Review | The Last Guardian - Uma relíquia dos games

Quando The Last Guardian foi anunciado, você provavelmente não estava na escola, faculdade ou trabalho que está agora. O sucessor espiritual de ICO e Shadow of the Colossus, desenvolvido pelo estúdio Team ICO e liderado pelo diretor Fumito Ueda, foi anunciado em 2009 para o PS3. Após algumas outras aparições e o adiamento para 2011, o jogo sumiu, entrando em um hiato que fez muitas pessoas acreditarem que o jogo tinha sido cancelado nos bastidores da Sony. Mas a esperança é a última que morre, e o último guardião estava apenas esperando o momento certo para ressurgir.

Em 2015, após anos de especulação, The Last Guardian foi novamente anunciado na conferência da Sony na E3, agora como um jogo para o Playstation 4. E após mais 2 anos de espera, finalmente os fãs do estúdio puderam ter a experiência tão aguardada de jogar o sucessor espiritual de ICO e SotC. E será que o resultado fez jus ao tempo de espera?

O menino e seu Trico

Para os iniciantes, The Last Guardian segue os moldes de ICO e SotC no âmbito de sua história. Há pouquíssimo contexto e muito espaço para interpretações. Aqui, o jogador controla um pequeno garoto que acorda preso em uma caverna ao lado de uma gigantesca criatura chamada Trico. O garoto, tal como o jogador, não sabe dizer nos primeiros instantes se a criatura é amigável ou uma ameaça. Após ajudá-la a tirar as correntes que prendiam e alimentá-la com alguns barris luminosos (com uma espécie de substância na qual Trico se alimenta). O garoto e o bicho começam a se entender, e o jogador começa a compreender a jornada que está por vir.

A principal mecânica de The Last Guardian está na dinâmica entre o garoto e Trico. Tal qual a garota em ICO, o gigante de penas é o seu companheiro e a peça para que você consiga resolver os puzzles e avançar nas telas. Trico e sua inteligência artificial são as grandes conquistas do jogo, e talvez um dos motivos por ele ter demorado tanto em seu desenvolvimento. O conceito do fantástico animal é fascinante. Misturando o corpo de um grifo, com penas, bico e patas de galinha, com o comportamento de um cachorro e um gato, Trico é ao mesmo tempo ameaçador e extremamente carismático.

O que faz de Trico uma criatura tão crível é sua inteligência artificial extremamente ousada e fascinante. A criatura se comporta de forma autêntica e imprevisível, não exatamente agindo como o jogador quer, mas do jeito que a sua própria natureza indicar.  Como a relação de um dono com seu animal de estimação, Trico vai gradualmente se tornando mais dócil ao mesmo tempo que o jogador também vai aprendendo como melhor lidar com a criatura. Paciência é fundamental.

Por controlarmos um pequeno garoto em um vasto cenário rodeado por precipícios vertiginosos e ameaças gigantes, a sensação de perigo é muito maior e até mesmo assustadora em alguns momentos. A fragilidade do garoto nos dá uma ótima escala o mundo que o rodeia, tornando a experiência ainda mais épica e imersiva. Ao longo da jornada, a relação do garoto e da criatura vai se aprofundando de uma forma muito bem desenvolvida e em alguns momentos até surpreendente, com revelações ao longo da história que faz você repensar o propósito dos personagens no contexto daquele mundo.

A estrutura do gameplay se consiste em uma dinâmica de puzzle e plataforma, com o ritmo constante de entrar em um local, resolver o quebra-cabeça - que muitas vezes envolve objetos e a física do ambiente - e partir para a próxima área. Há um senso de urgência, com ameaças como os inimigos de armaduras, que podem capturar o garoto e que só podem ser destruídas com a ajuda de Trico, que destrói qualquer soldado que esteja no caminho. Os próprios cenários são também algo que o jogador deve se preocupar, já que a estrutura instável das ruínas das torres e castelos, além do peso de Trico, acabam desabando em certos momentos. Nessas horas, o foco é correr e pular em algum lugar firme antes que o colapso das estruturas levem você junto para o abismo montanhoso.

Sim, a experiência de lidar com Trico é frustrante e pode fazer com que o jogador pense em desistir em alguns momentos, mas é com certa paciência e insistência que a recompensa vai surgindo. O que não se pode dizer de algumas falhas que o jogo apresenta que comprometem consideravelmente a experiência. Como dito no início da análise, The Last Guardian sofreu diversos adiamentos, mudando até de console nesse meio tempo. Problemas internos à parte, o maior culpado desse adiamento dito pelos desenvolvedores foi com a questão técnica do jogo, que por seu ambicioso escopo e a criação da engenhosa inteligência artificial de Trico arriscavam a performance do game no PS3. Infelizmente, isso ainda é visto no PS4, com uma taxa de quadros inconstante e que em alguns momentos afeta até mesmo a jogabilidade, além de bugs na física do jogo, com um sistema de colisão sofrível.

O universo visual de Fumito Ueda

Visualmente o jogo não faz feio e apresenta texturas e efeitos de iluminação sublimes. A direção de arte consegue muito bem equilibrar o cartunesco dos personagens humanos (o garoto do jogo tem um leve efeito cel-shaded implementado em sua pele) e os cenários realistas, além é claro, da criatura Trico, que esbanja a física e texturas do jogo com suas penas afetadas pelos efeitos climáticos do local que se encontra. Sim, se olharmos de perto, o jogo não é o maior avanço técnico do console, mas entrega de forma artisticamente, algo que na história dos games é comprovado ser mais importante para a longevidade de um jogo do que apenas a parte técnica.

Como nos títulos anteriores, Fumito Ueda e o Team ICO mais uma vez apresentam um cuidado na arquitetura e identidade visual que o faz dele único e memorável. O universo compartilhado de todos os jogos do estúdio sempre tiveram alguns elementos visuais em comum (o uso do preto e do azul marinho, a arquitetura e língua emprestada de diversas culturas do mundo, criando um visual familiar mas ao mesmo tempo único, etc), e aqui mais uma vez, o estúdio entrega um belo trabalho nesse aspecto.

E uma experiência tão imersiva não seria nada sem uma trilha sonora à altura, e é um alívio ouvir as belas composições de Takeshi Furukawa, com temas extremamente épicos e emotivos. Com certeza já se encontra no hall das melhores trilhas sonoras de games já produzidas. Ou seja, todos os elementos visuais e sonoros que se tornaram marca registrada do estúdio estão presentes em TLG.

Veredito

Dependendo de quanto tempo o jogador vai precisar para resolver alguns puzzles, The Last Guardian deve durar entre 6 ou 8 horas de gameplay. E ao terminá-lo, a sensação que fica é que estamos jogando um game feito há 6 anos atrás, e isso não é necessariamente algo negativo, muito pelo contrário. A experiência vista no jogo não é encontrada no mundo AAA dos games há anos, sendo quase uma relíquia perdida no tempo. Uma experiência mais simples, mas com uma mensagem  e uma jornada que definitivamente mexem com o jogador.

Você pode até não chorar com o final (tarefa difícil até mesmo para os mais insensíveis), mas ao terminá-lo, a relação de Trico e o pequeno garoto com certeza ficará marcado em sua memória com uma das duplas mais inusitadas e interessantes dos videogames. E sim, o lado negativo de ser um game datado está na parte técnica, com problemas que o tempo não pode arrumar, como bugs na física e um framerate inconstante, além da questão da inteligência artificial de Trico ser algo discutível para o progresso do jogador. Parece clichê falar isso, mas The Last Guardian não é uma viagem tranquila e pode ser muito frustrante, mas que definitivamente valerá a pena para aqueles que se envolverem com o pequeno garoto e a gigantesca criatura.

The Last Guardian não é um jogo perfeito, e muito menos feito para qualquer um. Mas é uma das experiências mais fascinantes e marcantes dos últimos anos. 


Review | Monster Hunter: World - Grandioso em Todos os Sentidos

Um dos aspectos cruciais da elaboração de games é a sua atmosfera - por mais que a obra apresente características similares a outros do mesmo gênero, é imprescindível que ela cause aquela sensação única, traga aquela distinguível identidade exclusiva a ela. Ao longa da história dos games podemos citar incontáveis títulos de destaque que conseguiram fazer isso, seja através de seu gameplay, seu enredo, ou puramente pela construção de seu universo.

Dentro dessa proposta, no entanto, existem exemplos ainda mais particulares de jogos com jogabilidade tão única, tão distinta de todo o restante, que a única maneira de tirar aquela vontade de jogar algo do mesmo estilo é esperando para que o próximo título da franquia (isso se houver continuação) seja lançado. Esse é o caso de Monster Hunter.

A franquia da Capcom teve origens bastante humildes - nascida no Playstation 2, a série demorou a se popularizar no ocidente, apesar de seu grande sucesso no mercado japonês (Monster Hunter Portable 3rd foi o game mais vendido do PSP no Japão, por exemplo). Com o lançamento de Monster Hunter 3, a franquia ganhou um pouco mais de atenção no Oeste, mas foi somente o quarto título da série principal que, de fato, conquistou os jogadores do Ocidente - fruto, claro, de seu lançamento para o popular portátil Nintendo 3DS.

Abertas as portas, a Capcom, naturalmente, não perdeu tempo para explorar o mercado deste lado do mundo e sua grande aposta, certamente, vingou - na data de publicação desta análise, Monster Hunter: World já distribuiu mais de cinco milhões de cópias para as lojas em todo o mundo, criando a necessária comunidade para que o game conte com uma boa sobrevida, que, segundo anúncio da desenvolvedora, será garantida através de constantes updates e conteúdos adicionais gratuitos - mas chegaremos nisso mais tarde.

A ESSÊNCIA DA CAÇADA

Para quem nunca sequer ouviu falar da franquia, Monster Hunter: World, assim como seus predecessores, segue a mais básica das premissas: caçar monstros para obter itens a fim de aprimorar o equipamento do seu personagem - o típico ciclo que tem o loot como principal motor do jogo, não muito diferente de obras como Diablo, ou grande parte dos RPGs por aí. Nesse sentido, a obra é bastante linear e simples - são suas particularidades, no entanto, que a tornam única, nos fazendo enxergá-la como algo extremamente original - particularidades essas que são tantas que precisaremos abordar uma a uma, a fim de poder pintar o retrato desses elementos que dinamiza e torna complexa a simplicidade de suas linhas estruturais.

