Crítica | Power Rangers
No mundo dos negócios e do entretenimento, existem homens de visão – geralmente pessoas que tem uma sapiência excepcional em sacar e compreender o mercado e o público alvo. No caso, Haim Saban teve a brilhante ideia de adaptar os tokusatsus e Super Sentai para o público ocidental com o seriado Power Rangers. De custo baixo, aplicando um conceito já consolidado no Japão, Saban viu sua fortuna atingir os bilhões e, consequentemente, seus produtos atingem gerações até hoje.
Meu contato com Power Rangers deve ter sido tão eufórico quanto o seu, leitor, caso seja da geração dos anos 1980 ou 1990. A antecipação do ritual para conferir Mighty Morphin ou Power Rangers no Espaço é absolutamente nostálgica. Assistia aos episódios religiosamente e quando haviam especiais de duas partes, já ficava ainda mais ansioso, pois sabia que a estrutura da narrativa abandonaria a velha receita de bolo: papo furado, vilão com minions, porradaria, vilão gigante, porradaria com megazord, fim.
Já aqui em Power Rangers, segunda adaptação cinematográfica inspirada no seriado, o clima dificilmente atinge os tons descontraídos e despretensiosos das obras originais. Trata-se de mais um filme de origem de super-heróis com pretensão alta e que, aparentemente, omite ou ignora muito do ridículo que faz a identidade de Power Rangers.
Clube dos Cinco Super-Heróis
Para construir a simples narrativa do longa, foram necessárias quatro cabeças pensantes contando com o talento de John Gatins para tratar as ideias apresentadas. Evidentemente, a trama dilata toda a ligeira apresentação do quinteto ao universo e mitologia durante a temporada Mighty Morphin Power Ranger.
De modo curto e grosso, cinco jovens desconjuntados acabam unidos após encontrarem cinco moedas coloridas que fornecem superpoderes para cada um deles. Descobrindo, então, que viraram Power Rangers através do contato com o alienígena Zordon, o grupo terá que se preparar para enfrentar a vil Rita Repulsa que pretende despertar Goldar, um titã capaz de exterminar toda a vida na Terra.
O que é notório de cara e que qualquer cinéfilo moderado consegue reconhecer é a influência pesadíssima de Clube dos Cinco, clássico dos anos 1980, na estrutura das relações entre os personagens e seus arquétipos – algo que, de certa forma, já é bastante envelhecido. Entretanto, por competência, o começo é justamente a melhor parte do filme conseguindo estabelecer com solidez o trio protagonista: Jason, uma lenda do esporte que tem a lealdade como guia, Kimberly, uma garota forte e emotiva e Billy, um garoto que se identifica como autista e gênio dos eletrônicos.
Aqui, conceitos importantes já começam a ser abordados: adolescência, rebeldia, autoconhecimento e delinquência. Logo, em vez de pegar conceito pré-fabricados de personagens já muito clássicos em filmes de super-herói, os roteiristas tecem uma jornada de herói partindo de jovens irresponsáveis niilistas reconhecendo que com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.
Nisso, cada um dos personagens ganha seus respectivos conflitos menores ante o conflito principal que é derrotar Rita e salvar o mundo. Jason tem uma relação problemática com o pai, Kimberly é mais vilã do que mocinha por conta de atitudes equivocadas que tomou com suas colegas, Billy é desconectado da realidade como um escapismo para não ter que lidar com a morte de um ente querido, Zack cuida da mãe doente terminal e Trini não consegue conviver com sua família normal enquanto encara sua homossexualidade ainda posta em dúvida.
Entretanto, isso tudo é estabelecido com nuances óbvias de qualidade entre os dramas dos personagens (Zack e Trini são os mais prejudicados com problemas de difícil resolução, além da exploração muito rasteira dando a impressão que os conflitos foram criados às pressas apenas para conferir mais camadas aos personagens). O que é extremamente irônico já que eles contam com os problemas mais interessantes e genuínos enquanto os outros recebem maior atenção por serem os verdadeiros protagonistas da trama.
Entre esse enorme problema criado pelos conflitos já clichês que nunca serão minimamente desenvolvidos apenas contando com uma chatíssima noite de confidências ao redor de uma fogueira, os roteiristas trabalham a descoberta e aprendizado dos Rangers com Zordon e Alpha 5 – um dos maiores acertos do texto em preservar a inocência e ingenuidade do robô que ganha mais nuances interessantes para expor toda a mitologia Ranger para novos espectadores.
Aqui, também é estabelecido outro enorme conflito que se alonga até por tempo demais: a dificuldade do quinteto em conseguir morfar. Todo o miolo é concentrado nisso, os forçando a conhecer uns aos outros e a si mesmos para entrar em sintonia. E acredite, muitos minutos são gastos nessa péssima jogada de desenvolvimento de personagens em fator físico e emocional, afinal o segundo ato deve compor mais de 70% do filme.
Porém, isso é falho ou tem uma moral equivocada já nunca os personagens correm atrás de resolver seus próprios problemas, mas apenas ficam expondo e conversando como se somente isso já solucionasse seus conflitos o que confere certo aspecto de telenovela juvenil. Nisso, todo o bom trabalho arquitetado no primeiro ato vai pelos ares graças a terrível enrolação e desenvolvimento muito rasteiro e previsível aplicado para os heróis. É justamente aqui que uma das características que havia impressionado até então começa a declinar: a qualidade dos diálogos.
Como dito anteriormente, Power Rangers é um filme pretensioso em seu início dedicando essa atenção louvável para definir características únicas para os personagens, além de apresentar uma comédia mais adulta. Tão logo chegamos na metade do filme, há diversas mudanças de tom: os personagens, principalmente Zack, agem com menos maturidade do que o apresentado até então, as conversas entre o grupo viram uma verborragia redundante e a comédia ganha tons infantilizados. Somente mesmo durante a porradaria do terceiro ato, no clímax, único momento que há uma sequência empolgante de ação, que o texto chega perto de acertar o tom do seriado.
Para o lado antagonista, as coisas são ainda piores. Toda atenção conferida no texto para tornar os protagonistas tridimensionais é esquecida com Rita Repulsa o que reforça esse problema de identidade do roteiro – ora pretensioso e dedicado (mesmo que nos clichês), ora preguiçoso e desleixado. Apesar de Elizabeth Banks levar a personagem muito a sério conferindo, inicialmente, um tom violento e sombrio para partir ao exagero da galhofa no final tornando sua performance bastante divertida, mas inconsistente. Em termos de texto, absolutamente nada consegue destacar a icônica vilã. A motivação é fraca, suas cenas são repetitivas, seu desfecho é digno de Pokémon, além de muito pouco ser revelado sobre a história da personagem ao contrário do que acontece com Zordon que é desenvolvido na medida certa – a relação sempre desconfiada dos Rangers com o cabeção virtual é interessante e rende bons atritos. Já com Rita, também não há muitos momentos que o grupo possa interagir com a vilã, mas os que existem são satisfatórios conseguindo remeter a pegada do seriado.
Centro de Comando
Apesar da maioria das falhas acontecerem por conta do roteiro, o diretor novato Dean Israelite também carrega parcela significativa de culpa. O problema mais óbvio é a inconsistência de tom entre o texto e a atmosfera criada em sua direção quase sempre soturna que aposta em fotografia escura de tons emudecidos passando longe da euforia visual saturada do seriado. Isso reside até mesmo quando o filme se torna mais leve durante o clímax.
Fora isso, há o gravíssimo problema de ritmo que esse filme possui. Após uma montagem de treinamento bem-feita que busca homenagear alguns filmes de kung-fu, o diretor falha em prender nossa atenção (mesmo que seu trabalho seja muito prejudicado pela embromação do texto). Parece que, depois disso, o próprio Israelite perde o interesse no filme – por exemplo, repare na decupagem da fatídica cena da fogueira que mais se assemelha com uma linguagem visual automática de games de RPGs modernos como Dragon Age Inquisition.
Graças a tudo isso, a pior coisa possível para acontecer em um filme atinge Power Rangers: o espectador simplesmente para de se importar com o que acontece na tela. A empatia criada pelo primeiro ato agitado e visualmente criativo, vai pelo ralo resultando em um perfeito desinteresse com o desfecho das histórias daqueles personagens. Logo, quando tem uma reviravolta “corajosa” que se resolverá previsivelmente, não há choque algum.
Por conta dessa tremenda transformação do miolo do filme, o terceiro ato também não se sustenta, apesar de conseguir te acordar – para visualizar bem, imagine uma viga de 200 metros sustentada por dois bloquinhos de papel ornamentados. Quando, enfim, os personagens morfam, não há excitação. A escolha de lugar para a primeira batalha contra os monstros porcamente inspirados de Rita Repulsa não colabora para a coreografia das lutas e nem mesmo o quebra-pau consegue empolgar por um motivo muito sólido: este Power Rangers parece ter vergonha de assumir as características tão amadas do seriado.
Israelite praticamente não incorpora qualquer aspecto da linguagem de encenação do seriado. As faíscas ocasionadas pela porrada são tímidas, quase imperceptíveis. Não tem pose galhofa de herói a la Power Rangers, mas tem pose de herói a la Marvel/DC. Não existem zooms, não temos explosões homéricas atrás dos personagens, as frases de efeito não dialogam com o lore da série, os mínions de Rita parecem ter saído de Noé, entre outras coisas.
Os poucos momentos que despertam a nostalgia baseiam-se em algumas frases icônicas como “cresça, meu monstro!” ou quando a música tema de Mighty Morphin toca por oito segundos quando, finalmente, o diretor faz o enquadramento clássico do seriado que acompanha os Zords disparando em direção à batalha – mas tirando o sentido épico do momento ao colocar piadas mal alocadas (isso também ocorre quando o Megazord é finalmente reunido).
Fora isso tudo, há um descompasso terrível também na trilha musical do longa baseada em muitos hits musicais. Em poucos momentos a trilha original de Brian Tyler respira e quando surge, também não consegue impressionar. Essa ênfase de trilha licenciada se torna um problema justamente pelo encaixo completamente inapropriado para cenas épicas de batalha que deveriam contar com a música original e não com Power de Kanye West – repare que toda bendita vez que alguma canção licenciada surge, quase sempre há uma grosseria técnica para tirá-la de cena.
Apesar de errar com coisas básicas e de suma importância, nem tudo é ruim no trabalho de Israelite. O diretor tem vontade de mostrar seu trabalho e para tanto consegue organizar raccords visuais bem-feitos e planos sequências interessantes como quando mostra uma perseguição de carro apenas pelo ponto de vista interno do carro perseguido – algo já visto no remake de A Hora do Espanto. Em sua decupagem, apenas há um grande excesso de planos holandeses que conferem, pela semelhança de local e tema, uma iconografia similar a de Thor, filme de 2011.
O visual, mesmo repetitivo e muito discreto, não tende a decepcionar também. Quando a ação surge, o filme também parece acordar, além de Israelite conseguir mostrar diversos acontecimentos e reações tanto dos Rangers, dos civis quanto dos vilões durante o clímax conseguindo um solidificar um trabalho de espacialidade excelente, algo tão bom quanto o que Michael Bay consegue fazer no primeiro Transformers.
Outro bom aspecto é a proeza em traduzir bem o microcosmo clichê do colegial americano, definir com facilidade os personagens bem atuados pelo elenco novato – o carisma de RJ Cyler (Ranger Azul/Billy) é contagiante. E, supreendentemente, há um trabalho valioso de simbologias no primeiro ato.
Quando o grupo adentra a caverna e é obrigado a mergulhar para chegar na nave de Zordon, o diretor e design de produção escolhem brincar com a gravidade e quebrar o eixo da normalidade e comum, indicando um renascer para os personagens assim que eles tocam o solo que rodeia a nave. A água pode simbolizar um batismo gentil que contrasta com a rigidez da rocha que eles despencam indicando novamente que a mordomia dos poderes também trará diversos problemas em suas vidas.
O mesmo ocorre com outro tipo de batismo que ocorre no clímax da obra, um batismo de fogo, onde enfim a transformação do grupo desconjuntado de adolescentes egoístas que se tornam verdadeiros heróis. Até há uma boa atenção com o figurino que sempre coloca as cores correspondentes de cada Ranger no vestuário cotidiano dos personagens, de modo bastante sutil, por sinal.
Enquanto trabalha com simbologias consideravelmente inteligentes nesses primeiros minutos do filme, não é possível dizer que o bom trabalho permaneça por muito tempo. Como havíamos dito na nossa crítica em vídeo, há uma cena na qual a camiseta de Kimberly traduz o que os personagens sentem naquele momento: era tudo um sonho. Essa cafonice literal destoa completamente do que Israelite propõe evidenciando esses problemas de tom que o filme sofre.
Os Power Rangers têm o Poder?
