente empática com as diversas raças monstruosas, revela sua verdadeira natureza e o que existe por trás da construção do cruzeiro: ela é bisneta de Helsing e, controlada pela vontade de seu ancestral agora robótico, parte em busca da cidade submersa para encontrar um artefato místico que irá destruir todas as criaturas de uma vez por todas. Sua personalidade, assim como de todos os outros personagens, mantém-se em uma linearidade que tem como objetivo agradar o seu ínfimo público - e, envolvendo-se posteriormente em um romance previsível com Drácula, não traz uma centelha de química para as telonas e cai nos clichês das histórias de gênero.
Hotel Transilvânia 3 não é um longa-metragem comedido - muito longe disso: ele preza proposital e erroneamente pelo exagerado, pelo caricato, respaldando até o movimento das personas que traz à vida para uma sequências de atos frenéticos, redundantes e bruscos que chegam a incomodar depois de certo tempo. Se não fosse pela total falta de cuidado com a história, que na verdade poderia ter sua conclusão insurgida em muito menos tempo que os meros 97 minutos, poderia até ser um grandioso videoclipe animado - principalmente pela quantidade de músicas-chiclete das quais o diretor se dispende para orquestrar algumas das cenas.
Sem sombra de dúvida, o ápice do longa é a chegada a Atlântida: diferente de qualquer coisa que poderíamos esperar, os tripulantes e passageiros são recebidos por uma versão alegre e convidativa do famoso Kraken (interpretado por Joe Jonas), o qual canta uma música agradável para dar-lhes as boas-vindas a um cassino no melhor estilo de Las Vegas. E as coisas apenas “melhoram” quando, ao chegar no clímax do terceiro ato, todos são convidados para uma rave fabulosamente bem construída - o estilo amalgamado entre o rebuscado e o contemporâneo é de tirar o fôlego - na qual enfrentarão o seu fim. Mas, como também podemos esperar, os minutos finais não trazem nada além de uma resolução feliz e fofa.
No geral, a mais nova investida dessa franquia nem um pouco memorável troca seis por meia dúzia e, exceto por pouquíssimos pontos altos, recai muito em todos os deslizes dos anteriores Hotel Transilvânia 3. Entretanto, é bem provável que as crianças se conectem em diversos momentos com a história, seja aos enérgicos personagens ou às obrigatórias mensagens de bonança e de amor costumeiras ao desgaste do gênero.
Hotel Transilvânia 3: Férias Monstruosas (Hotel Transylvania 3: Summer Vacation, EUA – 2018)
Direção: Genndy Tartakovsky
Roteiro: Genndy Tartakovsky, Michael McCullers
Elenco: Adam Sandler, Selena Gomez, Andy Samberg, Kathryn Hahn, Molly Shannon, Kevin James, Steve Buscemi, Jim Gaffigan, Joe Jonas
Gênero: Animação, Comédia
Duração: 97 min.
https://www.youtube.com/watch?v=U6q0fw_2W0U
Crítica | Samantha!: 1ª Temporada - A TV Politicamente Incorreta
A comédia brasileira sempre foi um nicho muito complicado para a aceitação do público; carregada com o estigma das ruínas do pastelão e do caricato, o número de produções do gênero que repete as mesmas fórmulas narrativas é quase inenarrável - e, apesar de constantemente criticadas em todos os âmbitos, representam um microcosmo econômico de grande lucro para a indústria do entretenimento nacional. À parte dos dramas hiper-realistas e de algumas outras tentativas, os longas-metragens e séries cômicos são os mais consumidos em disparadas, e é partindo dessa premissa quase engessada que a Netflix resolveu mergulhar um pouco mais no potencial do nosso país e trazer a primeira produção seriada dessa vertente para sua plataforma: Samantha!.
Já de cara posso dizer que Samantha! traça inúmeros paralelos com certo filme que caiu no esquecimento das pré-indicações ao Oscar, Bingo - O Rei das Manhãs. Ambos trazem um artista em decadência tentando recuperar o brilho de suas habilidades e deparando-se com inúmeros conflitos internos e externos que contribuem para um amadurecimento compulsório. E as semelhanças são imediatamente perceptíveis quando Emanuelle Araújo, que deu vida a uma versão mais nova da icônica Gretchen no longa, volta à ativa ao encarnar a protagonista-título, a qual era conhecida como “a criança mais amada do Brasil” aos nove anos, retornando nostalgicamente para a década de 1980, e agora lida com a falta de reconhecimento público. O capítulo piloto já insurge trazendo uma montagem anacrônica que passeia pelos tempos de estrelato da anti-heroína e como seu cotidiano mudou drasticamente após constituir uma conturbada família.