O primeiro aspecto a ser levado em consideração é que o game tem como foco principal o seu gameplay - parece óbvio por se tratar de um game, mas, especialmente nos dias de hoje, com obras atmosféricas ou adventure games (vide os jogos da Telltale), a jogabilidade em si pode não ser mais o elemento mais importante. Mesmo as missões de história de Monster Hunter: World são estruturadas a fim de apresentar cada monstro em específico, funcionando como um longo, porém divertido, tutorial, que vai se aprofundando em diferentes mecânicas conforme progredimos, isso sem falar, claro, na dificuldade crescente. Dito isso, a obra em questão não tem como objetivo contar uma grande história e sim proporcionar horas e mais horas de jogo em si.

E como funciona tudo isso?

Diferente da maior parte de RPGs, estruturados de maneira que o jogador enfrente criaturas menores para, ocasionalmente, lutar contra um chefe, que, aí sim, oferece um bom desafio, World nos coloca quase que exclusivamente contra o que poderíamos chamar de chefes. São batalhas longas, que exigem táticas diversificadas e que nos levam por diferentes cenários e situações. Existem, sim, outros seres menores que podem ser enfrentados e mortos, mas esses mais estão presentes para o estabelecimento de um mundo vivo, orgânico, do que para dificultar a experiência em si.

Para garantir que fiquemos presos ao jogo, cada uma dessas criaturas maiores se diferenciam não somente através dos seus criativos designs, como na sua movimentação, tipo de dano, habitat, etc. Com inúmeros desses monstros a serem caçados, é garantida a constante renovação da experiência, especialmente quando descobrimos um novo oponente e somos imediatamente compelidos a caçá-lo, não meramente para conseguir os itens após a vitória, como para descobrir como exatamente será a luta em si. Trata-se de um game, portanto, que nos recompensa não apenas através da obtenção de tesouros e afins, como pela própria jogabilidade, pelo desafio, que, por si só, é uma grande diversão.

Já falando do desafio, não posso deixar de ressaltar que Monster Hunter não é exatamente um jogo fácil - sua dificuldade é, sim, crescente, e aqueles que já experimentaram os anteriores da franquia encontrarão maiores desafios após algumas boas horas. Os iniciantes, por outro lado, certamente irão penar para derrotarem suas primeiras criaturas, até que se habituem com as mecânicas singulares da obra, todas arquitetadas para garantir a jogabilidade desafiadora, porém justa.

Dito isso, preciso levantar o ponto citado em minha lista de dicas: esse não é um game hack and slash. Em outras palavras, o objetivo não é fazer grandes combos e derrotar um inimigo rapidamente e, em seguida, outro. É preciso pensar cuidadosamente sobre qual arma utilizar (mais sobre elas posteriormente), sobre o cenário envolvido na caçada, sobre quais as fraquezas do inimigo. Além disso, o combate, o moveset de cada arma deve ser levado em consideração - não foi feito para ser rápido demais a fim de que o jogador simplesmente aperte o mesmo botão incessantemente - os golpes devem ser calculados em tempo e distância, além de direcionados, caso contrário, tudo o que o jogador irá atingir é o ar. Tudo isso faz dessa obra um game que requer muita estratégia e dedicação, não muito diferente dos games da From Software (Demon’s Souls, Dark Souls e Bloodborne) nesse quesito.

O ARSENAL DO CAÇADOR

Entramos, enfim, em um dos grandes elementos motivadores para enfrentarmos cada uma das inúmeras criaturas de Monster Hunter: os equipamentos. Praticamente todas as armas, armaduras e outros itens equipáveis precisam ser construídos utilizando as partes obtidas dos monstros caçados, como já foi citado anteriormente. Esses diversos equipamentos diferenciam-se entre si não apenas em aparência, como na jogabilidade e em propriedades específicas, garantindo um alto teor de customização, que diretamente afeta como será cada combate do jogo.

Comecemos pelas armas. Temos catorze tipos diferentes, cada um com um moveset único, divididas nas categorias: pesadas, leves e técnicas. São essas: espadão, espada longa, espada e escudo, duplas-lâminas, martelo, berrante de caça, lança, lançarma, transmachado, lâmina dínamo, glaive inseto, fuzilarco leve, fuzilarco pesado e arco. Como os próprios nomes já deixam bem claro, a maioria de curta distância, enquanto outras, como o arco, de longa distância, o que por si só já mostra como toda a experiência pode ser diferente dependendo do equipamento utilizado.

Além disso, cada uma altera o foco do combate, entre posturas mais ofensivas, defensivas ou de suporte. A lança, por exemplo, mantém o jogador em um estado mais estático, defendendo dos ataques do inimigo, enquanto o perfura com sua arma. A espada longa, por outro lado, impossibilita o jogador de se defender, sendo imprescindível o uso de esquivas bem calculadas, além de um planejamento maior de quando é necessário atacar. Esperar pelo momento certo é de suma importância nesse jogo. Já armas como a lâmina dínamo ou a glaive inseto requerem um grau maior de dedicação por parte do jogador, para que ele possa se habituar aos comandos e seus estilos singulares, sendo, pois, menos recomendadas para iniciantes, que já terá nas mãos a tarefa de se acostumar com os outros aspectos do gameplay.

A Capcom, no entanto, acertou em cheio ao fazer dessa escolha de armas diretamente ligada à preferência de cada jogador. Não há um tipo melhor do que outro - algumas irão, sim, se sair melhor com determinados monstros, mas nada que não possa ser contrabalanceado pela experiência de cada um. Trata-se de uma distinguível liberdade, que torna o game não só mais livre, como divertido, aumentando não somente o grau de customização, como a forma como o jogo em si dialoga conosco. Aqui não posso deixar de afirmar que todas, sem exceção, são bastante divertidas de se usar - tendo experimentado cada uma delas, posso dizer, com segurança, que a experiência toda se renova com a troca constante de tipos de armas - sim, isso atrasa a progressão, mas esse é uma obra melhor aproveitada quando não se tem pressa.

Aliás, variar entre diferentes armas pode acabar sendo necessário, caso uma criatura esteja dando trabalho demais. Como dito na já mencionada lista de dicas, é recomendável que cada jogador mantenha dois ou três tipos de armas melhoradas em seu arsenal, podendo se adaptar a diferentes situações. Além disso, é recomendável contar com armas de diversos elementos, a fim de explorar melhor as fraquezas de cada monstro, aspecto crucial para melhor resultado nas lutas.

Já falando dos elementos, cada arma traz diferentes árvores de aprimoramento, essas não só as tornam mais poderosas, como garantem danos elementais e mudam a aparência das armas e das animações de dano. Os materiais obtidos para criar uma arma elétrica, por exemplo, podem ser obtidos de criaturas que usam tais elementos em seus ataques. Nesse sentido, Monster Hunter: World é bastante intuitivo, permitindo que o jogador não dependa de guias para criar o que deseja, mesmo quando o item requisitado para o próximo upgrade não é revelado. Claro que se faz necessária aquela dose de observação e que coloquemos nossas cabeças para pensar, mas não é astrofísica, basta sair um pouco daquela zona de conforto na qual fomos colocados pelos extremamente fáceis jogos da atualidade.

Similarmente funcionam as armaduras, que não apresentam a variedade das árvores de aprimoramento, mas contam, cada uma delas, com propriedades e defesas únicas - também dispostas de formas intuitivas. Uma peça de equipamento criada a partir de materiais obtidos de uma criatura de gelo, por exemplo, irá trazer resistência a gelo - por outro lado, suas fraquezas também são trazidas. Dito isso, por mais atraente que seja determinada armadura, é preciso levar em conta seus elementos positivos e negativos perante cada monstro a ser enfrentado. De imediato pode parecer muito de uma vez só, mas nada que não consigamos nos habituar depois de algumas horas de jogo. Além disso, pensando naqueles que priorizam a beleza acima da funcionalidade, os desenvolvedores inseriram a opção de customizar a cor das peças das armaduras mais avançadas, portanto nada de chorar porque seu personagem mais parece que irá desfilar no próximo Carnaval.
Não bastasse isso, diferentes habilidades são ativadas com cada peça de armadura, como maior stamina, ataques mais fortes de determinados elementos, etc. Isso não somente nos faz buscar armaduras específicas que se adequam ao nosso estilo de jogo, como garantem a relevância de cada uma delas. Muitos games tornam obsoletos certos equipamentos por não contarem com defesas fortes - esse não é o caso de World, que assume uma estrutura menos linear, virada para a sinergia e não para o princípio da obsolescência. Combinação é a palavra chave aqui, o que torna o late-game ainda mais atraente, já que começamos a otimizar cada aspecto de nosso personagem, fazendo com que o jogo se renove constantemente, nos prendendo por horas e horas a fio.

Com isso em mente fica bastante claro que a estratégia não se limita à movimentação durante os combates, estende-se para preparação antes de cada um deles, sendo necessário escolher precisamente o que será utilizado em cada caçada. Aqui devo ressaltar que isso faz toda a diferença em relação às criaturas mais avançadas - voltamos, pois, a necessidade do jogador pensar, não apenas sair correndo para o próximo inimigo. Dessa forma, onde muitos enxergam um jogo difícil, vejo apenas uma obra justa, que recompensa aqueles que, de fato, se dedicam - dedicação, essa, que não é sinônimo de desgaste e sim de diversão.

PRESA E PREDADOR

Escolhido todo o equipamento, entramos, enfim, na caçada em si. Não pense, porém, que a escolha adequada de diferentes propriedades irá significar a certeira vitória. Cada monstro é um desafio a ser reconhecido e seus diferentes movimentos e tipos de ataque devem ser levados em conta. Não temos aqui as velhas batalhas de chefe, que trazem aquelas previsíveis animações de ataque e sim combates que diretamente interagem com todo o ambiente em volta.

