Crítica | DC Liga dos Super-Pets é um bom programa infantil

O ano de 2022 era altamente promissor para os fãs da DC. Começando com o aguardado reboot de Batman com Robert Pattinson, a Warner Bros apostava pesado no ambicioso filme do Flash com o caótico Ezra Miller, no retorno de Jason Momoa ao fundo do mar com Aquaman e o Reino Perdido e a estreia de Dwayne Johnson como Adão Negro em um novo épico. Infelizmente, os planos mudaram e diversos filmes foram adiados, mas apenas The Rock permanece no calendário do estúdio; não só com o anti-herói que vai mudar a hierarquia de poder na DC, mas também com a animação infantil DC Liga dos Super-Pets, que atua como grande lançamento de verão da Warner.

Certamente uma oferta que soa como uma decepção laxante após uma promessa de grandiosidade, mas que, ao menos, se garante como uma simpática e adorável opção para um público mais infantil.

A trama nos apresenta Krypto (Dwayne Johnson), o leal companheiro e animal de estimação de Superman (John Krasinski) em Metrópolis. Mas quando a relação entre os dois começa a ser afetada pelo amor do Homem de Aço à sua namorada Lois Lane (Olivia Wilde), Krypto se sente excluído e enciumado, mas logo volta sua atenção quando a misteriosa porquinha-da-Índia Lulu (Kate McKinnon) arma um plano para destruir toda a Liga da Justiça. Com a ajuda de outros bichinhos super-poderosos, Krypto forma uma equipe para salvar seu melhor amigo e deter a ameaça de Lulu.

Nitidamente, até mesmo pela ambientação e premissa, Liga do Super Pets é uma obra destinada quase que exclusivamente ao público infantil. Pode até soar como uma constatação óbvia, mas é um comentário relevante, ainda mais se considerarmos o repertório recente da DC nas animações infantis: obras como LEGO Batman: O Filme e Os Jovens Titãs! Vão ao Cinema são filmes que conseguem quebrar a barreira do público infantil, oferecendo um humor mais complexo e repleto de referências que apenas o público mais velho vai ser capaz de compreender. Liga do Super Pets, em sua essência, é muito mais simples e ingênuo.

Idealizado pelo produtor Jared Stern, que ainda serviu como roteirista tanto em LEGO Batman: O Filme quanto LEGO Ninjago: O Filme, Super Pets é um longa com coração nobre. O próprio Stern disse em entrevistas que sua inspiração veio após uma visita a um lar de adoção de animais, e muito desse respeito e amor pelos bichinhos está no filme; de uma forma bem concisa, sem muitas surpresas e sem grandes convenções - um filme 100% otimista e ingênuo, sem segundas intenções. Justamente por isso, a animação deve ser bem mais aproveitada pela plateia mais jovem, e não há o menor problema com isso.

Afinal, Liga dos Super Pets é bem focada no humor. Além de um único momento isolado onde Stern e o roteirista John Whittington surpreendem no melodrama à lá Toy Story 2 para contar a história de origem do cão Ace (voz de Kevin Hart), o filme é majoritariamente uma comédia. O tipo de humor focado em animais, diferenças entre cães e gatos e piadas com as identidades e personalidades dos heróis principais - em especial, a presença gótica e emo do Batman dublado por Keanu Reeves.

Em níveis mais técnicos, a produção é igualmente pouco ambiciosa. Nitidamente sem um grande orçamento um ou apuro estético que rivalize os orçamentos de US$200 milhões da Pixar, Super Pets acerta ao apostar em um traço mais cartunesco e que fuja do realismo, diversas vezes remetendo ao estilo de Bruce Timm nas lendárias animações para o Cartoon Network. Stern se aproveita desse estilo para criar cenas de ação inventivas, especialmente quando a Liga da Justiça daquele universo protagoniza os combates.

DC Liga dos Super Pets é um filme para crianças, mas ao menos um que é feito com afinco. Mesmo sem grandes pretensões, ideias originais ou uma produção realmente notável, o longa de Jared Stern tem um coração pulsante bonitinho e admirável. Um bom programa para as crianças.