Fazia um bom tempo que eu não me deparava com um filme tão complicado como este Power Rangers é. Ele é tampouco bom, mas também não é uma obra de todo ruim. Essa inconsistência de atmosfera, tema, texto, direção, música e ação tornam esse longa uma incógnita sobre qual público ele realmente deseja atingir e, logo, a recomendação do texto torna-se ainda mais complicada.
Não creio que os fãs ficarão inteiramente satisfeitos, principalmente por esse medo do filme em assumir as características e pieguices do seriado – afirmo para vocês que isso de modo algum seria um problema para a diegese da obra. Também é um filme muito bobo para espectadores mais velhos que certamente já viram essa mesma estrutura narrativa e de personagens em diversos outros filmes, principalmente nos últimos anos que Hollywood bombardeia o mercado com inúmeras adaptações cinematográficas de filmes inspirados em nerdices.
E também não é um filme que as crianças irão se divertir já que a ação demora muito tempo para acontecer resultando em um chá de cadeira para espectadores mais jovens que mal vão conseguir ter empatia com os conflitos dos personagens graças a essa enrolação insustentável. O payoff do clímax é curto demais e bastante quadrado deixando a impressão que todo o tempo investido nessa história é pouco recompensado.
Então, já avisamos, se realmente está perdendo o sono de tanta ansiedade com Power Rangers, se informe com o que vai encarar antes: uma boa mistura de Clube dos Cinco, Poder Sem Limites e outros filmes Marvel com Transformers, mas que é prejudicada excessivamente por seu miolo pretensioso que almeja trazer personagens complexos, mas que se tornam completamente descartáveis graças ao prolongamento desnecessário de um desenvolvimento muito redundante que acaba não somente prejudicando os heróis, mas o filme inteiro. Principalmente na sua alma: a ação uniformizada colorida cheia de pirotecnias, poses ridículas e muitas faíscas.
Power Rangers (Power Rangers, EUA – 2017)
Direção: Dean Israelite
Roteiro: John Gatins, Matt Sazama, Burk Sharpless, Michele Mulroney, Kieran Mulroney, Haim Saban
Elenco: Dacre Montgomery, Naomi Scott, RJ Cyler, Ludi Lin, Becky G, Elizabeth Banks, Bryan Cranston, Bill Hader, Matt Shively, Cody Kearsley
Gênero: ação, aventura, super sentai, ficção científica
Duração: 124 minutos.
Crítica | O Último Mestre do Ar
A nação do fogo começa a dominar o mundo com a expansão de seu território, todos os lugares que ela passa só deixa rastro de destruição. Agora, a última esperança da humanidade reside em um garoto chamado Aang, o Avatar, mas o problema é que ele desapareceu por cem anos e só agora retorna para ajudar um povo já sem esperança.
O roteiro do filme simplesmente condensou a primeira temporada de Avatar: A Lenda de Aang, que possui 20 episódios, em um filme de 100 minutos. A história inteira é corrida, tudo é contado forma tão despreparada com uma torrente de informações para o espectador entrar no clima do filme, coisa que é praticamente impossível. Eu assisti todos os 61 episódios do desenho e não consegui entender direito a história de tão rápida e a maneira como ela é contada.
Katara vai narrando a história do filme de tempos em tempos para que o público possa se situar em que lugar do mundo eles estão e o que ocorreu num determinado período de tempo. O roteiro, além de ser confuso, não consegue ser o mínimo engraçado: transforma a primeira temporada da série, que é extremamente cômica, em uma coisa sombria acompanhando Aang no caminho de sua redenção. O filme impõe ao público as relações de Aang com seus amigos como se fosse amizade à primeira vista, coisa que o desenho não faz. A amizade deles vai se desenvolvendo ao decorrer da série, ficando difícil de acreditar no sentimento apresentado no filme.
Uma das coisas que mais assustam é a atuação extremamente robótica. O trio protagonista está péssimo ao nem mesmo conseguir dizer as linhas toscas de diálogo com mais afinco e vontade. O pior dos piores realmente está concentrado em Noah Ringer, apresentando uma performance tão ruim que conseguiu enterrar de vez sua carreira. O único que parece levar a produção a sério é Dev Patel que entrega um Zuko minimamente convincente.
É melhor Shyamalan juntar suas rédeas novamente, porque este filme é o ápice da decadência progressiva de seus trabalhos. Nem Fim do Tempos consegue ser tão ruim como O Último Mestre do Ar. Quase nada no filme funciona, nem mesmo a ação das batalhas empolgam chegando até a serem maçantes.
Este filme não foi feito para crianças, não foi feito para uma audiência mais adulta, não foi feito para os fãs da série, não foi feito para mim e também não foi feito para você. Ele, simplesmente, foi feito para o nada. E depois de 7 anos, isso foi confirmado: está no mais profundo limbo dos filmes esquecidos.
O Último Mestre do Ar (The Last Airbender, EUA - 2010)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Noah Ringer, Nicola Peltz, Jackson Rathborne, Shaun Toub, Dev Patel
Gênero: ação, aventura
Duração: 103 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=j_qM4EG9VZw
Crítica | A Bela e a Fera (2017)
Como toda criança, encontrei divertimento nas pequenas coisas. Tinha certa peculiaridade que certamente definiu as duas carreiras que escolhi para viver. Ver os mesmos filmes repetidas vezes, principalmente as animações Disney. Dentre todas, duas eram favoritas: 101 Dálmatas e A Bela e a Fera. Vi e revi tanto esses dois que praticamente memorizei até mesmo os diálogos. Entre diversas animações favoritas, sempre guardei um pedaço especial para A Bela e a Fera por conseguir conversar tão bem com o público e apresentar um poder de concisão tremendo, afinal o filme tem apenas 84 minutos.
Divertido, edificante, espetaculoso e musicalmente perfeito, era questão de pouco tempo até a Disney encaixar A Bela e a Fera em sua nova linha de remakes milionários trazendo as animações para o universo tridimensional do live action. Até agora, todos os filmes dessa leva superaram as expectativas de bilheteria. Cinderela, Malévola e Mogli: O Menino Lobo e, muito provavelmente, a história se repetirá com A Bela e a Fera mesmo que este remake seja um dos piores já realizados pelo estúdio.
A história é basicamente a mesma que todos conhecemos, obviamente, tomando como base a versão animada da Disney. Bela vive em uma pacata cidadezinha no interior da França. Condenada a viver todos os dias uma vida trivial de rotina trivial na qual todos os camponeses a acham uma garota excessivamente estranha, o cotidiano de Bela sofre uma preocupante reviravolta. Após seu pai inventor, Maurice, se perder a caminho de uma feira de negócios e se tornar prisioneiro de uma perigosa Fera amaldiçoada, Bela parte para resgatar seu pai.
Ao chegar no castelo amaldiçoado, se oferece como prisioneira para que a Fera liberte seu velho pai. Concordando com os termos, Fera liberta Maurice. Ao tempo que Bela permanece aprisionada, descobre que diversos móveis e utensílios domésticos tem vida própria e passa a entender toda a enorme maldição que condena o castelo e seus habitantes ao esquecimento completo. Felizmente, há uma maneira para quebrar a maldição, porém isso custará o preço de um verdadeiro amor entre pessoas completamente opostas.
Entusiasmo excessivo
Logo nos primeiros minutos de A Bela e a Fera é possível notar algo que será aberrante no filme inteiro: é uma obra de muitos excessos e de pretensão alta, afinal há sim o desejo de superar a animação de 1991 – já aviso que isso passa bem longe de acontecer. Já sacrificando a icônica e bela sequência dos vitrais para expor como a Fera se tornou uma criatura amaldiçoada para ilustrar tudo através de um prólogo que busca tecer comparações dos residentes do castelo com a aristocracia francesa pré-Revolução Francesa.
A manutenção da narração over para uma cena que já ilustra toda a arrogância e transformação do príncipe em Fera é absolutamente desnecessária. Claro, confere o tom de "contos de fada" que o filme tanto almeja, porém, removendo a introdução estilizada da animação, torna-se totalmente redundante.
É engraçado notar que o texto de Chbosky e Spiliotopoulos segue à risca o roteiro da animação, porém, mesmo tão parecido, consegue falhar em algumas recriações e, no mais importante, as passagens originais para justificar a tremenda barriga de 47 minutos a mais que essa versão possui.
As canções permanecem peças importantíssimas para desenvolver os personagens e as relações entre eles como em praticamente ocorre em todos musicais. As poucas mudanças na estrutura do original geralmente elaboram romances novos entre os habitantes do castelo ou incrementam maior animosidade entre os camponeses com Bela que agora é inventora também – uma característica que se prova desnecessária, pois é esquecida rapidamente. São empreitadas desnecessárias em conferir ainda mais independência para uma personagem que já é forte e poderosa desde sua concepção no conto escrito em 1740 que marcam a impressão de serem concessões para atender as filosofias políticas de Emma Watson.
A maior aposta dessa releitura é responder uma questão que ninguém havia perguntado até agora: o que houve com a mãe de Bela? A resposta, além de fraca, é totalmente anacrônica e agrega muito pouco para a narrativa. Realmente se torna uma gordura que sacrifica o ritmo fluído dos acontecimentos da obra, além de prejudicar o florescer do romance entre Bela e Fera. O pior desse arco é inserção de um artifício mágico extremamente surreal até mesmo para a diegese estabelecida aqui. É somente criado para resolver essa questão e sumir logo após.
Há também uma ligeira tentativa de humanizar em excesso a figura da Fera com uma canção que justifica o motivo de sua arrogância. Além de vitimizar o personagem, ainda busca responsabilizar os empregados do castelo por toda a maldição. De certa forma, ao inserir esse conceito, há uma poluição em uma das mensagens mais poderosas do filme, sobre arcar com as todas consequências de seus atos vaidosos. Com isso, estranhamente, o personagem perde a boa complexidade marcada pela animação.
Não satisfeitos em inserir uma ideia desnecessária para a Fera, ainda há outra que praticamente consegue enfraquecer o florescer da paixão entre os dois personagens – mesmo que renda o melhor diálogo de todo o filme.
Mesmo mantendo boa parte da estrutura do roteiro da animação, alongando o filme apenas para inserir músicas novas e tentar desenvolver o “grande” mistério do passado dos personagens, os roteiristas conseguiram prejudicar a fluidez da narrativa e a relação entre os protagonistas. Em vez de aperfeiçoarem características dos coadjuvantes clássicos como Lumiere (agora com um pouco mais de tempo para namorar com Plumette), Horloge, Zip e madame Samovar, há maior atenção para madame Garderobe e para o novo personagem Maestro Cadenza, transformado em um cravo.
Então, no que raios a dupla de roteiristas conseguem melhorar do texto da animação? Por incrível que pareça, há sim bons elementos. O divertido núcleo de Gaston e LeFou ganha camadas óbvias graças à paixão escondida de LeFou por seu companheiro que acaba tornando o personagem mais complexo e justificando suas motivações de ficar ao lado de um ser tão vil e canastrão.
Gaston também ganha novos tons de cinza com a indicação de uma intensa bipolaridade que rende momentos genuinamente cômicos. Entretanto, há cenas novas bastante redundantes para dimensionar mais o conflito entre Gaston e Maurice, além de Gaston receber um dos piores desfechos da obra. Também há um bom elemento que traz maior urgência e perigo conforme as pétalas da rosa encantada caem. Só.
O Crepúsculo da Disney
Ao assistir a primeira parte do último filme da saga Crepúsculo, pensei que seria o fim de Bill Condon em Hollywood tamanha a feiura estética e falta de capricho de sua direção. Porém, o quão redondamente enganado eu estava. Ao sair das duas bombas, Condon é convidado para dirigir um dos projetos mais importantes da Disney: o remake de A Bela e a Fera. E o tiro saiu pela culatra. É difícil apontar onde que Condon não erra ao conferir diversos aspectos de telefilme para este remake.
Como havia dito, o filme inteiro é marcado por um exagero visual tremendo. Excesso de elementos em tela marcam quase todos os números musicais, principalmente durante Belle que deveria ser um dos mais singelos possui exagero de figurantes a todo canto, além de receber um dos piores tratamentos fotográficos dos últimos anos graças ao contraste pífio totalmente chapado. O que é uma verdadeira pena, pois trata-se da sequência de apresentação da protagonista e do trabalho exemplar do setor de figurino que dedica atenção crucial até mesmo as vestes do menos importante figurante.
Alguns como "Be Our Guest", o exagero funciona, de certo modo, pois o crescente da música não é respeitado, além de revelar um dos bons momentos de lucidez da direção de Condon ao realizar uma pequena sequência que mostra os preparativos do jantar espetaculoso de Lumiere. Outro bom detalhe visual é dar maior relevância para a maldição de modo mais explícito. Além de condenar o castelo a uma vida deformada e esquecida, tudo é gélido, sombrio e abandonado. Nisso sim, a fotografia e o design de produção acertam em cheio: é uma recriação exemplar do castelo visto nos desenhos, porém, é uma pena que o diretor não saiba aproveitar adequadamente seu espaço com pontos de vista mais interessantes.
