A vida de James Cameron havia mudado após O Exterminador do Futuro. O sucesso daquele que o diretor considera seu primeiro filme “de verdade” (renegando a trasheira de Piranhas 2: Assassinas Voadoras), o abriu portas inimagináveis para um cineasta independente, levando-o diretamente para a Fox, onde dirigiu e escreveu a excelente continuação de Alien, O Oitavo Passageiro e ainda continuou explorando as barreiras do que era possível ser alcançado com efeitos visuais, vide o subestimado O Segredo do Abismo. Mas suas raízes estavam chamando-o. Com a recepção do primeiro Exterminador, uma continuação foi sendo falada por anos, até que Cameron enfim continua a história de Sarah Connor e os robôs viajantes do tempo com O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final
A trama avança 13 anos no futuro, com John Connor (Edward Furlong) agora um adolescente rebelde que vive com pais adotivos, enquanto sua mãe Sarah (Linda Hamilton) encontra-se internada um hospital psiquiátrico, como consequência de sua constante paranoia de que a Skynet enfim se revelará ao mundo. Eis que um misterioso novo exterminador, o avançado T-1000 (Robert Patrick) é enviado do futuro para matar John e impedir seu destino como líder da resistência humana, enquanto o próprio Connor do futuro envia um modelo de exterminador T-1800 (Arnold Schwarzenegger) para protegê-lo e ajudá-lo a evitar o temível Julgamento Final, que significa o despertar da Skynet e sua rebelião contra a raça humana.
Inversão de Expectativas
De cara, é preciso admirar a inteligente inversão de papéis, algo que boas continuações costumam trazer. De maneira similar como Cameron trouxe ação para seu Aliens após o clima de terror no filme de Ridley Scott, o diretor utiliza a ameaça central do primeiro Exterminador e a transforma no mocinho da sequência – que também flerta bem mais com a ação explosiva do que o clima de slasher em 1984. E o melhor é que, beneficiado por uma época onde o espectador não sabia o filme inteiro antes de entrar no cinema (algo que o misterioso teaser trailer mantinha em mente) Cameron demora para nos fazer entender de qual lado cada personagem está. Vemos dois viajantes do tempo chegando e agressivamente pegando roupas de civis, e – tendo nossa lembrança do primeiro filme – naturalmente assumiríamos que Schwarzenegger em seu traje de motoqueiro seria o vilão novamente, e que o estranho que sabiamente veste um uniforme policial é o herói.
Uma brilhante subversão de expectativa, e cuja real natureza só nos é revelada no instante em que os dois personagens se encaram diante de Connor pela primeira vez, com ambos apontando armas para o garoto, até que o T-800 declara sua posição amigável ao gritar “abaixe-se” e direcionar sua mira para o exterminador maléfico. Até mesmo Sarah Connor demora para confiar em seu novo aliado, representando uma continuidade lógica do primeiro filme, onde passou todo o tempo fugindo dessa figura ameaçadora.
Inclusive, Sarah é uma das grandes transformações deste novo filme, e mais uma inversão de expectativa. Se ao final do primeiro filme enfim víamos a personagem encontrando a paz, no começo de O Julgamento Final a encontramos em uma posição ainda pior: trancafiada, dopada e acusada de ser insana após todos os eventos do anterior. A paranoia de saber o que o futuro reserva também provocou males em Sarah, que treinou John desde cedo para ser um líder, e acabou deixando-o nas mãos de pais adotivos e transformando-o em um pequeno delinquente. Mas é mesmo a força de Sarah que se sobressai, e Hamilton merece aplausos por fazer de Sarah uma figura forte e multifacetada, tentando ser uma versão feminina de Rambo, mas sempre com um instinto materno insubstituível; a divisão de personalidade em Sarah é impressionante quando, após uma perseguição de carros, Sarah abraça John e certifica-se de que seu filho está bem, para logo em seguida repreendê-lo por quase ter sido morto, enfatizando sua importância no futuro.
Essa dicotomia garante momentos reveladores para Sarah, que às vezes parece tão cega pela responsabilidade do futuro que trata seu filho como um pacote a ser protegido, e é justamente esse conflito entre o dever e a maternidade que tornam seu arco tão fascinante. No ponto em que o roteiro nos revela um homem responsável pela criação da Skynet, Miles Dyson (Joe Corton), Sarah parte para assassiná-lo a fim de evitar o cataclisma: basicamente, Sarah está se tornando a exterminadora, agindo exatamente como as máquinas a visualizaram no original (novamente, uma subversão de fórmula). Sarah só não comete o assassinato ao perceber que Miles, assim como ela, tem um filho. E é quando John aparece para tentar impedi-la que Sarah retoma sua consciência e rejeita tornar-se seu pior pesadelo, enfim abraçando por completo seu dever como mãe.
