Crítica | Desventuras em Série - 1ª Temporada

Crítica | Desventuras em Série - 1ª Temporada

Em certos textos, caro leitor, é preciso começar pelo apego tão defenestrado e, talvez, pouco sadio daquela nostalgia que acalora nosso corpo, faz os olhos lacrimejarem enquanto nosso coração praticamente pula para fora do tórax. Uma imagem grotesca de se imaginar, mas sentir nostalgia é algo profundamente mágico. Algo que edifica o caráter de alguém.

O sentimento efêmero é valioso. Pelo menos, eu mesmo nutro tremenda paixão quando ele surge inesperadamente com uma lembrança surpresa ou através do relançamento de um produto que amávamos muito em outra época da vida. Um amor que molda a imaculada lembrança.

Desventuras em Série, a franquia de livros muitíssimo bem-sucedida de Lemony Snicket, é uma das que me causa tal sentimento de uma infância nem muito distante na cronologia, mas que provoca a mais digna das saudades. Não posso dizer por todos, mas pelo menos para mim, esse terrível conto tão deliciosamente escrito, despertou o verdadeiro prazer pela literatura.

Foi justamente através dos diálogos cínicos, irônicos e, muitas vezes, cruéis, que nomes de autores importantes ou de peças literárias tão marcantes em nossa História chegaram até mim. Desventuras em Série foi, é e sempre será um grande abre-alas para jovens mentes sedentas por histórias tão peculiares como a dos irmãos Baudelaire.

Com tanto zelo por esses livros dos quais tive meu primeiro contato aos meus já longevos sete anos de idade, no fatídico ano de 2001, imaginem meu cinismo já influenciado pela leitura quando fiquei sabendo que haveria uma adaptação cinematográfica da tragédia Baudelaire. Embora não fosse a adaptação perfeita que queria, hoje, nutro estima pelo longa que demonstrou soluções inteligentes, criativas e parece ter entendido muito mais a proposta dos livros.

Mal sabia eu que era aquela versão que mais teria meu respeito, enquanto no campo audiovisual, apesar de ter aguardado com boas expectativas para o seriado ordenado pela queridinha da América e da internet, Netflix.

Pois bem, se chegou até aqui após relatos nada pertinentes na expectativa de uma recomendação entusiasmada, uma crítica açucara ou uma daquelas resenhas que apenas oferecem aquela sinopse que todos já estamos cansados de saber, pare de ler agora. Isto está longe de acontecer na experiência que encontrará nessa longa dissertação.

Jogue seu celular no asfalto, dê um murro na tela de seu notebook ou lance seu tablet aos pombos. Esse texto certamente não lhe trará nada além de profunda decepção caso já tenha assistido a essa peça audiovisual e tenha achado a última bolacha do pacote. Infelizmente, lhes informo que o mundo é uma tragédia ou glória graças a esta pluralidade de opiniões – claro que muitas vezes infundadas.

A que você lê nesse exato instante abordará as mazelas, más escolhas, vista grossa, cópias infelizes, mentes anestesiadas, o declínio de um gênio, atuações tiradas diretamente de desenhos Hannah-Barbera e da bizarríssima trilha musical. Por isso, lhes aviso novamente: nesta página só há infortúnio e perturbação caso tenha amado a citada obra. Poupe sua mente e preserve sua alegria. O cotidiano já insiste em afundar nosso espírito a níveis abissais nos jogando no poço do elevador Ersatz.

Há diversos portais, sites ou blogs com opiniões muito mais saltitantes que a minha. Posso lhes recomendar os colegas do Cinematecando ou até mesmo do Plano Crítico, que já fora mais crítico, na minha modesta opinião. Para os que preferem os estrangeiros, torrentes de alegria encontrarão na análise do Entertainment Weekly. Aqui, no Bastidores, há somente esta opinião ranzinza que, embora seja escrita por mim, reflete o sentimento geral de nossa equipe.

Bom, certamente você é insistente. Já que não olhará para longe e se atentará a esse infeliz relato, sem meias palavras. O texto é obviamente longo, afinal há 360 minutos de material para analisarmos!

Portanto, preparem-se. Partiremos para a desventura em série mais ordinária de uma história que celebrava o talento da criatividade inventiva, do gosto pela boa literatura e de alguns dialetos de uma mordedora.

O trabalho dos figurinos é satisfatório, embora o estilo princesa deveras colorido para Violet fuja da proposta original.