Condon realmente deixa a decupagem desse filme extremamente quadrada e sem graça. Os únicos planos que conseguem ter força geralmente são recriações dos enquadramentos clássicos do desenho. Ao menos, apesar de quadrada e bastante sem-graça, Condon tem noção que está gravando um musical e, portanto, quase nunca prejudica as coreografias grandiosas garantindo o espetáculo destas cenas. Em "Gaston" temos um dos melhores exemplos de como Condon sabe maneirar nos exageros e criar um ótimo número musical divertido.
Entretanto, é justamente nos novos números musicais que Condon consegue revelar a sua pior característica: a breguice. Sem a base do desenho, o diretor realmente se perde nas três novas canções, "Days In The Sun", "Montmartre" e "Evermore". Essas derrapadas do diretor são cruéis porque as canções são boas e funcionam melhor quando escutadas isoladamente, sem a encenação.
Há também problemas rasteiros de montagem por conta de Condon confundir que não está dirigindo uma peça da Broadway, mas sim um filme. Ao menos três números musicais se encerram com cortes para o preto e logo depois apresentando cenas em espaços completamente diferentes. Isso consegue te tirar completamente da atmosfera do filme. A ação também é bastante infeliz ao se perder em um tom infantiloide que ameniza toda a sequência da invasão dos camponeses no castelo ou beiram o risível como a cena na qual Maurice foge de uma alcateia de lobos. Outras cenas antológicas como a da biblioteca, também causam estranhamento pela escolha equivocada da decupagem.
Enfim, o que mais estranha em A Bela e a Fera é o quão vazia está obra é. Há certo estranhamento que pode ser totalmente subjetivo, mas falta certo quê de magia tão presente na animação que raramente aparece aqui. É triste, pois é uma história que possui muitíssimo potencial. Esse estranhamento pode ser gerado por muitos elementos distrativos e um deles certamente é a atuação medíocre de Emma Watson como Bela.
Mesmo que Watson não consiga atingir as notas de Paige O’Hara, dubladora original, a cantoria é afinada e boa. Entretanto, em termos de expressividade, Watson passa longe de acertar o tom e essa culpa também recai no diretor. A atriz canta muitas vezes com os braços contidos ao corpo, nunca expandindo ou explorando seus gestos como forma de libertação durante as canções. As poucas vezes que arrisca, copia a movimentação da versão animada da personagem.
Sua interação com os objetos virtuais também deixa a desejar com olhares vazios que realmente revelam que não há nada ali. O melhor exemplo é seu primeiro encontro com Zip em uma estranha troca de plano e contraplano. Com Fera, o mesmo ocorre, até mesmo durante a bela valsa. A maquiagem virtual deixa bastante a desejar assim como todos os efeitos aplicados no personagem de rosto, por incrível que pareça, bastante humanizado.
Em contraponto da apatia de Watson, Dan Stevens oferece um show como Fera. Uma pena que devido a tantas barrigas e cenas desnecessárias, seu tempo de tela seja tão rápido – sua presença no desenho é maior por conta da curta duração da obra. Ele sim consegue se comunicar através de olhares irados que se acalmam conforme se apaixona pela moça tanto que o número musical de Something There só funciona graças a pureza de seu desempenho.
Luke Evans e Josh Gad também estão ótimos como Gaston e LeFou capturando a canastrice e inocência apaixonada, respectivamente, com perfeição. Porém, no setor de dublagem há outro jogo de extremos. Ian McKellen consegue tornar Horloge uma figura ainda mais pesada e presente do que ela já era. Emma Thompson faz Madame Samovar com a mesma doçura de outrora. Porém, o irreconhecível Ewan McGregor transita entre momentos excepcionais e abissais com Lumiere. Por vezes acerta o sotaque, outras, uma entonação latina-francesa surge.
O principal problema com os objetos e móveis também recaem no design de produção realista. Enquanto os animadores acertam com Zip e Lumiere – único personagem encantado que conta com uma figura humanoide, Horloge possui uma movimentação travada e um tanto bizarra, assim como Madame Samovar que apenas é um bule com um rosto sem graça estampado. Por conta dessa abordagem, a maioria deles é extremamente rígida perdendo o encanto de antes – isso é justificado no enredo, mas não deixa de ser uma decisão ruim.
Fantasmas do Passado
A nova versão de A Bela e a Fera tem grandes chances de ser um sucesso financeiro. Entretanto, é uma pena que a qualidade apresentada aqui seja tão irregular. A escolha dúbia de Condon em conduzir um projeto importante foi confirmada com o que vimos em tela. Há diversos problemas e as passagens inéditas que visam justificar a existência desse filme acabam por prejudicá-lo consideravelmente.
O elenco e parte do design de produção, além da força da história adaptada pela animação compensam uma ida ao cinema. Alan Menken, um dos gênios musicais da Disney, inclusive prepara arranjos totalmente novos para suas composições que logo vão completar três décadas – uma pena que não haja a presença da ótima Human Again. As mensagens sobre não julgar as pessoas pela aparência, amor pleno, inteligência e coragem também são transmitidas com clareza – até mesmo explícita com alguns diálogos sobre a monstruosidade dos normais ante a gentileza da Fera.
É recomendado apenas não esperar uma estupenda transformação aqui. A lembrança da animação berra a cada instante tornando impossível não comprar uma obra com outra. E acredite, a nostalgia não agregará em nada para uma obra que consegue ser bastante vazia. É difícil entender a existência desse filme quando justamente sua maior força somente é encontrada nas encenações do desenho. Portanto, para se maravilhar com A Bela e a Fera, só é preciso revisitar o clássico de 1991 na prateleira mais próxima.
A Bela e a Fera (The Beauty and the Beast, EUA – 2017)
Direção: Bill Condon
Roteiro: Steven Chbosky, Evan Spiliotopoulos
Elenco: Emma Watson, Dan Stevens, Luke Evans, Josh Gad, Kevin Kline, Hattie Morahan, Haydn Gwynne, Ewan McGregor, Ian McKellen, Emma Thompson, Stanley Tucci, Audra McDonald, Nathan Mack
Gênero: Contos de Fada, Fantasia, Romance, Musical
Duração: 129 minutos.
Os Melhores Games de Mundo Aberto dessa Geração (Até Agora)
Desde o anúncio da sétima geração de consoles, uma coisa fora martelada incansavelmente: as produtoras queriam dizer adeus a linearidade de jogos de outrora. Era nítido desde os primeiros títulos como Infamous: Second Son que as coisas mudariam bastante tanto que hoje há certa saturação de jogos em mundo aberto no mercado. Só nesse ano, essa lista de melhores deve expandir com a chegada de títulos como Mass Effect: Andromeda, Ghost Recon: Wildlands, Zelda: Breath of the Wild, Shadow of War, God of War 4, Days Gone, Crackdown 3, Spider Man, Red Dead Redemption, entre outros (citei tudo isso para provar meu ponto sobre os games sandbox).
Obviamente, assim como em todos os mercados, certos produtos se destacam muito mais do que outros. Por isso, listamos os dez melhores jogos que baseiam sua fundação e universo em mundos abertos estupendos prontos para a exploração.
10. Infamous: Second Son
Um dos primeiros exclusivos de peso a chegar para o PS4 também é um dos melhores games de mundo aberto dessa geração. Infamous sempre foi uma série que priorizava bastante a forma de como o personagem interagia com a cidade, principalmente no que tange a locomoção.
Second Son apresenta o herói Delsin, um conduit que consegue manipular fumaça, rochas e neon. Mantendo a raiz da franquia, Delsin usa seus poderes a todo o momento para se locomover mais rapidamente entre pontos da cidade. Sempre exibindo o poderio de partículas, iluminação e estilo visual que o jogo propõe. A cidade é viva e reage conforme o herói faz suas proezas. O mapa que recria Seattle é sensacional e oferece uma quantidade satisfatória de coisas para fazer.
9. Forza Horizon 3
Esse game praticamente é um dos melhores dessa geração. O game de corrida feito para todos pelo Turn 10 é simplesmente apaixonante. Um dos mais visualmente impactantes, Forza Horizon 3 se passa na Austrália e suas diversas regiões: seja no Outback ou na gloriosa cidade de Sidney. O game merece figurar nessa lista por permitir um grau de exploração muito vasto e recompensador.
Estimulando o gamer a vasculhar os arredores para encontrar carros novos e desafios, FH 3 estende seu tempo de vida para muitas horas além das fornecidas pela divertidíssima campanha. Mesmo que não seja possível sair do carro, é muito gratificante navegar pelo extenso território realizando saltos, rachas, torneios ou acumulando milhares de dólares com multas de limite de velocidade.
8. Metal Gear Solid V: The Phantom Pain
O tão aguardado retorno de Big Boss pode ter deixado bastante gente bastante encucada com a aposta de Kojima em situar a ação em um mapa de mundo aberto pela primeira vez na história da franquia. O resultado é uma verdadeira diversão, apesar dos problemas concentrados na segunda metade do jogo que nos obriga a repetir alguma missões da primeira parte. Entretanto, esse pequeno entrave não se compara as horas e horas de divertimento proporcionado ao invadirmos bases e admirarmos a completa beleza gráfica proporcionada pela Fox Engine. "De todos os jogos mundo aberto, o open world do MGSV: TPP tem um propósito bem específico, ele tem motivos para estar da forma que está, as bases e missões são bem planejadas além de ser um dos jogos mais díficeis da geração." (Guilheme Oliveira Machado)
7. Far Cry 4 e Far Cry Primal
Ambos utilizam o mesmo mapa praticamente, apesar das diferenças entre relevo, fauna, flora e clima. As duas versões do mapa trazem a mesma grande variedade que marcam os jogos Far Cry desde sua terceira edição. A exploração é recompensada através das atividades de eliminação dos campos inimigos, além de sempre oferecer uma estrutura de abordagens diversificada para as missões de história. O mundo oferece bastante coisa para fazer e é um dos melhores para ter contato com a natureza selvagem. Marca a presença por saber dosar tão bem a exploração recompensadora quanto a ação dos tiroteios.
6. Batman: Arkham Knight
O final épico da trilogia Arkham da Rocksteady marca pela estética fabulosa de Gotham. Permitindo a exploração de diversos locais icônicos da mitologia do herói, é surpreendente notar o esforço do estúdio em criar ambientes externos e internos nos mínimos detalhes. Outra grande diversão é correr na cidade com o batmóvel enquanto “atropelamos” alguns bandidos que tocam o terror nos bairros sitiados. Oferecendo uma gama inacreditável de opções de jogo como perseguir um serial killer, resolver pendências com Azrael, completar as corridas do Charada, caçar vilões fujões e aproveitar a fantástica história principal, Arkham Knight merece ser lembrado em qualquer lista que julgue os melhores games de mundo aberto da História.
5. Dying Light
Aproveitando um conceito um tanto mal aplicado em Dead Island, Dying Light consegue trazer o terror e caos de um ambiente de mundo aberto completamente dominado por zumbis. As muitas missões de fetch podem cansar em algum minuto, porém o mapa é um verdadeiro parque de diversões com muitas missões e desafios para completar. Inclusive, esse é um dos poucos títulos que o ciclo dia/noite muda totalmente sua noção de gameplay já que as criaturas ficam mais perigosas. Além da diversão em estraçalhar zumbis, o game é em 1ª pessoa com mecânicas de movimentação inspiradas em parkour o que torna muita das perseguições e a própria natureza da movimentação do jogador em uma experiência única.
4. Assassin’s Creed IV: Black Flag
Mesmo sendo um dos títulos da semana inicial de lançamento dos consoles, Black Flag é um jogo que ainda não envelheceu nada. A graça de seu mapa aberto supera a dos dois novos jogos AC com facilidade. Poder explorar o oceano atlântico visitando diversas ilhas caribenhas é um enorme prazer. Além de contar uma história bem extensa, Black Flag traz inúmeras atividades complementares e coletáveis para incentivar a exploração total de seu mapa e de seus mares com batalhas navais estupendas.
3. Horizon: Zero Dawn
Mal saiu e já é excelente desse jeito, acredite. A aventura com Aloy no enorme mapa de Horizon é memorável. Aprimorando mecânicas de diversos outros jogos, o game consegue ter uma pegada familiar, além de conseguir imprimir sua própria marca com a temática tribal tecnológica espetacular. Também contando com muitas atividades como dungeons, eliminação de acampamentos inimigos, caçar e dominar os animais-robôs, Horizon segue forte para ser um dos jogos que marcam a geração. É um manjar para os olhos, viciante e muito divertido.
