Crítica | Piranhas 2: Assassinas Voadoras marca a estreia de James Cameron nos cinemas
Com o lançamento iminente de Avatar: O Caminho da Água, enfim teremos o retorno do cineasta James Cameron para as telonas do cinema. É um dos nomes mais criativos e bem sucedidos de Hollywood, e tem uma filmografia repleta de grandes clássicos e pérolas de gêneros diferentes.
Todo mundo começa em algum lugar, e Cameron fez sua estreia nos cinemas com um trabalho inesperado em Piranhas 2: Assassinas Voadoras, filme trash do qual ele foi subitamente promovido de técnico de efeitos especiais para diretor após a demissão de Miller Drake do set.
O resultado do filme é exatamente o que se poderia esperar de um longa que promete piranhas voadoras em seu título. É de uma qualidade muito duvidosa e uma trama absurda, e que só fica pior quando os efeitos usados para fazer os peixes voarem se mostra extremamente limitado.
Porém, Piranhas 2: Assassinas Voadoras já traz diversos vislumbres do tipo de cineasta que James Cameron iria se tornar, destacando o apreço por mulheres fortes no protagonismo e, claro, uma obsessão pela fotografia submarina.
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Crítica | Samaritano desperdiça potencial de Sylvester Stallone como super-herói aposentado
Com o crescente investimento de Hollywood em super-heróis e franquias de quadrinhos, é sempre divertido ver como astros do passado se adequam às novas tendências do mercado. É o caso de Sylvester Stallone, um dos grandes nomes da década de 80, que agora embarca no universo dos heróis mascarados.
A premissa de Samaritano, novo filme original da Amazon Prime Video em parceria com a MGM, explora um mundo marcado pelo combate do super-herói Samaritano (Stallone) e seu maléfico irmão, Nêmesis. Trinta anos depois de ambos supostamente terem morrido, o esperançoso Sam (Javon Walton) segue em sua própria investigação para encontrar o herói desaparecido, e descobre que seu vizinho, o simpático Joe, é o vigilante aposentado e melancólico.
É uma ideia formidável que imediatamente remete a obras como Watchmen e Os Incríveis, abordando a melancolia e o cotidiano ordinário de seres fantásticos. Infelizmente, o filme de Julius Avery não é muito eficiente em abordar todo esse potencial, carecendo de uma história mais envolvente.
Apesar de Stallone estar confortável e à vontade no papel de Joe, a performance de Javon Walton acaba prejudicando o filme inteiro, especialmente por seu personagem ter uma participação consideravelmente maior do que a de Stallone.
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Crítica | Luta pela liberdade é bem intencionado, mas escorrega em seu roteiro
Muito antes da China se tornar essa potência econômica mundial que conhecemos, ocorreu um fato que pode ser considerado como um divisor de águas na história do país, que foi a invasão japonesa em 1931 à Manchúria, território chinês. Em 1937, a tomada da região se configurou como o episódio que ficou conhecido como a Segunda Guerra Sino-Japonesa, em que os japoneses foram acusados de cometer inúmeras atrocidades no país. É nesse cenário que nasce a trama de Luta Pela Liberdade, longa do diretor Zhang Yimou (A Grande Muralha).
Longa foi indicado pela China ao Oscar na categoria de filme Internacional em 2022, e dá para imaginar o motivo dessa escolha. O thriller de espionagem não é uma obra-prima, mas alcança seu objetivo de entreter, além de tentar apresentar como era o ambiente naquele momento da invasão japonesa. Mas essa apropriação do país é apresentada pelo olhar de Yimou quase sempre mostrando a truculência japonesa e colocando os espiões chineses praticamente como heróis e parceiros de uma causa.
A trama não perde muito tempo em apresentar os personagens, fazendo com que os quatro agentes do Partido Comunista retornem à China, em um salto de paraquedas na região de Manchukuo. O que o diretor Zhang Yimou constrói a partir daí é uma narrativa bastante detalhista, em que as figuras centrais terão as suas relações pessoais exploradas, mas não aprofundas.
Essa falta de profundidade do roteiro, da dupla Yimou Zhang e Yongxian Quanperde, se dá em diversos aspectos da produção, pois apresenta pouco ou quase nada da situação em que a China se encontrava naquele momento e foca mais em mostrar as atrocidades cometidas pelo Império japonês. A intenção do diretor era o de se fazer um filme de espiões com um pano de fundo histórico, que funciona em seu primeiro ato, mas depois que se estabelecem as várias conexões se torna monótono e com várias reviravoltas que mais confundem do que propriamente esclarecem os fatos.
O que vale a pena mesmo na narrativa é o fato de acompanhar os agentes chineses em ação, enquanto os oficiais japoneses tentam se infiltrar no grupo chinês e tentam acabar com os planos de salvar um prisioneiro que escapou dos campos de concentração japonês. O objetivo é que esse sobrevivente revelasse ao mundo as crueldades que ocorriam no país. Porém, acompanhar todos aqueles diálogos e excesso de conversa que não chega a lugar algum pode se mostrar um entediante exercício de se ficar à frente da tela.
Em sua carreira, Yimou dirigiu belos filmes, como Herói (2002) e Flores do Oriente (2011). É uma marca do cineasta, que sempre filmou com capricho as cenas de suas produções, com muitas cores e cenários deslumbrantes. O mesmo acontece nesse longa, em que a filmagem é belíssima, os enquadramentos são bem trabalhados, e o jeito com que a câmera se move no ambiente, explorando ao máximo a atmosfera sombria que a história quer passar.