Samantha é ex-esposa do forçosamente aposentado jogador de futebol cujo apelido é Dodói (Douglas Silva, afastando-se em uma completude sincera de sua memorável performance em Cidade de Deus), que ficou doze anos preso por motivos desconhecidos. Dodói a deixou numa posição de mãe solteira com os dois filhos Brandon (Cauã Gonçalves) e Cindy (Sabrina Nonata), cujas personalidades opostas ao extremo carregam inúmeras brechas para camadas e mais camadas de humor puro - ao menos a tentativa de construção de um. A série, criada por Felipe Braga, já acerta em cheio ao optar por um núcleo principal pequeno e que permite o desenvolvimento de seus personagens principais - e também merece reconhecimento por afastar-se do convencionalismo de treze episódios, optando por sete capítulos de aproximadamente meia hora que possuem começo, meio e fim em si mesmos.
Braga parece buscar inspirações em diversos shows norte-americanos que prezam pelo politicamente incorreto, tema constante em cada uma das subtramas aqui, e pelo propositalmente ridículo. Os enquadramentos teatrais e os diálogos autoexplicativos nos levam aos moldes de Unbreakable Kimmy Schmidt, por exemplo. As sátiras ácidas, ainda que não existem em um número satisfatório, indicam um potencial interessante que pode ser trabalhado em um futuro próximo, caso a série seja renovada, é claro; o afastamento de arcos românticos e padronizados é muito bem-vindo, além de respaldar a entrada de outras críticas profusas entre as iterações que tangenciam tópicos polêmicos como a representatividade midiática das minorias, a efemeridade da internet, o boom das subcelebridades, o feminismo, e muitos outros.
Enquanto os momentos de glória despontem com emoção - principalmente por parte da performance inigualável de Araújo e de suas expressões cativantes que permeiam cada um dos subnúcleos explorados -, os deslizes encontram um triste equilíbrio para também aparecerem: os primeiros capítulos não possuem um ritmo muito bem trabalhado, beirando a monotonia extrema e logo depois pulando para um frenético jogo de palavras e de câmera que por vezes contribui para a perdição do telespectador; alguns diálogos se tornam crus demais para um cosmos tão naturalista quanto este, transformando-se em desnecessários monólogos clichês.
De modo geral, Samantha! vale mais pelas atuações e pelas referências que a história em si. Claro, é interessante ver uma protagonista feminina em um tour-de-force atrás do estrelato perdido - e toda e qualquer tipo de representatividade é muito válida. Porém, a construção desses arcos é falha e se vale muito de conexões forçadas para funcionar totalmente. Não obstante, a presença de nomes como a própria Gretchen e Sabrina Sato, marcam uma atemporalidade interessante para nos mostrar o poder de diálogo entre as diversas décadas da Era de Ouro do entretenimento brasileiro - e abre espaço para os easter eggs que joga com graça, seja no próprio formato dos programas de auditório ou dos mascotes nem um pouco ortodoxos (Ary França faz um incrível trabalho ao dar vida à Cigarrinho que, como o próprio nome diz, é uma caixa de cigarros).
É interessante perceber que a comédia nacional finalmente decide seguir em um rumo diferente. Ainda que seja complicado desapegar de raízes tão fortificadas durante décadas e décadas de criações formulaicas, as composições de Braga são essenciais para mostrar que há muita coisa faltante a ser explorada nesse meio - e a série em questão é apenas um dos poucos produtos que podem ser oferecidos em meio a tanta mediocridade, mesmo que um pouco de polimento seja necessário.
Samantha! – 1ª Temporada(Idem, Brasil – 2018)
Criado por: Felipe Braga
Direção: Luis Pinheiro, Júlia Jordão
Roteiro: Roberto Vitorino, Patricia Corso
Elenco: Emanuelle Araújo, Douglas Silva, Sabrina Nonata, Cauã Gonçalves, Daniel Furlan, Ary França, Rodrigo Pandolfo, Maurício Xavier, Lorena Comparato, Duda Gonçalves
Emissora: Netflix
Episódios: 07
Gênero: Comédia
Duração: 25 min. aprox.