2. Grand Theft Auto V
Tá certo que GTA V pertence mais a geração anterior do que nesta, porém o update com a possibilidade de jogar em 1ª pessoa praticamente renova o game com outras esferas de realismo.
“Grand Theft Auto V é sem sombra de dúvida um dos melhores jogos em mundo aberto já feito. O jogo se passa no estado fictício chamado de San Andreas, onde ficam as cidades Los Santos, North Chumashe, Paleto Bay e Sandy Shores. O jogador pode ir livremente para qualquer uma dessas cidades e explorar elas, o jogo oferece vários estabelecimentos para o jogador ir desde lojas de armas a cinemas, onde realmente estão passando filmes. O jogo é basicamente livre para se fazer tudo, como roubar, comprar e melhorar carros, matar e procurar animais espalhados pelos mapas, participar de corridas, roubar veículos militares na base do exército, são infinitas as possibilidades que o jogo lhe proporciona com seu extenso mapa, e por isso ele é tão bom. Um jogo que com certeza demorará para ser esquecido. ” (Ayrton Magalhães)
Basicamente, é possível fazer de tudo e mais um pouco. É a experiência definitiva em sandbox de jogos baseados na contemporaneidade, além de oferecer um olhar muito cínico sobre a realidade que vivemos hoje: narcisismo, vícios, violência, etc.
1. The Witcher 3
É difícil superar The Witcher 3 até nas listas de melhores games da geração. A obra-prima da CD Projekt Red é um arrasa quarteirão espetacular que merece ser lembrado por diversas gerações de jogadores por vir. O mundo é extremamente vasto que permite a melhor exploração já vista em jogos do gênero. Primeiro porque sua proposta não é falha. Fazer as missões secundária fornece verdadeiro prazer ao jogador por conta da recompensa em termos de história. Toda missão consegue conquistar sua curiosidade a ponto de a concluirmos para saber do desfecho que quase sempre satisfaz.
Além das missões secundárias, há verdadeiros jogos de caçadas e investigações excelentes e outras atividades de miscelênea para completar – como conseguir conquistar os corações de cortesãs. Também não dá para esquecer a maravilha que é jogar Gwent, gastando horas e horas em um jogo dentro de um jogo. É difícil encontrar algo para falar mal desse game. Seu único defeito acontece quando ele acaba. Logo, merece o topo da nossa lista. Se ainda não jogou, jogue, pois é impossível se arrepender dessa experiência fabulosa marcada por The Witcher 3.
Outros games ótimos e muito divertidos também merecem entrar nessa lista como Fallout 4 e Final Fantasy XV, porém estes foram os que mais chamaram nossa atenção até agora. Com todos os citados logo no começo dessa lista, muito em breve as coisas devem mudar por aqui até chegarmos a uma definitiva do fim dessa sétima geração – isso se ainda existir essa divisão no futuro graças a chegada do Projetc Scorpio no fim do ano. Gostaram? Deixe sua lista de favoritos nos comentários!
Fora da Competição: Dragon Age: Inquisition
Um dos jogos mais viciantes da geração também conta com um belo sistema sandbox. Apesar de não ser um mundo 100% interligado, as áreas destinadas para a exploração free roam são consideravelmente grandes, permitindo a realização de sidequests variadas, além de caçar os famigerados e perigosos dragões. O mundo era diverso e muito belo com diversos ambientes de florestas, desertos e montanhas geladas. Porém, como não se trata de um jogo verdadeiramente de mundo aberto, vale somente a lembrança de um ótimo game na nossa lista.
Artigo | Dicas de como conseguir a melhor armadura e dominar todos os robôs em Horizon: Zero Dawn
Confira nossa lista com 10 dicas para dominar o game!
Horizon: Zero Dawn ainda rende muito pano para manga. Nossa lista de dicas se tornou uma campeã de acessos e, por conta disso, decidi fazer esse guia muito rápido e curtinho para novos jogadores aprenderem como pegar a melhor armadura do jogo, além de entenderem como funciona a expansão de criaturas disponíveis para hackear.
O GamesRadar fez um vídeo excepcional de guia para encontrar todas as baterias necessárias exigidas para abrir o portão onde a armadura Shield Weaver está localizada. São necessárias dez baterias ao todo para ativar o puzzle que abre as duas portas até chegarmos na armadura. Elas estão espalhadas em cantos ligeiramente escondidos em algumas das fases que passamos ao decorrer da história do game. Porém, a última bateria só estará disponível durante a penúltima missão da história.
O esforço para conseguir a armadura certamente é justificado: ela te torna invulnerável a todo tipo de dano dos inimigos. Certamente é uma ótima ajuda para conquistar os Caldeirões, as dungeons que, após dominadas, permitem a conversão de robôs mais poderosos.
Os Caldeirões não são mencionados diretamente e tão pouco o game te orienta a descobri-los. São 4, no total. O mais difícil deles é dominado pelo Eclipse e por robôs corrompidos então certamente é melhor deixa-lo por último. Os outros, apesar de difíceis contando com chefes como Tirânico, Bocarra e um cuspidor de fogo. Confira como passar das dungeons no vídeo abaixo:
Coisa simples né? Recomendo fazer ao menos o caldeirão mais fácil, do chefe cuspidor de fogo, para converter os Dentes Serrados, um dos aliados mais poderosos do game. Depois, é possível fechar a história e conquistar a melhor armadura do jogo para fechar todos os caldeirões.
Crítica | Kong: A Ilha da Caveira
Não demorou muito para que 2017 trouxesse seu primeiríssimo blockbusters dirigido por um nome vindo diretamente do cinema indie: Jordan Vogt-Roberts, cineasta que trouxe Reis do Verão para as telonas. A aposta da Warner foi mais correta e adequada do que seu experimento com Godzilla e Gareth Edwards. Roberts, apenas em seu segundo filme na carreira, consegue trazer nova vida ao macaco favorito, já quase centenário, dos cinemas.
Desde 2005, fazia tempo que Kong não retornava para os cinemas. O diferencial de Kong: A Ilha da Caveira é trazer uma história inédita para erguer o universo compartilhado dos kaijus que a Warner pretende trazer nos próximos anos. Mas será que a nova história consegue fazer jus ao nome antológico do macaco? Afinal, o que há de realmente novo para ser dito sobre King Kong?
A história nos traz o cientista Bill Randa, fundador da Monarch, uma subdivisão governamental de mapeamento de território desconhecido. Depois de conseguir, a muito custo, o financiamento necessário para explorar sua nova descoberta: a Ilha da Caveira, o cientista arranja escolta militar de veteranos da guerra do Vietnã, além de recrutar outros estudiosos para pesquisar a ilha. Enquanto todos navegam em direção ao desconhecido, Randa tem conhecimento que existe algo muito tenebroso e gigantesco habitando o lugar.
Apocalypse Kong
A proposta do argumento de John Gatins desenvolvido no roteiro de Gilroy, Borenstein e Connolly é bem óbvia: incutir atmosfera e sentimento para a Ilha da Caveira e Kong. Com competência a referência base chega ao espectador sem a menor poluição. O roteiro traz diversos momentos que buscam mimetizar algumas cenas do clássico de Coppola além de conversar de modo inteligente com situações icônicas da história original de King Kong.
São momentos diversos como a apresentação do personagem James Conrad, um mercenário escondido em Saigon, ao desbravamento dos helicópteros invadindo e bombardeando a ilha e, o mais óbvio, a semelhança da situação que se encontra um sobrevivente na ilha, Hank Marlow, interpretado vividamente por John C. Reilly.
Em seus méritos originais, os roteiristas elaboram mensagens bem superficiais anti-guerra, do embate entre o homem e a natureza ou discursos políticos pouco pertinentes ao conteúdo mostrado em tela como uma boa metáfora de como criamos nossos inimigos através das próprias ações equivocadas destrutivas. Dentre todas as tentativas falhas de tornar a obra politicamente relevante, apenas as poderosas imagens de destruição contra o ecossistema e a natureza tem seu devido valor graças aos esforços do diretor e sua câmera.
De narrativa, trata-se da grande jornada em direção ao desconhecido. Assim como a maioria dos filmes de monstro, o núcleo humano decepciona. É compreensível que haja tantos personagens para que haja maior entretenimento nas cenas de ação (mais gente morrendo de diversas formas possíveis), porém, impressiona como o tratamento para absolutamente todos eles é deveras vazio, quando não tosco
Muitos se baseiam na força do carisma do ator como Tom Hiddleston, Toby Kebbell e John Goodman. Nem mesmo o relacionamento ou conexão forçada entre a personagem riponga de Brie Larson com Kong funciona – clara alusão ao romance improvável inerente a figura do gorila.
Boa parte dos núcleos são preenchidos por personagens estereotipados: os militares preconceituosos e burros, o sargento que busca vingar todos os homens mortos por Kong, a fotógrafa de “humanas”, o líder, o nerd, o militar esquisitão que toma ações inesperadas, etc. Mesmo personagens que até tenham certo potencial como Bill Randa são esquecidos e desperdiçados pela narrativa.
Então, o que raios funciona no roteiro de Kong: A Ilha da Caveira? Na verdade, tudo. É um texto básico, mas totalmente fiel à proposta estabelecida aqui. Não há o que exigir num blockbuster de monstro como esse, apenas coerência narrativa e nada que realmente ofenda a inteligência de quem assiste.
Tirando alguns diálogos pavorosos, exposições cheias de preguiça para explicar certos pontos nem tão óbvios para o espectador, um momento horroroso de monologo para o pior personagem do filme interpretado por um cansado Samuel L. Jackson, eliminações arbitrárias de personagens vazios e a insistência em um recurso dramático sobre uma carta de um soldado para o filho – Dear Billy... é um porre e você vai sentir isso também, além do alivio cômico insuportável vindo do soldado Brooks, o roteiro é orgânico e satisfatório.
Porém, é inegável que além da presença de C. Reilly, o texto encontra sua força através de Kong, sua relação com a ilha que revela um inteligente jogo sobre ecossistema que define o conflito principal da obra e das novas criaturas que infernizam a vida dos humanos. O macaco é bastante presente na trama longe de ser aquela chatice sem fim que Edwards fez com Godzilla em 2014. Entretanto, boa parte de seu curto desenvolvimento vem pelos méritos da potência visual aplicada na direção de Roberts.
Assinatura Monstruosa
Imagine você ser chamado para dirigir um longa que carregue enormes expectativas, além de muitos milhões de dólares, com apenas uma obra no currículo? É um frio na barriga que já atingiu diversos nomes que agora fazer partem da indústria. Desses todos novos diretores que surgiram nos últimos quatro anos, Jordan Vogt-Roberts talvez seja um dos mais promissores deles.
O motivo é muito simples: Kong: A Ilha da Caveira é um dos blockbusters menos engessados dos últimos anos. Mesmo contando com um roteiro simples e raso, Roberts transforma a narrativa desse longa em uma viagem extremamente divertida. Já nos primeiros segundos de projeção é possível perceber a tão falada paixão que ele carrega por videogames. Estes, influenciam muitos momentos do filme de modo orgânico.
Roberts consegue encaixar planos e encenações clássicas da linguagem de games de aventura e shooters na gramática visual como planos de ponto de vista dos soldados atirando em aranhas gigantes. As referências são diversas, mas há muita presença de Battlefield, Turok e até mesmo, Shadow of the Colossus. É algo que certamente dá um vigor de encenação estupendo trazendo uma ação bastante inventiva e menos manjada, mesmo que não chegue a ser uma revolução de linguagem.
Não somente os games guiam a decupagem e encenação de Roberts. O diretor busca muitas referências de filmes de guerra dos anos 1970, conseguindo conversar com diversos deles em momentos cruciais como a primeira batalha de Kong contra os humanos viajando em helicópteros. É uma sequência fantástica que tira o filme de certo marasmo provocado pelos minutos iniciais, apesar dos esforços do diretor em tornar mesmo as cenas mais realistas em algo completamente cinematográfico repletos de cores e esquemas de iluminação mais criativos.
De modo geral, Apocalypse Now também guia diversas enquadramentos, principalmente os que seguem o grupo quando embarcam em um bote para atravessar os rios da ilha. Temos o grande sol amarelo em poente ou nascente nas diversas imagens, além de imbuir significados excelentes como o plano em contraluz que apresenta o gigantesco Kong encobrindo a estrela indicando sua superioridade, seu reinado máximo. Também é fácil perceber influências do cinema japonês de Kurosawa e da linguagem dos westerns. Características inteligentes que mantém boas interações com a carga cinematográfica do espectador.
