Crítica | Segredos de um Escândalo é uma sátira da família perfeita

Passaram-se 20 anos desde que Gracie (Julianne Moore) esteve no centro de um escândalo de proporções nacionais, envolvendo-se em um caso com Joe, quando ele ainda estava na sétima série. O incidente foi amplamente divulgado nos tabloides de todo o país, resultando na prisão de Gracie. Elizabeth (Natalie Portman) está passando alguns dias na residência de Gracie para entrevistar pessoas próximas a ela e entender melhor sobre o caso para seu próximo papel nos cinemas, que será interpretar a própria Gracie.

Todd Haynes realiza com maestria em Segredos de um Escândalo o que já havia feito em Carol, explorando o mundo das aparências e como uma pessoa se molda atrás de uma imagem construída para deixar - ou tentar deixar - no passado algo doloroso. 

A ideia de retratar a família americana como perfeita, vivendo o sonho americano, é algo que já foi belamente mostrado em Beleza Americana (1999) e que permanece relevante nas produções do gênero. No caso de Gracie, ela reside em Savannah, levando uma vida tranquila como se nada tivesse acontecido, embora a família tenha que lidar às vezes com "presentes" inesperados, como uma caixa com fezes deixada em sua porta.

Com roteiro de Alex Mechanik e da estreante Samy Burch, o filme adapta vagamente a personagem Gracie em Mary Kay Letourneau, uma professora que, em 1997, foi presa por ter relações sexuais com um aluno do sexto ano. O abuso começou quando ele tinha apenas 12 anos, resultando em seus dois primeiros filhos durante esse período, com eventual casamento entre eles. 

Um dos pontos destacados na trama, sob a habilidosa direção de Todd, é a maneira como Elizabeth é desenvolvida como Gracie. Elizabeth efetivamente assume a identidade de Gracie, gradualmente incorporando seus trejeitos e até mesmo adotando um estilo de vestir semelhante, criando uma espécie de duplicidade que Todd explora de forma intrigante.

É interessante observar como Haynes brinca com as convenções de gênero, criando expectativas no público. Às vezes parece ser uma narrativa criminal, em outros momentos parece que vai desenvolver algum suspense, com o uso de uma trilha sonora exuberante. Todos esses elementos estão presentes na trama, mas são trabalhados de uma maneira que o espectador não está acostumado a presenciar.

O foco do filme está na vida cotidiana e nos dilemas morais de Gracie, Elizabeth e Joe, este último ganhando mais destaque a partir do terceiro ato. As indicações ao Oscar da dupla de roteiristas na categoria de Roteiro Original são acertadas e premiam a eficiência narrativa proporcionada por Alex e Samy.

É conhecido o fascínio humano por tramas envolvendo criminalidade e tragédias, como exemplificado pela expressiva audiência de programas de grande apelo popular, como as produções criminais da Netflix, Mindhunter e Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes. Segredos de um Escândalo segue essa mesma linha ao inserir na trama uma atriz que busca literalmente se transformar em outra pessoa para interpretá-la com eficácia. No entanto, surge o questionamento: até que ponto há diferença entre parecer ser alguém e verdadeiramente interpretar esse alguém?

E sim, é inacreditável a ausência de Julianne Moore e nem Natalie Portman nas indicações ao Oscar de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante. Ambas as atrizes entregam performances excepcionais, com Julianne retratando de maneira convincente a mulher que cometeu o abuso e busca uma vida comum, enquanto Natalie brilha ao interpretar a mulher que busca se transformar em outra. Ambas mereciam um reconhecimento maior pela Academia e a falta de suas indicações é, de fato, surpreendente.

Segredos de um Escândalo é uma comédia dramática que aborda um tema crucial sem romantizá-lo, aliviando o peso de um assunto tão sério. Algumas situações lembram mais uma sátira do que um drama convencional, proporcionando uma abordagem única e cativante. Indiscutivelmente, é uma obra marcante e um acerto significativo por parte de Todd Haynes.

Segredos de um Escândalo (May December, EUA – 2023)

Direção: Todd Haynes
Roteiro: Samy Burch, Alex Mechanik
Elenco: Natalie Portman, Julianne Moore, Charles Melton, Chris Tenzis, Andrea Frankle, Gabriel Chung, Mikenzie Taylor, Elizabeth Yu
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 117 min


Crítica | A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets - Uma sequência sem brilho

Quando A Fuga das Galinhas estreou, em meados de 2000, rapidamente se tornou um grande sucesso comercial e de crítica, sendo totalmente ignorado pelo Oscar, que naquela época não possuía uma categoria específica para obras de animação. Agora, após longos 23 anos, a Netflix lança uma sequência intitulada A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets, que finalmente saiu do papel, mas não possui nem de longe o brilho nem o apelo da história original.

No primeiro filme, os animais causaram uma revolução para fugir da fazenda da Sra. Tweedy antes que fossem transformados em deliciosas tortas. Já na continuação, a ideia é que os bichos invadam uma fábrica de nuggets de frango, também comandada pela Sra. Tweedy. A trama se desenrola após a filha de Ginger e Rocky, Molly, por acaso parar ali e acabar em perigo junto com sua amiga.

O responsável por comandar o longa de 2000, o estúdio de animação especializado em stop motion, a Aardman Animations, após o sucesso da obra acabou investindo em novas produções do gênero, como Por Água Abaixo (2006) e Shaun, o Carneiro (2015). Embora não houvesse planos para retornar com uma sequência da produção, para o bem ou para o mal, acabaram mudando de ideia.

O roteiro assinado pela dupla Karey Kirkpatrick e John O'Farrell,  responsáveis pelo primeiro filme, junto com a estreante Rachel Tunnard, não traz nada de novo nem surpreendente em termos narrativos, mas diverte e empolga em algumas situações, principalmente quando utilizam da licença poética para fazer referências à consagradas obras da cultura pop, como James Bond e Missão Impossível.

A continuação dirigida por Sam Fell (ParaNorman) nem de longe lembra o original, principalmente em relação ao roteiro, que é basicamente mais do mesmo: os animais se veem com problemas relacionados à vilã Sra. Tweedy e precisam fazer algo para sair daquela situação imposta a eles. Nesse caso, Ginger e Rocky precisam salvar Molly de virar um suculento nuggets. 

A mensagem se mostra repetitiva, principalmente se levarmos em conta que o roteiro fez praticamente a mesma coisa que o longa de 2000, somente inserindo novos personagens e situações de perigo à trama. Mas a mensagem em si, da morte de animais para serem usados como alimentos, se mantém. Houve uma brecha para trabalhar um assunto bastante atual, que é a questão do meio ambiente, mas que Sam Fell não soube explorar e perdeu a oportunidade de abordar o tema. 

A ideia de apresentar os frangos sendo levados para o abate é apavorante, mas seu foco principal é mostrar para o público a origem daquilo que está à sua mesa, no caso, de onde vem o frango assado do domingo. 

O humor se mostra bastante presente no roteiro, servindo como uma ferramenta para entreter o público, mas paradoxalmente, essa presença cômica não é acompanhada pela mesma intensidade de destaque aos personagens. Nesta continuação, o galo, que desempenhou um papel central no filme original, é quase relegado a um status de personagem secundário, sem receber a mesma importância na trama. Isso ocorre para que Molly e sua jornada recebam mais tempo de tela. 

Como animação, A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets é um bom entretenimento e cumpre a sua proposta de divertir e entreter, mas, por ser algo repetitivo, acaba decepcionando, principalmente os fãs que esperaram tanto tempo para rever aqueles personagens tão cativantes novamente em ação.


Review | The Last of Part II Remastered é a 2ª chance que o jogo sempre mereceu

Review | The Last of Us Part II Remastered é a 2ª chance que o jogo sempre mereceu

2020 não foi um ano fácil para bilhões de pessoas. A pandemia estava em seu auge e as opções de entretenimento eram pouquíssimas. Uma das obras mais desejadas do ano era o lançamento do então muito aguardado The Last of Us Part II que, poucas semanas antes de ser disponibilizado, sofreu um vazamento em massa que trazia detalhes muito significativos da trama. 