DC Liga dos Super-Pets (DC League of Super-Pets, EUA - 2022)

Direção: Jared Stern
Roteiro: Jared Stern e John Whittington
Elenco: Dwayne Johnson, Kevin Hart, Kate McKinnon, Diego Luna, Vanessa Bayer, Natasha Lyonne, Keanu Reeves, Janela Jamil, Marc Maron, Daveed Diggs, Jemaine Clement, Olivia Wilde, Dascha Polanco
Gênero: Comédia
Duração: 106 min

https://www.youtube.com/watch?v=XvOqyXfZDus


Crítica | Agente Oculto não vale pela trama e muito menos pela ação

A Netflix aposta novamente em um blockbuster próprio do streaming, gastando US$200 milhões em Agente Oculto, longa de espionagem com claras intenções de se tornar uma franquia original da plataforma.

O filme é adaptado de uma série de livros de Mark Greaney, sobre um presidiário convertido em agente secreto (Ryan Gosling) que precisa fugir de seus contratantes quando um segredo obscuro é revelado. Em seu encalço, um agente ainda mais insano (Chris Evans) tenta neutralizá-lo.

Infelizmente, não há absolutamente nada de novo para se apreciar em Agente Oculto. Praticamente todas as ideias e convenções do gênero da espionagem se repetem aqui, de forma bem menos inspirada e prejudiciais ao ritmo do filme.

Ainda pior, é a direção dos irmãos Anthony e Joe Russo. Mesmo tendo feito sucesso com os dois filmes recentes de Vingadores, a dupla traz mais uma bola fora no sistema fora da Marvel, entregando um espetáculo fraco e artificial, que nem ao menos valoriza o talentoso elenco.

Confira mais comentários no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://youtu.be/Zu5CMjCfb5c


Critica | Crimes do Futuro traz David Cronenberg de volta ao body horror

Um dos grandes nomes do cinema de ficção científica finalmente está de volta. Após quase uma década afastado das telas, David Cronenberg retorna às telas, e ainda o faz ao retomar suas raízes no body horror grotesco com Crimes do Futuro.

Protagonizado por Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart, o filme imagina um futuro onde a humanidade é incapaz de sentir dor, e encontra prazer e entretenimento em artes performáticas de cirurgia; com direito a autópsias e órgãos sintéticos.

Definitivamente é um filme raíz de Cronenberg, explorando novamente o niilismo humano e muitos efeitos práticos para criar algumas das imagens mais marcantes do cinema em 2022, onde Viggo Mortensen mais uma vez entrega uma grande performance ao lado do cineasta.

Infelizmente, só faltou uma história mais envolvente em Crimes do Futuro para colar todos esses conceitos, personagens e cirurgias nada ortodoxas. É, essencialmente mais um ensaio de tese do que um filme.

Confira o comentário completo no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=gR66HfB0YvQ&t=3s


Análise | God of War e a necessidade de ser melhor

Esta análise possui spoilers leves - Texto originalmente publicado em 22 de abril de 2018.

Como Kratos cresceu. Quem diria que a franquia God of War teria marcado tanto da minha vida como marcou. Apesar de eu ter sido iniciado já no hype para o lançamento do espetacular God of War II, não imaginava que acabaria me apaixonando completamente por essa joia que transformou o hack n’ slash em algo tão único que nenhum outro game conseguiu superar.

Sendo um jogo que não só inspirou milhares pela cultura da mitologia grega, além de criar um personagem icônico, apesar de relativamente superficial, acabou transformando a marca Playstation em uma das maiores forças do mercado, afinal em 2005 a Sony não tinha tantos exclusivos de peso como possui hoje. Virando quase uma franquia anual entre diversos lançamentos para portáteis e consoles de mesa, dar adeus a God of War em 2010 praticamente não era um desejo de muitos, mas estava claro que ali devia ser o final da franquia.

Porém, escutando o clamor impensado dos fãs e também visando o lucro estratosférico que a franquia sempre ofereceu a cada iteração, a Sony lançou em 2013 o malquisto e medíocre God of War: Ascension que trazia mais um capítulo da infindável série de prequelas sobre Kratos. O dessabor foi tanto que ali parecia, enfim, o funeral pleno da franquia.

Até que, de surpresa, na história apresentação da Playstation na E3 de 2016, tivemos o anúncio deste tão aguardado retorno. God of War finalmente chegou para mudar o jogo. Literalmente. Em uma geração tão egoístas para jogos lineares single player, a Santa Monica Studio chega com tudo para mostrar que ainda é possível sim ter total comprometimento artístico sem menosprezar o potencial financeiro de jogo. Óbvio que ser um soft reboot de uma das franquias mais famosas da História colabora para isso, mas é nítido que estamos diante de um jogo que resgata e atualiza diversos dos elementos capazes de fazer meninos e meninas se apaixonarem instantaneamente por videogames.