Bom Começo

Ironicamente, minha jornada por Desventuras em Série foi deveras agradável. Mais engraçado ainda são as parábolas de Snicket – muito bem interpretado por Patrick Warburton, que muitas vezes parecem ter autoconsciência. Tomemos de exemplo a principal que marca a adaptação de Mau Começo – “melhor do que nada”.

Infelizmente para a criação do seriado desta obra e para a Netflix, os espectadores já possuem algo melhor e mais interessante surgido em 2004 no audiovisual. O que certamente é um caroço no sapato da produtora, pois, em todo momento, as comparações surgem. E, quase sempre, a Netflix perde. Por longa margem.

Algo que é interessante, de primeiro momento, é a boa escolha em adaptar cada livro em dois episódios rendendo obras com durações cinematográficas, apesar de ficarem bem distantes da qualidade de um filme de médio porte de Hollywood. O roteiro é adaptado diretamente por Daniel Handler. Sim, o autor original dos livros disfarçado sob o pseudônimo de Lamony Snicket. É curioso notar que, por vezes, Handler quase atenta contra sua obra ao apostar em certos exageros que tornam sua escrita repetitiva – importante lembrar que o material original não possuía tantas tentativas fracassadas de comédia.

Talvez, o maior equívoco de Handler fique justamente em não saber dosar bem a comédia com drama, afinal Desventuras em Série é uma tragédia de humor negro.

Os episódios de Mau Começo já delineiam muitas coisas que irão se repetir na série inteira, além de dar o primeiro vislumbre do como essa versão se portará na caricatura. Em vez de algo mais original, o diretor Sonnenfeld aposta mesmo em retratos toscos sendo que alguns funcionam como os da Sunny. Já outros, transformam todo o núcleo antagonista em vilões Hannah-Barbera seja de Corrida Maluca ou Scooby-Doo.

A maquiagem em Neil Patrick Harris é um dos pontos mais altos! Ótima caracterização!

Definir se essa tosquice é prejudicial à obra é algo completamente subjetivo. Como este é um artigo de opinião, eu vejo que, sim, é algo que foge bastante de atmosfera proporcionada pelos livros, tanto mais sóbrios e menos ridículos. Quem não consumiu as obras anteriores, é capaz que adore a atmosfera leve do seriado, já quem experimentou outros pontos de vista, possivelmente nem tanto.

Mau Começo são os episódios com o menor dos males, na verdade, pois a dosagem está próxima do correto, ainda que raramente haja quaisquer impactos da perda súbita dos pais dos irmãos Baudelaire. É bizarro apontar isso, mas, estranhamente, os irmãos mal conversam entre si, já que praticamente estão sempre interagindo com outros personagens estúpidos demais como o senhor Poe e tia Josephine ou elaborando planos para escapar das garras de Olaf. Nisso, o drama sai prejudicado no seriado como um todo.

Handler tenta contornar a situação com as inserções da narração de Lemony que ainda permanecem muito criativas e até mesmo com direito a histórias inéditas. Snicket pontua, frisa a tristeza dos Baudelaire e pronto. Não há esse momento de luto, pesando o drama um pouco mais com tantas tragédias que acontecem com os irmãos. Não há lágrimas ou pesar em Desventuras em Série da Netflix – o que é uma verdadeira pena. Uma regra do showbiz que nunca deve ser ignorada: show, don't tell. Handler, por ser do meio literário, talvez ainda precise se adequar ao novo meio.

Já que o drama é falho aqui e na série como um todo, como se sai a comédia? Apesar de medíocre em grande parte graças à caricatura e falta de um texto mais ácido para a televisão, é um elemento que se sobressai. Algumas vezes, boas ideias como a de Sunny jogar pôquer são revertidas em péssimas soluções graças ao uso nefasto de CGI porco – Sunny é quem mais sofre com os péssimos efeitos injustificáveis.

Em suma, Handler ainda consegue nos arrancar boas risadas. O problema é: a cada boa piada, ele ressuscita uma esgotada. Por sorte, ela não tem muita chance de aparecer nos episódios de Serraria Baixo-Astral. Trata-se da inaptidão completa de fornecer tiradas mais interessantes para Olaf. Seja como Olaf, Stephano e ou Sham, Handler escreve o mesmo conceito de humor: o personagem que se trai a todo instante pelas próprias palavras. Isso sempre acontece quando Olaf conversa sobre os órfãos e, acidentalmente, revela seu real interesse neles: a fortuna.