Enquanto combatemos um uma criatura, outra maior pode acabar aparecendo para lutar com o bichano caçado - já em outras situações, ambos podem se juntar contra você. Isso sem falar na possibilidade do monstro nos derrubar de uma altura considerável - não há dano de queda, mas muda toda a dinâmica da luta, visto que podemos ser levados para um terreno muito menos que favorável. São elementos como esses que tornam cada luta de Monster Hunter: World única - jamais sabemos o que, de fato, pode acontecer e mesmo que lutemos contra a mesma criatura diversas vezes, sentimos como se cada embate fosse diferente um do outro, praticamente eliminando aquela velha sensação de repetitividade do grinding - especialmente quando precisamos daquele material específico que parece nunca cair da criatura.

Nem tudo favorece os monstros caçados, porém. Em cada área do jogo existem inúmeros elementos que podem ser usados ao nosso favor, desde plantas que envenenam quem pisar no líquido que derramam, até rochas gigantescas que podem ser feitas a cair em cima das criaturas. Dessa forma, o jogo nos força a levar em conta tudo o que há em volta no mapa, favorecendo o próprio trabalho dos responsáveis por áreas tão detalhadas - fruto de excelentes world e level designs, que visam manter o diálogo constante entre atmosfera e jogabilidade, criando ambientes interativos, que, de fato, fazem a diferença, seja através de simples aspectos, como a diferença de áreas mais abertas e mais fechadas, ou de detalhes mais minuciosos, como a lama diminuindo o efeito de determinado tipo de ataque.

Isso sem falar na possibilidade de capturarmos as criaturas, ao invés de simplesmente matá-las. De fato, o game nos encoraja a fazer isso, oferecendo mais recompensas pelas capturas. Como sempre, porém, cabe ao jogador escolher qual caminho tomar, exceto em missões específicas que pedem um caminho determinado. Voltamos, pois, àquela sensação de liberdade oferecida pela obra, tão essencial para o funcionamento de sua estrutura não-linear, que, por si só, possibilita o maior engajamento do jogador.

São pontos como esses que diretamente influenciam em quanto tempo permanecemos presos ao game, impedindo que tudo se torne repetitivo, o que acabaria diminuindo nosso interesse. É passada a sensação desse ser, de fato, um jogo completo e não dependente de conteúdos adicionais, como vemos em tantas outras obras lançadas na atualidade. Não por acaso, quando beiramos as quarenta horas de jogo, ainda sentimos como se não tivéssemos nem arranhado a superfície, tamanhas são as possibilidades oferecidas pelo game.

UM VASTO MUNDO

Nem só de caçadas, porém, vive Monster Hunter: World - ainda há muito mais o que fazer e com o que se preocupar além de ir atrás de cada bichano. Evidente que o maior foco é nas caçadas, mas existem inúmeras missões secundárias que favorecem a exploração de cada área. Interessante notar como essas se apresentam de forma a dialogarem umas com as outras - o objetivo de coletar determinado item, por exemplo, pode fazer que tomemos conhecimento da área percorrida por um monstro, ou pode acabar nos fazendo notar uma armadilha natural da qual não tínhamos conhecimento.

Com isso, tudo parece parte de uma obra única, não fragmentada, como é o caso de inúmeras obras que oferecem minigames, que nada dialogam com os aspectos centrais do game. Aqui, tudo se relaciona, o que, imediatamente, garante a relevância de cada ação que tomamos no jogo.

Não bastasse isso, através das bounties, que podem ser escolhidas pelo jogador na vila onde os outros npcs se encontram, conseguimos tarefas adicionais, a serem completadas enquanto realizamos outras missões. Essas vão desde coletar certo número de plantas, até capturar um tipo de monstro. Essa simples funcionalidade permite que sempre consigamos novos itens, aumentando ainda mais a sensação de recompensa após cada missão completada. Dessa forma, toda a progressão funciona de maneira fluida, já que, mesmo quando caçamos um material específico, acabamos conseguindo outros, que nos ajudam de diversas formas a curto ou longo prazo, além de possibilitar que nossas armaduras sejam aprimoradas ao mesmo tempo que as armas, dispensando o foco exclusivo, que geraria constantes rupturas no ritmo do game.

Existem ainda outras missões diferenciadas, que consistem em adquirir um material de alguma área, que aumentam a variedade de serviços oferecidos por certos npcs, ou que nos garantem novos itens de habilidades. Esse é o caso da cantina, que progride com pequenas tarefas específicas, abrindo mais opções de comidas a serem preparadas pelos pequenos felinos (com direito a impagáveis cutscenes). Pode parecer algo desnecessário, mas se alimentar antes de cada caçada confere bônus temporários imprescindíveis, que aumentam a vida, stamina, defesa ou outro atributo. Mais uma vez voltamos ao fator de tudo estar invariavelmente relacionado, permitindo que sintamos o impacto de cada uma de nossas ações, sempre caminhando para um cenário mais favorável para nosso personagem.

Por fim, não podemos deixar de comentar sobre as arenas e investigações, que nos colocam contra as criaturas já encontradas, porém com condições específicas, seja com equipamentos diferentes ou com um limite de tempo muito menor. Isso não somente aumenta a variedade do que podemos fazer, como os desafios e permite ainda mais renovação da jogabilidade, visto que dá a opção de variarmos, temporariamente, qual arma utilizamos, além, é claro, dos próprios cenários. Chega a ser impressionante como altera nossa percepção de certa caçada com essas mudanças, mostrando, assim, toda a riqueza desse game da Capcom. Evidente que, com maiores desafios, vêm maiores recompensas, nos incentivando a constantemente buscar dificuldades mais elevadas.

O DESEQUILÍBRIO DO ECOSSISTEMA

Evidente que não poderia esquecer de comentar sobre a história do jogo. Como dito antes, ela não é o foco da obra, sendo utilizada para nos apresentar as diferentes criaturas, através de curtas, porém enfáticas, cutscenes. Dito isso, quando comparada a de muitos outros games da atualidade, a história de Monster Hunter: World acaba soando extremamente rasa. Ela segue sua proposta, de apresentar a perseguição ao dragão ancião Zorah Magdaros, motivo que trouxe esses aventureiros ao novo continente, mas não oferece nenhum grande twist ou algo assim. Basicamente lida, do início ao fim, com as mudanças no equilíbrio do ecossistema desse lugar.

Desde cedo fica claro o caráter instrutivo dessas missões, que funcionam como delineadores dos níveis de dificuldade - basicamente, se você venceu com relativa facilidade uma criatura das missões de história, então está pronto para desbravar mais aspectos do game. Isso se torna bastante claro pelo simples fato de que, ao terminar a história propriamente dita, liberamos os equipamentos de nível superior e ainda mais criaturas a serem caçadas. Nesse sentido, trata-se uma mecânica extremamente funcional e até didática, já que apresenta, gradualmente, mais e mais fatores do game, por mais que a maioria acabe sendo descoberta por conta própria por nós.

Importante notar como essa decisão por parte dos desenvolvedores contribui para a liberdade do jogador, que, em momento algum, se vê compelido a completar a história - uma forma clara de valorizar toda a construção desse mundo, que não depende de um enredo específico para parecer vivo, orgânico. Essa preocupação maior com o gameplay em si, por outro lado, afeta as animações faciais, que não correspondem perfeitamente com o que o personagem fala - um claro problema de localização para o Ocidente.

Outro aspecto a ser considerado é a grande curva de aprendizado, especialmente para quem não se aventurou pelos Monster Hunter anteriores. De imediato são muitas informações oferecidas e muito a se fazer, mas nada que algumas horas não deem conta, especialmente quando se trata do menu, que requer um certo tempo para ser entendido plenamente. De fato, o game poderia ter se preocupado mais com sua didática, que acaba esquecendo de alguns pormenores.

Por fim, problemas de performance no Xbox One foram notados, especificamente queda de framerate em determinados momentos. Trata-se de algo que pode ser consertado através de atualizações futuras, mas que pode causar incômodo a alguns jogadores. Já no Playstation 4 não presenciei tais problemas - existe, claro, a típica instabilidade da PSN, mas nada que seja causado pelo game em si.

QUANDO UMA PESSOA NÃO É FORTE O BASTANTE

A dificuldade inicial, felizmente, pode ser contrabalanceada pela funcionalidade online do game, que permite que até quatro jogadores participem de missões, sejam de caçada ou de exploração, através das expedições, que não contam com o costumeiro limite de tempo. Trata-se de um recurso puramente opcional, mas que certamente merece nossa atenção pelo cuidado na sua concepção e seu fluido funcionamento.

As missões acabam tendo sua dificuldade aumentada de acordo com o número de jogadores presentes, mas elas têm suas dinâmicas alteradas completamente. Caçar uma criatura em conjunto permite abordagem completamente diferentes e, claro, quando o monstro é gigantesco, nada mais épico que ter três pessoas ao seu lado combatendo o bichano.

Obviamente, com amigos tudo fica melhor e a a obra permite que adicionemos as pessoas que conhecemos ou joguemos diretamente com amigos já conhecidos, fornecendo a opção de criarmos esquadrões para nos conectarmos mais facilmente - uma variação do sistema de guildas dos MMOs. Dito isso, a experiência single-player não deve ser descartada, especialmente naqueles momentos que simplesmente precisamos aproveitar os imersivos ambientes, todos variados entre si, ou aproveitar a beleza dos gráficos do jogo, capazes de nos mergulhar plenamente nesse universo, mas World se torna completo apenas quando alternamos entre essas diversas formas de se jogar.

Digna de nota é a falta de lag nessas partidas, algo impressionante considerando o número de elementos em tela, além da movimentação dos personagens e monstros. Claramente os servidores funcionam como deveriam, não comprometendo nem um pouco a experiência online.

COLETANDO AS RECOMPENSAS

São todos esses elementos que fazem dessa obra um game simplesmente obrigatório para todos que apreciem um bom desafio. Aliás, como dito antes, um desafio extremamente recompensador, visto que não somente nos garante belos itens pelos nossos esforços, como oferece horas e mais horas de pura diversão, através de sua proposta bastante clara de focar quase que exclusivamente no gameplay e não de contar uma grandiosa história. A grandiosidade, aqui, está nas inúmeras possibilidades oferecidas, na liberdade em si.