Luta pela Liberdade é um bom filme a respeito de um fato que ocorreu e que é pouco apresentado no cinema. Com um ritmo um pouco lento é verdade - mesmo contando com algumas cenas de ação - ainda assim prende a atenção do espectador em querer acompanhar a narrativa. Vale para quem é fã de produções asiáticas e para quem gosta de acompanhar tramas de espionagem.
Luta pela Liberdade (Cliff Walkers, China – 2021)
Direção: Yimou Zhang
Roteiro: Yongxian Quan, Yimou Zhang
Elenco: Hewei Yu, Yi Zhang, Hailu Qin, Haocun Liu, Yawen Zhu, Naiwen Li, Dahong Ni
Gênero: Biografia, Drama
Duração: 120 min.
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The House of Dragon é Game of Thrones em seu auge já no primeiro episódio
Spoilers
Nada mais belo e trágico do que ver a ascensão e queda da maior série da televisão no decorrer de seus nove anos de exibição. Acompanhei o fenômeno que foi Game of Thrones desde a sua estreia em 2011, completamente ignorando sobre a obra de cinco livros até então - e até agora, que inspirou a série.
O boom gigantesco pelo ápice da assimilação da linguagem cinematográfica e altíssimo valor de produção da série elevou Game of Thrones a um zeitgeist mais forte que o de Lost, outro fenômeno televisivo nos anos 2000.
Entretanto, ao contrário de sua concorrência, Game of Thrones só cresceu até culminar em sua conclusão em 2019 que deixou uma miríade de fãs insatisfeitos, afinal a narrativa já havia superado a narrativa de George R.R. Martin e seus showrunners, David Benioff e D.B. Weiss, queriam alçar voos ainda mais desafiadores - todos frustrados pelo resultado negativo da conclusão da série.
Em questão de apenas três anos do final de GOT, o mundo atravessou uma pandemia que conseguiu originar uma crise econômica catastrófica para o setor do entretenimento e quem mais sentiu a tragédia no bolso foi a Warner, dona da HBO. Agora com o estúdio adquirido pela Discovery, há uma sucessão de poder e mudança radical de pensamento a respeito dos produtos audiovisuais lançados: é preciso dar lucro acima de tudo.
Com o CEO David Zaslav agindo de modo voraz e extremamente questionável no tato ao lidar com diversas produções artísticas com algumas sendo até mesmo destruídas para se livrar do fisco americano, a HBO sabe que o seu próprio futuro está por um fio e o fio se chama House of the Dragon que pode ser o ovo de dragão herdado da gestão anterior da Warner.
Os Herdeiros do Dragão
É extremamente curioso como a série envolvendo a sucessão de poder traz um discurso metalinguístico involuntário sobre a própria condição de sua produtora. Felizmente, House of the Dragon parece ter agradado o novo “rei” que já deu sinal verde para uma 2ª temporada e, de fato, a nova série da HBO pode ser um triunfo ainda maior que Game of Thrones já foi.
Ocorrendo 172 anos antes do nascimento de Daenerys Targaryen, a série já define claramente que seu foco é um só: as diversas crises de sucessão que acontecem na dinastia da Casa dos Dragões após uma tragédia ceifar a vida dos dois filhos do velho rei Jaehaerys que foi obrigado a criar uma cisão em sua família ao escolher seu sobrinho Viserys ante a própria filha Rhaenys.
Com a sucessão definida, Viserys é declarado rei, já casado com a rainha Aemma, esperando o nascimento de Rhaenyra, primeira filha do casal, gerando outra enorme expectativa por uma nova gravidez de um menino, assegurando a sucessão do trono dos Sete Reinos.
Sendo a série que vai estabelecer muitos dos fatos já vistos em Game of Thrones atravessando séculos de narrativa, não impressiona a condução notoriamente mais acelerada do excelente episódio piloto.
Dirigido pelo showrunner Miguel Sapochnik, um dos maiores talentos estabelecidos da série original, a firmeza do ritmo impressiona e deve trazer um desgosto especial aos fãs que amaram o ritmo vagaroso das primeiras temporadas de Game of Thrones.
Aqui, nada de fato parece “acelerado”, tendo a duração apropriada, trazendo já quatro acontecimentos extremamente relevantes que vão originar a infame guerra civil da casa Targaryen nos próximos episódios.
Aliás, justamente por ser cria direta da série original, Sapochnik estabelece toda a estética e visual da série de modo que é impossível distinguir a diegese de House of the Dragon com a de Game of Thrones. Não há a menor diferença, a não ser um capricho maior dedicado às perucas brancas, ao Trono de Ferro, e aos dragões que possuem traços físicos muito mais pronunciados que os de Viserion, Drogon e Rhaegal.
Como já estamos acostumados, a alma da escrita de R.R. Martin está em seus personagens muito bem estruturados, com objetivos claros e intenções maquiavélicas. É impossível não comparar, mas agora que o público está conhecendo os Targaryen, nota-se que muito da inescrupulosidade dos Lannister é vista na Casa dos Dragões, mas com quês que a tornam um tanto mais interessante.
Aliás, é importante notar que mesmo se tratando de uma série prequel de GOT, não há tempo para estabelecer fatos que deveriam ser conhecidos ao público desde 2011 como o fato da existência de relações incestuosas e consanguinidade ocorrendo com os Targaryen, explicando então muitos dos fracassos de Viserys conseguir viabilizar uma gravidez com sua esposa.
Todo o drama que circunda esse desejo voraz do rei em ter um príncipe rende a sequência mais agonizante do episódio em um parto brutal de Baelon que revela as faces de monstruosidade de Viserys - o ponto alto da direção de Sapochnik no episódio inteiro ao apostar em uma montagem paralela com o torneio mortal organizado em comemoração ao nascimento da criança.