A Sala da Netflix

Enquanto Mau Começo consegue pintar uma boa impressão, os pequenos problemas de outrora tornam-se mais evidentes pela repetição. A Sala dos Répteis ainda mantém um bom padrão de qualidade perto da deplorável adaptação de O Lago das Sanguessugas.

Aasif Mandiv consegue criar um tio Monty interessante e fascinado pelos répteis que cuida. Fez o básico, assim como a dupla Malina Waissman e Louis Hynes como Violet e Klaus – em Serraria Baixo-Astral, há uma nítida melhora na performance de ambos.

A graça da adaptação é que consegue contar de modo competente a história do livro. Nisso, Handler não desaponta no seu teleplay. Para o seriado, ele sabiamente já insere um mistério maior que sonda os Baudelaire e o Conde Olaf envolvendo, obviamente, C.S.C. que ainda não fora mencionada nominalmente. Esse mistério pode ser considerado uma boa faca de dois gumes, pois enquanto lhe mantém interessado sobre do que se trata esse conflito que assombra as narrativas, te provoca decepção por não chegar perto de oferecer algo mais sólido.

É algo para ser trabalhado no decorrer das três temporadas, mas sua inserção já na primeira é de causar estranhamento por alguns motivos. Primeiro, a conspiração maior remove o aspecto intimista de drama familiar, perseguição e abusos que os órfãos sofrem, já que é um elemento distrativo. Ao colocar C.S.C. na 1ª temporada faz com que seu impacto real na narrativa se perca consideravelmente – a sigla só surge no livro quinto e então passa a ser desenvolvida até o final.

Já colocar tio Monty como um membro ativo da sociedade e da inserção da personagem Jacquelyn é algo totalmente subjetivo. A história de Desventuras é forte o suficiente sem a necessidade dessas passagens que se comportam como fillers. Os problemas mais presentes nesses episódios estão concentrados na segunda parte.

É aqui que começamos a ver como Neil Patrick Harris, mesmo se esforçando, parece não conseguir captar bem a essência de conde Olaf – algo que Jim Carrey conseguiu ao modo dele. Desde Mau Começo, Harris praticamente não se movimenta em cena, apostando apenas em alguma variedade de expressões faciais para cada novo personagem que Olaf se disfarça. Harris quase nunca usa seu corpo para favorecer o disfarce como Stephano ou Sham, ficando imóvel em cenas que ele deveria brilhar elevando sua atuação.

Ironicamente, Harris atua como uma estátua um personagem que é ator - mesmo que Olaf seja um péssimo ator. Ser um ator ruim não tem nada a ver com imobilidade ou vozes engraçadinhas. Harris não entendeu isso por boa parte do seriado.

Enquanto há uma boa autonomia de texto entre os Baudelaire e Monty, é vergonhoso ver um diálogo tão escrachado e infantil aparecer durante o jantar entre os quatro e Stephano acerca de entretenimento: cinema vs. televisão. Era para ser piada, mas certamente o recado da Netflix foi dado com bastante soberba.

Um mau momento de solução de roteiro já aparece neste aqui e se repetirá na próxima adaptação: as fugas de conde Olaf.

A Janela Discreta

Definitivamente o ponto mais baixo do seriado se encontra na adaptação de O Lago das Sanguessugas. Embora a história seja basicamente transcrita com alterações que a diminuem, os episódios 5 e 6 são quase insuportáveis pelo exagero do “hannah-barberismo” ou pastiche que absurdamente foge do que havíamos visto até agora.

De supetão, temos o exagero forçado da atuação de Alfre Woodard. A direção deve ter ficado tão apreensiva de repetir o fenomenal desempenho de Meryl Streep que, basicamente, não filtrou as ideias ruins. É difícil elogiar qualquer ponto da atuação de Woodard como Josephine já que basicamente não o há. Fora os bizarríssimos gritos inseridos em momentos inoportunos, a essência da covardia de Josephine praticamente se esvai ao ela se assustar até mesmo com o próprio reflexo. Woodard também não trabalha bem com expressões de medo reforçada por gestos de seu corpo. Aliás, já é redundante afirmar: o elenco inteiro basicamente não se dedica em nada em explorar um pouco mais da teatralidade trazida pelo visual do seriado.

