em , ,

Crítica | A Balada de Buster Scruggs – Relatos Selvagens se encontra com Short-Cuts no Velho Oeste

De todos os diretores trabalhando ainda hoje, e que são fissurados pelo gênero do Western ao ponto de poder enxergar marcas do mesmo em vários de seus filmes, exemplos como Quentin Tarantino que acabou realizando dois ótimos do gênero com Django Livre e Os Oito Odiados; James Mangold com seus Westerns travestidos de filmes policiais como Cop Land ou de super-heróis como Logan, ou diretamente um Western como Os Indomáveis; até menos prestigiados como Scott Copper e seus mornos Tudo por Justiça e Hostis. E claro, os Irmãos Coen, voltando aqui novamente a tocar sua direção diretamente em um filme do gênero pela terceira vez e marcando sua estreia na Netflix que garantiu a criação do ambicioso projeto.

Inicialmente anunciado como uma mini-série de seis episódios seguindo um formato de antologia, os Coen surpreenderam ao mostrar que ainda não migraram para o formato televisivo atual e permanecem com seus pés firmes no cinema, mesmo que adotando a rede streaming, embora isso não faça tanta diferença (mais sobre isso depois). Consistindo aqui em um velho roteiro que vinham escrevendo à quase vinte e cinco anos e um trabalho extremamente pessoal para a dupla, ao criar e contar esse compilado de seis histórias inspiradas no folclore e mitologia Western.

E como todo filme antologia, inevitavelmente terão algumas histórias que se sobressaem à outras mais fracas. Embora todas compartilhem de uma lógica comum em sua proposta de contos antigos do velho oeste, histórias que poderíamos ver mesmo sendo descritas dentro de um livro de histórias para dormir, só que mais sombrias e violentas é claro.

Em A Balada de Buster Scruggs, encarando por essa perspectiva, todas as histórias contadas conseguem manter um nível bem decente, e realizam um bom trabalho em criar a sensação de estarmos assistindo a diferentes gêneros de filmes subsequentes dentro de um só. Duas em particular são excelentes (as mais longas do filme), uma fraca (que por ironia é a mais curta) e as outras três boas. Mas o que todas possuem em comum? A marca dos Irmãos Coen espalhada por todos os cantos.

Histórias do Velho Oeste

A história introdutiva é exatamente sobre o personagem título, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson) um andarilho do velho-oeste, atirador nato e um exímio cantor das histórias que presencia ao mesmo que fala diretamente com a câmera. É em sua essência uma comédia puramente Coeniana, carregada com seu típico humor negro e afiado, dentro de uma realidade que não segue o que você pode chamar de lógica. Ao mesmo tempo que flerta abertamente com fortes elementos de uma espécie de musical clássico e pomposo. Além de servir como uma ponta perfeita e simbólica sobre o que são as histórias à seguir, cantigas e lendas da mitologia do Velho-oeste.

A história seguinte, também tipicamente Coeniana em seu humor negro e carregado de uma aura tragicômica, apresenta uma primeira metade com muito potencial ao seguir esse misterioso cowboy de James Franco até um banco no meio do deserto no intuito de realizar um assalto, que não acaba na forma que nem ele ou o público podiam esperar. Mas que talvez termine mais cedo do que deveria em um desenvolvimento que parece jogado, deixando um gosto de: “e daí?” em seu final anticlimático. O que é estranho pois a mensagem do conto ação e consequência, lembrando até O Grande Lebowski em seu humor ocasional, parecia tão simples e direto em atingir.

Logo depois temos um pequeno conto de aura bem triste e carregada que põe os pés no Western revisionista em seu tom dramático e trágico ao seguirmos o empresário solo de Liam Neeson e seu pequeno espetáculo teatral com o pobre artista sem braços ou pernas de Harry Melling. O que pode parecer a história “triste por ser triste” em querer se distanciar do humor das outras histórias, mas é especial exatamente por esse intuito de ter uma identidade tão psicológica e contemplativa na forma com que constrói a relação de ambos os personagens e a relação quase filosófica com o ambiente opressor e carregado em que vivem.

Em seguida têm-se talvez a melhor história do filme, onde vemos um garimpeiro solitário interpretado por um Tom Waits velhaco e rabugento, desvendando esse lugar paradisíaco e natural sem sinal de civilização, em busca dessa misteriosa bolsa de um suposto “senhor bolsão”. Um belo conto de descoberta e quase sobrevivência em seu ambiente belíssimo e que aspira uma contemplação visual pelo simples e puro deleite visual, mas com um pé bem forte e inesperado na fantasia.

