Sem dúvidas, quando falamos em adaptação de um herói para os cinemas, Hulk é uma figura problemática. No final dos anos 70, estreava nas televisão a famosa série protagonizada por Bill Bixbye e Lou Ferrigno, este cumprindo aquilo que os efeitos de CGI fazem hoje. Mesmo tendo uma produção escassa, certamente marcou toda uma geração oitentista. Em 2003, somos bombardeados pela primeira grande adaptação do gigante verde às telas grandes, dirigida por Ang Lee. Apesar do bom elenco, o roteiro, aparentemente complexo, passa muito longe do objetivo proposto.
Mas em 2008, mesmo ano que fomos presenteados com Homem de Ferro, a Marvel Studios nos apresenta uma nova roupagem do herói. Infelizmente, o resultado final é uma mínima diferença de qualidade entre as adaptações antecessoras.
Na Universidade de Culver, na Virgínia, General Ross convida Dr. Bruce Banner a participar de uma experiência secreta. Parte de um programa da Segunda Guerra Mundial, conhecido como Super Soldado, o experimento, que transforma homens simples em seres super resistentes, é usado por Ross objetivando o combate à radiação gama. Quando o procedimento é executado, ocorre uma falha, transformando Banner no Hulk, que acaba destruindo todo o laboratório deixando pessoas feridas, incluindo sua namorada Betty. É um bom plot, aliás, mas tudo isso é apresentado em créditos iniciais de apenas 3 minutos, aproximadamente. Um punhado de cenas fragmentadas, enquadramentos fechados em rostos preocupados, páginas de jornais… tudo muito rápido e mau aproveitado.
Refugiado no Brasil, Bruce Banner procura uma cura à sua condição. A fim de ficar longe de vista das autoridades, vive de maneira pacífica, há 5 meses sem incidentes – sem transformações. Mesmo possuindo toda sua inteligência e formação, o especialista em radiação gama trabalha como um simples operário em uma fábrica de refrigerantes. Em seu laboratório caseiro, Banner tenta evoluir em sua procura. No entanto, falhando mais uma vez, é obrigado a enviar amostras de seu sangue ao Dr. Blue, um “colega” com quem conversa pela internet por meio de pseudônimos. O sangue de Banner, cuja essência está repleta do perigo da radiação, é o responsável para que a trama se inicie. Cortando-se durante o expediente, pequenas gotas de Bruce caem sobre as garrafas industrializadas, onde uma delas acaba perdendo-se indo para as mãos de um consumidor. Coberto de inocência ao tomar justamente o vasilhame contaminado pela radioatividade, um senhor de idade (interpretado por Stan Lee em um de seus melhores cameos) acaba morrendo. Logo, General Ross sabendo da atividade suspeita, envia agentes de segurança liderados pelo obstinado Emil Blonsky com o objetivo de capturar o cientista.
Já aqui o diretor Louis Leterrier apresenta seu maior problema ao decorrer do filme: o diretor não sabe aproveitar o momento, seja ele de ação ou drama. A cena de perseguição é até competente, apesar de uma edição cheia de cortes, buscando uma imersão ao expectador. Sendo falha, acaba causando desconforto ao trocar de câmeras de forma tão brusca, oscilando entre Ross no comando da operação e Banner correndo entre becos. Já após a sequência, o diretor cria uma expectativa na primeira aparição de Hulk. Com um cenário totalmente escuro, repleto de objetos no espaço, Leterrier esconde o Golias Esmeralda. Aqui, somos obrigados a assistir toda ação sobre uma perspectiva cega, devido ao estado caótico da cena. Após um bom tempo, eis que o rosto do personagem aparece em meio as sombras. Se por um lado ficamos tristes com a ausência do monstro verde, também ficamos enojados nas cenas que o personagem aparece por completo.
