em

Análise | Resident Evil 5

A Capcom se encontrava em uma posição delicada com “Resident Evil 5”. Como dar continuidade a um jogo que estabeleceu uma nova tendência de mecânica, trazer novidades a altura, respeitar o legado da franquia e ao mesmo tempo atrair novos jogadores? Para dificultar o questionamento, o game ainda passou por vários problemas internos de desenvolvimento envolvendo troca de cast de um personagem, cortes no orçamento e de trechos inteiros de fases – até para cumprir com o prazo estipulado de lançamento – e acusões infundadas de racismo iniciadas por uma minoria de profissionais da indústria jornalística.

Definitivamente, as condições não eram as ideais para a saída do jogo que os fãs gostaria e mereciam, não é mesmo?

Mas Resident Evil 4 também contou com diversos problemas e reformulações antes de seu lançamento, o que não impediu o jogo de ser incrível, logo o mesmo pode acontecer com este, correto? Errado.

Resident Evil 5 sofre de uma enorme carga negativa, talvez o maior temor de qualquer franquia consagrada: a perda da identidade. 

A começar pela mudança de cenário. Saem a mansão de confinamento , as ruas apertadas de Raccon City e os bizarros campos e castelos de da área rural espanhola para a entrada de uma África ensolarada. Claro, há de se louvar o trabalho de iluminação e texturas, bem polidos para a época de 2009, mas é inegável que o ambiente e sua atmosfera não são dos mais aterrorizantes em relação ao que veio antes. 

Se a ambientação não colabora, ao menos a jogabilidade fazem jus ao terror de outrora, não? Não.

RE 5 é frenético a todo momento. As hordas – agora, ainda mais armadas – são mais numerosas, as munições não são mais escassas e encontrar uma erva para dar upgrade em sua barra de vida nunca foi tão fácil. A situação só piora conforme avançamos na jogatina e devemos enfrentar os infames infectados com armaduras e armamento militares e monstros gigantescos que abusam da suspensão de descrença. Até trechos em ambientes metálicos e industriais, desnecessariamente, possuem uma maior presença. 

Com isso, todo o senso de vulnerabilidade dos protagonistas se esvai. Chris e Sheva são heróis de filme de ação. Se, ao enfrentrarmos o perigo, nos deparando com ele, não o sentimos, então qual é a graça? Um caminho vergonhoso foi seguido aqui. 

Compare o trecho da batalha contra um gigante em “Resident Evil 4” e em “Resident Evil 5”. Enquanto em um, o jogador se esforçava para prolongar o duelo até achar o momento ideal de ataque com a consciência de que, se resultasse em falha, o golpe seria fatal e o processo se repetiria, no outro tudo o que o jogador deve fazer é atirar com uma supermetralhadora embutida em uma caminhonete. Havia boatos de que esse se trata de um dos trechos cortados e que, na ideia original, envolveria até mesmo uma perseguição do tal gigante. 

O que nos abre a brecha para falar de outro problema, a mecânica. Um jogo de ação – ainda mais em terceira pessoa – exige uma certa gama de possibilidades de movimentos e ações para o jogador acompanhar a agilidade do gameplay. Pegando emprestado as mecânicas de Resident Evil 4, o jogo falha nesse ponto crucial ao limitar demais o jogador com poucas opções de movimentos. Funciona bem para um terror mais calcado e com eventuais sequências de ação como o jogo antecessor, mas este não é o caso. E se a ideia fosse manter o jogador mais vulnerável, limitando seus movimentos frente às hordas, o objetivo também não seria cumprido, resultando em alguns bons momentos de frustração. 

E a narrativa? Bom, Resident Evil nunca foi uma franquia conhecida por suas histórias e excepcional trabalho de desenvolvimento de personagens. A criação do mundo e seus conceitos e as mecânicas eram o foco dos elogios. Mas não podemos nos esquecer que estamos falando de um game de 2009, ano em que “Uncharteds” e “BioShocks” da vida já estavam disponíveis. 