Detalhes esses que eram quase impossíveis de acreditar na época, causando uma revolta intensa nos fãs. Em questão de horas do lançamento, todos os boatos inimagináveis se confirmaram e uma onda de tristeza acometeu os fãs da franquia estrelada por Ellie e Joel. Foi um evento tão poderoso que me arrisco até a dizer que sem precedentes no entretenimento, dividindo profundamente a base de fãs até hoje. 

Agora, após a Naughty Dog trabalhar por anos no remake do primeiro jogo, a previsível remasterização do segundo jogo será lançada agora, pouco mais de três anos depois, chegando ao PlayStation 5 com algumas novidades bem interessantes que podem justificar o investimento de R$ 50 para fazer o upgrade, caso ainda tenha a cópia original de PS4. Depois de tanto tempo, essa foi a primeira vez que joguei novamente o título que, certamente, melhorou com o tempo. 

https://www.youtube.com/watch?v=O5xlXOKgJDA

A vingança nunca é plena...

É praticamente impossível qualquer gamer de PlayStation não saber o que raios aconteceu para The Last of Us Part II ter causado o polêmico impacto na base de fãs em 2020. Ainda assim, caso por um milagre você não saiba do que se trata, recomendo pular a leitura para o próximo tópico, pois este aqui terá alguns pequenos spoilers do que acontece na primeira hora de jogo. 

Sem dúvidas, o diretor e roteirista Neil Druckmann teve bastante coragem em realizar o movimento inimaginável de executar Joel, um personagem icônico da marca como um todo, já nas primeiras horas de jogo. A cisão do carismático protagonista do jogo original com o jogador é tão profunda que admito que fiquei bastante revoltado na época. A experiência inteira de ter jogado a campanha foi extremamente triste e depressiva. 

Nada colaborou também com o fato do jogo ser massivo, possuindo quase vinte horas de campanha, trazendo duas protagonistas em um estudo até então inédito de narrativa em explorar os conceitos de herói e vilão. Ao contrário de Red Dead Redemption 2, The Last of Us Part II não traz uma catarse de redenção, é sobre um ciclo contínuo e infinito de vingança, um Hartfield & McCoys moderno. 

Ao longo de toda a campanha, diversos atos de violência extrema ressoam entre os personagens em conflitos primários, secundários e até mesmo entre as facções que vemos se digladiar durante o jogo com os Lobos vs. os Serafitas - um conflito que tanto Ellie e Abby ficam alheias por estarem em demandas pessoais. 

Rejogar o título dessa vez, após anos lidando com a escolha criativa que a Naughty Dog tomou, finalmente consegui estar em paz com isso e apreciar o jogo pelo o que ele é e parar de reclamar de algo que ele poderia ter sido. Era possível contar uma história melhor e mais interessante, aproveitando mais dos personagens clássicos? 

Com certeza, mas não é possível mudar o que foi feito. Então, dentro da proposta surreal de Druckmann, a história funciona e, acredite, é preciso estar atento aos detalhes porque muitas coisas relevantes da história são mencionadas com bastante sutileza, além de exigir um raciocínio do jogador em montar as partes e comparar as jornadas dos personagens. 

Logo, a história fluiu melhor, apesar de nem tudo funcionar. Ainda é complicado acreditar no desfecho do jogo, após tanta carnificina e desmembramentos, há um maniqueísmo intenso em termos de level design entre Ellie e Abby, além dos novos personagens que não chegam nem perto de impactar como os coadjuvantes que acompanharam Joel e Ellie na primeira jornada.

Na parte de jogabilidade, já é sabido: o game é muito gostoso de jogar. A exploração recompensa, a atmosfera é terrivelmente única, o tiroteio é prazeroso, além da imersão ser praticamente inigualável. Trata-se mesmo de um material muito especial e bem pensado. Agora com a remasterização, há aprimoramentos sutis nas texturas e uma melhora nas animações faciais - principalmente nas que envolvem as finalizações furtivas. 

Agora, o jogo pode ser executado em 4K nativo, variando de 40 a 60 quadros por segundo, ou funcionar em 1440p com fps que podem superar a marca dos 90 - para televisores com suporte à altas taxas de atualização e VRR. Uma pena, porém, que ainda são necessários alguns patches para manter a taxa de quadros um pouco mais constante. Em passagens mais exigentes no visual, como a guerra civil na ilha dos Serafitas, há quedas bastante bruscas nos dois modos, o que atrapalha a jogabilidade. 

De resto, pode jogar com tanta fluidez e nitidez de imagem, é realmente um privilégio por si só - ainda mais agora que o jogo original não conta mais com o patch gratuito de 60 fps lançado no primeiro ano do PS5. Há também outro aprimoramento que ajuda na imersão do título, mas que será pouco notado: as draw distances estão bem maiores, trazendo panoramas mais belos e detalhados do que antes, com horizontes sem fim - tanto Jackson e Seattle quanto a fazenda de Ellie se beneficiaram muito com esse refinamento sutil. 

Entretanto, essas estão bem longe de serem as principais novidades que a remasterização traz consigo. 

Mata a alma…

A versão remasterizada traz um caminhão de extras, sendo o principal deles o novo modo Sem Volta, com mecânicas roguelike trazendo desafios diferentes a cada sessão. De fato, a Naughty Dog teve bastante trabalho para criar a novidade, pois ela é bastante completa, servindo até mesmo com um DLC independente - se fosse o caso. 

No Sem Volta, o jogador pode controlar diferentes personagens do jogo - a maioria deles é desbloqueado ao jogar com outros, trazendo abordagens diversas de combate com experiências equilibradas, dano corporal, fabricação de itens, especialista em armas, etc. A variedade adiciona doses de desafio bastante distintas, o que deixa o modo mais interessante por um período maior. 

São cinco partidas em uma sessão, terminando contra um chefe de fase que pode ser um Baiacu, uma horda, o Rei dos Ratos ou os serafitas mais parrudos que encontramos no meio da campanha. Após cada partida, o jogador retorna a um hub para fazer aprimoramentos de armas, comprar novos equipamentos e aumentar habilidades para então escolher a próxima partida. 

Infelizmente, nenhum novo inimigo é adicionado. Ao longo da sessão, as partidas podem ganhar modos diferentes: Ataque que é o padrão de ondas, Caçada na qual o jogador é caçado e deve sobreviver por um limite de tempo, Captura no qual é preciso conquistar um território e Resistência onde o objetivo é proteger o companheiro de ataques de hordas de inimigos - estes variam apenas entre Lobos, Serafitas e infectados.

O jogo também dá a opção de realizar partidas totalmente customizadas, adicionando os modos que quer jogar e o chefe final. Diversos modificadores divertidos podem ser adicionados como slow motion, chuva de molotovs, inimigos que soltam bombas ao morrer, modificadores de nível de saúde, névoa densa, chuva, armadilhas, bônus de dano, recompensas de fabricação, etc. A Naughty Dog realmente adiciona muitas opções para dar vida ao modo. 

Com certeza é uma experiência divertida, mas admito que ela pode envelhecer rápido por ter sido pensada para somente um jogador. Caso tivéssemos um modo cooperativo, o Sem Volta seria muito mais divertido e viciante, já que há uma boa barra de progressão de desafios para liberar personagens, skins e outros bônus. Uma verdadeira pena. Ainda assim, é louvável que o estúdio tenha presenteado os fãs com essa novidade. 

Além disso, existem os alardeados níveis perdidos que trazem apresentação em vídeo com um Neil Druckmann muito desanimado e comentários entusiasmados dos desenvolvedores. São três níveis: Festa em Jackson, Esgotos e A Caçada. Se juntar todos, não dão nem quinze minutos de conteúdo inédito. A experiência é interessante por podermos ver como é um estado não finalizado de um jogo, mas apenas isso. Poucos detalhes de narrativa importam aqui. Honestamente, eu esperava mais deste conteúdo que acabou se provando o menos interessante do pacote inteiro. 

O remaster também traz o modo de New Game+ e também a adição de comentários dos desenvolvedores e elenco ao longo do jogo inteiro após a conclusão da campanha. Então é uma mistura muito valiosa que pode entreter por horas se for um gamer que se interessa por bastidores. Outros extras como artes conceituais são disponibilizados além do modo livre para tocar violão no minigame disponibilizado na campanha. Aqui, o jogador pode escolher diferentes instrumentos como violas, banjos e guitarras, além de adicionar efeitos sonoros no instrumento. Com certeza vai render muitos vídeos interessantes de jogadores tocando suas músicas favoritas. 