Tragédia Nórdica

Desde o momento da revelação deste jogo, ficou claro que teríamos um foco narrativo muito maior do que já tínhamos visto em toda a franquia. Afinal, temos um salto temporal que traz novidades e muitas perguntas, já que Kratos agora vive sob domínio dos deuses nórdicos, teve outra esposa e, consequentemente, gerou um filho, Atreus. Muito embora Cory Barlog, diretor do game, e seus parceiros roteiristas não se preocupem em responder como e quando Kratos chegou ali e decidiu enterrar seu passado, mas sim sobre toda a dinâmica familiar do trágico anti-herói.

Aliás, esse é um dos alicerces que o jogo pretende trabalhar – e com muita eficiência: como tornar um crápula doentio como Kratos que assassinou milhares em sua busca insana por vingança em um verdadeiro herói? A resposta pesa e existe em God of War desde o primeiro minuto de jogatina. Kratos, já mais velho, sábio e controlado, terá que realizar o último desejo de sua falecida esposa: jogar suas cinzas no cume mais alto dos Reinos. Com Atreus, seu único filho desse relacionamento, o deus da guerra terá que enfrentar desafios muito maiores do que os imaginados para cumprir sua amável promessa. Entretanto, conforme a violência se intensifica, o protagonista terá que encontrar maneiras de continuar escondendo sua verdadeira natureza e seu passado do próprio filho.

Com uma história já poderosa desde o início, além do conceito genial da câmera verdadeiramente cinematográfica que nunca é interrompida do início ao fim do game, fora o desempenho dos atores e na direção de voz, é difícil não acreditar que God of War não seja um filme jogável. Apesar dessa forte ilusão e até mesmo com a inclusão de um modo totalmente imersivo disponível nas configurações, ainda estamos falando de um jogo.

Em geral, a narrativa é facilmente a melhor que a franquia já trouxe até agora, pois temos um mundo totalmente novo no qual Kratos é um peixe fora d’água. Através de Atreus, que tinha muito contato com sua mãe nórdica, o jogador é apresentado para uma infinidade de informações relevantes sobre esta nova mitologia enquanto o lado mais “humano” é trabalhado em uma relação cheia de atritos e ressentimento entre e Kratos.

Tanto que nosso protagonista sempre chama Atreus de “garoto” e nunca de “filho”. Mas apesar dessa personalidade difícil e fria de Kratos, temos momentos cruciais e até mesmo emocionantes que mostram o amor que ele nutre pelo filho tornando todo o conflito interno do personagem bastante crível e até mesmo fácil de se identificar mesmo que haja esse aspecto fantasioso sobre o “ser ou não ser”, afinal ele usa uma máscara que, inevitavelmente, afasta Atreus.

Muitos temiam, inclusive eu, que a adição de um sidekick, ainda mais de um pré-adolescente, tanto na narrativa quanto no gameplay seria um belo tiro no pé. Mas, felizmente, é sempre bom estar errado, pois nunca mais vou conseguir futuros jogos God of War sem esse sistema formidável. Atreus, por si, é um personagem muito bem escrito por ser bastante distinto de Kratos. Verborrágico, pacífico e convidativo, Atreus interage com outros NPCs tão interessantes quanto como a Bruxa da Floresta, Sindri, Brok e o genial Mimir, além de trazer uma boa dose de humor para a narrativa.

Felizmente, apesar da história ser imensa, os roteiristas sabem adicionar ápices dramáticos como se fossem verdadeiros clímaces para os atos, testando os personagens no limite e imediatamente trazendo alterações substanciais que afetam até mesmo o gameplay – repare na evolução gradual de Atreus no combate até se tornar uma parte vital da mecânica.