Roberts sempre traz elementos criativos para elaborar as ótimas cenas de ação que conseguem envolver o espectador com competência. Absolutamente nenhuma chega a ser parecida com a anterior. Seja com o uso de coqueiros, motores de barco, machetes ou flashs fotográficos, cada sequência tem um traço excepcional, além de situações fotográficas muito interessantes trazidas pelo sempre competente Larry Fong – tome como exemplo as cenas do ataque no cemitério e durante o último embate entre Kong e os soldados. Aliás, elogio a escolha de mascarar as imagens com grãos gordos para simular o efeito da imagem viva dos longas filmados em 1970.
Muito da ação funciona devido a boa proposta do filme. É o Kong mais gigantesco da franquia, mais alto que montanhas. Porém, mesmo enorme, o macaco é ágil, assim como os lagartos Skull Crawlers que aterrorizam todas as criaturas da ilha. Ainda assim, tudo que é apresentado é muito crível, pois toda a velocidade da luta entre os monstros é adequada. Um pouco lenta, mas também nem tão acelerada.
Toby Kebbel acerta em cheio ao criar os gestos e expressões faciais de Kong. Os movimentos colossais conferem certa elegância a criatura que realmente consegue nos deixar embasbacados por tamanha a proeza do departamento de efeitos visuais por sua construção estupenda. É através dos poucos momentos que acompanham o macaco realizando algumas trivialidades como limpar suas feridas após uma batalha, bebendo água e almoçando que o personagem é desenvolvido.
Nesses ligeiros momentos, Roberts organiza um esquema de enquadramentos que conferem a magnitude de escala do bicho comparado a ilha e aos pequeninos humanos. Acredite, dimensionar de modo tão eficaz como Roberts fez, é algo bastante difícil, ainda mais contando com o uso intenso de efeitos visuais – portanto, assistir ao filme em uma sala IMAX é uma tremenda diversão.
Ainda comentando sobre a ação, Roberts utiliza alguns slow motions extremamente felizes em suas inserções, oferecendo a contemplação necessária para atribuir o quão bad ass é a porradaria entre os monstros. Outra grande força de Kong: A Ilha da Caveira é o design de produção. Tanto dos cenários interessantes quanto das novas criaturas que rendem momentos verdadeiramente violentos com mutilações e empalamentos para um filme de censura baixa. Também destaco o design deste Kong que foge bastante da sua versão clássica de gorila gigante. Aqui, o símio está muito próximo de ser uma livre adaptação do homem-de-neandertal e pode causar certa estranheza.
Mesmo acertando tanto com a encenação, o poder visual capaz de desenvolver seus personagens quando o texto falha, no ritmo da montagem que consegue criar até mesmo piadas, além de acertar o tom despretensioso da fita, Roberts comete certos pequenos equívocos. Esses, se concentram no exagero de planos para elaborar uma ação. Às vezes, o diretor joga diversos planos que emporcalham a encenação geral, que até mesmo tentam forçar alguma piada sem-graça como uma envolvendo um boneco do Nixon. Incomoda consideravelmente, mas rapidamente o diretor se livra desses vícios.
Vida Longa ao Rei
Conseguindo trazer o blockbusters de verão mais divertido agora, a Warner acertou em cheio com Kong: A Ilha da Caveira. É bastante reconfortante saber que existem nomes novos que conseguem trazer uma experiência excelente cinematográfica sem apostar em elementos engessados que tanto insistem em persistir.
Até mesmo no departamento musical saímos impressionados com trilhas licenciadas e da própria música original de Henry Jackman que visa homenagear as composições clássicas dos filmes antigos sobre essas criaturas que estão renascendo no entretenimento audiovisual.
Quem apostar seu divertimento com Kong, dificilmente sairá decepcionado, pois o que há de melhor nesse filme é justamente o que ele promete e cumpre: porrada visceral entre criaturas colossais com direito a um visual refinadíssimo.
Há uma cena pós-créditos importante para entender o que a Warner pretende trazer nos próximos anos.
Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, EUA – 2017)
Direção: Jordan Vogt-Roberts
Roteiro: Dan Gilroy, Max Borenstein, Derek Connolly, John Gatins
Elenco: John Goodman, Brie Larson, Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, John C. Reilly, Corey Hawkins, Toby Kebbell, John Ortiz, Tian Jing
Gênero: Ação, Aventura, Monstro
Duração: 118 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=VU-m5T6wBzY
Crítica | Silêncio (2016)
Existem projetos e projetos no ramo cinematográfico. Porém, há distinções na intenção de suas realizações. A primeira e mais comum é a necessidade do estúdio gerar lucro com um blockbuster eficiente como boa parte das produções da Disney. Essas movem o mercado e geram a renda para os projetos secundários que quase nunca revertem lucro após realizados. São os chamados filmes de “Oscar” que subdivisões dos estúdios trabalham para agregar premiações em diversos festivais e prestígio, além de ser um excelente chamariz para novos talentos que, em algum momento, participarão dos projetos blockbusters tão carentes de nomes relevantes atualmente.
Entretanto, nesse mercado maluco, existe uma terceira natureza de projeto. Essa que quase sempre é oito ou oitenta: ou traz desgraça ou traz glória. Se tratam dos filmes mais pessoais do realizador. Aqueles que demoram uma vida inteira para produzir exorcizando seus demônios em forma de arte. A Chegada é assim para Eric Heisserer, Portal do Paraíso foi assim para Michael Cimino, O Comboio do Medo é assim para William Friedkin.
Silêncio é assim para Martin Scorsese, marcando a sua segunda obra máxima sobre religião e espiritualidade – A Última Tentação de Cristo foi a primeira.
Eu Rezo, Mas Estou Perdido
O livro de Shosaku Endô é uma das obras máximas da literatura mundial. E mesmo assim, é desconhecida por muitos. A adaptação escrita por Scorsese e Jay Cocks felizmente pode tirar Silêncio do silêncio.
Acompanhamos a jornada suicida de uma dupla de padres, Rodrigues e Garupe, em busca de seu antigo mentor, padre Ferreira, que estava em campanha de catequese durante o xogunato Tokugawa em seu pior momento: pós-rebelião Shimabara, uma revolta social que resultou na perseguição e execução de diversos recém-cristãos devotos e padres imigrantes residentes em Nagasaki. A partir de uma carta há anos enviada para a Ordem Jesuíta, Ferreira avisa que está perdendo suas forças e relata os horrores que viu, indicando que seu futuro pode ser tenebroso. Com o destino tão incerto quanto, Rodrigues e Garupe partem ao Japão.
Para entender Silêncio, é preciso compreender a importância que a religiosidade recebe em diversos filmes de Scorsese, descendente de italianos e profundamente católico. Aqui, a abordagem é bastante diferenciada e, apesar de ser uma narrativa linear e de fácil compreensão geral, a escrita do filme é extremamente densa e corajosa – lembre-se, não se trata de um filme ordinário de indústria.
O alicerce de Silêncio está nos grandes monólogos praticados em diversas narrações over do padre Sebastião Rodrigues, o protagonista do qual acompanhamos integralmente seu ponto de vista. Logo, o filme se estrutura em dois pontos-chave: trabalho e sacrifício.
O primeiro é concentrado na chegada dos padres ao Japão tendo imediato contato com um vilarejo católico perdido e cheio de fiéis amedrontados. Já é partir desse momento que temos conflitos genuínos sobre fé, prática e do medo da perseguição religiosa. Cenas singelas que mostram os miseráveis camponeses reunindo o pouco de comida para os padres que se esquecem de rezar antes de comer dada as circunstâncias da viagem e de uma realidade completamente oposta a que viviam anteriormente.
É a partir da dor e sacrifício que passam a entender o verdadeiro significado do amor ao próximo e da fé. Logo, Scorsese trabalha certa desconstrução do passado desses personagens que nunca provaram o verdadeiro pão que o diabo amassou. As condições para a catequese são mais que adversas e os roteiristas elaboram fielmente uma rotina completamente paranoica para incutir o medo que os fiéis sentem também nos protagonistas. É algo sublime que funciona apenas com a encenação muito bem aplicada de Scorsese.
Silêncio é um filme de poucos diálogos, mas mesmo assim é fácil denotar o desenvolvimento dos outros personagens que não se confessam para o espectador – apenas o protagonista tem o direito da narração over que relata as memórias. Rapidamente, Garupe passa a questionar sua fé por conta de sua rotina miserável. Esses diálogos entre os dois tendem a ser repetitivos e, de certa forma, demonstram o quão estranhamente trabalhado é o coadjuvante.
Garupe serve como o contraponto da fé inquestionável de Rodrigues e contribui para começar a desenvolver os conflitos internos do protagonista. Então, decerto, Garupe é o coadjuvante perfeito, porém é uma pena que os roteiristas invistam tão pouco a ponto do padre ser uma figura completamente pálida ante aos outros coadjuvantes japoneses, católicos e perseguidores. Logo, de algum modo, Garupe é um dos elos mais fracos do filme, apesar da performance muito humana de Adam Driver que apresenta um misto de emoções entre amor e ódio. É perceptível que a dúvida sobre a divindade e a fé é muito mais presente em Garupe que se torna rico e interessante graças ao ator.
O roteiro é bem trabalhado a ponto de contar com um clímax perturbador para esse primeiro segmento. E é a partir desse momento que Rodrigues começa a crescer significativamente como protagonista, pois o pouco conforto que lhe restava é completamente destruído. Aqui, o personagem suplica para Deus por providência e é justamente nisso que o roteiro de Scorsese passa de ótimo para genial.
A Fé Esmagada
Após o protagonista sofrer o primeiro abalo e compreender o quão horrível é o sacrifício e a perseguição religiosa no Japão, Scorsese passa a trabalhar com a ironia e a crueldade. Rodrigues passa a ser um homem quebrado, no limite da loucura, implorando por sinais ou milagres.
Nesses momentos – alguns belíssimos como o qual Rodrigues enxerga o reflexo de Cristo em uma poça de água, rapidamente algo de muito ruim acontece com ele ou com a pessoa que ele tenta salvar através de suas orações que nunca encontram respostas. A graça justamente se encontra no contraste imediato, mas não somente este: e sim como as duas partes são bastante opostas.
Enquanto a chegada dos padres oferece uma libertação aos cristãos convertidos, possibilidade de redenção, remissão dos pecados, resgate de dignidade, coragem de viver e direito a existência, o segundo ato praticamente esmaga tudo o que representava Rodrigues e sua fé.
Nisso, a narração over passa a ter um caráter muito interessante: torna-se confissões de Rodrigues para o espectador. Sempre colocando em dúvida sua função, do silêncio divino, de seu propósito e da razão de tanta violência. O embate trava-se rapidamente após a captura e cárcere de Rodrigues pela inquisição budista japonesa – há aqui um bom parelho com a história entre Jesus e Judas.
Os diálogos entre as duas partes discutem incessantemente sobre a fé tentando forçar Rodrigues a se tornar um apostata – alguém que renega sua religião, ao pisar em um símbolo sagrado. E, por incrível que possa parecer, Silêncio sustenta firmemente seus longos minutos restantes apenas com esse ótimo conflito.
A redundância e a violência das torturas físicas e psicológicas das quais Rodrigues passa, faz parte do discurso que Scorsese quer construir: sobre o amor ao próximo e o amor a Deus acima de todas as coisas. São várias as situações que os japoneses criam para tentar quebrar o espírito do padre tornando todo o enorme dilema de Rodrigues algo verdadeiramente único nessa obra. É absolutamente intrigante e poderoso.
O que também ajuda a sustentar toda essa segunda metade até o clímax é o relacionamento de Rodrigues com o problemático guia Kichijiro, provavelmente o personagem mais rico de todo o filme. Seria uma pena abordar a natureza de seu conflito, mas é bastante sombrio pelos erros do passado que também envolviam a perseguição da inquisição. A relação entre os dois é rica justamente por elas se espelharem tão perfeitamente: o dilema do passado traumático de Kichijiro é o mesmo que Rodrigues enfrentará até o fim da narrativa, e como as escolhas tomadas pelos dois homens tem uma profunda diferença de índole e natureza.
É algo verdadeiramente excepcional. Outro grande personagem é o grande inquisidor Inoue pela assombrosa atuação de Issei Ogata. Scorsese acerta em cheio com a figura contrastante entre o poder e a importância do personagem com a estatura diminuta e decrépita criada por Ogata, além da dicção frouxa, engraçada, para debochar a todo momento de Rodrigues.
É através do conflito de ideias entre o inquisidor com o Rodrigues que Scorsese consegue criar um dos melhores retratos sobre religião e cristianismo. A exposição sobre a crença budista é clara como água, assim como a motivação para a perseguição que os cristãos sofrem a todo momento.
Os Demônios de Scorsese
Não é raro alguém dizer que tal pessoa exorcizou seus demônios através de um feito. É exatamente isso que ocorre com Scorsese e sua direção em Silêncio, completamente esnobado por diversas premiações e festivais.