Com atualizações e conteúdos adicionais gratuitos constantes, trata-se de um jogo que, certamente, irá conseguir manter uma comunidade ativa, sendo capaz de prender o jogador por dezenas e até centenas de horas. Certamente, pela vastidão desse universo, pela sua jogabilidade única, seus criativos designs de mundo e de criaturas e pelas incontáveis coisas a se fazer, não poderiam ter escolhido um título melhor para capturar o escopo de Monster Hunter: World. Trata-se de um game cujos pontos positivos totalmente eclipsam seus poucos negativos, sendo, desde já, um dos melhores dessa geração.

Monster Hunter: World
Desenvolvedora:
Capcom

Lançamento: 26 de janeiro de 2018
Gênero: RPG de Ação
Plataformas: PS4, Xbox One, PC (ainda não lançado)

Agradecemos a Capcom pela cópia cedida para avaliação.


Review | Final Fantasy XII - Ousado e Ambicioso

 

Depois de anos utilizando mecânicas similares entre seus games, com algumas alterações, especialmente durante as batalhas, a Square começou a experimentar novos sistemas após Final Fantasy X. Foi somente em Final Fantasy XII, no entanto, que a mais drástica das mudanças ocorreu, saindo do esquema de encontros randômicos, enquanto foram adotadas muitas das características de MMOs (massive multiplayer online). Claro que devemos levar em conta FFXI, o primeiro game online da franquia, que trazia tais elementos, mas aqui falamos sobre os games single player da série.

O jogo é parte da Ivalice Alliance, um projeto similar a Compilation of Final Fantasy VII ou Fabula Nova Crystallis, em outras palavras: parte de uma coletânea que se passa dentro do mesmo universo, mas que não exigem que o jogador jogue todos os outros games para entendera história individual de cada obra. A história inicia com uma narração dos eventos chave que precedem a nossa entrada no game. O Império de Archadia e o de Rozarria estão em guerra e o pequeno reino de Dalmasca se encontra justamente no meio das duas nações expansionistas. Com a aproximação da batalha na fronteira do pequeno reino, o rei Raminas aceita assinar um tratado de paz que significaria a rendição de Dalmasca à Archadia. O tratado, contudo, foi assinado com sangue real e o reino pacífico foi anexado às terras do grande império.

Alguns anos depois, a trama nos apresenta Vaan, um órfão que vive na capital de Dalmasca, Rabanastre e cujo maior sonho é se tornar um sky pirate. Através de pequenas e descompromissadas aventuras, o garoto acaba se envolvendo com um grupo rebelde que deseja resgatar a soberania de Dalmasca. No meio disso, Vaan conhece desde piratas, capitães desonrados até a própria princesa de seu reino. Assim, enxergamos a história através dos olhos de um adolescente, que nada mais é que puxado pela correnteza, um garoto como outro qualquer.

Não há como não notar a semelhança de alguns pontos da trama de Final Fantasy XII com FFII. A grande diferença está na profundidade dos personagens e da própria política. Archadia é tida como vilã na história, mas nada mais é que um Império em expansão – o Imperador não é um ser do inferno como na segunda entrada da franquia, é um homem ambicioso.

Isso, contudo, gera um problema para o game: a ausência de um vilão marcante. Existem os juízes, é claro, mas não temos aquela figura constante, a eminência parda que se faz presente nos games pós-FFVI. Isso acaba gerando a sensação de que não há perigo algum e com as inúmeras side quests acabamos esquecendo que estamos lutando contra Archadia. Evidente que isso ocorre em praticamente todos os games com grande número de missões secundárias, mas nada que uma ameaça maior não resolva. Naturalmente que, conforme progredimos, vamos mergulhando mais nesse universo e, nesse quesito, FFXII esbanja qualidades, parecendo um mundo vivo, orgânico, que não depende do jogador para existir.

Outra grande mudança é o visual, que adota traços mais realistas. Nas tonalidades há uma grande aproximação com Final Fantasy Tactics (também parte da Ivalice Alliance), especialmente no que diz respeito o design dos personagens e suas roupas, bom recurso para passar a ideia de um universo conjunto. Ao prezar por esse realismo, são os juízes que realmente se destacam, através de suas imponentes armaduras, que os imediatamente colocam como as figuras mais próximas dos vilões dos clássicos Final Fantasy

Inegável, porém, que o elemento que mais fica gravado na memória é a sua jogabilidade. Abandonando a transição para a tela de batalha e os já mencionados encontros randômicos (pela primeira vez na franquia principal, se desconsiderarmos FFXI), as lutas ocorrem dentro do cenário no qual controlamos os personagens. Os inimigos ficam à solta em determinados lugares e, ao nos aproximarmos deles, podemos escolher comandos como atacar, magia e itens. Quem já jogou Knights of The Old Republic, por exemplo, irá se sentir familiarizado com a mecânica, ainda que a do game aqui comentado seja consideravelmente mais complexa. Ao escolhermos o comando desejado, devemos esperar uma pequena barra carregar até que ele seja executado – um resquício do Active Time Battle da franquia.

E os outros membros da equipe? Como são controlados? Podemos atribuir comandos um a um, alterando o personagem que controlamos, ou podemos utilizar o sistema de gambits, que nos permite configurar a inteligência artificial d personagem. O sistema de gambits é difícil de masterizar, mas é bastante recompensador e quase obrigatório para a derrota de certos inimigos, especialmente se desativarmos as pausas durante as lutas, o que torna a obra mais desafiadora, mas certamente mais divertida e fluida.

Após a derrota de cada oponente recebemos pontos de experiência que se acumulam até passarmos de nível, mas além disso existem os license points (LP), utilizados no License Board, um sistema levemente parecido ao Sphere Grid de Final Fantasy X, que nos permite adquirir licenças para utilizar equipamentos e magias. Tais licenças são necessárias para a utilização de cada um desses. Assim como em FFX o avanço pelo license board dinamiza a progressão dos personagens, deixando o level grinding menos monótono e mais recompensador.

Summons e limit breaks estão de volta com leves diferenças. Cada summon precisa ser derrotado em batalha antes que possamos adquirí-los e não são lutas fáceis, o que faz dessa tarefa de adquirir cada um deles um verdadeiro desafio a ser superado, fazendo com que valorizemos mais tais criaturas. Os limit breaks voltam com o nome de quickening e, dessa vez, consomem magia ao invés da clássica barra de limit.

Um outro destaque do game são suas side quests, em especial as Hunts. Basicamente são caçadas à monstros especiais que garantem boas recompensas. As hunts aumentam progressivamente de dificuldade e são os maiores desafios do game, exigindo um bom level grinding. É possível passar horas e mais horas em combate com uma única criatura, trazendo embates verdadeiramente épicos, que requerem tática, preparo e, claro, bons equipamentos.

Final Fantasy XII é um dos games que mais se distancia dos parâmetros estabelecidos na longeva franquia, sendo, assim, um de seus títulos mais ousados e ambiciosos. Adota diversos elementos do online FFXI, gerando um jogo que muitas vezes parece um MMO. Com uma considerável curva de aprendizado, visual mais realista e uma trama complexa na forma como aborda esse universo, temos um jogo que certamente merece nossa atenção, ainda que necessite considerável dedicação, o que pode acabar afastando alguns jogadores.

Final Fantasy XII
Desenvolvedora: Square Enix
Lançamento: 16 de Março de 2006 (Japão), 31 de Outubro de 2006 (EUA)
Gênero: Rpg
Disponível para: PS2, PS4


Crítica | Ms. Marvel: Últimos Dias - O encontro mais esperado

Um dos maiores destaques da Marvel nos últimos anos, é a série de quadrinhos da Miss Marvel. Em uma decisão bastante corajosa, a Casa das Ideias decidiu reformular completamente a personagem, removendo Carol Denvers do posto e inserindo uma adolescente muçulmana estabanada: Kamala Khan.

Pela escrita muito consciente da dificuldade que seria gerar empatia com o leitor, a roteirista G. Willow Wilson faz um trabalho exemplar para contar as leves histórias da Ms. Marvel, inclusive resgatando o espírito das narrativas de Stan Lee no início da carreira de seus super-heróis mais queridos como o Homem-Aranha.

Nesse quarto volume, Kamala está em meio a uma crise amorosa, após descobrir que seu “pegue-te” é um super-vilão. Porém, a dinâmica do mundo não dá descanso para a heroína de Jersey City. Observando uma movimentação de pessoas tomadas pelo pânico, Kamala vê um planeta inteiro se dirigindo em direção a Terra. Sendo um desafio claramente fora da alçada para a Ms. Marvel, Kamala tenta ajudar como pode os cidadãos comuns, enquanto tenta também dedicar atenção especial para salvar sua família. Porém, surpreendentemente, Kamala acaba recebendo uma ajuda inesperada da Capitã Marvel, sua antecessora do manto da Ms. Marvel.

O que fascina na escrita de Wilson, é como ela entende bem o espírito dessa nova personagem. De certa forma, seus poderes não são exatamente incríveis. Ela é uma heroína que não pode encarar os maiores desafios, o que deixa essa série muito apropriada para tratar de temas antes comuns a Peter Parker. Porém, ver isso tudo sob uma ótica feminina, de uma cultura diferente, é interessantíssimo.

Kamala tem uma personalidade divertida possibilitando que Wilson insira diversas piadas apropriadas a idade, mas ao mesmo tempo, há um forte grau de realismo psicológico na garota. Ela simplesmente se diverte, mas ainda é inocente em acreditar que não existem sacrifícios e escolhas difíceis no ofício. Essa história em particular, Últimos Dias, se destaca positivamente pela inserção de um cross over muito aguardado: a Capitã Marvel.

A relação entre as duas atinge níveis bons de complexidade com a veterana ensinando sobre os sacrifícios das escolhas e sobre como o heroísmo pode falhar em situações absurdas. Mesmo todo poderosos, os heróis não podem salvar a convergência iminente pré-Guerra Secreta. Aliando a esse bom nível narrativo, temos essa pequena aventura para ajudar os cidadãos, incluindo o irmão raptado de Kamala.

Esse volume é o que trata melhor da relação da garota com sua família, mostrando conflitos e expressando bons sentimentos com sua mãe e irmão, além de uma constrangedora catarse com seu melhor amigo, completamente apaixonado por ela. O interessante é que Wilson arma um cenário perfeito para conferir um final bastante anti-climático para a história em uma tentativa de subverter clichês.