É linguagem básica para os diálogos no pior modelo de esquema televisivo: o de novelão. Os únicos atores que tentam sair desse vício de se portarem como manequins são os integrantes da trupe de Olaf, Don Johson como Senhor e Joan Cusack entregando a melhor atuação como Juíza Strauss. Um belo desperdício de bons nomes. Somente K. Todd Freeman se aproxima de um desempenho tão decepcionante quanto o de Woodard.

Novamente, Harris apenas modifica a voz, apresenta umas caretas novas e não aproveita a oportunidade de brincar mais com as fantasias de Olaf. Os problemas de O Lago das Sanguessugas permeiam bastante coisa, principalmente seu desfecho. Enquanto a dinâmica dos irmãos parece melhorar – principalmente no uso de suas habilidades, algumas alterações de Snicket e diversas barbeiragens visuais do diretor Sonnenfeld conseguem sempre piorar a experiência geral desses episódios.

Apesar de os dois episódios contarem com momentos péssimos, me limitarei a apenas três para ilustrar meu ponto de vista. O primeiro é a representação visual da biblioteca de Josephine que basicamente rasga um conceito originalíssimo da sala oval suspensa com uma enorme janela. No seriado, a wide window fica devendo e muito – basta comparar com as ilustrações originais ou com a concepção visual impecável  proporcionada pelo filme de 2004.

A destruição da casa de Josephine é outro momento que eu gostaria de esquecer. No livro e no filme, o senso de urgência é implacável, além de fornecer outro trabalho em conjunto dos irmãos para se salvar do furacão e da queda da casa. Aqui, Klaus dá piruetas no mesmo lugar (?). É absolutamente brochante ver como o seriado não leva muito à sério as situações mais tensas da obra original. Até mesmo a péssima trilha musical de James Newton Howard atinge um patamar ridículo com melodias que acompanhariam os piores esquetes de galhofas clown - sim, estou falando de Lazytown.

(SPOILER)

O terceiro e o pior momento desse conjunto de episódios, infelizmente é o ataque das sanguessugas e do resgate de Olaf. A morte completamente patética de Josephine perde totalmente a penumbra de incertezas que configura a tragédia da mulher no livro. Handler, numa decisão ruim, também muda a essência da personagem ao fazê-la ter um desenvolvimento desnecessário ao confrontar Olaf. A potência dramática da “tia” dos Baudelaire implorar por sua vida e oferecendo as crianças ao vilão é aterradora. Mostra que os verdadeiros monstros estão por todos os lados.

(FIM DO SPOILER)

Aqui, novamente ocorre a suspensão de descrença enorme exigida pela fuga de Olaf, mais se assemelhando a Scooby-Doo em má fase do que com Desventuras em Série. Handler insiste em usar toda a trupe do Olaf desnecessariamente em A Sala dos Répteis e aqui também. Quando Poe finalmente é confrontado pela verdade de que Sham é Olaf, fica difícil crer que todos os vilões preferem dar no pé em vez de simplesmente matarem o banqueiro e sequestrarem as crianças.

A direção acerta em "pausar" as cenas para inserir os monólogos de Snicket. Ponto alto do seriado.

Seriado Alto-Astral

Após essa queda abissal de qualidade com O Lago das Sanguessugas, o seriado se fortalece com Serraria Baixo-Astral. Talvez justamente por se livrar das inevitáveis comparações com o filme que era infinitamente mais criativo que o seriado. Ou simplesmente porque seria difícil superar a "qualidade" dos anteriores.

Chegado este momento da crítica, é hora de analisar o trabalho geral dos diretores Barry Sonnenfeld, Bo Welch e Mark Palansky. Como Sonnenfeld e Welch são os mais presentes, a maioria das responsabilidades recaem em seus ombros.

Em termos de originalidade, o seriado é uma profunda decepção. Os diretores decidiram copiar o estilo cinematográfico de Wes Anderson a um nível absurdo. Enquanto na estética, há semelhança, Desventuras em Série não possui o menor brilho das obras de Anderson justamente por conta do diretor entender melhor de encenação e atuação que os do seriado.

Enquanto há essa linguagem cinematográfica, a teatralidade da série é morta graças as atuações pálidas e sem graça que não injetam vida ou dinamismo de cena. É subjetivo, mas o seriado tem um ritmo muito chato justamente por conta dessa completa inoperância da direção que parece ter medo de ousar um movimento de câmera mais interessante ou de quebrar um pouco a lógica dos enquadramentos centralizados.

