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Twin Peaks | O Final Explicado

Antes de começar este texto, é necessário dizer que nenhuma teoria é capaz de abranger a totalidade do que foi Twin Peaks. O material é tão denso e há espaço para tantas interpretações distintas que é impossível sair completamente do campo da subjetividade e entrar na seara das afirmações concretas. Posto isso, informo que, assim como muitos fãs e críticos, tenho uma visão sobre os principais acontecimentos da última temporada que considero ser relevante e responder um número satisfatório de perguntas. Não sei se ela já foi veiculada antes por alguém. Caso tenha sido, lamento ser redundante. Na possibilidade contrária, espero que esclareça algumas dúvidas que os leitores ainda possam ter.

No princípio era o Verbo

No universo fictício criado por David Lynch Mark Frosta história se inicia em 16 de julho de 1945, durante os experimentos atômicos realizados nas Areias Brancas do Novo México. Na época em que o ser humano, ao criar uma arma capaz de aniquilá-lo completamente, atingiu o seu máximo potencial de maldade e ignorância, apareceu uma fenda inter-espacial entre o nosso mundo e o plano espiritual habitado por criaturas malignas, onde a figura máxima é uma entidade chamada Judy. Ao perceber o surgimento desse portal, esta envia à Terra o seu filho Bob, os homens engraxados e vários ovos contendo um inseto capaz de parasitar dentro das pessoas.

Percebendo que o Mal encontrou uma maneira de se espalhar pelo plano terrestre, o Bombeiro (que acredito ser o mesmo personagem que o Gigante, dada a bondade compartilhada por eles), concebe ao lado de uma mulher o orbe dourado que contém Laura Palmer, também enviando-o à Terra (essa é a maneira encontrada pelo personagem para combater os soldados de Judy). Doze anos depois, após viajarem, provavelmente, por várias dimensões, os homens engraxados e os insetos chegam ao nosso mundo. Um destes últimos entra em uma garota, a qual não me parece ser Sarah Palmer, pois, antes da nova temporada, ela nunca deu sinais de estar possuída por alguma entidade (uma posição contrária à que tinha quando escrevi a análise do último episódio).

Nessas ações cósmicas, é importante introduzir uma visão cristã sobre os acontecimentos. Não é preciso ir muito longe para enxergar em Judy e no Bombeiro alegorias do diabo e de Deus, respectivamente. No entanto, mais importante do que para dar nome aos bois, essa representação conceitual serve para entender Laura Palmer e Dale Cooper (sobre este último, falarei mais à frente). Desde o começo, torna-se claro que a primeira não veio à Terra para ser um soldado, mas uma fonte de bondade, assim como Dougie Jones. Ela não é combativa. Pelo contrário, quando estava viva, realizava ações caridosas aos moradores da cidade e conseguia aflorar a bondade nos outros. Nesse sentido, ela é como se fosse Maria, ou seja, a porta de entrada para o Bem reinar no nosso mundo. 

No entanto, há algo de Jesus Cristo nela (notem que, na nova temporada, ela aparece como uma representação sacra, sempre através de imagens). Vale lembrar que o dourado ao redor de sua imagem representa tanto o brilho positivo que a sua figura emana quanto a cor da garmonbozia, o conteúdo usado pelas figuras do Black Lodge como alimento. Portanto, o Bombeiro entrega a sua filha ao mundo sabendo que ela será vítima de dor, abuso, sofrimento e morte. Ele tem ciência disso porque, na posição de Deus, conhece o passado, o presente e o futuro. Em outras palavras, assim como o Pai, envia o seu filho para o cumprimento de uma espécie de profecia/objetivo (salvar a humanidade). Quando o Bob finalmente a encontra, é hora de corrompê-la e matá-la (mas não nos esqueçamos que ela espalhou bondade no período em que esteve viva).

Bem-vindo a Twin Peaks

Com o assassinato de Laura Palmer, fica evidente que o Mal venceu a primeira batalha. Todavia, o Bombeiro transforma Dale Cooper no seu maior combatente. Ele viu na gentileza e persistência do personagem os elementos necessários para continuar lutando. Durante as investigações do homicídio, “Coop” faz de tudo para descobrir a identidade do culpado (embora os agentes da operação Blue Rose investigassem os casos sobrenaturais há muito tempo, sinto que Dale foi escolhido no momento em que o Bombeiro colocou um orbe dourado dentro dele). A partir desse instante, ele está predestinado.

Infelizmente, essa obsessão positiva acaba levando-o ao Black Lodge no final da segunda temporada e deixando-o preso por vinte e cinco anos.  O resultado disso é mais uma vitória do Mal: o principal soldado do Bem foi inutilizado e o seu dopplegänger, solto no mundo. Contudo, como é visível no Livro de Jó, Deus permite que o diabo realize certas façanhas, mas até um certo ponto. Assim, o Bombeiro aceita que Dale fique preso em um limbo espiritual, só que por um período de tempo definido. Depois disso, ele retornará à Terra, mas não na sua forma usual e sim como um invólucro do bem, no mesmo estilo de Laura Palmer.