Tendo uma boa história conseguindo equilibrar muito bem o escopo familiar com o heroísmo, temos um festival de ótimas artes oferecidas por Adrian Alphona. Apesar da diagramação não ser utilizada de modo espetacular, Alphona traz desenhos muito significativos para conferir expressões muito bem traçadas para as personagens. O artista alia o realismo das feições e das formas anatômicas com um traço e cores um pouco fantásticas, divertidas. É realmente uma característica única da arte de Alphona.

Apesar de ser um encadernado bem curto, apenas reunindo quatro edições da série principal, Últimos Dias traz um material de alta qualidade dessa improvável heroína. Imprescindível para todos que acompanham essa curiosa história que Wilson está trazendo em uma das melhores fases que a Marvel já viu.

Agradecemos a Panini pela cópia gentilmente cedida para avaliação.

Ms. Marvel: Os Últimos Dias – Vol. 4

Roteiro: G. Willow Wilson
Arte: Adrian Alphona
Editora: Panini
Edições: Ms. Marvel 16 a 19, O Espetacular Homem-Aranha 7-8


Review | Final Fantasy IX - Um dos games mais apaixonantes da franquia

Após três games com fortes traços de ficção científica e dois deles com personagens mais realistas (VII e VIII), a franquia de RPG retorna às suas origens. Em Final Fantasy IX a temática volta aos ramos da fantasia, com retratações mais cartunescas e uma história, aparentemente, mais leve.

O jogo nos coloca no controle de Zidane Tribal, um garoto mulherengo, que faz parte de uma trupe itinerante. A companhia chega à cidade de Alexandria para apresentar uma famosa peça, I Want to Be Your Canary, mas com segunda intenções: raptar a princesa Garnet. Ao mesmo tempo, acompanhamos o pequeno Vivi, um dos personagens mais memoráveis e carismáticos de toda a franquia. Ele é um pequeno e ingênuo mago negro, que quer assistir a performance a ser apresentada, mas que acabou sendo enganado a adquirir um bilhete falsificado. Em outra subtrama paralela, vemos a própria princesa querendo escapar do castelo, enquanto o fiel cavaleiro Steiner corre à sua busca.

Não é de grande surpresa que todos esses personagens se encontram e, na verdadeiramente explosiva finalização da peça, eles acabam saindo de Alexandria e caindo abaixo da Mist, uma grande neblina que cobre o mundo inteiro. A história progride, a partir desse ponto, com Garnet, Zidane, Steiner, Vivi e outros membros adquiridos posteriormente seguindo para a cidade de Lindblum. Logo descobrimos a malícia da Rainha Brahne de Alexandria e o vilão por trás dela, Kuja.

Um ponto interessante da trama de Final Fantasy IX é a sua progressão, que inicia como uma leve história fantasiosa e vai adquirindo um tom mais sombrio com seu desenrolar. Dentro dessa, os personagens de desenvolvem de maneira satisfatória, mantendo suas características principais sempre em vista, fator que se mostra mais evidente quando se trata de Steiner.

A volta às origens da série não se encontra somente no roteiro ou no visual – também temos o retorno de classes, embora cada personagem seja fixo a uma. Zidane e Vivi, por exemplo, são claramente ladrão e mago negro, respectivamente. Dentro dessas classes atreladas, temos, é claro, as famosas habilidades vistas nos games anteriores, desde steal até summon.

O ponto inovador de FFIX é como funciona a utilização dessas habilidades. Cada uma delas pode ser utilizada ao se equipar um item, quando o jogador ganha determinado número de ability points (AP), essa habilidade passa a fazer parte do personagem, que, então, não precisa mais equipar aquele determinado item. Além do ganho de experiência para a progressão de níveis, esse é outro grande motivador para o level grinding.

Uma grande qualidade do game é a quantidade de side quests disponíveis. Essas vão desde a entrega de cartas de moogles para moogles (sim, eles estão de volta), criação de chocobos, até um minigame de cartas extremamente confuso, a princípio, mas que, com a prática, passa a ser um dos melhores elementos do game. Obviamente, realizar tais atividades garante diversos itens para a equipe, sendo altamente recomendado para os jogadores que não querem simplesmente experimentar a história do jogo.

De todos os jogos da franquia, FFIX é, provavelmente, aquele que conta com os personagens jogáveis mais variados. São diversos de raças diferentes e personalidades bastante distintas. Em termos de história cada um deles desempenha um específico papel, fazendo com que não soem apenas como figurantes na trama principal, aspecto que permite que passemos a gostar de cada um deles individualmente.

Seguindo o estilo de Final Fantasy VI, o vilão Kuja se mantém como uma ameaça constante a partir do ponto que faz sua primeira aparição. Seus pontos em comum com o protagonista vão se tornando mais evidentes ao ponto que a história progride. Em termos de personalidade é um vilão com traços psicopáticos e narcisistas, coms uas ações remetendo às do Imperador em FFII.

A batalha de Final Fantasy IX permanece a mesma dos games anteriores, utilizando o sistema de active time battle. Um grande defeito do game, contudo, é o tempo que leva para a batalha iniciar, fruto da passagem entre a tela preta até a tela de luta e os movimentos de câmera. Com horas de jogo isso acaba se tornando enfadonho e interfere na jogabilidade por horas a fio, especialmente quando estamos batalhando para passar de nível, ou adquirir algum item em específico.

O game ainda conta com um sistema de active time events que permite ver o que outros personagens estão fazendo ao mesmo tempo que o jogador. Isso introduz um elemento interessante, ao ponto que dá dicas de onde podemos encontrar elementos dentro do jogo. A sensação deixada no fim, porém, é que ele é mal explorado, só ocorrendo algumas vezes no game inteiro.

Sendo o último Final Fantasy para o Playstation 1, ele apresenta ótimos gráficos, tanto nas cutscenes quanto nos momentos de jogo em si. As animações se tornaram ainda mais fluidas que em FFVIII e mais constantes, representando, pois, o ponto máximo da franquia no console. É preciso notar, também, como a escolha de um visual menos realista funciona melhor para garantir que o jogo resista ao tempo, podendo ser, plenamente, aproveitado nos dias atuais.

A trilha sonora, novamente nas mãos de Nobuo Uematsu, não chama atenção nos momentos de batalha, com temas não marcantes, embora satisfatórios. Em contrapartida, diversas músicas que entram para a lista de melhores da série são introduzidas, como Vamo Alla Flamenco, Dark Messenger e Melodies of Life, o segundo tema musical cantado da série.

Final Fantasy IX é o game perfeito para aqueles que desejam conhecer a origem da série. Ele apresenta gráficos impressionantes para sua época e a jogabilidade pós-FFIV se mantém como uma das melhores da franquia. É repleto de referências a todas os jogos da franquia, inseridos em uma história que prende o jogador através de sua orgânica progressão. O mais notável do game, contudo, são seus memoráveis personagens, dentre os melhores de toda a série.

Final Fantasy IX
Desenvolvedora: Square
Lançamento: 7 de Julho de 2000 (Japão), 13 de Novembro de 2000 (EUA)
Gênero: Rpg de Turnos
Disponível para: Playstation, PSN, Android, iOS


Crítica | Dragon Ball - Arco 07: Majin Buu

Neste último arco de Dragon Ball novamente temos um salto temporal – desta vez, sete anos após a batalha contra Cell, acompanhamos Gohan em seus dezesseis anos. O filho de Goku (que está morto desde o fim do último arco) agora larga seus estudos de casa e parte para o colégio, iniciando um tipo de narrativa ainda não vista no mangá. Essa mudança, porém, não só traz elementos novos: há um evidente retorno às origens da série, ao ponto que a comédia ganha um papel central em grande parte do arco.

Com Mr. Satã tendo sido considerado, erroneamente, o salvador da Terra, os guerreiros Z são forçados a esconder seus verdadeiros poderes quando em público. Isso na teoria, pois conforme vemos com o decorrer da trama, a discrição não é o forte deles. Toriyama sabe utilizar bem este ponto, garantindo diversas risadas com o fato de Gohan se tornar uma espécie de super-herói na cidade onde estuda – o Grande Saiyaman – com direito a um disfarce ridículo, como é apontado pelos próprios personagens.

Não demora muito, é claro, para que Videl, a filha de Mr. Satã, descubra a identidade do Grande Saiyaman e, com isso, pela primeira vez vemos de relance um pequeno romance se formar em Dragon Ball (aqueles de Bulma do primeiro arco não contam nem de longe!). Não esqueçamos, porém, que o foco são justamente nas lutas e, por isso, sabiamente, a narrativa não se prende na relação de Videl e Gohan. Aqui vemos um ponto que desde as primeiras edições se mostra forte no roteiro de Toriyama – as interações entre seus personagens. Estas ocorrem de maneira fluida e natural e muitas vezes através do humor, causando em nós uma aproximação ainda maior com suas criações. Por isso, mesmo quando é revelado de repente que Goku teve outro filho, Goten, nosso estranhamento é quase nulo – afinal o mesmo foi feito com a primeira aparição de Gohan e foi mascarado perfeitamente com bem humorados diálogos.

Goten desempenha um importante papel dentro deste último arco, fechando o ciclo que seu pai muitas vezes tenta compor. Segundo Goku ele quer que os jovens desempenhem um papel central na proteção da Terra, tirando tal fardo de suas costas – afinal, ele nunca pediu vida eterna às esferas do dragão. Dito isso, a semelhança absurda de Goten com seu pai nos remete às origens da série, algo que se torna ainda mais evidente na personalidade do garoto – impulsivo, ingênuo e inocente.

Mas com toda essa volta às origens não nos esqueçamos que ainda estamos em uma história do que posteriormente seria conhecido (graças ao anime) como Dragon Ball Z. Após alguns capítulos centrados em como o mundo se encontra pacífico após a derrota de Cell, um novo inimigo é anunciado. Surge Babidi – um feiticeiro que deseja reviver a terrível criação de seu pai: Majin Buu. Não é preciso dizer que ele é bem sucedido em tal empreitada, por mais que os heróis tentem impedi-lo. Da esfera-prisão, então, sai o monstro tão aguardado e o que vemos é… uma criatura gorda e rosa.