E a envenena

The Last of Us Part II Remastered traz bastante conteúdo inédito para justificar sua compra no upgrade pago para quem possui o original. E a compra também faz sentido para quem não tem mais o jogo ou que nunca o jogou antes. Certamente, depois de três anos, é um pacote bem-vindo que pode jogar luz à uma discussão ainda assombrada pelo ressentimento dos fãs. 

Afinal, o lançamento original também sofreu tremendamente com o estado psicológico geral que as pessoas se encontravam, durante o isolamento ferrenho das quarentenas, o pessimismo traumático e também a enxurrada da presença online, fomentando discussões intensas sobre o conteúdo da história. 

Por isso, trata-se de uma experiência bastante distinta da que a maioria sentiu originalmente que vale a nova visita. O jogo segue um manjar para os olhos, extremamente gostoso de jogar, com níveis desafiadores e ainda repletos de tensão pela atmosfera inebriante apresentada. The Last of Us Part II envelheceu como vinho e merece ser degustado novamente com uma outra cabeça mais amadurecida. 

Agradecemos a PlayStation pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.


Review | Prince of Persia: The Lost Crown é a melhor adição da franquia desde Sands of Time

Review | Prince of Persia: The Lost Crown é a melhor adição da franquia desde Sands of Time

Prince of Persia: The Lost Crown surge como uma emocionante revelação da Ubisoft, marcando o início do ano com um título de uma das séries mais emblemáticas sob sua égide, uma franquia que desempenhou um papel crucial na formação da identidade atual da empresa. Curiosamente, a série permaneceu inativa nos consoles por mais de 13 anos, com seu último lançamento, Prince of Persia: The Forgotten Sands, datando de 2010.

Durante esse hiato, o Príncipe da Pérsia fez algumas aparições, como no jogo Shadow and The Flame para dispositivos móveis (um remake do clássico Prince of Persia 2 de 1993) e em referências dispersas em jogos de outras franquias, sendo a mais recente em Assassin's Creed Mirage, onde elementos da série do príncipe, como a adaga do tempo, a espada de areia e a ampulheta, foram incorporados como adereços no jogo.

A Ubisoft, há algum tempo, demonstra interesse em ressuscitar o príncipe nos videogames, o que seria uma notícia bem-vinda, especialmente considerando a queda no interesse pelas franquias carro-chefe como Assassin's Creed e Far Cry nos últimos anos. Embora um remake de Prince of Persia: The Sands of Time tenha sido anunciado anteriormente, problemas percebidos levaram os desenvolvedores a adiar indefinidamente o lançamento para realizar ajustes necessários. Parecia que o príncipe ficaria ausente por um tempo considerável, até que o inesperado anúncio de The Lost Crown trouxe alegria aos corações dos fãs mais dedicados.

https://www.youtube.com/watch?v=I-ra1bksSzs&ab_channel=IGN

Um Novo Capítulo

No entanto, nem todos os entusiastas de longa data da série receberam o anúncio com entusiasmo. Alguns expressaram preferência pela continuação do remake de The Sands of Time, compreensível, dado que essa é, sem dúvida, a encarnação mais reverenciada do príncipe. Contudo, é crucial recordar que o príncipe, desde sua estreia em 1989, passou por várias metamorfoses. Sands of Time representou o primeiro reinício da série, originada nos computadores Apple II, MS-DOS e posteriormente portada para o Super Nintendo. Após a conclusão da trilogia Sands of Time, houve outro reinício em 2008. Agora, temos uma versão que mescla os melhores elementos dos jogos anteriores com novos aspectos. Em resumo, não é necessário conhecer a história ou o lore dos jogos anteriores para apreciar essa nova jornada.

Na narrativa inédita, o reino da Pérsia é protegido por uma elite autodenominada "imortais". Quando o príncipe Ghassan é sequestrado, a rainha convoca sete guerreiros imortais para resgatá-lo, levando-os ao místico Monte Qaf, domínio de Simurgh, deus da sabedoria e do tempo, onde eventos misteriosos ocorrem.

Embora esta seja uma nova continuidade, os fãs mais antigos perceberão várias referências ao legado da série. O novo protagonista é Sargon, um dos guerreiros imortais, cuja missão é resgatar o príncipe. Essa ideia remete ao conceito do cancelado Prince of Persia: Assassins, onde o jogador atuaria como guarda-costas do príncipe, servindo de base para o que se tornaria Assassin's Creed.

O jogo é um side scroller de plataforma 2D, semelhante ao jogo original de 1989, mas agora com elementos de RPG e exploração no estilo metroidvania, popularizados por Metroid e Castlevania nas décadas de 1980 e 1990. Elementos como a poção de cura, arco e flecha para ataques à distância, além da ideia de viagem no tempo, são integrados à narrativa e ao gameplay de maneira única.

Uma Nova Perspectiva

Os desenvolvedores optaram por um estilo cartunesco, animado em cel shading usando a técnica de key frames, uma escolha que difere dos recentes jogos AAA que favorecem a captura de movimentos. O jogo apresenta um mundo vibrante com detalhes notáveis, como a cena de um barco pirata congelado no tempo, destacando-se pela riqueza visual.

No geral, o estilo e a narrativa do novo Prince of Persia lembram um anime shonen. Ao estabelecer a nova mitologia do jogo, é introduzido o conceito de "Athra", um poder interior que, quando controlado, permite feitos sobre-humanos, assemelhando-se a conceitos encontrados em animes. Esta adição enriquece o lore do jogo, destacando sua conexão com a mística e filosofia orientais.

Os combates do jogo, reminiscentes de animes, são coreografados de maneira envolvente, com movimentos exagerados e elementos como auras de energia, super velocidade, teleporte e cortes fantasmagóricos. A sensação é a de assistir a um anime shonen ambientado na antiga Pérsia após jogar, alimentando a imaginação sobre o que o futuro pode reservar.

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Ubisoft

Melhorando e Avançando

Dado seu formato metroidvania, o jogo enfatiza a exploração, permitindo que o jogador escolha seu caminho até encontrar obstáculos indicando a necessidade de upgrades ou itens-chave para avançar. O modo guiado auxilia na navegação, marcando o próximo objetivo no mapa quando necessário, evitando que os jogadores se percam.

Para progredir no Monte Qaf, o jogador enfrenta desafios de plataforma em cada upgrade, proporcionando sessões cada vez mais desafiadoras. Para os veteranos de metroidvanias, superar esses desafios é parte da experiência, mas para os jogadores casuais, a Ubisoft introduziu um modo de plataforma guiada, tornando o jogo mais acessível.

O combate, uma parte essencial, apresenta nuances que ampliam o interesse do jogo. À medida que o jogador conquista upgrades, novas possibilidades de ataques e combos se desbloqueiam, incentivando o treinamento nos desafios disponíveis no refúgio, local central para aprimoramentos.

O Refúgio é visitado com frequência, permitindo melhorias em armas, poções e aquisição de itens como amuletos mágicos. Estes amuletos, comprados ou encontrados, conferem resistência adicional, novas opções de ataques ou vida extra. Cristais e moedas de Xerxes, obtidos em desafios de plataforma e combates, são usados para comprar mercadorias e aprimoramentos.

A árvore wayku, que serve como checkpoint, também abriga os poderes de athra, desencadeados durante o combate com a barra cheia. A mecânica, semelhante a jogos hack n' slash, recompensa jogadores que evitam dano.

Impressionante é a variedade de inimigos, com lutas contra chefes oferecendo desafios únicos que exigem criatividade na abordagem. A trilha sonora, inspirada na música clássica do Oriente Médio, e o design de som excepcional amplificam a experiência de exploração e combate.

O jogo também inclui nove sidequests, não essenciais, mas que enriquecem a história principal e incentivam a exploração. Ao longo do caminho, o protagonista, Sargon, interage com personagens curiosos, como a jovem Fariha e a maga anciã, adicionando profundidade ao enredo.

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Conclusão

Após mais de uma década de ausência, Prince of Persia retorna triunfantemente com The Lost Crown, um excelente metroidvania que cativará tanto os fãs da série quanto os entusiastas do gênero. Com animação soberba, combate frenético e plataformas criativas, a Ubisoft entrega um dos seus melhores jogos da última década. Este renascimento sugere um futuro promissor para a Ubisoft, mostrando sua capacidade de oferecer jogos de alta qualidade com inovação, além das franquias consagradas. Prince of Persia: The Lost Crown é, sem dúvida, o prelúdio de um capítulo promissor na indústria de games.