Enquanto o lado protagonista é extremamente bem realizando contando com um rol de personagens marcantes, o mesmo não pode ser dito para os antagonistas da narrativa. Assim como o jogo inicial da franquia, não temos a presença maciça do rol dos principais deuses na história. Aliás, basicamente, apenas temos a presença do Estranho cujo nome não cabe revelar nesta análise. Apesar da interação superficial e repetitiva ao longo do tempo e também pela personalidade bem superficial, a história deste vilão acaba possuindo similaridades com a própria jornada passada de Kratos, conseguindo gerar um belo significado de vermos o protagonista lutar, simbolicamente, contra o seu eu do passado, repleto de ódio e cego pela vingança.

A presença dos vilões, então, apesar de fraca, ajuda significativamente para explorar nossos protagonistas a fundo – incluindo Atreus. É algo que possibilita uma edificação plena para eles justificando um foco menor nessa relação de pai e filho e seus dramas em um inevitável novo jogo. Aqui, isso de certa forma é compensado com revelações muito interessantes dessa versão que os roteiristas trazem sobre a mitologia nórdica, trazendo o pior da personalidade dos deuses através de fatos sangrentos ocorridos no passado.

Uma Nova Era de Guerra

Superado esse ponto vital sobre a narrativa, é chegada a hora de comentar sobre a reforma completa e muito bem-vinda dos consagrado gameplay da franquia. Nessa roupagem de RPG, além de termos uma câmera com um campo de visão bastante restrito que com certeza irá te prejudicar em alguns dos combates mais caóticos, há muito o que se admirar aqui.

Primeiro, com a “simplificação” do combate agora realizado através dos botões traseiros do controle, há uma pegada mais firme e visceral também permitida pela proximidade com o Machado Leviatã, além da adição bem-vinda do escudo e do combate com mãos nuas – sim, a velha e boa porrada na mão que Kratos serviu a Zeus. Funciona e é muito prazeroso de jogar e destroçar milhares de inimigos ao longo do game. As magias são substituídas pelos ataques rúnicos mais modestos, mas igualmente eficientes, além de termos todo o cenário de customização em pauta.

Mesmo que tenhamos um menu de inventário/habilidades e compra esteticamente feio e repleto de informações para ler, é possível se organizar eficientemente para adquirir os melhores itens aprimorando a armadura de Kratos e suas armas, além do próprio Atreus – isso é feito através das lojas de Sindri e Brok, os ferreiros que te auxiliam ao longo do jogo. Além de termos impactos diretos no gameplay pela adição dessa estrutura de itens e aprimoramentos, isso incentiva o jogador a procurar muitos baús e monstros para loot a fim de conseguir o melhor equipamento disponível possível.

A árvore de habilidades está mais generosa do que nunca e é vital que o jogador invista seu tempo estudando e experimentando essas adições que tornam o combate muito mais complexo e interessante. Um dos poucos aspectos negativos, mas ainda assim relevante, é a relativa escassez de inimigos comuns e principalmente da notória falta de bosses relevantes já que toda vez temos a presença de Trolls que forçam as mesmas estratégias, além de termos que presenciar sempre a mesma animação de finalização – isso também é um problema com os inimigos comuns. É bem decepcionante experimentar isso já que além dos Trolls, somente temos a presença de outros três chefes distintos.

Aliás, é justo também apontar o tom violento muito mais abrandado deste game em uma franquia conhecida justamente pela ultraviolência. Mesmo que faça sentido para esse Kratos mais comedido que luta ao lado do filho, não termos ao menos uma sequência na qual ele revela sua verdadeira monstruosidade ao apelar na brutalidade é, também, decepcionante.

Enquanto o combate é renovado, os puzzles, curiosamente também são, mas não no sentido que muitos podem imaginar. Aqui eu aplaudo as sacadas de Cory Barlog e dos responsáveis pelo level design sempre muito criativo apostando ferrenhamente em porções bem abertas do mapa – é muito curiosa a concepção circular geral da topografia de Midgard, ou através da verticalidade em locais mais lineares. Mesmo que tenhamos mais puzzles a la Uncharted ainda há a forte presença dos clássicos enigmas da franquia, além das armadilhas que continuam irritantes, mas mais toleráveis pela nostalgia.

Os elementos e magia, como sempre, são essenciais, mas agora divididos entre as habilidades de Atreus e Kratos. Isso varia em ritmo saudável, mesmo que haja certo exagero no uso do congelamento provocado pelo Machado. Vale mencionar também que por conta da liberação tardia de diversas magias, como sempre aconteceu na franquia, temos um processo inevitável de backtracking que felizmente não é doloroso pelas recompensas, mas tampouco é perfeito.