Graças aos enquadramentos similares na obra inteira e na completa falta de contraste da cinematografia pálida de Bernard Couture, Desventuras em Série é uma mesmice visual que só quebrada pela riqueza de detalhes de alguns cenários interessantes como a casa de Olaf e tio Monty, do cinema, dos dormitórios da serraria e do restaurante Palhaço Ansioso. Lembrando que a falta de contraste é algo grave. Mesmo em filmes que se baseiam com esquemas de cores mais monocromáticos, há sim contraste. Basta ver o filme dessa mesma obra que foi tão bem fotografado por Emmanuel Lubezki.

Fora isso, dificilmente dá para comentar mais elementos da direção do trio. Quando tentam inventar algo na encenação, acabam errando e criando um efeito tosco vide os péssimos momentos de O Lago das Sanguessugas. O melhor do trabalho dos diretores está restrito justamente quando não inventam nada e seguem a receita do bolo pré-definida na decupagem. O esquema de cores também sai a la Tim Burton, com leve influência nos enquadramentos. Sonnenfeld também incorpora elementos de Pushing Daisies, uma das séries que dirigiu.

Mas como havia dito, Serraria Baixo-Astral apresenta melhoras significativas e ainda consegue resolver uma ideia que teria sido ruim caso se concretizasse – a boa reviravolta que marca o destino dos personagens de Cobbie Smulders e Wil Arnett. Neil Patrick Harris finalmente passa a utilizar melhor seu corpo ao se travestir de Shirley oferecendo outra gama inexplorada de humor até então. Os irmãos finalmente entram em conflitos que podem destruir o laço familiar entre eles através da hipnose de Georgina Orwell. Apenas um comparsa acompanha Olaf, conferindo o ar original dos livros, além de toda a resolução da relação vilão vs. herói ser mais crível ao conseguir injetar mais tensão no clímax.

Os novos personagens como Senhor, Charles e Georgina Orwell interpretada muito bem por Catherine O’Hara, passam a ser menos paródias dos originais da literatura se comportando de maneira mais realista com um quê de absurda – exatamente como deve ser. Há mais integridade narrativa nesses episódios como um todo os colocando diretamente no rol dos melhores do seriado, além do humor ser mais funcional e inteligente. Os únicos poréns continua mesmo com o uso péssimo de CGI em Sunny que te remove da imersão proposta e da trilha musical de James Newton Howard.

Desventuras em Série

Enfim, caro leitor, termina o relato de alguém que sempre acompanhou com fidelidade cada lançamento dos livros e, agora, das obras variadas deles. Pela minha introdução, realmente achei que ficariam horrorizados, mas creio que consegui desatar esse nó górdio apresentado pela Netflix de modo balanceado.

Apesar de eu não ter gostado de praticamente ¾ da experiência que a série me proporcionou, não afirmo de modo algum que é algo abismal, mas sim desperdiçado. A criatividade ficou restrita à muitas ideias ruins que tentaram fugir da comparação das boas ideias e soluções visuais que o filme empregou em 2004. Em seus pontos altos, estão as participações de Snicket, das diversas referências a elementos dos livros e também da adaptação mais pura da história que tivemos até agora, apesar das derrapadas que mais conferem ar de paródia do que de verdadeiras adaptações.

A jornada dos órfãos Baudelaire sempre fica cada vez mais trágica e injusta ao decorrer dos livros então torço muito para que a produção não tente limitar tanto o drama da tragédia do modo que aconteceu aqui.

É justamente pela tragédia que o autor demonstra o quão poderoso é o espírito de seus personagens diante da corrupção ética e moral, da negligência e da morte violenta de quem mais amam. Por isso que Snicket/Handler tinham conquistado tanto minha atenção na infância. A mensagem edificava e era valiosa cheia de nuances culturais inteligentes de ótimo vocabulário e tons acinzentados de seus personagens. Ver como os Baudelaire não resignavam diante de tanta injustiça e perversidade certamente influenciaram o caráter de quem leu essas desventuras.

Há essa esperança de que os produtores da Netflix pesem menos a mão no pastiche e não entreguem mais um produto tão efêmero, bobo e estéril de fortes mensagens. É de bom tom entender que é possível criar produtos infantis que tocam todas as idades como Handler criou em 1999. Aqui, a Netflix não entendeu isso. É sim um bom seriado para crianças bastante novas nascidas em uma era repleta de blindagens, onde até mesmo a tragédia da perda paterna não é minimamente mensurada apropriadamente em um produto cultural destinado a elas. Diversão, comédia, letargia.