Agradecemos a Ubisoft pela cópia gentilmente cedida para a análise.


Crítica | Maestro - Uma homenagem ao legado de Leonard Bernestein

Bradley Cooper busca freneticamente, podemos dizer assim, o seu primeiro Oscar. Indicado quatro vezes na categoria de Melhor Ator, o astro aposta em um novo projeto. Trata-se de Maestro, uma biopic que reproduz a vida do músico Leonard Bernstein e que tem como objetivo trazer à tona e popularizar o legado do artista. 

Após dirigir de forma competente o filme Nasce uma Estrela (2018), produção que já havia ganhado outras versões para o cinema, desta vez o cineasta e ator trabalhou com uma história mais autoral e contou com cooperação como produtor de Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores). E Cooper não decepciona, a produção é incrivelmente bem dirigida e traz ótimos diálogos e reflexões. 

Leonard Bernstein pode não ser um nome popularmente conhecido pelo público em geral, mas é sabido que foi um dos grandes expoentes da música erudita contemporânea americana. Ele foi responsável por criar obras importantes para a Broadway, como o conhecido Amor, Sublime Amor (West Side Story), além de ter contribuído para a popularização da música clássica entre o grande público, antes vista como algo elitista.

Vida e obra de um artista

Por ser uma cinebiografia focada mais na vida pessoal de Bernstein do que propriamente em sua vida artística, mais especificamente em seu relacionamento com sua esposa Felicia Montealegre (Carey Mulligan), o longa tenta dar maior ênfase a outros temas, como a conexão de Bernstein com seu amante e sua ligação com a música. No entanto, o cerne da trama é apresentar a rotina de Leonard e sua companheira como casal.

Comparando com outra cinebiografia de grande sucesso entre os espectadores, como o caso de Bohemian Rhapsody (2018), que optou por deixar de lado questões mais pessoais sobre Freddie Mercury para se concentrar exclusivamente na trilha de sucesso do grupo Queen, Maestro aborda a vida de Leonard Bernstein de maneira diferente. O filme foca quase que unicamente no homem Bernstein, explorando não apenas sua trilha de sucesso, mas também intimamente sua vida pessoal, o que é um grande acerto por parte do roteiro.

O roteiro, de autoria de Bradley Cooper e co-escrito por Josh Singer, além de se concentrar em apresentar ao público o ser humano Leonard Bernstein, também tem como objetivo introduzi-lo a uma audiência atual e que desconhece o histórico personagem. 

O filme explora de maneira inteligente um elemento peculiar para uma produção sobre música: o silêncio. Essa escolha é eficaz e irônica, já que se trata de uma cinebiografia sobre um músico consagrado. Contribuindo, assim, para que a narrativa seja trabalhada em cima das relações humanas e dos dramas pessoais do artista.

Uma história recheada de camadas

O rico roteiro é repleto de camadas e momentos reflexivos a serem explorados. O relacionamento com a esposa e a filha, a fama, o dia a dia de seu trabalho como músico e, principalmente, um elemento que merecia mais destaque por parte de Cooper e só é apresentado com mais força a partir do segundo ato, que é a questão da homossexualidade do maestro. O personagem se vê obrigado a esconder seu relacionamento do público, gerando assim uma crise conjugal e dando mais destaque à personagem de Felicia.

Na primeira uma hora do filme, a sexualidade de Bernstein é um elemento bastante secundário na trama, só ganhando mais destaque no segundo ato, quando o artista se vê obrigado a esconder a verdade de sua filha e do público, motivado pelo medo das consequências sociais. Cooper aborda essa questão com muita sensibilidade e emoção, lembrando a semelhança ao que foi feito em O Segredo de Brokeback Mountain (2005), coincidentemente, também com Carey Mulligan no centro da história.

A direção de Bradley Cooper, se não é perfeita, pelo menos é bem encaminhada, e as escolhas do cineasta em explorar certos momentos da vida do músico são acertadas. O longa começa colorido, e ao retornar ao passado para narrar o início da trajetória de sucesso de Bernstein, há uma alteração na paleta de cores para preto e branco

É bastante provável que parte do público considere Maestro um filme parado ou até mesmo entediante, e a verdade é que seu ritmo é, de fato, maçante, concebido de maneira intencional. Os longos takes com diálogos extensos e situações pouco relevantes à narrativa contribuem para essa sensação. No entanto, quando a trama se concentra em Leonard Bernstein regendo, torna-se um espetáculo à parte. Em uma belíssima cena, Bernstein conduz uma orquestra em uma catedral, apresentando a Segunda Sinfonia de Mahler. Cooper entrega uma atuação magnífica, elevando a música ao seu ponto alto.

Bradley Cooper está fantástico, e não seria nenhum exagero afirmar que merece, no mínimo, uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. Apesar de alguns overactings contidos, Cooper utiliza a técnica de forma a entregar uma atuação carregada de emoção, sem transformar seu personagem em uma versão caricata de si mesmo.

É verdade que Maestro é uma aposta da Netflix para a temporada de premiações, com foco no Oscar, e a obra é sim intrigante, simbolizando um período de ouro para os americanos. Trazer à luz a vida de um artista tão conhecido e que havia sido deixado de lado pelo público atual é um dos grandes acertos da produção. 

Maestro (idem, EUA – 2023)

Direção: Bradley Cooper
Roteiro: Bradley Cooper, Josh Singer
Elenco: Carey Mulligan, Bradley Cooper, Matt Bomer, Vincenzo Amato, Michael Urie, Brian Klygman, Nick Blaemire
Gênero: Biografia, Drama, História
Duração: 129 min

https://www.youtube.com/watch?v=1AYIC4e9lZg


Crítica | Saltburn - Frustra por não atender as expectativas

Emerald Fennell deixou de ser uma promessa para se tornar uma realidade no meio do audiovisual ao receber o Oscar na categoria de roteiro original por Bela Vingança, primeiro filme da carreira da cineasta que causou grande impacto quando foi lançado. Agora, a diretora retorna com o monótono Saltburn, um longa que, entre erros e acertos, pode ser considerado bastante excêntrico.

A trama acompanha a vida de Oliver Quick (Barry Keoghan) em seus primeiros dias na Universidade de Oxford. Enquanto navega pela rotina de estudos, ele conhece Felix Catton (Jacob Elordi), um jovem de família renomada que vive literalmente em um castelo, enquanto Oliver é de família mais simples e afirma que seus pais têm problemas com drogas e faz de tudo para entrar no círculo social de Felix. Para se integrar ao círculo social de Felix, Oliver precisa conquistar o jovem.

Fennell assina o roteiro, e há alguns elementos que a jovem diretora precisa aprimorar. Isso inclui seus finais fracos e o desenvolvimento das narrativas. Em Saltburn, a roteirista e cineasta introduz um mistério maior do que a trama consegue sustentar. Pelo menos até o terceiro ato, a narrativa parece mais focada em uma história de amor obsessiva, sem dar indícios claros sobre a verdadeira natureza da história.

Diferentemente de Garota Exemplar, em que David Fincher apresenta as intenções da protagonista imediatamente, Fennel parece enrolar um pouco até chegar ao resultado desejado. Somente no último ato, percebe-se a verdadeira intenção da diretora com sua obra e seus personagens, especialmente Oliver. Não se trata de uma produção sobre amor possessivo, como inicialmente se imaginava, mas sim sobre a obsessão de ser outra pessoa. No caso, Oliver almeja uma vida que até então não possuía.

Esse desfecho vem acompanhado de um plot twist excessivamente previsível, especialmente após uma sequência de velórios que torna mais evidentes as ambições do jovem Oliver. A relação homoerótica, embora desejada por Oliver, não se concretiza e não é devidamente desenvolvida pelo roteiro, permanecendo estagnada. O Talentoso Ripley (1999) lida com essa questão e os efeitos de uma pessoa vivendo como outra de maneira muito mais competente.