Ou seja, assim como a melhor característica de outrora, a permanência de personagens multifacetados é um alívio e isso deve ser ainda mais explorado nos próximos episódios, principalmente no núcleo que tange a relação de Viserys com Rhaenyra e a dela com seu tio Daemon. E ainda dela com sua dama de companhia Alicent Hightower, filha da Mão do Rei, Otto.
As reviravoltas serão muitas e, novamente, quem não leu o livro original ficará bastante surpreso do modo como os acontecimentos transcorrerão no restante dos nove episódios nas próximas semanas.
Outro ponto que deixou muita gente apreensiva era justamente com o elenco que, novamente, é excepcional. Os destaques ficam para o trio principal desse primeiro arco temporal com Paddy Considine encarnando Viserys, um rei ao mesmo tempo fraco e meio maluco, Matt Smith como Daemon, o antagonista principal da série que rouba as suas cenas com um estilo despojado e ameaçador similar a Jaime Lannister, e a relativamente novata Milly Alcock, vivendo a jovem Rhaenyra, protagonista da série, que começa a ter seu arco narrativo delineado, principalmente em relação aos sentimentos mistos a Daemon e a seu próprio pai.
A Casa do Dragão
Torço firmemente pelo sucesso da série. O piloto já pode ser considerado um dos melhores já produzidos pela TV e o ritmo, uma das coisas que mais me incomodavam nas primeiras temporada de Game of Thrones, está nada menos que perfeito em House of the Dragon. Parece que a épica produção entendeu que o poder da síntese é realmente expressivo.
No entanto, por mais que o primeiro passo neste retorno ancestral a Westeros tenha sido brilhante e muito promissor, é preciso ter calma na expectativa, afinal ainda resta uma jornada de mais nove semanas até a conclusão da temporada que será decisiva para o futuro da HBO.
Para mim, a emissora está em seu próprio julgamento por combate, com House of the Dragon disputando pela sua sobrevivência. Dessa vez, é melhor nada explodir nas mãos de outra Montanha - a da dívida colossal que impulsiona os cortes de gastos na melhor emissora de TV há décadas.
A Casa do Dragão 01x01: Os Herdeiros do Dragão (The House of the Dragon 01x01: Heirs of the Dragon, EUA - 2022)
Direção: Miguel Sapochnik
Roteiro: Ryan J. Condal, George R.R. Martin
Elenco: Paddy Considine, Matt Smith, Rhys Ifans, Eve Best, Milly Alcock, David Horovitch, Steve Toussaint, Emily Carey
Emissora: HBO
Duração: 62 min.
Crítica | Não! Não Olhe! é o filme mais divertido e épico de Jordan Peele
Com apenas dois filmes creditados como diretor e roteirista, e diversas produções em um curto espaço de cinco anos, Jordan Peele rapidamente se tornou um dos nomes mais quentes de Hollywood. Navegando pela vitória no Oscar com seu filme de estreia, o suspense Corra!, e a ótima recepção de seu terror social Nós, Peele atinge um novo patamar de sua carreira com seu terceiro e ambicioso novo filme: Não! Não Olhe!.
Porém, ao contrário de suas obras anteriores, que tinham uma pretensão de analisar temas mais profundos e sociologicamente complexos, o que se vê no novo filme parece algo bem mais voltado ao espetáculo: um filme pipoca, com toques de horror e drama, que podem não representar as melhores habilidades do cineasta, mas ainda assim garantem uma das experiências mais fascinantes de 2022 nos cinemas,
A trama nos apresenta aos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Em Haywood (Keke Palmer), que tentam manter o rancho de seu pai (Keith David) em atividade após sua morte. Trabalhando principalmente com o treinamento de cavalos para produções de Hollywood, os irmãos notam uma série de atividades estranhas na propriedade, que aparentemente acontecem durante a noite, com origem nos céus. A fim de comprovar sua teoria, e enriquecer no processo, os Haywood buscam uma forma de registrar a suposta atividade extraterrestre em vídeo.
Pão e circo em Não! Não Olhe!
Durante uma das entrevistas de divulgação de Não! Não Olhe!, Jordan Peele comentou bastante sobre seu interesse na sociedade do espetáculo, e também do futuro da experiência cinematográfica. Esses temas definitivamente podem ser encontrados em seu novo filme, que parece beber da mesma fonte de Contatos Imediatos do Terceiro Grau e Tubarão (Peele é um grande fã de Steven Spielberg). De início, Peele já parte de uma referência histórica fascinante ao trazer o clássico filme de Eadweard Muybridge como parte da premissa; apontando que, na primeira sequência de imagens em movimento, o jóquei comandando o cavalo era um homem negro - justamente o antepassado dos irmãos protagonistas. Instantaneamente, Não! Não Olhe! está indo aos primórdios dos longas-metragens para dar início à sua trama.
Afinal, grande parte do filme envolve a busca de OJ e Em para conseguir comprovar a existência de algo sobrenatural na região, fazendo uso justamente de uma série de câmeras, filmadoras e equipamentos de segurança. É uma porção divertidíssima e altamente envolvente do filme, e cuja mistério e suspense chegam a remeter não apenas ao clássico filme de Spielberg de 1977, mas também ao assustador Sinais de M. Night Shyamalan (cuja trajetória em Hollywood é estranhamente similar à de Peele). O senso de desconhecido e de estar sendo vigiado por forças superiores são fatores que Não! Não Olhe! consegue resgatar com maestria.