Depois temos a história da pobre inocente Alice Longabaugh (Zoe Kazan) uma jovem que está acompanhando o irmão empresário numa caravana rumo à Oregon para fechar um novo negócio através do casamento de Alice com o novo sócio do irmão. Mas depois de uma inesperada reviravolta, Alice começa à ficar próxima de Billy Knapp (Bill Heck), um dos guias da caravana. O que nasce logo uma bela história romancista com fortes influências de John Ford na sua construção de escala épica e a caracterização mundana de seus personagens tão realistas e dóceis. Pode começar bem lento e quase monótono mas entrega um final bem espetacular e emocionante.

Enquanto a última história segue uma espécie de No Tempo das Diligências de tom gótico e misterioso em seu rumo. Ao mesmo tempo que é o conto onde os Coen exercitam seus pitorescos longos diálogos cobrindo temas de cunho raciais, sociais e emocionais carregados do seu típico humor afiado como sempre e, mais uma vez, uma realidade além da nossa.

Puramente Coen

É o resultado sempre esperado de uma narrativa vinda dos Coen, ou você vai amar ou odiar a forma com que eles estruturam e desenlaçam as histórias que criam aqui. Seja pela mensagem nunca exata que conecta as histórias ou a mesma sendo um alvo fácil das críticas fáceis de tonalmente confuso ou perdido (uma crítica que beira ao ridículo se referindo à maioria dos filmes dos irmãos).

Mas o que todas essas histórias conseguem almejar em sua conjuntura, e que é de uma admirável sacada cinéfila por parte dos Coen, que é demonstrar como o gênero do Western em si é amplamente aberto para diversos outros tipos de gêneros de filmes serem contados dentro de si, e cada história contém essa personalidade única e individual em sua criação. Vamos aqui da simples mitologia folclórica ao vazio existencial;  do épico em escala ao íntimo emocional; do puro romantismo classicista à dura realidade; da comédia satírica à tragédia violenta.

Porém, entre o vaivém do ame ou odeie, algo sempre recorrente em todo filme dos Coen, e talvez de opinião unânime, tanto é o fato de ter-se aqui de todo o elenco ótimas performances dentro do esperado, assim como um trabalho técnico de esmero invejável, e A Balada de Buster Scruggs não é nem um pouco diferente nesse quesito.

Com uma direção inspirada como sempre e livre de amarras orçamentárias, a Netflix garante aos Coen sua liberdade criativa sempre requerida e apostam no melhor que podem entregar. Seja numa fotografia exuberante de Bruno Delbonnel que aposta em ângulos abertos e que capturam tanto o escaldante árido, o frio gélido e a natureza cintilante de cada uma das diferentes histórias, fazendo cada passagem parecer um épico em pequena escala. Realizando uma verdadeira experiência visual cinematográfica, que clama pelo maior telão possível, dentro da rede streaming. Tanto em pequenas cenas de trocas diálogos cômicos quanto em empolgantes e sangrentas trocas de tiros.

Seja também em uma ótima trilha de Carter Burwell, o colaborador recorrente da dupla, e que só incrementa à aura mais clássica do velho-oeste pelo qual os Coen já se mostraram tremendos fãs no passado com seu excelente Bravura Indômita e não deixam de querer voltar à provar isso em sua outra apaixonada investida no gênero. Uma talvez rara em execução em muito tempo de sua história.

O que talvez leve à uma óbvia conclusão sobre aonde A Balada de Buster Scruggs se configure na filmografia dos Coen à essa altura de sua carreira. Talvez não entre seus grandes melhores de fato, mas com certeza, é um dos de personalidade mais única. Que mesmo não acertando em todas as notas que almeja, é um filme nunca cansativo e constantemente intrigante e divertido em suas desventuras de diferentes tons e gêneros dentro de um só, o Western que eles mais uma vez provam que amam e idolatram. Que com certeza vai irritar alguns e criar vínculos especiais com outros, assim como cada emocionante e hilárias histórias contadas aqui.

A Balada de Buster Scruggs (The Ballad of Buster Scruggs, EUA – 2018)

Direção: Ethan Coen, Joel Coen
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Tim Blake Nelson, James Franco, Liam Neeson, Zoe Kazan, Clancy Brown, Brendan Gleeson, David Krumholtz, Harry Melling, Tom Waits, Stephen Root
Gênero: Drama, Western 
Duração: 129 min

Avatar

Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Ranking das temporadas de American Horror Story [ATUALIZADO]

Pokémon Let’s GO Pikachu e Eevee | Aprenda como ganhar mais XP no game