É de se questionar o final de Saltburn, principalmente considerando que a construção do último ato foi bem estruturada. Embora tenha sido criada toda uma atmosfera de suspense e a trama tenha progredido de maneira satisfatória, o desfecho não surpreende, chegando a beirar a breguice na forma como as questões são resolvidas.

Se em Bela Vingança a ideia era a de denunciar os violentos abusos enfrentados pelas mulheres, em Saltburn a cineasta critica os luxos e a ostentação dos ricaços ingleses. Com um visual deslumbrante e filmado de maneira a destacar a fortuna dos Catton, fica evidente que Oliver e Farleigh (Archie Madekwe), outro amigo de Felix frequentemente convidado para a propriedade, e que são tratados como animais de circo e que estão ali apenas para entreter os familiares com suas tristes histórias. 

As várias cenas desnecessárias, além de serem de péssimo gosto, não acrescentam nada à narrativa, como a profanação de um túmulo realizada por Oliver. O ponto alto da trama é, sem dúvida, a atuação de Barry Keoghan, que beira ao perturbador em alguns momentos. O suspense é um elemento importante para o filme, que funciona em certas ocasiões, enquanto em outras se mostra bastante superficial.

Barry Keoghan é frequentemente visto desempenhando papéis excêntricos ou interpretando figuras bizarras nos filmes em que atua, como o estranhíssimo O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017). Aqui, não é diferente, com um protagonista exagerado e de aspecto assustador, que claramente esconde algo por trás daquela aparente timidez. O resto do elenco também está ótimo, assim como o sedutor Jacob Elordi. Enquanto que Rosamund Pike, poderia facilmente ter mais tempo de tela, considerando que sua personagem, mesmo sendo secundária, é uma mulher fútil, indiferente e solitária dentro daquele enorme castelo.

Saltburn deixa claro o potencial de Fennell como diretora, mas a ousadia na conclusão e o refinamento na abordagem dos temas poderiam elevar a obra a um patamar ainda mais elevado. Apesar de ser bem filmado, peca no roteiro ao buscar ser uma obra chocante e perturbadora, sendo que nada disso era necessário. Fennell tem um grande futuro pela frente, e Saltburn destaca isso de maneira expressiva.

Saltburn (idem, EUA – 2023)

Direção: Emerald Fennell
Roteiro: Emerald Fennell
Elenco: Barry Keoghan, Jacob Elordi, Rosamund Pike, Richard E. Grant, Archie Madekwe, Sadie Soverall
Gênero: Comédia, Drama, Suspense
Duração: 131 min


Crítica | O Mundo Depois de Nós traz uma mensagem atual de forma inteligente

Imaginem se, neste exato momento, o mundo fosse alvo de um ciberataque tão devastador que deixasse as pessoas completamente isoladas, impossibilitadas de acessar a internet, assistir às suas séries favoritas pelo streaming ou mesmo utilizar as redes sociais para se informar e se comunicar. E, para piorar, considerem que esse ataque cibernético fosse tão poderoso a ponto de tornar impossível a recuperação da comunicação digital, restando como única opção o retorno ao analógico, deixando de lado todo o mundo digital. Essa é a intrigante premissa do longa da Netflix O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail), que tem gerado grande alvoroço.

Apesar de o filme não apresentar uma ideia completamente inovadora, ainda assim seu roteiro aborda uma discussão bastante atual, que se encontra presente em diversos estudos acadêmicos e em debates nas redes sociais. A produção explora a possibilidade do que ocorreria caso o mundo fosse subitamente atingido por um blecaute digital, forçando-nos a enfrentar o isolamento de qualquer tipo de conexão digital. Nesse contexto, somos obrigados a retornar a uma época anterior, onde a comunicação era feita de maneira presencial, cara a cara.

Não é a primeira vez que a Netflix explora tramas apocalípticas sob uma perspectiva diferente, como ocorreu em produções anteriores, como Bird Box (2018) e Não Olhe para Cima (2021), E é bastante provável que essa não seja a última vez que isso aconteça, até porque esse tipo de roteiro continua a atrair um público ávido por narrativas com essa temática. A preocupação com a possibilidade de o mundo acabar, seja por motivos ambientais ou ameaças letais, é um tema recorrente na mídia.

A trama acompanha uma família que está de férias quando ocorrem eventos misteriosos relacionados a um ciberataque. O casal Amanda Sandford (Julia Roberts) e Clay Sandford (Ethan Hawke) se depara com a presença inesperada de G. H. Scott (Mahershala Ali), um homem que havia alugado sua casa para a família e precisa passar a noite com sua filha ali por circunstâncias não esclarecidas.

O roteiro, escrito pela dupla Rumaan Alam e Sam Esmail, pode frustrar parte do público devido à falta de ação e ao seu ritmo lento, não apresentando o caos típico das produções do gênero. Entretanto, esse elemento está presente na trama sob uma perspectiva diferente.

A ideia de introduzir uma desordem silenciosa à história é algo bastante inteligente. Um ciberataque, de fato, é algo que os governos mundiais devem temer, sendo essa possivelmente a guerra do futuro. Os hackers, ao silenciar uma nação, têm a capacidade de isolar completamente um país, facilitando seu domínio. Isso ocorre porque o digital vem ganhando cada vez mais espaço e poder em relação ao analógico.

Digital x Analógico

Cheio de mensagens no roteiro, a trama não se perde ao apresentar várias situações e foca de forma imediata no ataque hacker e no vício pelo digital que a sociedade atual enfrenta. A filha mais nova de Amanda e Clay, Rose Sandford (Farrah Mackenzie), é completamente dependente do mundo digital e não compreende o motivo pelo qual a internet está falhando, impedindo-a de assistir ao final de sua série favorita: Friends.

O incômodo de Rose por não poder assistir ao final de Friends e sua obsessão pelo desfecho da série se destacam na narrativa. Em uma das cenas, a garota expressa que o seriado a faz feliz, justificando assim seu desejo de assistir ao episódio final. Contudo, essa felicidade revela-se superficial, sendo uma metáfora inteligente sobre como as pessoas atualmente muitas vezes se preocupam mais com questões fúteis e insignificantes do que com eventos mais sérios. Essa temática é evidenciada em outra cena interessante, na qual Clay deixa uma mulher desesperada falando sozinha no meio da estrada, seguindo seu caminho sem se importar com o que ficou para trás.

Esse debate sobre digital x analógico não é novo e vem ganhando bastante força nos últimos anos. A narrativa reflete essa discussão com vigor na cena final, em que a garota só consegue assistir ao final de Friends após encontrar uma coleção de DVDs. Claro que algumas questões não são aprofundadas, como a discussão sobre como era o mundo antes da proliferação da internet e o que é real ou não nesse mundo digital cada vez mais conectado.

Sam Esmail acerta na maneira como desenvolve a tensão e na resolução dos mistérios. Apesar de parecer um filme com ritmo lento, essa ausência de ação faz sentido para a trama, uma vez que os acontecimentos em si já são bastante aterrorizantes. A ótima direção de Esmail se destaca na forma como filma, incluindo uma cena impactante de um avião caindo e o uso estratégico de takes de bird's-eye view para criar uma maior vulnerabilidade para os personagens frente às situações que encontram pela frente.

O Mundo Depois de Nós é uma boa produção, mal parece ser um filme da Netflix, graças à sua trama inteligente e direção competente. Ao questionar o vício digital nos dias atuais e explorar como a comunicação, em vez de aproximar, muitas vezes acaba afastando as pessoas e, ao invés de criar vínculos, frequentemente resulta em destruição. Sem dúvida uma das grandes obras do ano. 

O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind, EUA – 2023)

Direção: Sam Esmail
Roteiro: Rumaan Alam, Sam Esmail
Elenco: Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha'la, Farrah Mackenzie, Charlie Evans, Kevin Bacon
Gênero: Ação, Aventura, Fantasia
Duração: 138 min

https://www.youtube.com/watch?v=X6UBHGb0OA0


Crítica com Spoiler | Rebel Moon - Parte 1: A Menina do Fogo - Uma Bela Frustrante Promessa

Crítica com Spoiler | Rebel Moon - Parte 1: A Menina do Fogo - Uma Bela Frustrante Promessa

Sinceramente, estou confuso sobre em qual pé de guerra que o usual conflito em volta do fatídico nome Zack Snyder, nos encontramos no momento

Uma rápida visita online revela o de sempre: Seus fãs são a rebelião defendendo cegamente seu pobre mal tratado visionário da crueza egocêntrica dos críticos incapazes de enxergar valor na sua obra e estilo.