Ajuda o fato também que Daniel Kaluuya e Keke Palmer estejam muito entrosados e à vontade em seus papéis. Repetindo a parceria com Peele após Corra!, o ator vencedor do Oscar encarnando um sujeito muito mais introvertido, quieto e traumatizado; enquanto a carismática Palmer faz de Em uma explosão de energia e magnetismo, garantindo alguns dos momentos de alívio cômico mais espontâneos da projeção. A trinca que os dois formam com o bem intencionado Angel (o simpático Brandon Perea) também garante um investimento natural e envolvente com os personagens durante a trama do mistério.
Essa análise em torno dos irmãos Haywood é bem interessante, mas os problemas estão mesmo em uma subtrama completamente descartável e danosa ao ritmo de Não! Não Olhe!. Tal fio de história envolve o personagem de Steven Yeun, sobrevivente de um bizarro incidente envolvendo um chimpanzé durante a gravação de um episódio de sitcom na década de 1990. O longa marca esse episódio como algo importante (literalmente sendo uma das primeiras tomadas do filme), mas com o desenrolar da história, fica evidente que o impacto dessa escolha é mais metafórico e temático do que realmente crucial à trama. Não há problema nisso, mas é problemático por representar uma quebra narrativa constante, e alongar desnecessariamente a duração do filme apenas para uma extensão da “mensagem geral” que Peele quer transmitir.
Experiência cinematográfica
Felizmente, Não! Não Olhe! realmente decola quando está focado em seu arco principal, realizando uma das intenções de Jordan Peele ao embarcar no projeto: a experiência cinematográfica. Aliando-se ao diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema (o atual preferido de Christopher Nolan), Peele cria belíssimas imagens com fotografia IMAX, valorizando a imensidão das paisagens rurais e demarcando ainda mais o isolamento dos personagens naqueles espaços.
É especialmente inspirado como Peele e Hoytema aproveitam a escala dos céus para estabelecer suspense. Diversas sequências envolvem os personagens no nível do chão olhando para cima, e a forma como Peele coloca vultos, imagens e até brinca com as nuvens para causar espanto é realmente admirável e envolvente, só por isso já valendo o investimento em uma sessão projetada em IMAX. O clímax por si só garante algumas das imagens mais espetaculares de 2022, agradando também pela originalidade da ação e do tipo de embate que ocorre - e, também, do curioso uso de IMAX como elemento dentro da história.
E ainda que Não! Não Olhe! Esteja mais voltado para a aventura, Peele consegue manter sua ótima condução do terror em diversos momentos. Quando o longa diminui sua épica escala e volta o olhar para situações mais fechadas, seja de personagens dentro de salas ou carros, a tensão é muito maior e a atmosfera fica mais pesada. Vale destacar também que o fantástico design de som ajuda a tornar essas sequências mais assustadoras, principalmente pela interferência em aparelhos eletrônicos causada pela força antagonista - que é muito bem aproveitada quando um carro começa a tocar uma música distorcida, por exemplo.
Ainda que seja facilmente a obra mais problemática e irregular da carreira de Jordan Peele até agora, Não! Não Olhe! é uma experiência divertida. Apesar do investimento maçante em uma subtrama descartável, o filme é eficiente em combinar o espetáculo épico com uma boa história de terror, realçando as habilidades de Peele como cineasta de gênero.
Não! Não Olhe! (Nope, EUA - 2022)
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Brandon Perea, Keith David, Michael Wincott, Barbie Ferreira, Donna Mills, Sophia Coto, Terry Notary
Gênero: Suspense, Ficção Científica
Duração: 130 min
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Crítica | 45 do Segundo Tempo é um bom filme sobre amizade e passado
Uma das vertentes mais interessantes da comédia dramática é aquela das amizades revitalizadas. Geralmente tendo início em um ponto onde amigos de longa data estão separados e vivendo diferentes tipos de problemas, onde apenas uma viagem para o passado parece ser a solução, é uma fórmula padrão que funciona tanto para a comédia quanto o drama.
O cineasta Luiz Villaça aposta em ambos os gêneros com o novo 45 do Segundo Tempo, longa inspirado por uma foto publicada em um jornal, e que explora justamente essas questões da meia-idade e o apelo da nostalgia em períodos sombrios.
A história gira em torno dos amigos Pedro (Tony Ramos), Ivan (Cássio Gabus Mendes) e Mariano (Ary França), que se reencontram após 40 anos para recriar uma foto juntos da década de 70, durante a inauguração de uma estação de metrô em São Paulo. O trio acaba ficando junto quando Pedro, desiludido com a vida, avisa que vai cometer suicídio após reviver alguns de seus dias preferidos - e, curiosamente, esperar o título de campeão do seu time de futebol.
É uma boa premissa que gera diálogos e situações surpreendentemente complexos, e até conversas de natureza bem naturalista. Apesar da história tomar rumos estranhos em sua segunda metade, 45 do Segundo Tempo oferece um ótimo palco para que o elenco (especialmente Tony Ramos) garanta grandes momentos,
Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.
https://www.youtube.com/watch?v=GnHKFHvG_4I&t=4s
Crítica | Mulher-Hulk: Defensora de Heróis vale por Tatiana Maslany e nada mais
Não é exagero algum dizer que a Fase 4 do Universo Cinematográfico da Marvel Studios é a mais perdida do estúdio até agora. Entre falta de rumo e um desequilíbrio tonal e qualitativo de suas obras, que agora abrangem o cinema e o Disney+, tornou-se praticamente uma roleta russa toda vez em que a fanfarra composta por Michael Giacchino começa a tocar durante os logos de abertura.
Confessadamente, não tenho sido um grande admirador das séries originais que Kevin Feige tem encomendado com o Disney+. Com exceção de WandaVision, Loki e alguns momentos de Ms. Marvel, todas elas sofreram com a inexperiência da Casa das Ideias em trazer a linguagem seriada para suas produções (algo que, curiosamente, era bem aplicado no modelo de lançamentos do cinema), preferindo abraçar a estrutura do “filme de 10 horas”, o que já se comprovou uma receita bem frágil para elaboração de histórias do tipo.