Como o roteiro é bastante singelo se movendo lentamente através da digestão completa de um conflito complexo, é preciso que Silêncio tenha um poderio visual formidável para completar as lacunas deixadas pela falta de diálogos ou por uma confissão mais simples do protagonista.
Scorsese pavimenta sua encenação a partir do ponto de vista e estado emocional do personagem. A câmera é basicamente uma extensão do espírito de Rodrigues. Portanto, no começo, em Macau, durante o fervor da expectativa em reencontrar seu antigo mentor, a encenação é efervescente trazendo movimentos de câmera majestosos aliadas a muita movimentação de figurantes realizando diversas ações. É absolutamente cheio de vida.
Entretanto, no momento que os padres pisam no Japão, Scorsese muda completamente as regras do jogo que perduram até o final do filme. Os planos são um tanto mais afastados, apenas se aproximando em momentos extremamente íntimos para valorizar a expressão dos atores, a efervescência de outrora dá lugar ao silêncio de planos parados voltados para uma contemplação quase sagrada da natureza de todo o lugar – isso tem um propósito narrativo belo.
O poder visual não fica somente restrito apenas na contemplação. A belíssima fotografia de Rodrigo Prieto define com exatidão, através de suas cores ora mortas, ora vibrantes, todo o ambiente desolador, sujo e precário que os dois jesuítas vivem em primeiro momento. Esse contraste de exibir cores podres para retratar ações belas se inverte no segundo segmento repleto de cores vivas, vibrantes, com ambientes totalmente iluminados para ilustrar ações perversas e cruéis.
Nisso, a ironia maior do filme inteiro se fortifica: se Deus existe, por que Ele dá conforto, condições e bonança para o meu inimigo quando nós fiéis provamos do pior que o homem pode infligir ao outro? O uso constante de neblinas não permitindo ver um palmo a frente dos personagens também colabora para o constante estado de dúvida dos dois jesuítas. Apesar de praticar o cristianismo naquele momento, sua fé não está fortificada.
Com a imagem conseguindo suprir muito bem ao nutrir o texto, temos então o tão falado silêncio, peça primordial deste filme. Scorsese procura trabalhar o silêncio de muitas formas figurativas e literais. Temos o silêncio provocado pelo medo, luto, culpa, tristeza, depressão, pesar. Temos o silêncio do sagrado, da gratidão, do alívio, da remissão dos pecados, da reflexão religiosa e da própria oração. E, enfim, há o silêncio de Deus em não atender aos pedidos incessantes de Rodrigues pela libertação dos cristãos japoneses submetidos às torturas da inquisição – o protagonista é uma grande figura messiânica na obra.
Toda essa questão é resolvida de modo estarrecedor e belo, pois é completamente inesperada e nem vale entrar no mérito de analisa-la aqui, pois estragaria a fantástica experiência. Esse silêncio é trabalhado também pela trilha musical experimental do casal Kluge. A música em Silêncio funciona como uma ambiência trazendo sons de grilos, pássaros, do farfalhar das folhas ou das ondas quebrando nos corpos dos cristãos.
É algo genial que também elabora o discurso sobre questões e repostas, Scorsese cria, entre muitas súplicas, só é possível ouvir o barulho provocado pela ambiência que, no fim das contas, não é uma resposta satisfatória para o personagem ou para qualquer um. Trata-se de “silêncio”. Isso é, inclusive, explicado pelo roteiro agregando uma dimensão monstruosa para o trabalho dos músicos que, desse modo, colaboram diretamente para engrandecer a narrativa.
Estou Rezando para o Silêncio?
Através do poder de suas imagens espetaculares, profundamente carregadas de significado, do trabalho sonoro estupendo, do design de produção fidelíssimo e, principalmente, pelo trabalho incansável de seu elenco, Scorsese cria sua obra-prima religiosa.
Muito se deve também ao desempenho assombroso de Andrew Garfield – que deveria ter sido indicado por esse papel. A partir do momento que nos vemos envolvidos com a dor do personagem e de toda sua dúvida, é impossível ficar indiferente aos olhares de desespero e angústia que Garfield nos proporciona. É uma performance totalmente entregue ao personagem.
Porém, infelizmente, o filme me parece ser uma daquelas obras espetaculares que passará debaixo do nariz de muita gente – mesmo contando com o nome de um dos cineastas mais eficientes de sua geração e do cinema atual. O que é uma verdadeira pena. A história da busca dos padres Rodrigues e Garupe em encontrar não somente seu mentor, mas sim Deus, é uma das mais bonitas já adaptadas pelo Cinema.
Silêncio é a demonstração máxima entre os extremos mais opostos de uma pessoa, em especial, de um fiel: a intolerância brutal e o sacrifício em amor ao próximo. É o filme que melhor trabalha a religiosidade como um todo e deverá se manter assim por um bom tempo. Imprescindível.
Silêncio (Silence, EUA, Taiwan, México – 2016)
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Martin Scorsese, Jay Cocks, Shosaku Endo
Elenco: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Ciarán Hinds, Tadanobu Asano, Issei Ogata, Yoshi Oida, Yosuke Kubozuka, Nana Komatsu
Gênero: Drama religioso
Duração: 161 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=PgGZbD7wUIQ&t
Lista | As lutas mais brutais e violentas de Wolverine
Logan traz aos cinemas a versão violenta que todos queriam ver do furioso Wolverine. Mesmo estando longe de seus dias de glória, Wolverine consegue momentos implacáveis no novo filme. Entretanto, quem acompanha o herói há tempos em suas HQs, sabem que sangue e mutilações não faltam em diversas histórias. Aproveitando o clima violento do novo filme que marca a última participação de Hugh Jackman como Wolverine, listamos os momentos mais pesados dentre as diversas lutas memoráveis do Carcaju.
Wolverine vs Justiceiro – Justiceiro #17 (2002)
Essa é uma daquelas que o herói se dá extremamente mal. Escrita pelo insano Garth Ennis, famoso criador de Preacher e outros quadrinhos violentos como The Boys, a história apresenta o clímax de uma parceria improvável entre Logan e Frank Castle.
Castle, tentando liquidar pontas soltas, termina a parceria com Wolverine do modo mais bizarro possível. Após arrancar sua cara com um tiro de escopeta, Castle ainda atira nos joelhos e testículos do mutante. Não satisfeito, ainda passa por cima dele com um rolo compressor.
Garth Ennis e suas Garth Ennizisses...
Ultimate Wolverine vs Hulk – Idem #1 (2005)
Se achava a luta contra o Justiceiro o pior dos dias de Wolverine, está redondamente enganado. Damon Lindelof também teve sua chance de escrever uma história sobre um dos adversários mais formidáveis do Carcaju: o incrível Hulk.
Sempre é ótimo ver essa selvageria nas lutas da dupla, porém, o que distingue esse duelo de todos os demais entre Wolverine e Hulk é a gravidade do ferimento que Logan sofre. Hulk simplesmente parte Wolverine ao meio, jogando suas pernas para longe impossibilitando qualquer regeneração. Para piorar, o quadrinho entrou em hiato após a 2ª edição, uma pausa de 3 anos até o Carcaju reencontrar suas pernas.
Wolverine vs Dentes-de-Sabre – Wolverine Vol. 2 #10 e Wolverine #55
Em termos de miséria e perseguição, Dentes-de-Sabre consegue ser o arqui-inimigo perfeito para Wolverine. Os duelos são muitos e alguns deles, recorrentes em situação.
Depois do vilão matar Silver Fox, uma personagem envolvida romanticamente com Wolverine, decide destruir completamente o físico do herói após deixar seu emocional em frangalhos. Dentes-de-Sabre faz disso uma verdadeira cerimônia anual: arrebenta Wolverine para lembrá-lo da morte da amada e de sua superioridade na luta.
Porém, o tempo passa e os roteiristas também. Depois de anos cumprindo o ritual, Dentes-de-Sabre é capturado e torturado em um complexo dos experimentos da Arma-X o deixando completamente insano e selvagem. Para abater seu arqui-inimigo assim como um animal com superpoderes de cura, Wolverine pega a Murasama e simplesmente corta cabeça e braço de seu arqui-inimigo.
Uma pena que este momento tão memorável não chegou nem perto de ser adaptado em qualquer filme produzido pela Fox.
Wolverine vs X-Men – Wolverine #70
O setting de Velho Logan vem daqui. Até ser forçado a sair da aposentadoria por conta de uns hulks caipiras, Logan se condenava pelo remorso de ter feito o impensável. Enganado por ilusões criados por Mysterio, o herói pensou que a Mansão X sofria ataques de diversos vilões.
Com ódio e sangue quente, Wolverine fez de tudo para defender a casa, matando todos os inimigos. Porém, o que ele realmente estava fazendo era matar todos os mutantes, alunos e amigos, do Instituto Xavier.
Wolverine vs Magneto – Wolverine #75
Wolverine consegue dilacerar muita gente por conta de seu fator de cura e do esqueleto de adamantium. Porém, um dos inimigos que sempre consegue gerar calafrios em Logan é Magneto, justamente por conseguir manipular todo tipo de metal.
Em uma das lutas mais viscerais entre os dois, Magneto perde a paciência e arranca todo o adamantium do corpo do herói. Importante lembrar que Wolverine sente dor, apesar do fator de cura. Então só é possível imaginar a agonia do Carcaju.
Wolverine vs Kitty Pride – Wolverine, Inimigo do Estado
Em uma das melhores HQs do herói, Inimigo do Estado, da ótima linha ‘E se’ da Marvel, Logan sofre uma tremenda lavagem cerebral da Hidra e da Mão. Transformado na máquina de matar perfeita, as organizações criminosas mandam Wolverine matar boa parte dos super-heróis do universo Marvel.
Nesse arco, Wolverine consegue se livrar do Capitão América, Magneto, Mulher Invisível, entre outros. Um dos confrontos mais impressionantes é justamente com Kitty Pride, a Lince Negra. Tentando desacordar Wolverine, Pride atravessa sua mão no crânio dele. Porém, rapidamente, Logan corta o braço dela. O problema é que assim que o braço é desmembrado, imediatamente volta ao normal, tornando o braço de Pride e a cabeça de Logan em uma coisa só.
Wolverine vs Hulk – Velho Logan
Mais uma vez a mente insana de Mark Millar marca presença na lista. Para encerrar com chave ouro, Wolverine é dilacerado e comido pelo Hulk em Velho Logan. Inacreditavelmente, Logan se regenera dentro do estômago da fera e, furioso, decide estripar o Hulk de dentro para fora.
É impossível superar isso.
Crítica | Logan
Obs: há exposição de características importantes sobre os personagens
Uma vida para um personagem. Foi assim que Hugh Jackman se comportou com Wolverine ao longo de nove filmes lançados durante dezessete anos. Uma dedicação ímpar que lhe rendeu uma carreira repleta de papéis importantes em filmes como Os Suspeitos, O Grande Truque, Austrália, Os Miseráveis. Mas tudo começa, de fato, tanto para Jackman quanto para Wolverine, com o pioneiro X-Men: O Filme em 2000. A adaptação que mudou o jogo e deu margem para toda a indústria bilionária que existe hoje.
Em termos de qualidade, a franquia X-Men praticamente se apagava a cada novo filme. Até mesmo longas poderosos como X2 e Primeira Classe passam batido nas listas de melhores do gênero das quais quase sempre discordo integralmente. Faltava em X-Men, um filme que alçasse a franquia para um patamar nunca visto antes, um patamar conquistado não somente por importância história, mas principalmente por qualidade. Não digo que Primeira Classe ou Dias de um Futuro Esquecido sejam medíocres – claramente são longas excepcionais, porém nunca antes houve uma grande unanimidade entre crítica e público para obras da franquia mutante.
Enquanto X-Men dividia opiniões entre altos e baixos muito baixos, outras obras passaram a revolucionar cada vez mais o gênero seja firmando thrillers realistas como O Cavaleiro das Trevas, dramas existenciais como Homem-Aranha 2 e até criando universos compartilhados com o ótimo estreante Homem de Ferro.
Isso agora é história. Com Logan, os X-Men conseguiram mudar o jogo e, com certeza, estará muito bem cotado nos corações nerds até mesmo de quem não é fã do Carcaju. Muito disso vem por sua proposta crua e realista repleta de nuances complexas que todo bom drama deve ter. Assim como Hugh Jackman afirmou em sua coletiva, de fato, Logan não é um filme de super-herói. É algo que aspira ser maior que isto. E consegue.
Inverno da Alma
Em 2029, o mundo já não é mais o mesmo. Os X-Men foram extintos e novos mutantes praticamente já não nascem em uma terra intolerante que só pensa em utilizá-los como poderio militar. Logan, decrépito, alcoólatra e amedrontado, vive como chofer de limusine alugada a qual tem maior valor do que a própria vida do ex-herói. Entre suas corridas noturnas dirigindo para pessoas com vidas melhores que a dele, Logan tem que se preocupar em arranjar remédios e comida para Charles Xavier, completamente debilitado e muito afetado por esclerose e mal de Alzheimer.