Em termos de conteúdo, este é de fato o jogo mais completo de God of War até então. Beirando as 20 horas somente no modo história, a Santa Monica Studio criou um mundo repleto de surpresas, além de termos missões paralelas que incentivam o jogador a liberar toda a névoa do mapa e explorar a ponto do jogo facilmente atingir 40 horas de conteúdo – inclusive com liberação de territórios totalmente inéditos na jornada principal.

Técnica dos Deuses

Tendo jogado cada exclusivo do Playstation 4, posso afirmar sem medo que do ponto de vista tecnológico, God of War é uma maravilha inacreditável que possa rodar tão bem no console base no qual joguei. Temos os gráficos mais bonitos da geração aqui. Basta reparar no nível alto de tantas texturas exibidas ao mesmo tempo em momentos mais calmos do jogo. É algo surreal ver o couro da ombreira de Kratos, os entalhes do cabo do machado, das rugas da nuca de sua cabeça e da colorização distinta de suas articulações como a do cotovelo, além da polidez rústica do aço da arma.

Tudo isso sendo renderizado com milhares de efeitos em tela como de partículas, vento, iluminação ou névoa, além da inevitável presença de outros inimigos também muito bem detalhados. Se toda a técnica gráfica já impressiona de modo absoluto, o mesmo ocorre com o estupendo trabalho de concepção artística.

Se a mitologia grega oferecia grandes cenários luxuosos, além de outros lugares exóticos de modo deslumbrante, os nórdicos trazem um retrato relativamente mais modesto, mas que ainda tem espaço para mostrar riquezas grandiosas e espaços gigantescos. A maioria do clima é realmente de abandono em um lugar inóspito que, estranhamente, confere uma atmosfera amedrontadora para os minutos iniciais do jogo que dispõe de uma paleta de cores um pouco mais tímida se compararmos com o resto dos cenários mais coloridos.

Aliás, é importante mencionar o quão distintos são os locais entre si, variando de clima, cores, inimigos e terreno. É particularmente genial o uso do barco como o meio de transporte favorito já que a sensação de descobrimento fica mais forte, além de termos conversas muito interessantes durante essas viagens. Enfim, de modo geral, temos sempre um trabalho muito esforçado para corresponder os locais tanto com a arquitetura nórdica tradicional, além dos toques fantasiosos originais.

Novamente, a única decepção fica na adaptação do visual de alguns vilões, principalmente do Estranho, que não tem uma característica visual que o torne marcante de alguma forma. Apesar de ser desenvolvido mais que qualquer outro antagonista da saga, facilmente é um dos menos expressivos.

Também é previsível que um jogo deste porte apresente alguns pequenos problemas técnicos, apesar de eu não ter presenciado um único bug durante minha jogatina. O único fator bastante recorrente no jogo é a queda da taxa de quadros em momentos mais exigentes, mas nada realmente que destrua a experiência formidável que o jogador terá.

Além de um gameplay apurado, design artístico competente e uma história firme, a franquia sempre foi conhecida pela qualidade excepcional da trilha sonora. Mesmo que não tenhamos alguma composição que supere o tema inesquecível da trilogia original, há belos arranjos que refletem o luto e amargor constante que Kratos traz consigo. Novamente, condiz com o momento delicado que personagem experimenta, repleto de vozes guturais murmurantes masculinas em uníssono até chegarmos a um canto feminino delicado e solene na conclusão da jornada.

Um Deus Melhorado

God of War provou a máxima de que um cão velho sempre pode aprender novos truques. Mesmo com uma renovação quase que total, temos um jogo fantástico que evoca o poder dessa franquia já muito especial. Kratos cresceu como personagem, nós crescemos como jogadores e a Sony em conjunto com o estúdio Santa Monica clamam para que os desenvolvedores voltem a crescer e enfrentar riscos.

Afinal ninguém poderia acreditar que um jogo de câmera fixa pertencente ao gênero Hack n’ Slash se tornaria um excelente RPG de aventura medieval. A mudança deu certo e consegue trazer ares nostálgicos na medida certa – inclusive com alguns fan services que são capazes de colocar um sorriso no rosto de qualquer fã da franquia.