A próxima grande aposta da produtora é com Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, série sobre a heroína verde que é a prima do Bruce Banner de Mark Ruffalo. A Disney Brasil gentilmente convidou o Bastidores para uma exibição exclusiva dos quatro primeiros episódios da série, e agora podemos compartilhar nossas primeiras impressões da nova empreitada do MCU no universo do streaming.
Uma protagonista sensacional
Primeiramente, o humor sempre foi um problema um tanto constante nas produções da Marvel Studios, de forma pessoal. Mulher-Hulk ao menos abraça essa vertente ao se assumir completamente como comédia, até mesmo pela duração de meia hora - e também pelo engenhoso uso da quebra de quarta parede, que remete bastante à recente Fleabag, de Phoebe Waller-Bridge.
Ajuda também que Tatiana Maslany seja uma atriz extremamente carismática e talentosa, fazendo de sua Jennifer Walters uma das protagonistas mais simpáticas, complexas e divertidas que o MCU já teve. Sua mera presença como advogada determinada já seria mais do que o bastante para garantir o interesse na série, que é uma das poucas produções do estúdio a realmente explorar o lado amoroso de seres super poderosos.
Mas, infelizmente, ela precisa se transformar em um bonecão digital pavoroso de vez em quanto. E esse é apenas um dos problemas.
... O resto
Como a equipe criativa de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis parece ter mergulhado de cabeça no humor, todo o restante ficou lamentavelmente preguiçoso. A forma apressada como a série parece querer atravessar a história de origem e a transformação de Walters na Mulher-Hulk é frustrante (onde está o espanto? O senso de descoberta de poderes?), além de evitar qualquer tipo de construção de mundo da protagonista: nada sabemos sobre a melhor amiga ou a família de Walters, mas a série simplesmente assume que o público está investido, mesmo com investimento dramático nulo.
A forma como todos os elementos do MCU se inserem na trama também é pavorosa. Aqui, temos a presença do mago Wong (Benedict Wong) e do vilão revitalizado Abominável (Tim Roth, reprisando papel de O Incrível Hulk) como arcos principais que correm em paralelo à trama principal. Ambos se tornam caricaturas extremas do que seus personagens eram em filmes anteriores, e o senso de cartunesco e cafona do MCU nunca foi tão grande como em Mulher-Hulk, que até apresenta premissas interessantes de problemas reais do universo compartilhado - como mágicos trapaceiros e transmorfos golpistas - mas os desenvolve de forma fraca com roteiros extremamente precários.
Até mesmo o Hulk de Mark Ruffalo surge ainda mais bobalhão e descaracterizado do que nas produções anteriores. Observar a relação do cientista verdão e sua prima, enquanto competem sobre quem tem as melhores habilidades, é como ver duas crianças mimadas brincando em um parquinho. Literalmente, vemos o Hulk justificando uma de suas ações em cena simplesmente "para oferecer mais comédia".
Não adianta chutar cachorro morto, mas é meio inevitável comentar o efeito visual da protagonista. No primeiro episódio (justamente por ser o piloto) o CGI da Mulher-Hulk é realmente bem renderizado e convincente, mas fica pior e pior a cada novo episódio, ao ponto de realmente vermos uma personagem de videogame interagindo em um ambiente live-action. Extremamente artificial, e que prejudica o ótimo trabalho de performance que Maslany se esforça para entregar.
Confira mais comentários no canal de YouTube do Lucas Filmes.
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Crítica | X: A Marca da Morte é uma carta de amor ao terror slasher
A A24 é mais conhecida por seus dramas e filmes de nicho artístico, mas frequentemente aposta também em obras mais comerciais. Em especial, no gênero ideal para misturar os dois mundos: o terror, que já trouxe ótimos precedentes para a produtora independente.
A nova empreitada vem com X: A Marca da Morte, terror original do cineasta Ti West (da antologia V/H/S) e que parte para homenagear um dos pontos mais fortes da história do gênero, o slasher que tomou conta das décadas de 70 e 80.
Na trama, acompanhamos uma equipe de filmagem na década de 1970 que parte para uma casa de campo a fim de rodar um novo e revolucionário filme pornográfico. Lá, porém, são constantemente interrompidos e ameaçados pelo misterioso casal de idosos que aluga a propriedade - em especial, a curiosa e enigmática Pearl.
O grande aproveitamento de X: A Marca da Morte está no leque de referências que Ti West é capaz de apresentar. De O Massacre da Serra Elétrica e o clássico Psicose e até mesmo Boogie Nights: Prazer Sem Limites, a experiência é uma das mais aproveitáveis do ano, misturando terror e humor em doses muito equilibradas, além de contar com um elenco formidável encabeçado por Mia Goth e Jenna Ortega.
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Crítica | 1ª temporada de Sandman te convida a sonhar
Sandman é uma série de histórias de quadrinhos criada por Neil Gaiman e publicadas pela DC Comics sob o selo da Vertigo nos anos de 1989-1996. Gaiman resgata um personagem da era de ouro da editora e o coloca em uma roupagem totalmente diferente da original. É considerada uma das mais únicas dos quadrinhos, sua natureza fantasiosa e a densidade de suas histórias fez com que a HQ caísse naquela categoria de "inadaptável".