Infelizes de nossos tempos.


Review | Star Wars: The Force Unleashed II

Review | Star Wars: The Force Unleashed II

Obs: contém spoilers do game anterior

Graças ao imenso sucesso de The Force Unleashed, a LucasArts já foi sábia em encaminhar uma sequência que foi lançada dois anos depois da estreia da franquia. Também cercado por hype, Force Unleashed 2 foi um título que prometeu muito e cumpriu muito pouco não conseguindo superar a sombra do primeiro jogo.

A má recepção do último game da LucasArts repercutiu bastante na época do lançamento do game. Entre as principais reclamações da crítica especializada e dos jogadores assíduos, a que mais se destacava em uníssono era: o jogo é curto demais. É de fato é.

The Force Unleashed 2 é um game aquém de seu potencial ao mostrar como a LucasArts trocou os pés pelas mãos em 2010.

Guerras Clônicas?

O roteiro é novamente capitaneado por Haden Blackman, o mesmo autor do primeiro jogo. O objetivo da história é fazer com que ela parece bastante independente da anterior, apesar de não conseguir esse feito integralmente, embora seja difícil se perder no roteiro ainda mais simples deste jogo.

Com toda a certeza, a principal mazela de Force Unleashed 2 é sua história que definiu a pífia duração do jogo – é possível zerar o game em quatro horas. Dessa vez, encarnamos novamente Starkiller. Darth Vader, ainda obstinado a conseguir um aprendiz perfeito que obedeça suas ordens sem questionar a moralidade das missões, “clona” Starkiller através do DNA de seu cadáver.

Testando o clone mais promissor, Vader ordena que Starkiller mate um dróide disfarçado de Juno Eclipse, o interesse romântico do herói no primeiro jogo. Por conta de alguns insights de seu corpo original ou de suas memórias suprimidas, o “clone” de Starkiller não consegue ferir o robô e escapa do confinamento de Vader.

Fugindo de Kamino, o planeta especializado na produção de clones, Starkiller parte em busca de reencontrar General Kota e Juno para redescobrir seu verdadeiro papel na guerra contra o Império.

Se eu falasse que o roteiro praticamente acaba em apenas duas viradas após isso, ficariam incrédulos, mas realmente é o que acontece. Como jogo, Force Unleashed 2 é basicamente um espirro. Um espirro muito divertido.

No storytelling, Force Unleashed 2 é basicamente um fracasso, não conseguindo agregar em absolutamente nada para o ex-cânone de Star Wars. A única discussão que envolve é a desconfiança se Starkiller realmente é um clone ou se ele de fato é o protagonista do jogo anterior que sobreviveu depois da luta contra Darth Sidious.

De resto, muito pouco se salva, apesar da história manter seu interesse aceso. Nunca temos um desenvolvimento nítido para o personagem que basicamente não questiona sua natureza como clone. Não há interesse em descobrir se ele é mesmo o Starkiller original ou algo do tipo. Nem a relação com Vader ou os outros personagens como Kota ou Yoda torna-se memorável. Aliás, Kota vira um personagem irritante por sempre tentar desmotivar o resgate de Juno que basicamente vira um mcguffin descarado para conferir propósito em uma jornada sucateada.

Ainda dividindo a conclusão entre finais bons e ruins, a história de Force Unleashed 2 não consegue nem mesmo se fechar satisfatoriamente recorrendo à pretensão de um terceiro jogo.

Apesar de raquítica, como disse, a história não é detestável, mas se torna basicamente um filler sem nenhum propósito.

Reformas na Força

Se a história falha consideravelmente, a LucasArts ouviu os fãs e reformou bastante a mecânica do jogo em sua sequência. Muita da atmosfera excepcional da física de partículas e colisões foi preservada, mas também diversos elementos foram aprimorados. Jogar The Force Unleashed 2 é uma dádiva de tão fluido que é seu gameplay.

A principal novidade é a mudança no sistema de combos e combate. Dessa vez, Starkiller porta dois sabres de luz tornando o game ainda mais rápido. Podemos misturar alguns poderes da Força para desferir ao longo dos golpes sem quebrar a sequência como usar um empurrão embutido na lâmina ou disparar raios sith através da espada. Com a manutenção da esquiva potencializada pela Força, o combate é extremamente dinâmico. Basicamente se torna o melhor combate de hack n’ slash que já vi em um jogo do tipo.

