Crítica | DC Liga dos Super-Pets é um bom programa infantil
O ano de 2022 era altamente promissor para os fãs da DC. Começando com o aguardado reboot de Batman com Robert Pattinson, a Warner Bros apostava pesado no ambicioso filme do Flash com o caótico Ezra Miller, no retorno de Jason Momoa ao fundo do mar com Aquaman e o Reino Perdido e a estreia de Dwayne Johnson como Adão Negro em um novo épico. Infelizmente, os planos mudaram e diversos filmes foram adiados, mas apenas The Rock permanece no calendário do estúdio; não só com o anti-herói que vai mudar a hierarquia de poder na DC, mas também com a animação infantil DC Liga dos Super-Pets, que atua como grande lançamento de verão da Warner.
Certamente uma oferta que soa como uma decepção laxante após uma promessa de grandiosidade, mas que, ao menos, se garante como uma simpática e adorável opção para um público mais infantil.
A trama nos apresenta Krypto (Dwayne Johnson), o leal companheiro e animal de estimação de Superman (John Krasinski) em Metrópolis. Mas quando a relação entre os dois começa a ser afetada pelo amor do Homem de Aço à sua namorada Lois Lane (Olivia Wilde), Krypto se sente excluído e enciumado, mas logo volta sua atenção quando a misteriosa porquinha-da-Índia Lulu (Kate McKinnon) arma um plano para destruir toda a Liga da Justiça. Com a ajuda de outros bichinhos super-poderosos, Krypto forma uma equipe para salvar seu melhor amigo e deter a ameaça de Lulu.
Nitidamente, até mesmo pela ambientação e premissa, Liga do Super Pets é uma obra destinada quase que exclusivamente ao público infantil. Pode até soar como uma constatação óbvia, mas é um comentário relevante, ainda mais se considerarmos o repertório recente da DC nas animações infantis: obras como LEGO Batman: O Filme e Os Jovens Titãs! Vão ao Cinema são filmes que conseguem quebrar a barreira do público infantil, oferecendo um humor mais complexo e repleto de referências que apenas o público mais velho vai ser capaz de compreender. Liga do Super Pets, em sua essência, é muito mais simples e ingênuo.
Idealizado pelo produtor Jared Stern, que ainda serviu como roteirista tanto em LEGO Batman: O Filme quanto LEGO Ninjago: O Filme, Super Pets é um longa com coração nobre. O próprio Stern disse em entrevistas que sua inspiração veio após uma visita a um lar de adoção de animais, e muito desse respeito e amor pelos bichinhos está no filme; de uma forma bem concisa, sem muitas surpresas e sem grandes convenções - um filme 100% otimista e ingênuo, sem segundas intenções. Justamente por isso, a animação deve ser bem mais aproveitada pela plateia mais jovem, e não há o menor problema com isso.
Afinal, Liga dos Super Pets é bem focada no humor. Além de um único momento isolado onde Stern e o roteirista John Whittington surpreendem no melodrama à lá Toy Story 2 para contar a história de origem do cão Ace (voz de Kevin Hart), o filme é majoritariamente uma comédia. O tipo de humor focado em animais, diferenças entre cães e gatos e piadas com as identidades e personalidades dos heróis principais - em especial, a presença gótica e emo do Batman dublado por Keanu Reeves.
Em níveis mais técnicos, a produção é igualmente pouco ambiciosa. Nitidamente sem um grande orçamento um ou apuro estético que rivalize os orçamentos de US$200 milhões da Pixar, Super Pets acerta ao apostar em um traço mais cartunesco e que fuja do realismo, diversas vezes remetendo ao estilo de Bruce Timm nas lendárias animações para o Cartoon Network. Stern se aproveita desse estilo para criar cenas de ação inventivas, especialmente quando a Liga da Justiça daquele universo protagoniza os combates.