Definitivamente, dentre todos os 519 capítulos do mangá, em nenhum deles tivemos uma quebra de expectativa tão grande. Depois de dois vilões terríveis – Freeza e Cell, o que Toriyama nos proporciona é algo que foge totalmente ao que esperávamos. O autor, porém, utiliza dessa expectativa, agora em pedaços, para criar um ser que é composto de uma força incrível, quase invencibilidade e uma bela dose de comédia. Buu Gordo (como é carinhosamente apelidado) é como uma grande criança mimada que somente faz o que quer e, mesmo quando destrói uma cidade inteira, nos proporciona diversas risadas.

Esse clima que oscila entre o leve e o pesado (algumas mortes ocorrem, afinal) dura até certo ponto. Eventualmente há uma mudança drástica no vilão e seu lado cruel se torna predominante – sua aparência também muda, refletindo perfeitamente a mudança no personagem. De todos os seres apresentados na série, é Majin Buu que possui o olhar mais cruel e aterrorizante. É esta criatura que merecidamente ocupa o cargo de vilão do último arco de Dragon Ball, nos proporcionando um emocionante desfecho que se encaixa perfeitamente dentro da mitologia criada por Toriyama.

Dificilmente uma história mantém sua qualidade do início ao fim – na maioria ele se perde no meio do caminho, ao ponto que expande seu universo até onde o próprio autor não consegue amarrá-lo de forma efetiva. Dragon Ball não cai neste erro e mantém sua complexidade nas relações entre os personagens e em suas motivações. Por mais que seu universo tenha sido expandido ao longo dos volumes, Akira soube utilizá-lo bem, introduzindo os elementos de pouco em pouco a fim de não confundir o leitor. Neste último arco ele sabe fechar o ciclo de sua grande narrativa, trazendo à tona tudo que aprendemos a apreciar na saga de Son Goku. É um triste encerramento, mas fiel à proposta do mangá.

Dragon Ball – Arco 07: Majin Buu
Roteiro: Akira Toriyama
Arte: Akira Toriyama
Lançamento oficial: Japão, 1995
Lançamento no Brasil: 2014~2015 (Edição da Panini)
Editora: Panini
Capítulos: 421-519


Análise | Final Fantasy X-2 - Sequência Completamente Dispensável

Review | Final Fantasy X - Inovador e Intimista

"Ouça a minha história, essa pode ser nossa última chance". Com essas palavras, em uma cutscene, ao som do piano de To Zanarkand, inicia o décimo jogo da franquia de RPGs, demonstrando, desde já, a mudança de geração, que dá início a uma nova fase da franquia. Final Fantasy X é o primeiro da série a apresentar personagens com vozes e, também, o primeiro da série no Playstation 2.

A trama, como sugerem suas primeiras palavras, segue Tidus, um famoso jogador de blitzball (uma espécie de futebol subaquático) do time Zanarkand Abes. Durante uma grande partida, a cidade é atacada por uma criatura gigantesca, Sin, que acaba, de alguma forma, sugando o protagonista. Após ver tudo o que ele conhecia destruído, Tidus acorda sozinho em ruínas e pouco após descobre estar em uma terra desconhecida, Spira. Sua confusão, contudo, apenas começou – as pessoas que ele encontra dizem que Zanarkand foi destruída por Sin há mil anos. Sem saber onde está e por que está ali, o garoto procura um meio de voltar à sua cidade natal. Porém, conforme sua jornada progride, ele conhece uma summoner, Yuna, que tem como missão destruir Sin.

Protegendo a jovem summoner, estão cinco guardiões: Wakka, Lulu, Kimahri, Rikku e Auron (esses dois últimos posteriormente). Não é preciso dizer que Tidus também se junta ao grupo. Assim, a aventura que tinha como objetivo voltar para casa, se torna uma missão de salvar o mundo da criatura que o trouxe para Spira. O foco da narrativa, contudo, em nenhum ponto, é essa tarefa e sim o próprio Tidus – essa é a sua história, como Auron diz no início do game.

Final Fantasy X é, possivelmente, um dos mais ousados da franquia, estabelecendo um sistema novo de combate, além de uma trama que se diferencia, consideravelmente, de todos os outros. O active time battle, presente desde FFIV, foi abandonado e a batalha em turnos sem o medidor de tempo retorna. Mas não se engane, ela está mais dinâmica que nunca. Para começar podemos selecionar o comando mais rapidamente, mesmo enquanto outros atacam. Em segundo lugar, cada inimigo exibe uma fraqueza específica a um membro da equipe. Wakka, por exemplo, destrói inimigos voadores. Dessa forma, muitas batalhas são finalizadas antes mesmo do inimigo atacar.

Muito fácil? A princípio pode parecer, mas o game se constrói exigindo uma formulação de estratégia por parte do jogador. É claro que os encontros com inimigos casuais não exigem muito, mas as batalhas contra chefes podem levar vários minutos de tensão. Completando esse novo sistema, está a possibilidade de trocar os membros da equipe durante a luta – algo que contribui consideravelmente para a fluidez de cada batalha. Isso, porém, não é só um comodismo, como uma necessidade conforme progredimos na história, visto que explorar as fraquezas de cada oponente se tornou imprescindível para a vitória. Todos esses elementos juntos formam um dos melhores sistemas de batalha de toda a franquia.

Se Final Fantasy X possui um defeito é o seu início. Até, aproximadamente, três horas de jogo tudo o que fazemos tem um caráter introdutório e passamos a maioria desse tempo sem lutas, somente andando de um lado para o outro a fim de progredir na trama. Isso pode acabar fazendo com que muitos desistam do game antes mesmo dele começar, mas aqui faço um apelo: é uma provação que vale a pena ser passada, já que essa linearidade, que retornaria em Final Fantasy XIII (em maior escala) dá lugar a inúmeras atividades paralelas, sidequests e muito mais, fazendo desse um dos mais longos da série.

Não bastassem as ótimas batalhas, FFX ainda conta com belos gráficos (estamos falando de um game para PS2, é claro), principalmente em suas impressionantes cutscenes. O destaque que coloco aqui é o ritual de sending que Yuna realiza nas primeiras horas de jogo, que é ilustrado no logo do game. Nesse sentido, o game é um verdadeiro espetáculo visual, fruto da cada vez maior preocupação da Square com aspectos cinematográficos, algo que vem ocorrendo desde Final Fantasy VII. Digna de nota é a utilização das cores, claramente uma forma de explorar as capacidades do Playstation 2 - tons vibrantes, grandes cenários com contrastante iluminação, sem falar, claro, da própria ênfase na água, preenchem a imagem, fazendo deste um game com forte e imediatamente reconhecível identidade.

A dublagem pode soar estranha em diversos momentos, principalmente em inglês, mas, em geral, ele funciona de maneira efetiva (tirando as risadas do protagonista). As narrações de Tidus são  bem interpretadas e garantem o tom da obra, que oscila entre momentos mais descontraído entre tristes e diversos de romance. Como um todo, Final Fantasy X possui um ótimo trabalho de som e, aqui, não posso deixar de falar na trilha sonora. Com músicas como a já citada To Zanarkand e Suteki Da Ne, FFX apresenta obras memoráveis que se encaixam perfeitamente na trama intimista do game, além, claro, do emblemático tema de batalha, mais animado, que reflete o visual, em geral, mais iluminado e vibrante do jogo.

O elemento que mais garante a personalidade do jogo, porém, é o seu sistema de progressão de personagens. Não existem mais levels, esses foram substituídos pelo Sphere Grid. Trata-se de um gigantesco tabuleiro onde cada espaço garante um upgrade para o personagem. Avançamos nele com action points, que ganhamos através de batalhas. Cada um dos nódulos do tabuleiro pode ser ativado com uma esfera que conseguimos também nas batalhas. Assim o personagem progride em força de ataque, magia, vida, etc, além de ganhar novas habilidades À princípio, tal sistema pode parecer complexo, mas logo nos acostumamos e vemos que ele é um dos melhores modos de progressão de toda a franquia, permitindo alta customização (na versão internacional, inclusa na remasterização em HD) e grande liberdade, além de tornar o grinding menos maçante, já que, o tempo todo, vemos os personagens sendo melhorados.

Além das side-quests e os habituais chefes opcionais, FFX também conta com um minigame, o Blitzball. Como dito anteriormente, um futebol subaquático. Através de jogos conseguimos diversos itens especiais que são necessários para obter o melhor equipamento do game. O problema de tal minigame é a falta de um tutorial adequado, o deixando de difícil aprendizado, sendo necessária considerável dedicação por parte do jogador para que as partidas possam ser ganhas.

Com uma trama diferenciada de todos os outros da série, construída de forma bastante intimista, Final Fantasy X é um dos mais inovadores da franquia. Sua mecânica é uma das melhores da série, tanto na batalha quanto na progressão de personagens. Com horas de jogo será impossível não gostar de diversos personagens apresentados e se deixar levar pela história. É, definitivamente, um dos melhores Final Fantasy.

O Remaster em HD

Graças à impossibilidade dos consoles da geração Ps3/ Xbox 360 de lerem discos da geração anterior (salvo algumas exceções no caso do videogame da Microsoft), as desenvolvedoras enxergaram uma oportunidade de ouro para arrecadarem ainda mais com suas glórias passadas. Assim surgiram as centenas de reciclagens de games antigos que vão desde remasterizações decentes, como Kingdom Hearts até o puro copiar e colar de Devil May Cry HD Collection que somente vende graças ao saudosismo dos fãs (afinal o original era ótimo). Já nessa onda mercadológica, a Square Enix, que obteve sucesso com Kindgom Hearts HD decidiu realizar a versão em HD de Final Fantasy X.

A primeira, e mais óbvia das melhorias é a questão dos gráficos. Lançado em 2001, o jogo original já demonstra claramente os efeitos do tempo e sua versão HD minimiza ao máximo estes. Aqui vemos não só texturas retrabalhadas e filtros que melhor se traduzem nas TVs da atualidade: diversos detalhes, como rostos de personagens e movimentos foram refeitos e acabam nos fazendo esquecer, em diversos momentos, que estamos vendo um game lançado há mais de dez anos. Ouso dizer que este é o melhor trabalho já feito em tais remasterizações. O único ponto que permanece igual são as cutscenes, estas, porém, de alta qualidade, não precisaram de nenhum trabalho.