Os poderes da Força foram igualmente aprimorados. Digamos que eles têm mais “peso” ao serem lançados. Tanto o empurrão quanto o raio e o force grip, o “agarrão”, agora se comportam com mais violência ao interagirem com inimigos e cenário. O raio, em seu último upgrade, consegue incendiar os inimigos, além de iluminar boa parte do cenário. Já o force grip foi consertado significativamente. Agora é mais fácil pegar inimigos e objetos para lançarmos aos ares. Porém, a adição mais fantástica do grip é o massacre dos TIE Fighters que se comprimem até virarem uma bola de aço quando usamos a Força.

O sistema de evolução do personagem também é menos complexo. A árvore de habilidades foi reduzida apenas para aprimorar a Força e seus poderes. O sistema de compra é feito pelos pontos adquiridos ao cumprir objetivos ou destruir oponentes. Para aumentar as barras de vida e força, é preciso pegar alguns holocrons espalhados pelas fases.

Aliás, ainda é preservado, em escala reduzida, a customização de sabres e vestimentas do personagem. A cada nova fase, um figurino novo é desbloqueado e os cristais coloridos – agora com adicionais já embutidos na cor, estão espalhados em holocrons. É possível combinar sabres de duas cores distintas ao mesmo tempo.

Redução a custo de?

Em entrevistas na época, os produtores do game já diziam que teríamos menos oponentes no jogo se comparado ao primeiro título. E realmente é um fato. A redução de inimigos é gritante. Não enfrentamos alienígenas em basicamente momento algum. Os oponentes entram no rodízio de 3 variações de troopers, guardas reais com sabres vermelhos, guardas sensitivos à Força, AT-STs, um andador que dispara foguetes e lança chutes e dois outros andadores que lançam chamas ou vapor de gelo. Basicamente, é isso o que deixa mais evidente o quanto o jogo é repetitivo.

O game não conta com a variação de objetivos presente no 1 e nem com as divertidas caçadas aos Jedi que marcaram tanto as lutas contra chefes de fase. Em termos de game design, The Force Unleashed 2 é uma decepção tremenda também. A LucasArts, atenta a novos modelos de gameplay, tentou conferir vislumbres mais inspirados para o jogo. Uma pena que essas seções mais “roteirizadas” nitidamente inspiradas em Uncharted só aparecem duas vezes e se repetem em mais outras duas, tornando a grande novidade algo absolutamente broxante.

O mesmo acontece com o level design, muito mais empobrecido ante o jogo anterior. A diversidade de cenários não é tão expressiva como antes, já que em diversos momentos é possível notar locais reciclados ao longo do progresso linear das fases. Ao longo do progresso, temos apenas 4 ambientes diferentes sendo que somente 3 são verdadeiramente abertos para a jogatina: Kamino, Cato Neimoidia e a nave Salvation.

Kamino e Neimoidia são os cenários mais interessantes. Kamino é recriada com bastante acuidade fílmica apresentando uma nova dimensão do planeta chuvoso dos clones. Já Neimoidia possui cenários majestosos por conta de ser uma cidade içada aos ares constituída por pontos, arranha-céus e cassinos.

Já nas fases destinadas à Salvation, a direção do jogo toma um rumo inesperado e mais interessante ao fazer o game flertar com a atmosfera de survivor horror como em Dead Space. A atmosfera assustadora é garantida pelo rastro de destruição que acompanhamos na Salvation, além da iluminação ser melhor elaborada, trabalhando com mais sombras e escuridão. É justamente aqui que um dos pontos mais altos do jogo se faz notado: o estupendo design de som.

Os mesmos objetivos, novas texturas

Mesmo assim, com as três mudanças de ares em cada fase, o jogo permanece bastante repetitivo pedindo os mesmos objetivos, sempre. Basicamente, matamos muitos oponentes indo do ponto A para o B, resolvemos um puzzle simples para abrir um portal e retomamos a matança até chegar no chefe de fase. Dessa vez, não é possível percorrer o nível inteiro livremente matando pouquíssimos troopers. A LucasArts corrigiu isso recorrendo aos “portais” que só liberam após limparmos aquela seção da fase. Esse entrave só contribui para deixar mais evidente a repetição massiva em um jogo de somente 4 horas.

O exagero também retorna em The Force Unleashed 2. Em busca do épico, a LucasArts comete os mesmíssimos equívocos de outrora. Somente um dos três chefes de fase tem a duração correta de batalha por conta das mudanças de estratégia que assumimos a cada proporção de dano que o Gorog recebe na arena gladiadora de Neimoidia. É uma luta fascinante e bastante divertida em totalidade.