Temendo pelo descontrole dos poderes de Xavier, Logan droga o telepata para evitar ataques que resultem na morte de dezenas pessoas. Porém, para quebrar sua rotina maldita, uma jovem mexicana clama para que Wolverine ajude a esconder sua filha, Laura, que também é uma mutante com os mesmos poderes do Carcaju. Sem escolha, Logan acolhe a garota e parte para uma viagem com ela e Xavier em busca de um refúgio. Porém, Donald Pierce, um misterioso vilão, está muito interessado em sequestrar a pequena mutante e fará de tudo para cumprir sua missão.
Ao contrário de Wolverine Imortal, é James Mangold quem elabora o argumento do filme. A inspiração em Velho Logan é bem óbvia para a atmosfera, porém a narrativa é muito mais concentrada em dramas e vícios pessoais. Mangold aborda, com muita competência, temas complexos como paternidade, violência, terceira idade e fracasso pessoal.
Acima da qualidade de sua história, Logan é um filme que se sustenta inteiramente pelo poder construído através das relações entre personagens ou em momentos silenciosos. Aliás, esse é um dos blockbusters mais quietos do ano, apresentando seletos diálogos competentes e muito fortes entre Xavier e Wolverine.
Além das ótimas relações, cada personagem desse filme consegue possuir um drama interno muito forte que revela que os seus maiores inimigos são eles mesmos. Comecemos por Logan, o personagem mais rico de todo o filme.
De certo modo, Mangold consegue frisar elementos do passado do herói, levando em conta suas aventuras passadas e muito de seus fracassos. É impossível não lembrar de Jean Grey e de todo o trauma que ronda a tragédia amorosa a la Shakespeare. Isso torna o personagem muito mais complexo, pois é o inverno de sua vida, o momento de reflexão sobre seu legado.
O roteiro nunca dá alguma explicação razoável de como todo o grupo X-Men e os mutantes foram limados e perseguidos. Esse mistério ajuda a modelar ainda mais esse sentimento de culpa que Logan carrega extravasando através de muita bebida. É nítido que o herói já não sente mais a menor vontade de viver e se mata aos poucos para fugir de seus problemas. Seu fator de cura está completamente debilitado e nem mesmo suas garras de adamantium conseguem ser projetadas de modo adequado. O motivo indicado por esse aspecto tóxico na saúde do herói é bastante cruel e também consegue reviver os traumas de seu passado.
Wolverine talvez seja um dos heróis mais sofridos das HQs e Logan consegue refletir isso com perfeição. Este velho e calejado Logan não foge somente das grandes responsabilidades e do heroísmo. Foge de si mesmo e da violência que marcou sua vida desde a infância. Mangold faz o roteiro conversar muito com Os Imperdoáveis, clássico de Clint Eastwood. Todo o discurso sobre um passado manchado pela violência e o cume das consequências do protagonista conversa brilhantemente com o arco de Bill Munny, o pistoleiro outrora implacável do filme de Eastwood.
Não por coincidência, o discurso de violência e passado recai diretamente em sua relação com Laura. As semelhanças são mais do que óbvias: a menina é um Wolverine recém-liberto do experimento da Arma-X. Logo, funciona como uma personificação completa das assombrações de seu passado. A garota reflete o espírito selvagem violento que agora Logan vê como prejudicial. Sua aversão a ela não passa de uma projeção do ódio e decepção que sente consigo mesmo. E com o surgimento dela, é preciso que Logan volte a ser o homem honrado que era antes. Algo difícil de retornar depois de tantos anos de ócio, depressão e fuga.
Detalhe: isso tudo é depreendido pela clareza cinematográfica que Logan é. O grosso e as sutilezas dessas relações se encontram somente no visual. Mostre, não conte. Isso é levado bastante a sério por James Mangold e só pela capacidade de transmitir toda essa riqueza sem o menor diálogo melodramático, Logan já está no panteão do gênero.
Porém, agora quebrando a lógica do texto, aproveito para comentar um dos míseros defeitos que o roteiro de Logan possui. Estranhamente, para situar os espectadores sobre o passado e circunstância de Laura, Mangold e seus roteiristas inserem um vídeo “amador” repleto de exposição barata nada condizente com a atmosfera inteligente e introspectiva apresentada até então. Felizmente, apesar dessa passagem ser muito rasteira, o filme retoma sua qualidade investindo em mais camadas através das relações do trio protagonista.
O inverno da alma, do luto e do remorso não são centrados apenas em Logan. Xavier sofre e amarga em seus últimos anos de vida. Novamente, a memória preservada do personagem é evocada e entra em completo contraste com o que vemos. Xavier, assim como Logan, tem atitudes que visam certo escapismo de sua realidade – algo sempre muito dúbio por conta de sua demência.
Mangold consegue oferecer um estudo valioso sobre a terceira idade com este retrato de Xavier. Sobre abandono, dificuldade de locomoção, de ser indesejado, da inacessibilidade dos remédios, viver na tristeza completamente sem perspectiva. O poderio visual é importante, porém os diálogos delineiam essas características com mais acuidade. São momentos poderosíssimos capazes de te deprimir ferrenhamente. Em um dos mais impactantes, Xavier explode e grita que todos só esperam que ele morra de uma vez.
O homem que mais preza por suas fundações, agora lida com a morte completa do seu sonho X-Men. Novamente, a interação com Laura provoca um renascimento para o sonho há longo tempo adormecido do telepata. Um dos acertos do roteiro é justamente o contraste entre o entusiasmo de Xavier contra o desprezo de Logan para com a garota.
A 23ª Arma
Com Laura, o desenvolvimento também é bem-feito. Mangold mantém a personagem calada até o terceiro ato do filme quando enfim há um desenvolvimento apropriado com Logan que assume, enfim, sua relação paternal com a garota. Porém o desempenho de Dafne Keen é tão surpreendente que é possível decifrar e compreender a personagem apenas pelos olhares de ódio e ternura que a atriz distribui. Uma presença de cena tão fantástica que coloca todo o amado elenco-mirim de Stranger Things no chinelo.
Além disso, assim como todos os outros heróis do filme, ela possui um enorme conflito interno em conseguir encontrar seu lugar no mundo, um propósito – uma recorrente nos filmes X-Men. É algo belo que também é satisfatoriamente apresentado entre as ações e conversas com Wolverine – uma pena que isso ocorra tão brevemente no pior ato do filme. A personagem é tão marcante que certamente seria um desperdício a Fox não continuar apostando em Dafne Keen e sua X-23.
Até mesmo com Caliban, o único mutante que vive no esconderijo com Xavier e Logan, tem seus bons momentos, além de um conflito interno genuíno sobre o uso de seus poderes. Porém, uma maldição do gênero ainda persiste em Logan. Mangold e os roteiristas falham em conseguir cativar um bom núcleo antagonista.
O carniceiro Donald Pierce apenas se sustenta pela excelente atuação de Boyd Holbrook, pois o personagem é deveras superficial. O mesmo acontece com Dr. Rice – pelo menos, os roteiristas quebram o clichê durante um monólogo para vomitar exposição barata. E, para piorar, o vilão que propõe o desafio máximo para Wolverine – o qual não irei revelar, é uma daquelas derrapadas mambembe que os filmes X-Men quase sempre proporcionam.
Embora traga maior dinamismo de ação e melhores coreografias de lutas, o inimigo é uma ideia bastante estapafúrdia. Porém, ainda assim, rende dois elementos simbológicos especiais. O primeiro se trata da personificação completa da luta que Wolverine tem com ele mesmo. A segunda, aborda a destruição mútua de figuras importantes em suas vidas.
Heróis na Estrada
A estrutura do roteiro de Logan é devidamente simples: trata-se de um bom road movie como Pquena Miss Sunshine, Thelma & Louise entre outros. Como havia dito, realmente as características únicas sobre os personagens e as nuances dos conflitos bem elaborados praticamente eclipsam a qualidade da história. Basicamente, as circunstâncias dos poderes debilitados e da perseguição modelam a progressão da narrativa.
Algo recorrente que também é apenas mostrado, nunca contado, é a vida amaldiçoada de Wolverine. Não importa o que ele faça, onde ele vá, sempre alguém irá persegui-lo e destruir a paz que nunca esteve presente em sua história. Novamente, é um momento forte. Outras passagens da história abordam aspectos de “gente como a gente”. Pausas para aproveitar uma refeição, comprar roupas, assistir a um filme – no caso, a importância de Os Brutos Também Amam é primordial para compreender a mensagem do longa: a violência e suas consequências. Outra jogada inteligente é usar de modo muito pertinente à trama, as HQs originais do grupo – no caso, a comic que aparece em tela, foi escrita especialmente para Logan.
Os problemas da narrativa surgem mesmo com o fraquíssimo terceiro ato e de um clímax não muito inspirado. Os roteiristas elaboram uma curva estranha que remete muito a Mad Max: Na Cúpula do Trovão. Os personagens introduzidos também são fracos, pouco marcantes. Mesmo assim, algumas boas ideias surgem aqui e ali prestando homenagens muito delicadas para a franquia original.
Uma Última Vez
Escrever sobre Logan e não comentar da atuação magnifíca de Hugh Jackman seria uma afronta. Jackman consegue entregar a melhor performance de sua carreira aqui. Mescla diversos momentos que mostram o que há de pior e de melhor no personagem. Essa mistura de amor e ódio tornam Logan um dos personagens mais apaixonantes do gênero até então.
Finalmente é possível ver, em detalhes, o lado humano do Carcaju. De seus cuidados com Xavier, da divisão da dor dos sonhos frustrados. Fora isso, Jackman tem um empenho muito sólido em manter o estado de saúde debilitado e das expressões faciais que indicam a depressão e exaustão revelando o completo desprezo com a própria vida.
Jackman mantém crises de tremedeira nas mãos sempre feridas, anda um tanto curvado, está lento e pesado. A atenção aos detalhes é minuciosa para favorecer a proposta de um Wolverine completamente vulnerável. Quando o personagem se machuca feio em alguma luta, Jackman se comporta como alguém realmente ferido. Seja mancando ou apertando com as mãos os lugares mais mutilados de seu corpo.
Porém, é absurdo dizer que apenas Hugh Jackman dá um show em Logan. Também marcando sua última participação como Professor Xavier, Patrick Stewart está absolutamente impecável. A sua abordagem para um Xavier em plena decadência entrará nas listas das melhores atuações em filmes do gênero. Stewart transmite uma pureza de sentimos que raramente vimos dentre tantos lançamentos. Bastante atrofiado e limitado a cadeira de rodas, Stewart modela o terror e medo que este Xavier sente de si mesmo, além de carregar um semblante de alguém que não está em paz. O lado mais leve de sua atuação surge justamente quando os personagens caem na estrada.
Ali, Stewart passa a apostar em pequenos momentos brilhantes como a satisfação de dominar seus poderes por um momento breve ou pelo carinho que sente por Laura.
O Ouro de Mangold
Sem sombra de dúvida, James Mangold se superou em Logan. Conhecido por criar ótimas atmosferas visuais como em Os Indomáveis, Identidade e Wolverine Imortal, o diretor revisita sua paixão pelo western aqui.
Logan é um filme que mistura gêneros a partir de suas proezas visuais e de encenação. A mistura, claramente é do faroeste com o road movie. Essa impressão do faroeste é imediata. Mangold trabalha com diversos enquadramentos clássicos do gênero como planos americanos ou emoldurando, parcialmente, figuras na profundidade de campo destacando uma mão mecânica repousando na cintura.
De certo modo, não há muito o que falar sobre a qualidade da direção de Mangold. Logan é um filme desenhado com cuidado em sua encenação. Não fosse o trabalho muito eficiente da decupagem, a maioria dos conflitos internos que dependem somente do visual para funcionar seriam completamente vazios. Felizmente, tudo é claro como água. Esse elemento de Mangold conseguir extrair o melhor de seu elenco, principalmente de Dafne Keen, merece ser destacado.
Em termos de simbologia visual, Logan é um filme apenas satisfatório e não brilhante como poderia ter sido. Mangold consegue passar a atmosfera dura, seca e sem esperanças do terreno árido e desorganizado onde Logan vive escondido. O diretor é muito preocupado em calcar essa obra em um cenário bastante cru e realista de cores acinzentadas e beges tão bem fotografadas pelo cinematografo John Mathieson. Logo, toda aquela inventividade visual dos filmes X-Men é basicamente ignorada. Pela proposta do filme, é algo bastante adequado, além de Mangold apostar bastante em planos contemplativos que exploram a intimidade do herói pela primeira vez.