DC Liga dos Super Pets é um filme para crianças, mas ao menos um que é feito com afinco. Mesmo sem grandes pretensões, ideias originais ou uma produção realmente notável, o longa de Jared Stern tem um coração pulsante bonitinho e admirável. Um bom programa para as crianças.
DC Liga dos Super-Pets (DC League of Super-Pets, EUA - 2022)
Direção: Jared Stern
Roteiro: Jared Stern e John Whittington
Elenco: Dwayne Johnson, Kevin Hart, Kate McKinnon, Diego Luna, Vanessa Bayer, Natasha Lyonne, Keanu Reeves, Janela Jamil, Marc Maron, Daveed Diggs, Jemaine Clement, Olivia Wilde, Dascha Polanco
Gênero: Comédia
Duração: 106 min
https://www.youtube.com/watch?v=XvOqyXfZDus
Crítica | Predador 2: A Caçada Continua - Uma continuação sem brilho
Em Predador, de 1987, Arnold Schwarzenegger era o protagonista que enfrentava o alienígena caçador, saindo vitorioso do confronto mortal. Em Predador 2, o alvo é o Tenente Mike Harrigan (Danny Glover), sua equipe de detetives e alguns traficantes, fortemente armados, que residem em Los Angeles. A atmosfera de guerra civil e desordem, apresentada na produção, confere uma característica especial à trama, lembrando, em alguns aspectos, o clássico Robocop (1987).
Houve uma mudança em relação ao local onde a história se desenrola; enquanto no primeiro filme os mercenários enfrentavam o Predador na floresta tropical, agora o conflito se dá na cidade americana de Los Angeles, descrita como uma região quente e terrível. Infelizmente, para os fãs nostálgicos, ao revisitar a obra, perceberão que ela não é tão impactante quanto se lembravam. O diretor Stephen Hopkins (A Sombra e a Escuridão) buscou retratar um ambiente sombrio, mas, lamentavelmente, isso resultou em um tom excessivamente sombrio, mais próximo de um obra trash de terror do que de uma ficção científica.
O Predador não é um alienígena benevolente, como apresentado Alien Vs. Predador, ele é um vilão sempre em busca de suas presas, e é este o acerto desta sequência. Seu aspecto sinistro e sombrio é apenas uma parte de sua personalidade. Um dos muitos problemas desta versão reside nas cenas de ação, muitas vezes coreografadas de forma inferior se comparadas à versão com Schwarzenegger.
Na trama, o Tenente Mike Harrigan é o detetive encarregado de combater o tráfico de drogas e investigar assassinatos brutais de criminosos de gangues rivais. Ao descobrir uma relação entre esses assassinatos, todos os mortos são pendurados de ponta cabeça e têm a pele retirada brutalmente, a situação se complica quando os colegas de Mike começam a aparecer mortos. Em sua busca pela verdade, ele confronta agentes do governo e descobre que o assassino é um ser de outro planeta.
Os agentes do governo tentam caçar o Predador, armando uma armadilha para ele, mas acabam se tornando as presas. Mike aparece para salvar o dia. O final é um diferencial, com o detetive entrando em uma nave espacial, e lá encontrando um local cheio de crânios sendo expostos como troféus de várias espécies que os Predadores já mataram por outros planetas, inclusive é possível ver o de um Alien ali.
Obviamente os agentes do governo tentam caçar o Predador, montando uma arapuca para ele, mas acontece que eles acabam se tornando a presa. Eis que aparece Mike para salvar o dia. A melhor parte é justamente o final quando o detetive entra em um lugar que parece ser uma nave espacial. Lá encontra um quadro com crânios que são guardados como troféus de todas espécies que os Predadores já mataram, inclusive do Alien.
Em "Predador" de 1987, Arnold Schwarzenegger emerge como o protagonista que enfrenta o alienígena caçador, saindo vitorioso do confronto mortal. Em "Predador 2", o alvo é Danny Glover e sua equipe de detetives e traficantes, fortemente armados, que residem em Los Angeles. A atmosfera de guerra civil e desordem, apresentada na produção, confere uma característica especial à trama, lembrando, em alguns aspectos, o clássico "Robocop".