No entanto diversas tentativas de trazer a icônica série da Vertigo para uma mídia audiovisual foram feitas desde os anos 1990, algumas delas promissoras, como um filme dirigido por Roger Avary que adaptaria os dois primeiros arcos dos quadrinhos: Prelúdios e Noturnos e Casa de Bonecas. Haviam também planos para uma adaptação para a televisão na HBO produzida por James Mangold. Mais recentemente, em 2013, um novo projeto com Joseph Gordon Levitt no papel principal tinha sido anunciado, outro projeto que não viu a luz do dia.
David S. Goyer, figura carimbada de Hollywood era um dos roteiristas que estava desde o início empregando seus esforços para realizar uma adaptação dos quadrinhos de Neil Gaiman, inicialmente como um filme. No entanto, em 2019, Gaiman e Goyer conseguem um contrato com a Netflix para produzir uma temporada de 11 episódios (diminuída posteriormente para 10) e é o que temos hoje.
Sandman na Netflix
A série veio em um momento crítico para a gigante do streaming, em que ela começa a ter uma certa má fama entre os entusiastas do meio. Muitos alegam que a qualidade das produções originais diminuiu, com o boom do streaming nos últimos anos, surgiram concorrentes que antes não existiam: Amazon Prime, Disney+, HBOMax, Star+, Apple TV+, entre tantos outros. A Netflix cultivou para si o estigma também de que as narrativas começadas por ela são quase sempre interrompidas em cancelamentos.
Sandman então vem como uma grande aposta da Netflix, prometendo ser um alívio para esses problemas da empresa e quem sabe atrair alguns dos assinantes que o serviço perdeu, visto que é uma adaptação de um dos quadrinhos mais queridos de todos os tempos e tem o próprio autor, Neil Gaiman, um escritor premiado, como um dos roteiristas e produtores da série.
Prelúdios e Noturnos
A série foca nos dois primeiros arcos da série: Prelúdios e Noturnos e Casa de Bonecas. No primeiro, Sonho é aprisionado por Roderick Burgess e quando finalmente consegue se libertar depois de quase um século de cárcere, deve procurar as ferramentas quer foram tiradas dele. Nos quadrinhos, a busca pelas ferramentas rende encontros com personagens consagrados do universo da DC Comics como John Constantine, Caçador de Marte, Sr. Milagre e Etrigan.
O primeiro episódio trata do encarceramento de Sonho dos Perpétuos, uma das sete entidades que precedem os deuses, sempre estiveram lá desde a aurora dos tempos e apenas desaparecerão assim que o último ser vivo do último universo morrer. A intenção de Burgess era capturar a irmã mais velha de Sonho, a Morte. Mas seu riton dá errado e ele acaba capturando o príncipe das histórias (mais um dos muitos nomes atribuídos a Sonho).
Roderick Burgess aqui é interpretado por Charles Dance, que como sempre entrega uma excelente performance. O primeiro episódio pode ser descrito nas palavras de Neil Gaiman como “é parecido com Downtown Abbey, só que com magia e ocultismo”, a partir daí, como ele havia prometido aos espectadores e havia feito muitos anos atrás com suas histórias em quadrinhos, a história vai evoluindo e tomando outros rumos, sendo a imaginação o limite para onde ela deve seguir nos momentos seguintes.
Sonho é interpretado por Tom Sturridge, que interpreta a fisicalidade do Morfeus muito bem e possui uma voz adequada para o personagem, que quando fala é como se estivesse narrando uma história conhecida a muito tempo, sempre seguro do que diz. O visual não é exatamente o que os fãs dos quadrinhos esperavam, mas muitas coisas tiveram que ser alteradas para incluir verossimilhança em um mundo representado em live action.
Retornando ao sonhar, ele descobre que o reino está em ruínas e para restaurá-lo, precisa recuperar as ferramentas o quanto antes, invocando as três Graças (também conhecidas como moiras, as mesmas da mitologia grega), que indicam onde ele deve seguir para encontrá-las. Os envolvidos na série, seja por questões contratuais ou por uma decisão criativa, decidiram não utilizar alguns dos personagens mais conhecidos do universo DC que aparecem na história, sendo simplesmente cortados.
A decisão pode ter vindo inclusive do próprio Gaiman, o qual em sua introdução no primeiro volume da edição encadernada de Sandman confessa que posteriormente achou essas participações “desnecessárias”.
No entanto, mantiveram o personagem Constantine, mas em uma diferente roupagem. A versão do tempo presente e a ancestral que viveu nos tempos da revolução francesa seriam interpretados pela mesma atriz, no caso Jenna Coleman, interpretando a detetive do oculto, Johanna Constantine.
Uma mudança interessante, levando em conta que a Netflix gosta de pautar em suas produções um elenco diversificado e Sandman certamente oferece uma grande abertura para isso, sendo a obra também bastante diversificada em personagens e situações.
Outro personagem da DC que foi mantido é John Dee, também conhecido como o Dr. Destino, um dos vilões que teve sua primeira aparição em um dos quadrinhos da Liga da Justiça nos anos 1960 e na série é interpretado por David Thewlis.
O personagem protagoniza o episódio 24/7, adaptação da história em quadrinhos 24 Horas, que Gaiman admite ter sido uma das histórias mais horripilantes que escreveu em sua carreira. A história, que envolve seu “ensaio sobre histórias e autores”, indaga sobre o preço da mentira e a importância dos sonhos acaba sendo um dos episódios que mais se destaca na temporada.
O que dizer também de Gwendoline Christie como Lúcifer Estrela da Manhã, um dos principais antagonistas dos quadrinhos. Ela incorpora bem a natureza angelical do personagem, misturada com uma identidade rebelde que o anjo demonstra por vezes, como Neil Gaiman descreve o personagem e certamente a mensagem chegou a Christie: “ele é um anjo caído, mas em essência é um anjo, me influenciei em David Bowie nos seus dias de cantor folk, com seus cabelos cacheados”. Gwendoline incorpora esse aspecto em seus maneirismos.