Enquanto que os críticos que adoram tirar sarro desses fãs, indo perder seu tempo fazendo críticas aos filmes que eles já declaradamente entram prontos para desgostar pois desde sei lá quando decidiram que tudo que sai desse nome e sua fan base ‘não é cinema’. Ironicamente estes são sempre os primeiros a irem debater um novo filme podre de premiações e festivas onde suas críticas de juízo de valor feitas ao Snyder simplesmente não encaixam justamente quando deveriam.

Nisso, o caos sociológico se afunda em um amargo âmago de ódio. Não há clareza. Subjetividade crítica é substituída por zombaria em meio aos gritos de defesa e clamor. Isso poderia ser a definição do mapa político em volta do domínio imposto pelo Motherworld - o Imperium do mal que Snyder criou em seu Rebel Moon, e talvez explorar os diferentes níveis de ramificações sociológicas efeitos do genocídio que um império maligno elitista impera sobre uma galáxia dividia em bolhas de argumentação cada vez mais fechadas e de visão oca em seus próprios problemas e visões de mundo, incapazes de enxergar o verdadeiro mal / inimigo que as divide

Mas não, eles se resumem a Nazis Galácticos, ok.

‘Mas pera lá um minutinho, por que você tá levantando e levando temas tão a sério em um blockbuster de streaming genérico?!’ – como bem ouço você questionando. Bem, não é isso o traço do Snyder?! Uma das coisas que continua sendo uma de suas qualidades mais admiráveis. Ele é talvez o único ‘autor’ de blockbuster atual com aquele ‘Q’ de vulgar que leva seu material cem por cento a sério. Não tão prestigiado e aclamado como um James Cameron ou Peter Jackson da vida, nem com um grande grupo de admiradores dentro de alguns círculos críticos como as Wachowski ou Paul W. S. Anderson.

Snyder está exatamente bem ali no meio, com apenas o apoio de suas estrelas e colegas como Christopher Nolan, e claro, o 'Snyder cult' – sua legião de fãs que são um legítimo público muito apaixonado que o cara criou para si mesmo depois de ser progressivamente maltratado pelos executivos do estúdio desde o fatídico dia em que ele decidiu abordar marcas queridas como a DC, que só serviu para propagar o diretor que ele se tornou hoje, com total controle de sua obra e agora com a Netflix pronta para investir em tudo o que o homem inventar, e seu público fiel irá devorar sem fazer perguntas.

É deveras compreensível, Snyder é um cara fácil de se gostar. Totalmente honesto e sincero sobre os seus filmes e gostos, quanto sua admirável imaginação ambiciosa e a latente ousadia com que ele lida com suas idéias e conceitos, sempre levando a construção de mundo, lore e mitos em níveis 100% sérios de comprometimento onde, em mais de uma ocasião, serviram para criar filmes de gênero bastante únicos, com o impacto criativo e assinatura autoral que a maioria dos blockbusters de franquia hoje sonharia em ter sequer metade.

No entanto, devo (infelizmente) concordar com o discurso em volta de versão estendida / corte do diretor – como você quiser chamar – que está se criando certa “fadiga”. Não que eu seja hipócrita e declare sumamente que isso é uma abominação de marketing e ainda assim vou ano que vem assistir a versão do diretor e provavelmente gostar muito mais e declará-la como a versão definitiva do filme – o que provavelmente é o que vai acabar acontecendo.

Porém isso não é desculpa pela flagrante bagunça tão desarticulada que foi lançada aqui nessa primeira versão de Rebel Moon, e dizer que devemos aceitá-la pelo que é, mesmo sabendo que esse não é o produto final da visão do diretor. E a defesa dos fãs em cima disso está atuando diretamente como um autodetrimento da imagem de Snyder neste ciclo interminável e ininterrupto de ódio online!

Podia jurar que esses dias haviam ficado para trás e o que teríamos daqui pra frente seria Snyder entregando os filmes que ele quer. Dando a cara ao tapa; ame ou odeie, como ele sempre foi, mas agora com sua essência deixada intacta! Mas não, Rebel Moon foi vendido em torno de um marketing baseada em um produto incompleto que admite abertamente ser apenas um aperitivo, enquanto a eventual ‘versão do diretor’ será “seu próprio filme”, como os defensores e o próprio Snyder o chamaram.

Afinal, o propósito de tais versões de diretor não é exatamente para ser a versão que o cineasta originalmente queria?! É por isso que os fãs imploraram para que a ‘Snydercut’ de Liga da Justiça viesse à vida para que fosse dada justiça à sua visão e integridade artística!

Mas agora a Netflix está propositalmente tomando proveito desse suposto trem do hype e mal concebendo seu significado original apenas para promover esses filmes de Rebel Moon o maior tempo possível para garantir uma boa leva de visualizações e cliques em sua plataforma, porque é assim que sua renda funciona. O triste é que Snyder está se levando junto a isso. É um ato de pura picaretagem de marketing tão flagrante que as pessoas estão ignorando diretamente, às custas de toda a qualidade potencial do filme!

Isso poderia até ter sido perdoável se o que tivéssemos aqui realmente funcionasse o suficiente por si só, e até parece assim em seus primeiros trinta minutos ou mais, com o estabelecimento do conflito em torno de nosso grupo de protagonistas vivendo sua vida tranquila, humilde e pacífica em sua pequena fazenda no mundo de Veldt, até que o poder fascista do ‘Motherworld’ decide aparecer para saquear seus grãos e explorar seu labor.

É o cenário tradicional Sete Samurais sendo novamente trabalhando e funcionando em seu charme antiquado, apesar de alguns diálogos de exposição bastante descartáveis. Mas definitivamente mostra a intenção clara de Snyder em dedicar tempo para deixar a história e os personagens construírem seu próprio ritmo e progressivamente ganhando escala por meio de interações bem instrumentadas.

Que vão desde as conexões espirituais feitas em torno de sentimentos genuínos de admiração e intriga –  as primeiras cenas com o androide Jimmy funcionam muito bem com esse propósito; junto à tensões de violência iminentes prestes a explodir a qualquer momento, com os soldados do ‘Motherworld’ agindo como os mais perversos predadores sexuais caucasianos que você já viu na tela (ou nos últimos dez anos de filmes de Hollwyood).

É por isso que é um tanto desconcertante como depois de sua primeira meia hora, o resto do filme se alopra em pulos estruturais que se tornam uma amalgama de seções de recrutamento e pulando entre diferentes planetas lindamente renderizados, com pausas para backstory da personagem de Sofia Boutella ou cenas de Ed Skrein interpretando o arquétipo britânico mal – o papel que ele nasceu para interpretar.

Com 80% do filme servindo para apresentar nosso elenco de guerreiros lendários prestes a se impor contra o poder e opressão, mas todos eles são um monte de vácuos de vazio simbólico colocados em cena, atuando mais como diferentes action figures no tabuleiro de RPG de ópera espacial criado por Snyder aqui.

Todos ótimos atores cujos personagens mostram potencial, mas se sentem amênicos em meio a tantas oportunidades perdidas e conflitos dramáticos forçados que quase nunca funcionam. A pobre Sofia Boutella, quando mal brilha em cenas de ação desconjuntadas, ela é colocada em uma posição de puxar peso dramático que ela claramente não é capaz, e cuja tradicional personagem da guerreira em conflito com passado nebuloso tem funções de história bem óbvias.

Enquanto o resto da gangue, Djimon Hounsou, Bae Doona, Staz Nair; todos parecem legais e só. Tudo poderia ter sido resolvido com interações bem pontuais entre os personagens que poderiam ter definido o caráter de suas personalidades e construído afabilidade com o público com cada um deles, mas não, não há vínculo, nem conexão. O filme está sempre com pressa para pular para o próximo planeta e estabelecer o próximo grande confronto que só vai rolar no próximo filme.

Isso é porque o roteiro parece não confiar na interação humana além do que você vê na tela, e NOVAMENTE, se o que você vê aqui é o produto inacabado, é claro que ele terá dificuldade em transmitir algo verdadeiramente significativo além de idéias expressadas em voz alta em volta de personalidades vazias.