Houve uma mudança em relação ao local onde a história se desenrola; enquanto no primeiro filme os mercenários enfrentavam o Predador na floresta tropical, agora o conflito se dá na cidade americana de Los Angeles, descrita como uma região quente e terrível. Infelizmente, para os fãs nostálgicos, ao revisitar a obra, perceberão que ela não é tão impactante quanto se lembravam. O diretor Stephen Hopkins buscou retratar um ambiente sombrio, mas, infelizmente, isso resultou em um tom excessivamente sombrio, mais próximo de um filme trash de terror do que de uma ficção científica.
O Predador não é um alienígena benevolente, como apresentado em "Alien Vs. Predador"; ele é um vilão sempre em busca de suas presas, e é este o acerto desta produção. A atmosfera caótica e sombria é apenas uma parte de sua personalidade. O problema desta versão reside nas cenas de ação, muitas vezes coreografadas de forma inferior se comparadas à versão com Schwarzenegger.
Na trama, Mike Harrigan (Danny Glover) é o detetive encarregado de combater o tráfico de drogas e investigar assassinatos brutais de criminosos de gangues rivais. Ao descobrir uma relação entre esses assassinatos, todos os mortos são pendurados de ponta cabeça e têm a pele retirada brutalmente, a situação se complica quando os colegas de Mike começam a aparecer mortos. Em sua busca pela verdade, ele confronta agentes do governo e descobre que o assassino é um ser de outro planeta.
Os agentes do governo tentam caçar o Predador, armando uma armadilha para ele, mas acabam se tornando as presas. Mike aparece para salvar o dia. A melhor parte é o final, quando o detetive entra em uma nave espacial, encontrando um quadro com crânios, troféus de todas as espécies que os Predadores já mataram, inclusive do Alien.
Será que um vilão tão icônico não merecia um filme à altura do dirigido por John McTiernan? A verdade é que, tirando o filme de 1987, dificilmente se encontra uma produção envolvendo os Predadores que seja tão boa. Não houve um filme à altura de sua fama, o que é uma pena. Isso contrasta com Alien, que teve sequências memoráveis, com boas histórias e personagens marcantes. É estranho que, no caso dos Predadores, eles sejam tratados como personagens secundários em filmes de terror, quando são muito mais do que isso. São ícones pop presentes no imaginário de todos, merecendo produções mais inteligentes e bem produzidas.
Predador 2 tem seus méritos, mas a trama poderia ter sido melhor construída. A caracterização dos personagens é péssima, beirando o cômico, e eles são desenvolvidos de maneira insatisfatória. A fotografia deixa a desejar, tão ruim quanto a de Alien Vs. Predador 2. Em alguns momentos, a escuridão é tão intensa que compromete a visibilidade, como se tornar o ambiente mais escuro o tornasse mais assustador. No entanto, há uma redenção nisso, já que a fotografia é utilizada para caracterizar o ambiente, conferindo um tom mais sombrio e enigmático.
Predador 2 - A Caçada Continua (Predator 2, EUA – 1990)
Direção: Stephen Hopkins
Roteiro: Jim Thomas, John Thomas
Elenco: Freya Mavor, Benjamin Biolay, Elio Germano, Stacy Martin, Thierry Hancisse, Sandrine Laroche, Danny Glover
Gênero: Thriller
Duração: 94 min
Confira também a análise do canal Lucas Filmes.
https://www.youtube.com/watch?v=xuMVbfKu4ww
Crítica | Predador - A brilhante mistura de gêneros de John McTiernan
É um tanto triste saber que, respectivamente para o público de hoje, muitos só conhecem ou vieram conhecer o ICÔNICO personagem Predador através dos vergonhosos filmes Alien vs Predador ou Alien vs Predador 2 (mesmo veneno). Talvez esqueçam que esses terríveis espécimes de spin-offs viriam só ser meros bebedores da fonte de grandiosidade de um pouco esquecido clássico dos anos 80, estrelando ninguém mais ninguém menos que Arnold Schwarzenegger em seu ápice, no filme que pode ser considerado, com toda a razão, o perfeito filme de ação dos anos 80!