Algo que a série faz várias vezes é mostrar um lado vulnerável de Sonho, algo que não acontece muito nos quadrinhos. O Morfeus da Netflix se machuca fisicamente mais fácil do que nas HQs. O que nos traz ao excelente episódio 6, O Som das Asas dela, que traz duas das minhas histórias favoritas dos quadrinhos. A primeira história apresenta a irmã mais velha de Sonho, Morte, uma versão diferente do ceifador a que estamos acostumados a encontrar na literatura e no cinema.
Kirby Howell-Baptiste interpreta magnificamente essa versão da morte, ela é gentil, bondosa e honesta, é a versão de ceifador que o Neil Gaiman e creio que a maioria de nós gostariamos de encontrar quando chegasse a nossa hora.
Ela traz a tona um lado mais vulnerável emocionalmente de Morfeus, ele confessa a sua irmã seus medos e inseguranças, algo que ele não tenta esconder de todas as outras pessoas. A jornada que Morte e Sonho passam nesse episódio, com a Morte fazendo seu trabalho e mostrando a seu irmão o verdadeiro propósito de seu trabalho é de trazer lágrimas aos olhos.
O episódio traz outro conto que apresenta Hob Gadling, o homem que decide não morrer, também um dos melhores contos nas edições stand alone de Sandman, a versão televisiva faz jus a edição e promete bastante coisa pro futuro. Uma das coisas que lamento na temporada foi a ausência de mais histórias isoladas como essas duas.
Casa de Bonecas
Neil Gaiman, o criador dos quadrinhos, está em papel criativamente ativo dentro da série, algo raro em grandes adaptações como essa, mesmo assim diversas mudanças são observadas. No entanto, não são mudanças que "estragariam" o que é apresentado no material fonte e o espectador que é familiar ao material se surpreende ao perceber que na verdade certas mudanças ressaltam a obra.
De cara são notadas mudanças mais didáticas, por exemplo, o Burgess já sabia sobre os perpétuos nos quadrinhos, na série, o Coríntio explica a ele o que seriam essas entidades. Mas uma das mudanças essenciais está no próprio Coríntio, interpretado por Boyd Holbrook. Na HQ ele é antagonista apenas no arco da Casa de Bonecas, na série ele está sempre presente.
Sonho foi pego por Burgess enquanto procurava por Coríntio que havia deixado o Sonhar, enquanto que no material fonte, fica claro que ele só deixa o Sonhar muito depois do desaparecimento de Morfeus. A série faz com que Coríntio seja o antagonista principal da temporada, esse elemento ajuda a prender o espectador, criando uma curiosidade para saber qual será o fim dessa disputa.
Quanto ao CGI da série, ele é bem irregular, às vezes ele é impressionante, destaco a parte do Sonho da Barbie nessa segunda parte da temporada e por vezes não é possível deixar de notar certa artificialidade, como nos cenários do inferno por exemplo, que parece estar sempre envolto em filtro. Isso ocorre porque para representar os desenhos tão imaginativos dos quadrinhos é difícil recorrer a menos do que esses recursos.
Eles fazem também uma escolha um tanto estranha ao recorrer a certas objetivas que deixam os personagens esticados, um tanto esquálidos e compridos, provavelmente mais um recurso para simular os quadrinhos, mas não podemos deixar de notar a estranheza.
Entre os personagens que habitam o Sonhar, estão Lucienne, a bibliotecária, interpretada por Viviene Acheampong, que foca o lado mais protetivo para com Morpheus. A dupla de irmãos Caim e Abel, que fizeram sua primeira aparição em Monstro do Pantano de Alan Moore, são representados por Sanjeev Bhaskar e Asim Chaudhry.
O elenco de Sandman tem o privilégio de contar com o excelente Mark Hammil emprestando seu talento vocal a Merv, o espantalho falante. Falando em vozes, não posso deixar de citar Patton Oswalt, muito provavelmente o ator mais entusiasta com o projeto, que demonstrou sua paixão por Sandman nos primórdios da pré produção, sendo o primeiro a ser escalado, interpretando o corvo Mathew.
Destaco principalmente o ator Mason Alexander Park, que interpreta o perpétuo Desejo, principal rival de Sonho com bastante maestria. O ator não binário incorpora bem a natureza andrógina e um tanto estranha do perpétuo enquanto se nota que se diverte bastante interpretando o papel, enquanto que a atriz Donna Preston, que interpreta sua irmã gêmea, Desespero, aparenta estar em completo sofrimento, assim como deve ser, ela causa uma boa impressão no pouco que aparece.
A família Walker passa por diversas mudanças em relação aos quadrinhos, papéis de certos personagens são mudados, algo que me deixou bastante curioso para saber se mudariam também os rumos da história. Entretanto, os roteiristas acharam soluções interessantes para algumas dessas questões e os resultados são bastante satisfatórios. Fico curioso para saber o que farão com a personagem Lyta Hall, interpretada por Razane Jammal.
Sandman é uma série imaginativa, que consegue fazer adaptações que deixa intrigados até mesmo os que já conhecem o material fonte, apresenta o universo de Sandman para uma nova geração e para um público maior e o mais importante de tudo, estimula o ato de sonhar.
Mal posso esperar para a segunda temporada que deve adaptar um dos meus arcos favoritos e creio que o favorito de muitos fãs, Estação das Brumas e provavelmente também o ótimo Um Jogo de Você.