Dougie Jones indica ser uma criação conjunta do Dale e o Bombeiro (este acorda muito ciente do que aconteceu). O primeiro deseja se redescobrir e o segundo, usar essa viagem de redescoberta para novamente espalhar bondade em um mundo onde o Sr. C estava transitando há mais de duas décadas. Esses dois objetivos são inteiramente conquistados: os irmãos Mitchum, o personagem de Tom Sizemore e os outros ao redor encontram a redenção por causa de Dougie – lembrem-se dos globos dourados no cassino – e Dale redescobre a sua perfeição interna. Enfim, chegou o momento de acordar. Ao fazer isso, ele se encontra completamente ciente de sua missão: destruir Bob e salvar Laura Palmer. A parte inicial do plano é conquistada. O demônio e o dopplegänger são destruídos. Porém, na hora de salvar Laura, há algo de estranho.

Quando encontra Naido (que foi transportada à Terra depois de ser eletrocutada no terceiro episódio da nova temporada e cujos olhos “fechados” são uma simbologia da cegueira do protagonista) e se depara com Diane, Dale percebe algo que desconhecia até então: ele tem um papel messiânico no mundo (o de Jesus), e o preço a ser pago por isso é o sacrifício de sua vida – não no sentido mortal, mas no de “desperdício”. Quando o rosto dele se torna imenso (da mesma maneira que o rosto do Major Briggs, outro soldado do Bem, é visto na temporada) e ele diz “Vivemos dentro de um sonho”, a mensagem é clara: a face da bondade (que é a mesma de Cristo) descobriu que vive em função de uma missão infindável que lhe foi dada por Deus/Bombeiro, em um mundo que foi imaginado e criado por essa entidade máxima (lembrem que as coisas saem da cabeça dele como se fosse um sonho que se torna real).

No entanto, Dale não abandona a sua missão. Ele diz para as pessoas que estão ao redor que tudo será diferente (por causa da viagem no tempo que fará posteriormente) e retorna para salvar Laura no dia de sua morte. Nessa tarefa, ele é parcialmente bem sucedido. Mas o Mal já antecipava que algo nesse sentido fosse acontecer. O seu erro, porém, foi achar que Laura seria salva no momento presente e não no passado. É por isto que uma entidade possuiu Sarah recentemente: como Dale traria a sua filha de volta para casa, ela estaria lá para matá-la novamente. Todavia, como isso passou a acontecer no passado, o plano não deu certo. Voltar para a casa onde Bob ainda habitava também não fazia sentido, já que, no presente, ele foi destruído e, por ser uma criatura espiritual, foi abolido de todas as temporalidades.

Deste modo, o único contra-ataque de Sarah era criar uma realidade alternativa e colocar Laura dentro dela, já que o homicídio da personagem foi evitado e tudo o que o Mal conquistara fora completamente desperdiçado (podendo ou não ter alterado os eventos acompanhados no momento presente). E e é exatamente isto o que acontece: ela dá vida a um mundo paralelo (acho que a personagem consegue fazer isso apenas porque entrou no White Lodge – como o Bombeiro afirma – e o ente que a está parasitando é o homem de nariz comprido, um tipo de criador) e coloca a sua filha dentro dela. Nesse momento, Dale usa as informações que lhe foram ditas na primeira cena da nova temporada para entrar nesse mundo e salvar Laura (embora apareça antes, o pino no seu paletó mostra que o diálogo entre ele e o Bombeiro não aconteceu no começo, mas, provavelmente, durante o coma de Dougie).

“430” é a quilometragem que precisa ser percorrida, “Richard e Linda” são ele e Diane (o sexo parece ser um rito necessário e a presença de um duplo da secretária indica uma possível realidade de dopplegängers), “dois pássaros com uma pedra só” faz referência ao plano de aniquilar Dale e Laura de uma vez só e “você está longe” tem a ver com o fato de o protagonista estar diferente, precisando acordar em um certo momento. No final, ele consegue isso efetivamente. Laura volta para casa, eles se lembram de suas verdadeiras identidades, a realidade é destruída e possivelmente, os dois retornam ao nosso mundo.

As promessas do pós-vida

Do jeito que Twin Peaks termina, a impressão é de que não houve um final feliz. De fato, as coisas não terminam bem e isso se dá pelo seguinte motivo: Dale Cooper e Laura percebem que, até o dia em que morrerem, serão manipulados pelo Bem e o Mal, sendo jogados a todos os cantos enquanto um dos lados vence e o outro perde (o branco e preto do White Lodge é uma maneira de ressaltar essa característica “negativa” do Bem). Uma prova disso é a cena da primeira temporada em que vemos Dale envelhecido no Black Lodge, curiosamente, em um momento no qual Laura sussurra algo no seu ouvido, idêntico ao plano final do último episódio. Esse instante é um indicativo de que o personagem ficou nesse vaivém até o suspiro final, assim como Laura Palmer.

No entanto, no pós-vida, o destino dos dois personagens já está garantido. Na cena final de Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmera alma de Laura é levada por anjos, ao passo que Dale põe a mão em seus ombros e esboça um sorriso. Na realidade imperfeita e constantemente influenciada pelo Mal, eles foram oferecidos em sacrifício e vítimas de dor, desilusão, desapontamento e morte. Na realidade divina, por sua vez, têm os seus tronos garantidos ao lado de Deus, olhando de cima para baixo enquanto a batalha entre os dois opostos finalmente cede no lado mais fraco. 

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