Porém, as outras duas, contra o Walking Terror, um robô-aranha protegido por escudos, e contra Darth Vader, decepcionam bastante. A primeira, em Salvation, é um porre de ser concluída por conta da burocracia exigida para desativar os escudos do droide. Fora o fato dele lançar os pequenos robozinhos que drenam energia a todo o momento. Com bastante paciência, é possível derrotar o Terror.

Já com Vader, a luta mais intensa do game, o time comete o exato mesmo erro do chefe anterior. A batalha é divertida, em partes, porém muita coisa é comprometida por conta da extensão colossal da luta. É como se os desenvolvedores estendessem ao máximo esses trechos para render alguns minutos a mais para a duração ridícula do jogo.

Com o lorde sith, na primeira metade da luta, temos a insistência em jogar diversos clones não finalizados contra o jogador. Alguns, sensíveis à força, outros que usam sabres – reciclagens de outros oponentes prévios do jogo. Com Vader pulando de plataforma em plataforma, além disso, a luta se torna maçante pela repetição dos elementos: combater clones, jogar tanques em Vader, pular para outra plataforma e, enfim, batalhar contra o vilão. Chato. Repetitivo.

Um precursor visual

Diante de tantas roubadas feitas pela LucasArts em game design e das más escolhas tomadas pelos fatores já expostos, é impressionante a evolução da engine gráfica própria da desenvolvedora entre os dois jogos com apenas 2 anos de diferença.

Não é exagero dizer que Force Unleashed 2 é um dos dez jogos mais belos da geração passada. Aliás, os gráficos conseguem se sustentar até hoje, caso jogue a versão de PC no setting máximo. A riqueza de detalhes, cor e saturação adequada deixam qualquer um fascinado, além das texturas ricas que estampam o mundo do game. Desde aço derretido, roupas molhadas, oscilações nos sabres de luz, na física da chuva reagindo ao vento, cenários e personagens, enfim, é de deixar qualquer um maravilhado.

Essa perfeição técnica realmente consegue dar um grau de imersão e realismo nunca vistos até Star Wars: Battlefront. Nos sentíamos verdadeiramente dentro do universo exuberante de Star Wars. Uma pena que o visual estupendo seja sacrificado por cenários pouco inspirados e reciclados.

A Força Moribunda

Diante do jogo anterior, é bizarro notar o retrocesso deste game que marca o epitáfio da gloriosa LucasArts. Como uma equipe tão criativa que conseguiu realizar um dos melhores jogos da franquia também deu origem a um dos jogos mais decepcionantes de uma geração inteira? Em vez de ser um retorno apaixonado, The Force Unleashed 2 mais pareceu um retorno amargo e obrigatório para dar prosseguimento a um projeto de franquia milionária. Tanto que o terceiro game já estava encaminhado até ser limado com o fechamento da produtora.

De modo algum Force Unleashed 2 é um jogo horroroso ou deplorável. Ele diverte até certo ponto, apresenta melhorias de mecânicas necessárias, além de contar com uma parte técnica exuberante com seus gráficos e desenhos sonoros. Porém, tudo vai por água baixo diante da inacreditável repetição presente em um jogo de míseras quatro horas.

Agora cabe à EA Games em resgatar o saudoso espírito dos jogos da LucasArts. Nada mais propício para este 2017 que promete muitas novidades para a franquia. Uma nova esperança.

Pontos positivos: excelente desenho de som, gráficos de ponta, gameplay fluido excepcional, novo sistema de combos, menus mais intuitivos e rápidos, mudanças interessantes de atmosfera, simplificação da árvore de habilidades, boa dublagem, possibilidade de desmembrar inimigos com golpes de sabres de luz, novos poderes como Jedi mind trick e Jedi Rage, novas texturas e animações para os poderes da Força.

Pontos negativos: inacreditavelmente curto, repetitivo e pouco inspirado, lutas contra chefes se alongam além do necessário, pouca variação de inimigos, intensa reciclagem de cenários, história filler, personagens perdidos que traem sua essência, poucos planetas e cenários, trilha musical inexpressiva, final broxante, bugs ocasionais, versões de consoles e pcs sem todo o conteúdo – versão de Wii tinha fases adicionais e mudanças de estrutura mais interessantes.