Aqui abro minha deixa para comentar os efeitos visuais do longa, dignos de um belo prêmio Framboesa de Ouro. A qualidade de CGI deste filme lembra muito alguns filmes de animação que são lançados direto para DVD. Me pergunto se o mesmo passou pela fase de pós-produção. Se o longa de Ang Lee apresentava um Hulk parecendo um objeto de brinquedo de borracha, Leterrier fica no mesmo nível apresentando uma animação não convincente e finalizada.
Vejo como um comentário repentino de que a luta do Harlem entre Abominável e Hulk, reproduzida no terceiro ato do filme, é a mais brutal do Universo Marvel. Eu, particularmente, não concordo em vangloriar isso como um ponto de qualidade (há cenas muito melhores, como exemplo várias de O Soldado Invernal), pois a cena todo é uma lástima. Os momentos finais é uma omelete de péssimo trabalho em equipe, envolvendo os quesitos mais técnicos. Não duvido que a decisão de filmá-los durante a noite foi tomada de última hora devido ao baixo orçamento de produção. Para completar, a fotografia também não colabora, apostando em tons totalmente escuros combinando com o visual noturno, obviamente tentando mascarar o péssimo trabalho de efeitos visuais. A direção superficial de Leterrier também não nos empolga.
Diferente do filme de Ang Lee, o qual apelava para uma trama mais psíquica, aqui o material é mais leve. O roteiro de Zak Penn dedica pouco tempo a reflexões sobre o drama que Banner vive, e quando o faz, é de uma maneira mal aprofundada. Por exemplo, a cena de Hulk e Betty na caverna poderia proporcionar um ótimo momento ao filme, deixando a donzela demonstrar sua habilidade de acalmar o monstro, demonstrar também que dentro daquela criatura havia um ser humano. Nada disso acontece. A falta de criatividade de Leterrier também é um empecilho, transformando a cena esquecível como tantas outras do filme.
Edward Norton cumpre seu papel como Banner decentemente. Infelizmente, seu talento é ignorado, já que em nenhum momento o filme presenteia-o com uma oportunidade de brilho. Liv Tyler não passa de belos olhos em tela, tendo uma performance esquecível. Tim Blake Nelson, como o biólogo celular Samuel Sterns, o Dr Blue, é o ator com o personagem mais inconveniente em tela. Uma performance totalmente caricata, exagerada, incômoda até aos personagens alheios. Ty Burrell não há muito o que dizer. Seu personagem, o psiquiatra Leonard Samson, apenas preenche espaço como namoradinho de fim de semana de Betty Ross.
William Hurt é o único que vale a pena ser lembrado deste elenco. Bem caracterizado, convence como General Ross possuindo uma ótima postura em cena. Não é à toa que o ator garantiu-se com o personagem, retomando-o em Capitão América: Guerra Civil. Já Tim Roth… O ator até tenta, podemos ver sua boa vontade frente as câmeras, porém o resultado de seu trabalho é vergonhoso. Blonsky não passa de mais um vilão esquecível; suas falas resumem-se a “Vou acabar com o Banner!”, tornando sua presença insuportável e irritante. Enfim, um elenco desperdiçado devido a um roteiro e direção incompetentes.
O Incrível Hulk é mais um péssimo filme desse personagem querido por tantos fãs. É lamentável o descuido dos preguiçosos estúdios, com um vasto material fonte de qualidade para ser aproveitado. Mas uma pergunta fica nas nuvens: seria um problema do personagem em si? Afinal, ele funciona nas telonas em uma aventura solo? Particularmente, acredito que sim. Mas sem um carinho melhor dos produtores acho difícil sair uma aventura solo decente do Golias Esmeralda tão cedo. As questões de direitos autorais do personagem é um dos motivos dessa falta de capricho. Enfim, contentemos-nos com suas participações em outros filmes da Marvel – por sinal, muito divertidas.
Escrito por Kevin Castro
O Incrível Hulk (The Incredible Hulk, EUA – 2008)
Direção: Louis Leterrier
Roteiro: Zak Penn, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Edward Norton, Liv Tyler, Tim Roth, William Hurt, Tim Blake Nelson, Ty Burrell, Lou Ferrigno
Gênero: Ação
Duração: 112 min