E nossa, fez-se história em ver Charlie Hunnam sendo tão desperdiçado. Tanto por estar interpretando um Han Solo 2.0, quanto por ser revelado no clímax como parte da escória caucasiana da galáxia, simplesmente porque seu arquétipo de branco heterossexual tóxico simplesmente não pertence à liga da diversidade que são os protagonistas, afinal eles já possuem o arquétipo de masculinidade saudável no personagem de Michiel Huisman: a exceção, a alma sensível fazendo a dama em perigo versão masculina do grupo.

Eu deveria ter suspeitado quando Army of the Dead já estava mostrando sinais disso com elementos descartáveis, como a metáfora de controle de fronteiras cutucando a era Trump. Mas ainda é decepcionante ver como Snyder, um cara que construiu uma carreira fazendo heroínas femininas fortes sem nunca ter que chamar a atenção para isso; tratando seus personagens masculinos e femininos com igual quantidade de camadas dimensionais de caracterização, contrapostas em torno da ação que ele os encenava.

Agora tendo que se enquadrar no modelo moderno de agendas progressistas que rondam o cinema Norte-Americano e vem se alastrando por outras partes (Brasil incluso). Onde todo o mal faz parte do círculo masculino branco opressor, potenciais abusadores sexuais, que precisam ser denunciados na tela porque é exatamente assim que a realidade funciona na mentalidade moderna de Hollywood. Onde valores morais são concebidos por raça e gênero, definindo idéias pútridas de ‘justiça histórica’ que colocam um grupo demográfico contra outro, que a essa altura do ponto do desgaste da indústria, apenas soa como infantilidade!

É triste, porém, ter que apontar tudo isso em um filme onde ainda posso ver o espírito de Snyder florescendo. O dinheiro está definitivamente na tela! O som, a escala e efeitos são todos de qualidade de lançamento no cinema. Criando sua tão sonhada ópera espacial de toque Heavy-Metal.

100% original, com uma vasta gama de influências e inspirações que vão desde cenários de efeito desenhado que evocam uma vibe Flash Gordon dos anos 70/80; design de anime; arquétipos de aventura heróica que vão desde Tolkien à Kurosawa; E alguns ecos bem óbvios à Uma Nova Esperança que revelam as sobras de Star Wars de onde o material original veio – um Sete Samurais com Jedis, um pitch feito por Snyder que fora recusado pela Lucasfilm.

Porém na melhor das hipóteses, Rebel Moon parece menos um derivado de Star Wars e mais se assemelha à A Batalha de Riddick se fosse dirigido por Albert Pyun, o esnobado visionário trash por trás de clássicos de Van Damme como Cyborg – O Dragão do Futuro e pérolas como Nemesis - O Exterminador de Andróides, e isso é um elogio!

É uma obra cujas origens claramente vêm dos cadernos de monstros e naves espaciais de um jovem adolescente, reunindo um conglomerado de elementos RPGs e ficção científica que vê aqui o diretor criando sua própria mitologia novelística em grande escala, cujo primeiro capítulo aqui é claramente toda a configuração de elementos e fios de trama que só mais tarde serão retomados. É derivativo, com certeza, mas feito com clara paixão!

Snyder tem um fascínio genuíno pelos aspectos essenciais e sentimentais dos mundos que cria. Onde as habilidades de Snyder em formar momentum imagético potencializando os elementos da imagem em cena são, como sempre, inegáveis de se deslumbrar. Criando o efeito pictórico ou o enquadramento quadrinhesco que ainda são divertidos de ter como experiência. Embora que desde que Snyder tomou controle da cinematografia em seus filmes, eles ficaram com falta do glamour visual que seus filmes passados tinham.

O uso de lentes anamórficas tem um efeito estranho e nebuloso em alguns frames que não se sabe se foi proposital para dar um peso de realidade fundamentada na filmagem, ou parte da sempre louvável experimentação técnica de Snyder. Onde até mesmo o uso excessivo de câmera lenta é a menor das reclamações a se ter aqui, porque ele bem mais contido aqui do que em Liga da Justiça, enquanto que a trilha sonora de Tom Holkenborg parece tristemente reciclada daquele filme!

Em meio a isso, a jornada que se desenrola no filma tem lá seus bons momentos isolados. A domesticação do grifo por Tarak e a cena de luta da Mulher-Aranha com Nemesis de Bae Dona são bem legais, embora a coreografia pareça truncada e lenta. A ação em geral é repleta de soluços indesculpáveis ​​com cortes abruptos bizarros, claramente tentando esconder os segundos de cena onde o alerta R-rated teria apitado, para então que tudo se encaixe no PG-13 higienizado mantendo seu domínio inescrutável. Estranho que se isso tenha sido uma decisão executiva vinda de um streaming que geralmente evita essas bobagens – de novo, cliques, eu sei.

É um tanto irônico como em meio a um elenco tão vazio, são os seres alienígenas demoníacos e bizarros ou andróides sem rosto que conseguem ser os personagens mais interessantes do filme inteiro. Talvez porque, novamente, as idéias de Snyder funcionem melhor ao dar vida a conceitos cerebrais ao invés vez de lidar com elementos dramáticos tradicionais! É por isso que numa cena onde um inseto alienígena se comunica através de um cadáver, ou vemos outro cadáver tem sua alma sugada para uma realidade virtual, são mais cativantes e instigantes; do que ver o personagem de Ray Fisher se sacrificando tentando extrair alguma emoção, que sai completamente como perda de tempo.

Creio que alguns chamariam atenção para críticas talvez injustas em torno da estrutura da história, assumindo que o que você está assistindo é claramente a primeira metade de uma história longa. E sim, é exatamente assim que o filme aqui se parece e poderia ter sido exatamente isso sem problemas, se fosse eficaz em nos vender esse universo e a história que está tentando contar dentro dele!

Rebel Moon é literalmente os primeiros 40 minutos de recrutamento dos Sete Samurais sendo estendidos para uma aventura intergaláctica de duas horas que parece totalmente anticlimática, carregada por uma conjunção de promessas vazias que não levam a lugar nenhum particularmente interessante, a não ser por uma diversão mediana. Seja por suas ambições pirotécnicas em torno de conceitos bem aplicados, mas que infelizmente parecem mal acabados

Eu te amo, Zack, mas sei que você pode fazer muito melhor do que isso. Só posso esperar engolir minhas palavras na eventual versão diretor ou na Parte 2 que podem até salvar o que é feito aqui. Mas até o momento, essa Rebelião ainda não me convenceu de seu propósito!

Rebel Moon - Parte 1: A Menina do Fogo (Rebel Moon - Part One: A Child of Fire)

Direção: Zack Snyder
Roteiro: Zack Snyder, Kurt Johnstad, Shay Hatten
Elenco: Sofia Boutella, Ed Skrein, Djimon Hounsou, Michiel Huisman, Charlie Hunnam, Bae Doona, Ray Fisher, Staz Nair, Anthony Hopkins, Fra Fee, Cleopatra Coleman
Gênero: Ação, Aventura, Sci-Fi, Fantasia
Duração: 134 min

https://www.youtube.com/watch?v=lqNKpEu92MQ


Crítica | Aquaman 2: O Reino Perdido - Um fim digno para a fase atual da DC nos cinemas

Aquaman 2: O Reino Perdido marca o fim do atual Universo Compartilhado da DC Comics, que, após sucessos como Mulher-Maravilha, enfrentou alguns desafios recentemente, como as baixas bilheterias de The Flash e Shazam! Fúria dos Deuses. Diante dessa realidade, a Warner Bros. Discovery optou por um reinício quase que total do Universo DC.

Sob a direção de James Wan, o filme se mostra como um longa padrão de super-heróis, seguindo a estrutura da maioria das obras do gênero, com boas sequências de ação e uma ou outra piadinha. Por sinal, um dos grandes acertos de Wan é o de conceber de forma grandiosa, o universo subaquático em que Arthur Curry (Jason Momoa), o Aquaman, reina. 

Na trama, Arthur une forças com o seu meio-irmão King Orm (Patrick Wilson) para defender Atlantis do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), vilão já apresentado no primeiro filme, que busca vingança pela morte de seu pai. A busca por Necrus, o Reino Perdido mencionado título, revela o verdadeiro antagonista, Rei Kordax (Pilou Asbaek), que planeja reerguer seu enorme exército com o auxílio do Black Manta (Arraia Negra em inglês).