Os gráficos não foram o único elemento alterado nesta versão, a ótima trilha sonora de Final Fantasy X também foi inteiramente reorquestrada, garantindo uma evidente melhoria nas músicas do RPG. Somente algumas faixas perderam sua qualidade ao terem certos pontos na melodia modificados, mas estas são poucas exceções. Ainda no aspecto do som, as vozes foram todas mantidas no original, evidenciando a idade do game – lembremos que este foi o primeiro Final Fantasy a conter personagens com vozes. Aliado a este fator, o lipsync da versão americana ainda se demonstra bastante falho e na maioria dos casos o movimento labial não condiz com as falas dos personagens.

Esse remaster de Final Fantasy X, portanto, claramente não é uma tentativa de assaltar os fãs deste ótimo Rpg. Cada detalhe foi trabalhado ao máximo, garantindo que esta seja a versão definitiva do game. Se você não teve a oportunidade de jogá-lo em 2011, esta, com certeza, é a oportunidade certa.

Final Fantasy X
Desenvolvedora: Square
Lançamento: 19 de Julho de 2001 (Japão), 17 de Dezembro de 2001 (EUA)
Gênero: Rpg de Turnos
Disponível para: PS2, PS3, PS4, PC


Review | Final Fantasy XIII - A Luta Contra o Destino

Marcando a entrada da franquia no Playstation 3 e Xbox 360, Final Fantasy XIII é um dos games mais controversos de toda a série. É o carro chefe do projeto Fabula Nova Crystallis (clara referência às origens de Final Fantasy), que, semelhante a Compilation of Final Fantasy VII e Ivalice Alliance, é composta por diversos jogos. Ao contrário dos outros projetos, contudo, Crystallis comporta universos distintos, mas que seguem a mesma mitologia.

Iniciamos o jogo e o primeiro elemento que nos chama atenção são os belos gráficos que, mesmo depois de quase dez anos, não parecem datados. Vemos a personagem Lightning e Sazh em um trem que percorre uma cidade futurista, em um visual, até então, inédito para a franquia. Não entendemos o que acontece e continuamos assim por mais algum tempo. De repente, a guerreira de cabelos rosados se engaja em um combate com guardas e somos jogados no meio de uma aparente guerra civil se desenrolando em diversos pontos da cidade. Não demora muito para o trem ser destruído e ambos os personagens escaparem dele. Traços da trama nos são passados, mas a maioria ainda nos elude.

Entra aí um grande ponto negativo do game: somos jogados em uma história já em movimento e pouca explicação nos é passada e mesmo conforme progredimos no jogo muita coisa permanece oculta. Há uma mitologia gigantesca dentro de FFXIII, mas que não é revelada de maneira efetiva para o jogador casual. Há, porém, uma solução: dentro dos menus do jogo existe um datalog que explica tudo o que ocorre antes e durante a aventura em si. Claro que, com o tempo, tudo vai ficando mais claro e alguns flashbacks dão conta do que há nesses datalogs, mas, especialmente nas horas iniciais, é preciso dedicação por parte do jogador para desbravar essa aventura.

Após algumas cutscenes somos introduzidos à batalha de Final Fantasy XIII, que nesse ponto parece um tanto estranha. A razão disso é que ela ainda não está completa. Entramos agora no segundo ponto negativo do game: seu prólogo extenso. Por aproximadamente quatro horas o jogo funciona como uma série de tutoriais sobre suas mecânicas, o que pode exigir uma certa dose de paciência do jogador. Somente após esse período somos introduzidos a todos os elementos das lutas.

O sistema de batalha, denominado command synergy battle, é claramente um aprofundamento do clássico active time battle. A barra que mede o tempo antes de podermos realizar uma ação ainda está presente, com uma clara diferença: ela é segmentada. Com isso podemos colocar diversos comandos em ordem, quando a barra estiver cheia eles são executados (também podemos realizar uma ação gastando apenas alguns dos segmentos). O game inicia com três dessas barras de ATB e, com o tempo, adquirimos mais, podendo, assim, realizar mais ações em sequência, permitindo batalhas surpreendentemente dinâmicas. Isso se estende com a introdução dos paradigm shifts que compõem a alma dessa nova mecânica.

Em FFXIII, ao contrário da maioria dos games da franquia, cada personagem pode realizar mais de um papel (próximo ao fim do jogo podemos customizar cada um deles ao máximo). Esses resquícios do sistema de Jobs de FFIII são: comando, ravager, sentinel, synergist, medic, saboteur – cada um especializado em um tipo de efeito ao inimigo. Antes de entrarmos nas lutas podemos criar diversos paradigmas, que definem o que cada membro da equipe irá realizar na batalha. No meio da luta podemos trocar entre os paradigmas criados – cada momento pede para um diferente e tal troca se demonstra essencial principalmente nas bem construídas batalhas contra chefes.

Após cada embate não recebemos pontos de experiência e sim Crystal Points (CP). Similarmente a Final Fantasy X, a progressão de personagens se dá através do acúmulos desses pontos, que, ao serem utilizados, aumentam um a um os atributos como força de ataque, magia, mana, etc. Isso garante um dinamismo muito maior ao game, de forma que sentimos mais facilmente a melhoria dos personagens.

Voltando à história, após esse prólogo do game, passamos a perceber a trajetória da trama. Lightning, Sazh, Hope, Vanille e Snow todos foram transformados em L’Cie, criaturas que devem realizar um objetivo imposto por uma criatura tida como divina chamada Fal’Cie. Perseguidos, eles devem descobrir exatamente o que fazer, ao mesmo tempo que essa se torna uma história de luta contra o destino, o determinismo e os próprios deuses. FFXIII, assim como o décimo da série, é totalmente conduzido pela sua trama, o que o torna extremamente linear. Felizmente, próximo ao fim do game, o mundo se abre, permitindo uma exploração que era, até então, limitada. Com isso nos são oferecidas diversas side quests, extremamente necessárias para melhor aproveitamento do jogo.

Não podemos, claro, deixar de, ao menos, mencionar toda a construção dos personagens, especialmente Lightning, que rouba nossa atenção desde os minutos iniciais do game. Ainda que todos contem com seus arcos pessoais, todos bem desenvolvidos ao longo da história - algo impressionante, considerando que não se trata de uma equipe pequena - é a protagonista que mais se destaca. Com traços de protagonistas anteriores da franquia, como Cloud e Squall, Lightning consegue se diferenciar pela maneira como age, como pensa. Trata-se de uma personagem independente e que, mesmo assim, passa a ideia de liderança, por mais dura que seja. É essa aparente frieza, rigidez, que torna seu arco tão fascinante, ao passo que, aos poucos, enxergamos a dor que ela guarda dentro de si e o que é capaz de fazer para salvar sua irmã e, por consequência, todas as pessoas daquela sociedade. A luta contra os deuses, certamente, é determinada e motivada por ela e em momento algum sentimos como se ela, ou seu grupo, fosse incapaz de realizar tal feito.

Já a trilha sonora, composta por Masashi Hamauzu, contém diversas músicas icônicas que se encaixam perfeitamente dentro da narrativa e até mesmo do visual de FFXIII. Os melhores exemplos destas são os dois temas de batalha que ilustram a rapidez das lutas e tom futurista do jogo. Fighting FateBorn Anew, por sua vez, ilustram com exatidão a batalha contra os deuses, contra o destino que tanto limitava a vida daqueles ali. A única falta que sentimos, contudo, é o do famoso Victory Fanfare, que não faz sequer uma aparição.

Final Fantasy XIII definitivamente é um game que requer paciência, principalmente em seu início. Com algumas horas adentro, contudo, ele se revela um ótimo RPG, com um dos melhores sistemas de batalha de toda a franquia. Possui gráficos que impressionam até hoje e uma mitologia extensa. Sua história contem certas falhas, mas, em geral, progride de forma orgânica, prendendo o jogador do início ao fim, nos cativando com seus personagens, especialmente através de Lightning, que prova ser uma das melhores protagonistas da franquia. Por mais controverso que seja, é um Final Fantasy que, definitivamente, merece ser jogado.

Final Fantasy XIII
Desenvolvedora: Square Enix
Lançamento: 17 de Dezembro de 2009 (Japão), 09 de Março de 2010 (EUA)
Gênero: Rpg de Turnos
Disponível para: Ps3, Xbox 360, PC


Review | Final Fantasy XIII-2 - Impiedosos Paradoxos

Após as críticas à linearidade do game anterior, a Square Enix, já interessada em realizar uma sequência, optou por fazer diversas alterações à progressão da história. Assim surgiu Final Fantasy XIII-2, um game focado na jogabilidade que, ao mesmo, tempo expande o universo de Final Fantasy XIII.

O jogo inicia com Lightning em um misterioso mundo, Valhalla. A heroína veste uma armadura e luta contra Caius que se tornaria o vilão deste game. A batalha inicial já nos lembra do sistema de Paradigm Shift do game anterior, que aparenta estar mais fluido. Ao mesmo tempo somos apresentados aos eventos em tempo real, que requerem que apertemos botões no meio de cutscenes, similarmente à franquia God of War. Logo nesse prólogo podemos enxergar o cuidado técnico e visual utilizado em FFXIII-2.

Pouco tempo depois somos transportados a Serah, a irmã de Lightning, na cidade de New Bodhum. Nesse ponto estamos três anos após a queda de Cocoon e seus cidadãos já vivem em Gran Pulse. Porém, há algo fora de lugar: ninguém se lembra da existência de Lightning, somente sua própria irmã. Com isso em mente a menina passa a investigar e logo conhece Noel, um garoto enviado, pela heroína em Valhalla, para ajudar Serah a consertar os paradoxos temporais que estão se formando por todo o espaço-tempo. Assim, os dois embarcam em uma viagem que os leva ao futuro e passado.