Mas o grande acerto do roteiro fica mesmo com o T-800. Explorando melhor o carisma e timing cômico de Schwarzenegger (que é consideravelmente mais vasto do que suas capacidades dramáticas), o texto de Cameron e William Wisher constrói uma relação emocionante entre o androide e John. Sem uma figura paterna em sua vida, John vê no T-800 uma espécie de pai e irmão mais novo, com o roteiro trazendo diversos momentos de leveza onde John o ensina sobre gírias e modos de comportamento humano, incluindo um delicado diálogo onde o jovem tenta explicar o motivo de humanos chorarem.
E por falar em sentimentos de máquinas, não poderíamos deixar de citar a grande ausência destes no sinistro vilão de Robert Patrick. Ainda mais amedrontador do que Schwarzenegger no primeiro filme, Patrick faz do T-1000 uma verdadeira força da natureza, com um olhar sempre fixo e que jamais vacila – algo também traduzido em seu trabalho de movimentação, especialmente em sua corrida notável quando persegue a motocicleta de John. Sem falar que sua forma física mais “atlética” do que a de Schwarzenegger oferece um contraste interessante durante os confrontos entre os dois, com Patrick sendo facilmente capaz de subjulgar o brutamontes austríaco.
O Último Grande Herói de Ação
Já sendo um diretor mais estabelecido em Hollywood, James Cameron tinha o orçamento e as ferramentas necessárias para entregar o espetáculo de ação que Julgamento Final promove. A escala das perseguições e combates está muito maior do que no anterior, trazendo mais cenas de ação à luz do dia, perseguições de moto, caminhões e até mesmo helicópteros. A direção de Cameron está ainda mais sofisticada do que no primeiro, seguindo sua incursão eletrizante em Aliens, e aqui vemos uma abordagem completamente prática e dependente de dublês, em um tempo onde o CGI era algo inimaginável para esse tipo de sequência. A mise en scène e a câmera sempre aberta garantem uma geografia clara e um ritmo sempre urgente, onde tememos pelo destino dos personagens sob a ameaça implacável do T-1000: a mera diferença de tamanho quando o Exterminador usa um gigantesco caminhão para tentar esmagar a pequena motocicleta de Connor é um bom exemplo.
E também fica a menção para o excelente trabalho na fotografia de Adam Greenberg, que mescla tons de laranja e azul com maestria, e também do infalível time de montadores composto por Conrad Buff, Mark Goldblatt e Richard A. Harris, que mantém uma organização clara e fluida das diferentes cenas de perseguição. Felizmente, todos foram indicados ao Oscar por seus esforços, e os departamentos de efeitos visuais, maquiagem, edição de som e mixagem de som merecidamente saíram premiados.
E concretizando a visão original do diretor para o primeiro filme, que traria o robô de metal líquido, Stan Winston e a equipe de efeitos visuais da ILM oferecem um novo marco em questão de CGI. Todos os movimentos e textura da forma líquida do T-1000 são impressionantes até hoje, satisfazendo pela simplicidade e minimalismo do design, que surge ao mesmo tempo ameaçador e elegante, e a equipe de efeitos se sobressai ao explorar as inúmeras possibilidades de sua metamorfose: o líquido metálico pode adquirir formas sólidas, rasgar como papel e até se camuflar com outros ambientes e seres humanos, criando um antagonista realmente formidável em todas as maneiras possíveis.
Hasta la vista, Baby
No grande pavilhão das grandes sequências do cinema, O Exterminador do Futuro 2 merece um lugar de honra. Assim como mudou completamente a fórmula e o estilo de Alien com sua empolgante continuação, James Cameron faz o mesmo com este filme muito especial, que não deve em nada àquele que é seu projeto de entrada em Hollywood. Acerta na ação, no roteiro e na bela e simplificada discussão sobre a natureza da humanidade. Um alto nível que todo blockbuster pipoca deveria almejar, e que deve ser motivo de orgulho para seu implacável realizador.
Leia mais sobre O Exterminador do Futuro
O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (Terminator 2: Judgement Day, EUA – 1991)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron e William Wisher
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Linda Hamilton, Edward Furlong, Robert Patrick, Earl Boen, Joe Morton, S. Epatha Merkerson, Jenette Goldstein, Castulo Guerra, Danny Cooksen
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 137 min