Aquaman e a preservação ambiental

O principal problema do roteiro escrito por David Leslie Johnson-McGoldrick (Invocação do Mal 3) está no fato dele ser praticamente igual ao do primeiro Aquaman, com algumas diferenças narrativas, como a colaboração entre Arthur e Orm, além de um maior destaque no Arraia Negra.

Em relação ao roteiro, é importante analisar a tentativa de incorporar ao enredo uma discussão sobre o efeito estufa, utilizando o Orichalcum como elemento central do filme. De início, o recurso é buscado por Arraia Negra para abastecer as máquinas Atlantes antigas, mas a narrativa toma outro rumo quando o vilão decide queimá-lo para liberar um grande volume de gases de efeito estufa no meio ambiente e assim aumentando o aquecimento global.

Embora a analogia aos combustíveis fósseis e à poluição ambiental seja relevante e atual, a abordagem de Wan deixa a desejar. O tratamento dado ao tema é superficial, carecendo de um desenvolvimento mais profundo e de uma exploração mais acentuada, transformando uma boa ideia boa em algo simples e sem penetração.

Relações familiares

O primeiro ato de Aquaman 2 é centrado em Arthur e suas relações familiares. O herói aparece cuidando de seu filho, mas a apresentação de Arthur como um pai desajustado é feita de maneira ridícula. Essa mudança representa uma clara divergência em relação ao primeiro filme, no qual o personagem interpretado por Jason Momoa era mais equilibrado e menos caricato.

O principal foco do roteiro é apresentar as relações familiares, evidenciado pela exploração da redenção de Orm, culminando em uma tentativa de transformá-lo em herói, mesmo sendo o principal vilão do longa anterior. A verdade é que essa mudança não faz o menor sentido; parece que tudo o que aconteceu no primeiro Aquaman foi esquecido nessa tentativa de humanizar Orm. Mesmo sendo discutida em alguns diálogos da trama, essa transição do irmão de vilão para herói carece de uma explicação mais consistente.

A redução do espaço e da relevância da personagem Mera, interpretada por Amber Heard, é claramente uma resposta à repercussão do julgamento envolvendo a atriz e Johnny Depp. No entanto, a decisão de marginalizar a personagem levanta a questão: se o objetivo era diminuir a presença de Mera na trama, não seria mais sensato excluí-la no corte final, assim como ocorreu com o personagem de Michael Keaton, com alguma justificativa mais plausível?

As sequências de ação impressionam, mantendo a qualidade da franquia, com boas cenas de luta e destruição, fundamentadas por efeitos visuais de nível alto. A construção do universo subaquático é, sem dúvida, um acerto, cheio de seres marinhos e visualmente lindos. A sequência na ilha habitada por animais monstruosos, local em que os personagens de Momoa e Wilson voltam a criar um vínculo afetivo, é divertida e de tirar o fôlego.

Aquaman 2: O Reino Perdido não é uma história de origem como o anterior, e sim uma história sobre relações humanas e familiares, destacando as interações entre Aquaman com seu filho e seu irmão. O roteiro, no entanto, negligencia completamente Mera, à diminuindo a uma heroína de segundo escalão. A verdade é que o filme encerra esse último ato do Universo Cinematográfico da DC com dignidade.

Aquaman 2: O Reino Perdido (Aquaman and the Lost Kingdom – 2023)

Direção: James Wan
Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick
Elenco: Jason Momoa, Patrick Wilson, Yahya Abdul-Mateen II, Amber Heard, Nicole Kidman, Randall Park, Temuera Morrison, Dolph Lundgren, Martin Short, Jani Zhao, Pilou Asbæk
Gênero: Ação, Aventura, Fantasia
Duração: 124 min

https://www.youtube.com/watch?v=wG5WCP2MTkY


Crítica | Godzilla Minus One acerta ao conceber uma trama eficiente e realista

Crítica | Godzilla Minus One acerta ao conceber uma trama eficiente e realista

O que motiva a produção de tantos filmes do Godzilla nos últimos anos? Desde 2014, foram pelo menos seis, sem contar um longa animado e a série Monarch: Legado de Monstros. Godzilla é um ícone da cultura pop e, desde seu surgimento na década de 1950, provocou diversas reações no público, estabelecendo gradualmente um universo de monstros. Esse fenômeno atingiu seu ápice com a franquia americana do MonsterVerse.

Godzilla Minus One emerge dessa nova onda de produções centradas no monstro, que geralmente surge do oceano para destruir cidades e tudo que encontrar pela frente. O filme japonês, dirigido por Takashi Yamazaki, é um grande acerto. Destaca-se positivamente em todos os aspectos, tanto no roteiro quanto na competente direção do cineasta.

Ao longo do tempo, várias produções japonesas foram lançadas na tentativa de reiniciar a franquia, algumas de qualidade duvidosa e outras de alto nível. Um exemplo dessa qualidade foi Shin Godzilla (2016), que adotou uma abordagem mais política e buscou reproduzir o estilo estabelecido pelo filme de 1954. Godzilla Minus One segue uma abordagem semelhante à de Shin Godzilla, mas de uma maneira distinta, explorando a narrativa dos horrores da bomba atômica e sua devastação.

A trama se desenrola em um Japão devastado no pós-Segunda Guerra, no qual Godzilla reside em uma ilha até que, ao longo dos anos, começa a se movimentar, causando destruição por todo o país. O diretor Takashi Yamazaki nos presenteia com um drama profundamente humano e repleto de cenas impactantes de destruição nesse excelente reboot.

A maneira como Yamazaki filma ajuda a dar maior dimensão da proporção do monstro, o apresentando de maneira grandiosa, utilizando efeitos de CGI que estão longe de serem toscos. O filme lembra bastante os Tokusatsus de antigamente da franquia, com o Kaiju movendo-se lentamente e sendo filmado com establishing shots que conferem uma dimensão maior ao seu tamanho e à destruição por ele causada.

O roteiro, também escrito por Takashi Yamazaki, é fantástico e retorna às origens, seguindo uma abordagem semelhante àquela proporcionada por "Shin Godzilla". Ele incorpora questões sérias, inserindo o Kaiju na trama mais como um agente do caos do que simplesmente um monstro destruidor.

A mensagem é muito bem estruturada, gerando um debate sobre a questão da bomba atômica e seu emprego como arma de aniquilamento em massa, utilizando o Godzilla como uma metáfora para essa destruição. O drama pessoal enfrentado pelo protagonista Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki) é notavelmente realista e bem desenvolvido, em contraste com as versões hollywoodianas, onde os personagens muitas vezes são superficiais e desprovidos de motivações pessoais.

Koichi é um protagonista com várias camadas, carregando consigo um drama pessoal que precisa superar. Sua história como kamikaze, que desistiu de se sacrificar em nome do Imperador, traz à tona questões de honra, vergonha e os traumas decorrentes da guerra. Há um momento em que Koichi questiona quem merece viver ou morrer, resultando em uma autorreflexão sobre o fato dos kamikazes se sacrificarem por um ideal que, na verdade, era irrelevante e não conduzia a lugar algum.

Portanto, a produção representa uma crítica aos horrores da guerra, explorando não apenas o impacto da Bomba Atômica, mas também as consequências causadas pela destruição e morte que ela deixou no Japão. Essas feridas continuam presentes até hoje, um exemplo disso é o longa Oppenheimer de Christopher Nolan que só será lançado no país um ano após sua exibição pelo mundo.

Godzilla Minus One se sobressai como um dos melhores filmes japoneses focados no Godzilla, superando a maioria dos que compõem a franquia, em que muitas vezes destacam mais o monstro gigantesco e suas destruições do que na mensagem. Minus One oferece uma experiência cinematográfica que certamente trará alento aos fãs que anseiam por um espetáculo visual e por uma narrativa envolvente.

Godzilla Minus One (Gojira -1.0, Japão – 2023)

Direção: Takashi Yamazaki
Roteiro: Takashi Yamazaki
Elenco: Minami Hamabe, Ryunosuke Kamiki, Sakura Ando, Kuranosuke Sasaki, Munetaka Aoki
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 124 min

https://www.youtube.com/watch?v=OPIKfDGmNaM&ab_channel=GODZILLAOFFICIALbyTOHO