Em toda essa aventura, Caius é uma figura constante e, similarmente a Kefka de FFVI, travamos diversas batalhas com o vilão. Tal recurso narrativo, abandonado desde Final Fantasy X, enfim retorna com toda a força, ajudando a desenvolver Caius como um memorável antagonista. Em todas as suas aparições aprendemos mais sobre os eventos do passado e até do futuro, entendendo, pouco a pouco, o porquê dele lutar contra Serah, Noel e Lightning. Ainda assim, contudo, Final Fantasy XIII-2 nos deixa grande parte do jogo no escuro e, através de uma história confusa, captamos, de fato, pouco do que ocorre. Nesse sentido, assim como o seu antecessor, ler os datalogs é absolutamente necessário para compreensão de toda a trama.

As diferenças mais visíveis entre esse e seu predecessor estão na jogabilidade. Apesar do sistema de batalha ser o mesmo, há uma grande diferença: o terceiro membro da equipe é um monstro que capturamos. Através de lutas contra essas criaturas há sempre uma chance que consigamos controlá-lo. Tendo feito isso, na customização de paradigmas, podemos colocá-lo na equipe. Cada um desses possui um paradigma fixo, ao contrário de Serah e Noel que podem ter todos. Além disso, a queda do líder da equipe não mais significa game over, ao invés disso é preciso que os dois personagens sejam derrotados. Portanto, mesmo com menos personagens jogáveis, o game assegura o dinamismo de suas lutas e, de quebra, insere a gigante sidequest de conseguir todas essas criaturas.

Vale ressaltar que, agora, os inimigos podem aparecer a qualquer momento dentro de determinadas áreas. Isso permite que o grinding seja realizado de maneira menos penosa, não sendo necessário sair e entrar dos lugares para que os oponentes retornem. Portanto, a todo momento, podemos parar a história e simplesmente investir no crescimento dos personagens. O fato de podermos transitar entre diversas áreas quando queremos, naturalmente, ajuda nesse ponto, além de incentivar a exploração por parte do jogador.

O sistema de aprimoramento, o crystarium, foi revitalizado, sendo mais aberto e permitindo uma maior customização. Além disso, cada personagem avança em levels conforme avança nesse tabuleiro. Ao contrário de FFXIII, não há limites para quanto cada um pode crescer em dado tempo, permitindo que o jogador avance em níveis desde o início do game, mais uma prova da abertura almejada pela Square Enix.

Entramos, nesse ponto, em um grande defeito do jogo: sua facilidade. Após certo ponto não somos apresentados a nenhum desafio o que acaba tornando a batalha enfadonha, uma simples repetição do comando auto-battle. Mesmo as side quests que apresentam inimigos mais fortes são fáceis e não requerem grande estratégia por parte do jogador. No fim, acabamos preferindo o sistema de batalha de seu antecessor, que oferecia maiores desafios. Chega a ser frustrante esperar uma formidável luta, já no endgame e ter algo que não traz o mínimo de dificuldade.

Ao menos, o encerramento de FFXIII-2, que perfeitamente se encaixa dentro da premissa do game, nos faz esquecer de muitos de seus problemas. Não podemos negar, contudo, a existência de defeitos no desenrolar dos fatos que o antecedem. São deixadas algumas dicas para o que irá ocorrer, mas nada prepara o jogador para o fato em si. Mais uma vez caímos no problema da história confusa, que insere elementos demais sem se preocupar em explicá-los. No fim, mesmo com o surpreendente desfecho em si, o jogo parece um capítulo não concluído, por deixar muitos aspectos em aberto, caindo, pois, muito nos ombros de Lightning Returns, o terceiro e último capítulo dessa trilogia.

Dito isso, Final Fantasy XIII-2 é um game com muito potencial, mas que acaba caindo em diversos problemas de seu antecessor. Existe, sim, mais liberdade nos cenários e os gráficos estão melhores que nunca, ainda assim essa acaba sendo uma experiência inferior à do primeiro game, principalmente em razão de sua considerável facilidade, que desperdiça muito do excelente sistema de combate. Serah e Noel são bons personagens, mas não sentimos a aproximação que sentíamos da equipe de FFXIII. No fim, a expansão daquele universo não foi tão grande assim.

Final Fantasy XIII-2
Desenvolvedora: Square Enix, TriAce
Lançamento: 15 de Dezembro de 2011 (Japão), 31 de Janeiro de 2012 (EUA)
Gênero: Rpg de Turnos
Disponível para: PS3, Xbox 360, PC


Review | Lightning Returns: Final Fantasy XIII é uma grande corrida contra o tempo

Como você irá passar seus dias finais? Essa é a chamada para o capítulo final da trilogia Final Fantasy XIII e não poderia refletir melhor o que este jogo oferece. Lightning Returns é uma incessante corrida contra o tempo, similar a The Legend of Zelda: Majora’s Mask, mas com seus elementos únicos e uma sensação ainda mais desesperadora. O mundo está acabando e temos apenas treze dias para completar a história.

Se você teve a oportunidade de jogar a demo, irá se sentir familiarizado com o início do game. Começamos na cidade de Yusnaan, uma metrópole repleta de luzes e festividade, que está a comemorar o Banquete do Fim dos Tempos. Lightning adentra o palácio do chamado 'Patron' e lá encontra ninguém menos que Snow. Mas algo parece diferente: ele não é a mesma figura otimista com a qual já estamos acostumados, e logo um combate estoura entre os dois antigos companheiros. Ao mesmo tempo uma nuvem negra surge no lugar, distorcendo o espaço-tempo, uma nuvem que chamam de caos e junto dela aparecem inúmeras criaturas hostis. Desde esse ponto já podemos sentir claramente a noção de passagem de tempo muito bem construída pela Square Enix – realmente parece que anos e anos se passaram dentro daquele universo.

Entramos, então, na primeira luta do game e desde já somos apresentados à nova mecânica dos schemas – uma interessante variação do ótimo paradigm shift. Nesse novo modo de combate controlamos apenas Lightning que, por sua vez, pode alterar entre diferentes modos de ataque totalmente customizáveis - de quebra, cada um desses modos de ataque são definidos por roupas variadas da personagem, que acaba trazendo um dos elementos mais divertidos do game: coletar todos os uniformes.

Não ouso dizer que é um melhor sistema que o de FFXIII, devido a qualidade deste, mas é tão tático quanto e ainda mais frenético, sem deixar o elemento da diversão a desejar. O combate, que se desenrola em tempo real, sem turnos, é, sem dúvidas, a melhor qualidade de Lightning Returns e ele sozinho consegue prender o jogador do início ao fim do game.

Porém, nem tudo são flores no encerramento dessa saga: o problema do desenrolar da história do capítulo anterior se mantém, deixando o jogador ainda mais confuso. Há ainda um agravante: o jogo soa como uma grande sidequest, ao ponto que sua narrativa nos dá tanta liberdade, que parece não estarmos contribuindo para o desenrolar da trama. Ainda assim, o que prende os fãs da franquia na história é a aparição dos personagens passados, incluindo, mas não limitado a Snow, Hope e Vanille.

Ofuscando esses defeitos, contudo, está o sistema de passagem de tempo atrelado às sidequests. Como dito anteriormente, o mundo irá acabar em treze dias, isso graças ao caos gerado pela morte da deusa Etro em FFXIII-2. Com isso, cabe a Lightning salvar a alma de um grande numero de pessoas “boas” e colocá-las na Ark (uma arca de Noé tecnológica). Para coletar essas almas precisamos completar as quests e sidequests do jogo. Há ainda um agravante: devido ao avanço do caos, o mundo só irá aguentar mais seis dias. Para adiar a destruição para a data inevitável é preciso completar o máximo de objetivos possível.

Parece muita exploração da nossa heroína de cabelos cor de rosa? Não se preocupe, ao ajudarmos as pessoas também melhoramos os atributos como ataque, defesa, vida, etc – essa é a forma de level up do game. Para que servem as lutas então? Além de coletar itens-chave e habilidades, após cada batalha ganhamos gil (a moeda de Final Fantasy) e EP, pontos que são utilizados em habilidades especiais, como pausar o tempo por alguns instantes.

Mas realizar tais tarefas não consiste no simples falar com um npc e seguir os pontos no mini-mapa. Para começar, as quests aparecem de acordo com o horário, geralmente dividido entre 6h-18h, 18h-00h e 00h-06h, podendo haver variações. O tempo flui em todos os locais fora das batalhas, cutscenes e menus. Isso gera uma sensação única em Lightning Returns, que não é tão intensa nem mesmo em Majora's Mask: a de urgência. Nenhum segundo pode ser desperdiçado, o jogo pede que cada ação seja calculada, a fim de obtermos o melhor resultado possível. Somado a isso, os objetivos raramente são mostrados no mapa o que exige que o jogador efetivamente pense para completá-los, ao contrário do simples “ande até lá”. Impossível não lembrar dos primeiros Final Fantasy, que seguiam o mesmo formato e não eram tão misericordiosos com os jogadores.

Aproveitando essa reminiscência dos primeiros jogos da franquia, a trilha sonora também apresenta um tom de dinamismo semelhante ao que foi introduzido em FFIV. Permita-me explicar: o quarto jogo da série introduziu uma trilha que se adaptava de acordo com o que ocorria na tela, em detrimento daquela música constante dos anteriores. Em Lightning Returns temos músicas que variam de acordo com o horário, local, drama e tipo de luta, garantindo um grande acervo de musicas em toda a duração do jogo. Algumas dessas são inéditas e outras trazidas de volta de FFXIII e FFXIII-2.

No fim, o capítulo de encerramento da trilogia iniciada em Final Fantasy XIII definitivamente não será do agrado de todos. Tal aproveitamento requer que o jogador tenha ao menos jogado os dois anteriores. Dado sua merecida chance, contudo, Lightning Returns prova ser uma aposta ousada, inovadora e bem sucedida da Square Enix, nos entregando uma ótima variação do sistema de paradigmas de FFXIII. É um game que permite grande liberdade do jogador ao mesmo tempo que o prende dentro de uma grande nostalgia, o que nos faz voltar à pergunta: como você irá passar seus dias finais?

Lightning Returns: Final Fantasy XIII
Desenvolvedora: Square Enix, TriAce
Lançamento: 21 de Novembro de 2013 (Japão), 11 de Fevereiro de 2014 (EUA)
Gênero: Rpg
Disponível para: PS3, Xbox 360, PC