Sinto-lhe informar, caro leitor, mas até nisso o jogo falha. A história, que se passa 5 anos depois dos eventos de RE4, gira em torno de Chris Redfield, agora trabalhando para a BSAA, tendo de se aliar com Sheva Alomar em Kijuju para apreender Ricardo Irving e impedi-lo de concretizar uma venda de arma bio-orgânica. Obviamente, há muito mais debaixo dos panos do que aparenta, com direito a conspirações, planos de dominação global e ressureição de personagens antes dados como mortos. É tudo tão exagerado e telegrafado que, em dado momento da trama, pode prever tudo que está para acontecer com alguns poucos minutos de jogatina. A direção durante as cutscenes é, em sua maioria, terrível, com enorme apelo para cortes rápidos, shaky cam e slow motion, gerando alguns momentos bem embaraçosos de se ver e acompanhar.

Os personagens são tratados da mesma forma preguiçosa e desinteressante, sem qualquer arco crível. Chris Redfield é um personagem completamente unidimensional e profere a todo momento diálogos expositivos e didáticos a respeito da trama e do que acabamos de presenciar. Sua relação com Sheva não soa orgânica e sim uma exigência de roteiro. Há somente um momento dedicado entre ambos para falarem de sua vida pregressa e assuntos mais humanizados – momento este durante um passeio de barco para uma tribo indígena em uma tentativa pífia de desenvolvimento de Sheva ao inserir o básico de backstory –  acredite, eu contei. 

Albert Wesker então, vilão carimbado da franquia, coitado, surge mais canastrão do que nunca chegando atingir o nível cartunesco. Os momentos finais de batalha que o envolvem me provocaram algumas risadas tamanho nível de galhofa na escrita. Os coadjuvantes, todos subaproveitados, não agregaram muito à trama. 

O melhor ponto do game e que também é sua novidade mais engenhosa, trata-se da possibilidade de jogar em cooperativo. Lembro de gastar incontáveis horas jogando com meu irmão ou com alguns amigos em revezamento por morte ou tempo durante encontros em casa. É simplesmente muito divertido. O valor de entretenimento é altíssimo e a variedade de cenários e busca por upgrades nas armas certamente manterá a dupla de jogadores engajados até o final. Claro, isso se você deixar passar todos os problemas citados e quiser apenas investir algumas boas horas na matança de zumbis.

“Resident Evil 5” não consegue ser um bom jogo de terror – o frenesi durante o enfrentamento de hordas regulares e munição fácil não o deixa – e nem um eficiente jogo de ação – a mecânica é travada e limitadora herdeira de seu antecessor. Não achando sua identidade, o game é um arremedo de ideais e conceitos passados atafulhados em uma narrativa medíocre com história e personagens genéricos. Vale pelo cooperativo mas não muito mais que isso, ainda mais hoje com tantas opções carentes de tais defeitos. Eu realmente gostaria de poder dizer que a Capcom, eventualmente em um “Resident Evil 6”, aprenderia com os erros e presenteasse os jogadores com o game que faria a franquia se encontrar novamente. Infelizmente, isso não aconteceu e a situação só iria piorar. E é assim que o texto termina, em tom fúnebre e com a saudade, mesmo que fosse apenas exclusivo ao quarto game, de um certo mercador para te chamar de estranho diversas vezes durante a jornada. Até nisso, o processo se tornou automático e sem personalidade.

Resident Evil 5 (Biohazard 5, Japão/2009)
Desenvolvedora: Capcom
Gênero: Ação, tiro em terceira pessoa
Plataformas: Microsoft Windows, PlayStation 3, PlayStation 4, Xbox One e Xbox 360.

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

Perfil oficial da redação do site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Logan | Coletiva de Imprensa com Hugh Jackman em São Paulo

Writers Guild of Awards 2017 | Os Vencedores