Espero que God of War conquiste os louros do sucesso para que tenhamos mais jogos que desafiem sua própria natureza e se reinventem de modos ainda mais inteligentes. Um deus que simplesmente melhorou. Um jogo que nos convida a uma experiência digna de Valhalla. Kratos, enfim, cresceu. E crescerá ainda mais.

Prós: Experiência única, representação original da mitologia nórdica, reforma da fórmula, combate ainda excepcional, rico em narrativa, diversos momentos épicos, Atreus e novos personagens

Contras: vilão pouco aproveitado, repetição de inimigos, chefes e animações, poucas finalizações, design atrapalhado do menu, violência abrandada

God of War (2018)

Desenvolvedora: Santa Monica Studio
Publisher: Sony Interactive Entertainment
Plataforma: Playstation 4
Gênero: RPG de Aventura

https://www.youtube.com/watch?v=K0u_kAWLJOA


Crítica | Ms. Marvel começa muito bem, mas cai no lugar comum

Desde que a Marvel Studios tem se aventurado em produções seriadas no Disney+, basicamente levando sua premissa de universo compartilhado para o streaming, esperei por alguma mudança radical. No cinema, o modelo bilionário implementado por Kevin Feige rendeu boas experiências e easter eggs divertidos, mas quase 20 anos depois, já se mostra esgotando a criatividade autoral de seus realizadores.

Passando por WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal, Loki, What If...?, Gavião Arqueiro e Cavaleiro da Lua, é um processo torto para o MCU. Alguns acertos, muitos erros e, só agora, um real investimento em novos personagens. Após o vigilante perturbado de Oscar Isaac, é a vez da heroína paquistanesa Kamala Khan ganhar as telas em Ms. Marvel, uma série que realmente começa com muita promessa, mas infelizmente cai no mesmo lugar comum do MCU.

A trama nos introduz à carismática adolescente Kamala Khan (a estreante Iman Vellani), filha de uma família paquistanesa que mora em Nova Jersey, e obcecada pelos atos grandiosos dos Vingadores e todos os  heróis que habitam o universo - em especial a Capitã Marvel. Quando Kamala recebe um bracelete misterioso de sua avó, ganha poderes sobrenaturais que logo a colocam na mira de vários inimigos perigosos; ao mesmo tempo em que parte em uma jornada para entender a origem de suas habilidades.

De início, Ms. Marvel realmente encanta por seu enfoque no coming of age. Mais preocupado em drama adolescente e as pressões do colegial, a série comandada por Bisha K. Ali gasta bastante tempo construindo as relações humanas de seus protagonistas, enfim dando espaço para o cidadão comum, o literal "mundo" que os heróis estão sempre salvando, mas que nunca eram banhados pelo holofote. Seja nas amizades de Kamala e seus amigos de escola, ou nas dóceis cenas envolvendo sua carismática família paquistanesa, o coração de Ms. Marvel bate muito forte.

Fica ainda melhor graças às realizações estéticas da produção. Preenchendo a tela com mais cor, fumaça e neon do que qualquer outra obra do MCU, toda a paisagem visual de Ms. Marvel é de se encher os olhos, especialmente porque seu piloto é ditado pela talentosa dupla belga Adil El Arbi e Bilall Fallah (que conquistaram Hollywood após Bad Boys para Sempre), que injetam energia e emoção nas situações mais cotidianas - é um estilo maravilhoso e digno do que esperamos de uma adaptação de histórias em quadrinhos.

O problema da série começa a aparecer na metade. Ms. Marvel bem que se sairia muito melhor se os grandes perigos envolvessem provas da escola ou castigos dos pais, mas infelizmente o lado MCU fala mais alto e não demora para que vilões de conceitos macarrônicos, lutadores extradimensionais, viagem no tempo e sociedades secretas comecem a estragar o belíssimo tom e contexto perfeitamente estabelecido em seu terço inicial. É uma decisão que ainda acarreta em cenas de ação medianas, efeitos visuais de qualidade duvidosa e mudanças de comportamento apressadas em diversos personagens.

Em uma franquia tão colossal e que satura-se a cada ano que passa, Ms. Marvel tinha o segredo para reinventar a roda: apostar em sua própria simplicidade. Uma verdadeira pena que essa ingenuidade criativa e vibrante troque espaço para a velha fórmula do MCU em sua metade final. Quase uma ótima série.

Confira mais comentários sobre a série no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://youtu.be/s0WUBG54-wQ