Um detalhe muito interessante é o local onde o protagonista encontra Laura pela primeira vez: Liberty Motel. O sinal luminoso da Estátua da Liberdade faz uma referência bela ao primeiro filme do grupo, além de servir como foreshadowing para a importância que Laura terá para esta narrativa: virar um símbolo de libertação e liberdade. Não somente para ela, mas para Logan também.
Porém, acima de tudo isto, por incrível que pareça, há grande expectativa para a abordagem da violência neste filme. Pois então, é impossível ficar decepcionado, pois Mangold finalmente entrega o Wolverine que todos queríamos ver: implacável. Há tanto mortes bastante gráficas quanto outras mutilações disfarçadas pela montagem. A violência e o gore são absolutamente necessários para adequar o drama e a vulnerabilidade que Logan propõe, edifica o drama do filme. Algumas são realmente chocantes, principalmente as que envolvem Laura durante algumas perseguições.
Adequando atmosfera, tom, atuações, visual, música e encenação, Mangold comete algum equívoco? Sim, principalmente no apressado final do filme. A estranheza da diferença de tom é explícita, além de Mangold recorrer em excesso a diversas elipses para apressar ainda mais a conclusão da história. Apesar de ser um defeito consideravelmente grave, o diretor fundamenta tão bem a sua obra que consegue uma das proezas mais dignas que um cineasta pode almejar: provocar reações emocionadas muito genuínas do espectador.
Sim, é óbvio, Logan é um filme emocionante que já se inicia em clima de despedida. A emoção não vem apenas por marcar um final definitivo para este Wolverine de Jackman, mas sim pelo fato de uma compreensão tão marcante sobre os personagens extremamente humanizados.
Eu, Logan
Hugh Jackman, James Mangold e a Fox arriscaram com Logan. Diria que muito mais do que o proposto em Deadpool. Não temos um filme explosivo com diversas peças de ação, seu tom é depressivo, além de apostar no drama inspirado entre seus personagens. Em um gênero quase inteiro hegemonizado por filmes esquecíveis que sempre se tornam as “melhores” obras do gênero quando lançadas, ir na contramão disso seria suicídio em mãos menos capazes.
Felizmente, Logan é algo muito acima de tudo isto. É um filme que marca e oferece um fim muito digno para dois atores que eternizaram seus personagens no cinema. A obra consegue transcender sua mensagem. Assim como o objeto de seu discurso, é impossível ignorar a presença marcante que Logan se torna ao término da sessão.
Logan (Logan, EUA – 2017)
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Scott Frank, Michael Green
Elenco Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Elizabeth Rodriguez, Richard Grant, Eriq La Salle, Elise Neal
Gênero: Drama, Ação, Road Movie
Duração: 137 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=RWSuAC9CYxo
Crítica | A Grande Muralha
Zhang Yimou é um dos maiores realizadores cinematográficos deste planeta. Isso é um fato. O consagrado diretor coleciona sucessos como O Clã das Adagas Voadoras, Herói, A Flor do Oriente, entre outros. Sem perder tempo e visando o massivo mercado chinês, a Universal convidou o cineasta para dirigir um blockbusters praticamente encomendado para a China, A Grande Muralha.
O épico de guerra acompanha a história de uma dupla de guerreiros, William e Tovar, que tentam a sorte nos desertos do oriente em busca de uma invenção mortal: a pólvora. Fugindo de ladrões, se deparam, por acidente, com a enorme Muralha da China. Entre morrer nas mãos dos perseguidores ante encarar o desconhecido, a dupla decide que é melhor ser capturada pela guarda da Muralha.
Porém, o que não imaginavam é que cairiam por acidente no meio de um confronto milenar entre guerreiros chineses contra uma legião de criaturas mitológicas que tentam quebrar a barreira da Muralha a todo custo a cada sessenta anos. Por séculos, os ataques continuaram repelidos, porém, desta vez, as criaturas estão mais inteligentes. Sem escolha, William e Tovar entram na batalha contra os monstros na tentativa de salvar o mundo.
Como o Oriente Venceu
Apesar de ser uma produção americana, em maioria, A Grande Muralha tem características muito enfáticas do cinema chinês no gênero de filmes kung-fu. Essa identidade cultural certamente é refletida no trabalho dos diálogos escritos no tratamento do roteiro idealizado por seis cabeças – todas ocidentais. No caso, a inspiração pode ter saído pela culatra.
Em filmes antigos de kung-fu ou wuxia do cinema chinês dos anos 1950 persistindo até hoje, o trabalho com os diálogos sempre fora literal e muito cafona – apesar de ser uma obra-prima, O Tigre e o Dragão de Ang Lee é um exemplo clássico para comprovar essa característica tão peculiar ao cinema chinês.
Esse fato é estranhamente alocado aqui em A Grande Muralha. Por alguma razão, neste wuxia, os diálogos literais e cafonas estão restritos somente ao núcleo ocidental do filme, constituído por três personagens apenas. Enquanto temos diálogos pavorosos entre William e Tovar, interpretados roboticamente por Matt Damon e Pedro Pascal, os personagens chineses conversam com naturalidade e fluidez. Digo isso, pois é impossível não perceber o quanto o trato do texto com os heróis ocidentais é truncado com poucas réplicas e tréplicas que façam sentido.
Em seu argumento, até que a história se sustenta e é interessante – ainda que haja explicações descabidas para justificar a existência dos seres mitológicos. É um filme de batalha medieval bastante pré-formatado. Os seis roteiristas se esforçam pouco em criar um conteúdo original para o exótico local que se passa a ação.
As poucas ideias originais poderiam ser creditadas facilmente para o diretor Zhang Yimou ou para os designers de produção. A principal delas é toda a diferenciação de patentes militares e funções no campo de batalha através dos belíssimos uniformes que exibem cores exuberantes que explodem na tela. Ou também sobre como as criaturas se comportam, além das estratégias militares de ambos os lados.
De resto, o núcleo ocidental inteiro poderia ser facilmente descartado, pois só consegue prejudicar o filme. O protagonista segue um desenvolvimento pífio de tão manjado que é: um arco clássico sobre lealdade e procura de identidade heroica ou um grande destino como um todo que acaba por prejudicar os planos originais de saquear a Muralha e seus tesouros com seu comparsa extremamente irritante – é impressionante o quão artificiais conseguem ser as cenas desses dois discutindo como comadres violentas.
Além dessas besteiradas, há o romance clássico de lei que não pode faltar nessas produções – mesmo que aqui seja somente pincelado. É bastante bizarro reconhecer que logo um filme de Zhang Yimou tenha esse trabalho deficitário na figura do herói já que em seus longas anteriores, o diretor se preocupava em construir esse arquétipo com precisão e qualidade cirúrgicas.
Enquanto o texto fracassa com os ocidentais, os chineses ganham o merecido destaque, afinal, é um blockbusters encomendado para o mercado deles. A heroína Lin Mae é uma ótima guia para o universo proposto para o filme e pela atuação levada a sério de Tian Jing e de todo o elenco chinês, o senso de urgência nunca sai prejudicado. Até mesmo com Lu Han, novato em filmes desse porte, as coisas saem bem. Seu personagem Peng Yong é facilmente um dos que mais provocam empatia pelo público. Mesmo falando pouco, o ator consegue expressar um medo muito autêntico pelas criaturas conseguindo se destacar entre a multidão. O perigo é real e imediato em A Grande Muralha e essa é sua melhor virtude.
Os orientais introduzem as filosofias de sua cultura e edificam o caráter do herói ocidental demonstrando sacrifício, honra, lealdade, paixão e altruísmo, além da moral do filme inteiro ser um discurso sobre a ganância. A ganância é martelada a todo momento, seja com as aspirações profissionais de um enviado do imperador, da elite chinesa, dos heróis que visam os espólios roubados, dos inimigos que querem tomar o mundo para si, etc. É um embate bem reducionista que jogando cada lado em extremos de luz e ignorância moral que comprova o quão desnecessário são os personagens ocidentais cujos conflitos somente emporcalham o filme. Para o restante dos chineses de destaque, cada personagem tem mini arcos que os distinguem entra a multidão. Nada muito original, mas bastante funcionais.
A Arte da Guerra
Zhang Yimou é uma das mentes brilhantes do cinema chinês. Com talento impecável para o gênero antológico do kung-fu e também do wuxia, consegue fazer nítida diferença em A Grande Muralha, mesmo se valendo de um roteiro tão fraco antagônico a seus filmes anteriores.
Yimou começa mal com uma perseguição de cavalos e outros cortes rápidos durante um acampamento noturno, mas assim que o filme firma seus pés na Grande Muralha, as coisas se transformam.
O brilho desse filme realmente são as fantásticas cenas de batalha que, embora não possuam muita lógica quando pensadas na completa extensão da muralha, são de deixar qualquer um boquiaberto. A construção de cena para a primeira batalha (que também é a melhor), é estupenda. Diversos planos riquíssimos mostram tropas com incontáveis figurantes marchando e se preparando para a luta. Yimou também aposta no mistério da função do esquadrão azul que sobem em pranchas diretamente acima do campo de batalha.
Detalhes de arqueiros, dos atiradores das catapultas escondidas em níveis inferiores da Muralha, de guerreiros de espadas e lanças, etc. Yimou cobre todas as patentes de soldados para conferir um senso único de união, organização e sincronia sobrenaturais para combater as criaturas. Tão logo, já foca no comandante que dispara ordens através do som ritmado dos tambores tão bem incorporados na trilha musical estupenda Ramin Djawadi.
Assim como sabe usar o som para elevar a expectativa que é correspondida com as ótimas coreografias de luta, Yimou também usa momentos silenciosos para gerar ápices de suspense bastante superlativos. Apesar das grandiosas batalhas na Muralha serem curtas e poucas, também há surpresas no clímax do filme que mostram uma quantidade massiva de criaturas em tela – aliás, os efeitos visuais aqui são formidáveis.
Enquanto Yimou tenta abaixar a brutalidade das lutas quando os humanos são mortos pelos bichos, o mesmo não acontece quando são os demônios que são destroçados, explodidos, mutilados e incendiados. O diretor se preocupa com essa violência e com diferentes abordagens em cada batalha para que o filme nunca se torne repetitivo. Toda vez há alguma novidade fotográfica, estratégica ou de arquitetura para manter a atenção do espectador. E funciona. Apesar das atuações canastronas de Damon e Pascal, A Grande Muralha praticamente nunca perde seu fôlego. Tudo tem a duração adequada que transformam esse filme em uma obra leve, divertida e bastante despretensiosa.
Yimou apenas falha (ou acerta) ao inserir alguns lances totalmente esdrúxulos em algumas pancadarias como um segmento onde Pascal atrai um monstro com movimentos de toureiros. É difícil saber se essa obra se leva a sério ou não por conta de momentos como esse.
Aliás, impossível não comentar uma curiosidade. É interessante ver Yimou embarcando com uma obra que, apesar de ser um wuxia graças aos malabarismos dos bungee jumps sensacionais das lanceiras, não é um filme kung-fu em geral. É um épico de guerra como há muito não se via – desde As Duas Torres e sua maravilhosa batalha do Abismo de Helm.
O Jogo dos Extremos
Em diversos momentos da obra, tentando me decidir se levava o filme a sério ou não, me deparava com o pensamento paradoxal: esse filme é extremamente estúpido, mas também é genial. Buscando na memória recente, consigo afirmar com certa segurança que nunca havia pensado que isso fosse possível além dos gêneros de filmes trash ou spoof. Eis que A Grande Muralha também consegue essa célebre conquista em oscilar entre opostos tão extremados.
Zhang Yimou salva um roteiro medíocre e preguiçoso de jogadas tontas em centrar a trama no ponto de vista ocidental. Salva através de cenas de ação absurdas de belas, bem coreografadas com manejo de câmera ímpar. Entre os muitos pensadores honestos sobre cinema, há uma grande verdade que paira o fazer desta arte: o tesão. Sem a menor sombra de dúvida, A Grande Muralha é uma obra criada pelo tesão em entregar o melhor espetáculo visual possível. E atingiu este nirvana com sucesso.
Obs: se possível, veja em IMAX. O formato faz uma tremenda diferença para o som retumbante e do poderio visual massivo que esse filme possui.
A Grande Muralha (The Great Wall, China, EUA – 2017)
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Carlo Bernard, Doug Miro, Tony Gilroy, Max Brooks, Edward Zwick, Marshal Herskovitz
Elenco: Matt Damon, Pedro Pascal, Tian Jing, Willem Dafoe, Andy Lau, Hanyu Zhang, Lu Han, Kenny Lin, Eddie Peng
Gênero: Wuxia, Ação, Épico Medieval, Guerra,
Duração: 103 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=N7v-7-yCuNw