Sandman - 1ª Temporada (Idem, Netflix - 2022)
Showrunner: Allan Heinberg
Direção: Mairzee Almas, Mike Barker, Jamie Childs
Roteiro: Neil Gaiman, David S. Goyer, Allan Heinberg
Elenco: Tom Sturridge, Boyd Holbrook, Charles Dance, Patton Oswalt, Mason Alexander Park, Jenna Coleman, David Thewlis
Gênero: Fantasia
Streaming: Netflix
Duração: 50 min por episódio (10 no total)
Crítica | A Fera diverte quando coloca Idris Elba para enfrentar um leão
Havia um tempo, no final dos anos 90 e início dos 2000, onde o cinema de ação apostava bastante em uma fórmula simples: o star power de uma grande estrela contra a natureza; seja ela na forma de um grande desastre - como um tornado, terremoto ou enchentes - ou um animal selvagem, que costuma ser o foco de Hollywood. Hoje, é difícil achar exemplares desse subgênero no mainstream, tão dominado por super-heróis e franquias.
Mas em ocasiões rara, o cinema é capaz de enviar alguns desses remanescentes da década de 90 para as telonas. Obras recentes como Predadores Assassinos (jacarés!), Águas Rasas (tubarão!) ou Aqueles que me Desejam a Morte (incêndios!) preenchem muito bem essa cota, que acaba de ganhar um novo companheiro na forma deste novo A Fera, da Universal Pictures.
Na trama, o médico viúvo Nathan (Idris Elba) acompanha suas duas filhas adolescentes, Norah e Meredith (Iyana Halley e Leah Jeffries) em uma viagem para conhecer o vilarejo africano onde sua mãe cresceu. Porém, o passeio amigável se transforma em um pesadelo quando o grupo cruza o caminho de um sanguinário e vingativo leão selvagem, que espalha um rastro de carnificina pela região após ser abordado por um grupo de caçadores ilegais. Diante da situação, Nathan faz o possível para garantir a segurança de sua família.
Caçadores mortais em A Fera
Um filme absolutamente simples e direto ao ponto. Com meros 93 minutos de duração contando os créditos, A Fera não traz nenhuma surpresa ou inovação narrativa, com o roteiro de Ryan Engle (Sem Escalas, O Passageiro) mantendo a trama no mais básico possível. Isso representa vantagens e desvantagens: de primeira, é louvável o esforço do roteirista para não vilanizar em excesso a figura do leão - bem diferente de algo visto em A Sombra e a Escuridão, de Stephen Hopkins, por exemplo.
O filme acerta ao investir em um prólogo que mostra como essa fera sanguinária é vítima de um ataque de caçadores ilegais na região, que massacram a família do leão virá a se tornar o antagonista central da história. Uma solução eficaz e bem mais aceitável para a Hollywood contemporânea: aqui, o caçador vivido por um carismático Sharlto Copley está mais interessado em perseguir outros caçadores, e de fato protege os animais.
Porém, Engle não se sai muito melhor com as relações familiares envolvendo o núcleo de Idris Elba. Apesar de o ator estar excelente no papel de um pai dedicado, atencioso e desesperado por redenção, todas as cenas que exigem um interesse ou investimento na relação com as filhas acabam sendo mais forçadas e artificiais. Todos os clichês possíveis encontram-se aqui, desde o peso da mãe falecida, as intrigas adolescentes e o clássico problema do pai que não dá atenção aos talentos das filhas. Apesar de uma boa química entre o elenco no geral, jamais garantem um investimento emocional suficiente para as cenas de perigo.
Salvo pelo islandês
Felizmente, o cineasta Baltasar Kormákur consegue se garantir puramente no nível técnico. Após ter dirigido empreitadas hollywoodianas como Evereste e Vidas à Deriva, o islandês reduz bastante a escala em seu novo filme, e oferece uma condução bastante elegante. Claramente inspirado pelo estilo ágil e repleto de encenações de Steven Spielberg, Kormákur capricha em diversos planos longos que aproveitam a geografia dos ambientes, posições de personagens e outros elementos espaciais - tudo isso para criar uma ambientação sólida que resulta em magistrais sequências de tensão.
O trabalho de câmera de Kormákur e do diretor de fotografia Philippe Rousselot é invejável, especialmente quando a dupla aposta em sequências mais claustrofóbicas. Boa parte dos ataques acontece no interior de um carro, o que garante uma imersão satisfatória e intensa, ainda mais quando aliado à criativa trilha sonora de Steven Price - vencedor do Oscar por seu abstrato trabalho em Gravidade.
O grande demérito de A Fera, porém, encontra-se em seu leão titular. Naturalmente, a criatura é toda construída digitalmente, e o efeito realmente funciona em doses: à distância, desfocado ou pelo interior de um veículo, o leão realmente convence. Mas quando Kormákur investe em cenas mais próximas e, em especial, um conflito bem próximo envolvendo Elba e o animal, o resultado é bem mais artificial. Curiosamente, A Fera é bem mais intenso e perigoso quando o leão não está em cena, já que a sugestão de sua presença é bem mais eficiente do que a própria aparição. Mais uma lição (acidental) do cinema de Spielberg, com Tubarão.
No mais, A Fera não oferece nada além do que precisava. É um filme de suspense e ação bem construído e com uma direção impressionante, que compensa pelo vazio do roteiro e os inúmeros clichês. E, sendo bem sincero, a imagem de Idris Elba literalmente trocando socos com um leão mortífero é algo que eu realmente não esperava ver em um cinema.
Só isso já vale a visita.
A Fera (Beast, EUA - 2022)
Direção: Baltasar Kormákur
Roteiro: Ryan Engle
Elenco: Idris Elba, Sharlto Copley, Iyana Halley, Leah Jeffries
Gênero: Ação, Suspense
Duração: 93 min
https://youtu.be/H9oQful_us0