Sua simples trama já é um beneficio para solidificar o filme como tal, ao vermos esse grupo de soldados brutamontes das forças especiais liderados por um sempre carismático Schwarzenegger, sendo mandados para o mais fundo da selva de Guatemala em uma suposta missão de resgate, mas acabam encontrando um inimigo inesperado e aparentemente invencível, e invisível.
Mas talvez não tanto inesperado quanto possa se imaginar. A própria introdução do filme com uma misteriosa nave chegando na terra, já entregava que o misterioso rival dos mocinhos é de vida alienígena. E se não fosse por essa pequena cena intro, o filme teria enganado o público direitinho em ter feito pensar que estavam assistindo à um típico filme de ação/guerra no melhor estilo anos 80 cafona controlado, metade Comando metade G.I. Joe na selva, recheado de testosterona. Para depois serem surpreendidos com um demônio invisível matando cada um dos personagens um por um das maneiras mais sangrentas e assustadoras possíveis!
E esse projeto que poderia facilmente se tornar um filme slasher B com traços de filme de ação e ficção cientifica, se torna algo MUITO mais especial. Não só graças a presença de um astro como Arnold no papel de protagonista, mas também à direção de John McTiernan, um certo senhor que apenas viria a dirigir um tal de Duro de Matar, assim como seu terceiro filme, e um favorito de muitos: Caçada ao Outubro Vermelho. E McTiernan mostra desde o inicio ao fim como ele entende de ação, ritmo e, principalmente, personagens!
Meu Predador Será Sua Herança
O filme poderia ter facilmente se auto-sabotado e se tornar apenas mais um filme de Arnold Schwarzenegger sendo o astro de ação que é matando levas de inimigos, com esquecíveis personagens em sua volta, mas está LONGE de ser o caso aqui! Arnold está sim no centro, mas os personagens a sua volta conseguem ser construídos de forma tão fortes, carismáticos e relevantes como ele. Pra começar, ter a presença de Carl Weathers, o Apollo Creed da franquia Rocky, um dos atores mais subestimados de seu tempo e marca fortíssima presença no filme como Dillon, o agente da CIA infiltrado que supostamente levou o grupo para a morte certa, mas possui um pequeno e eficiente arco de redenção dentro do filme e o ator convence em todas as emoções possíveis de medo e arrependimento do personagem.
E claro, compartilha do MELHOR APERTO DE MÃO DO CINEMA em uma cena icônica com Dutch de Schwarzenegger.
("You sonofabitch")E ainda tendo as ÓTIMAS participações de Bill Duke como Mac o soldado com estresse pós-traumático de guerra; Sonny Landham como o índio silencioso rastreador fodão; Richard Chaves como Poncho, o fiel escudeiro tradutor do grupo; Jesse Ventura como Blain, o segundo fodão do grupo que não tem tempo para sangrar.
Sem deixar de mencionar a leve participação de Shane Black como Hawkins, o soldado piadista do grupo, e o jovem cineasta se mostra aqui bem carismático e claramente está se divertindo horrores no papel. Há até boatos que sua presença aqui foi para também dar uma reescrita em alguns dos diálogos do filme, nada confirmado, mas nota-se sim traços do tipo de narrativa que Black trabalharia em seus excelentes roteiros de Máquina Mortífera, Beijos e Tiros e o mais recente Dois Caras Legais, no que se refere à ÓTIMA dinâmica que se é construída entre o grupo cheia de humor e genuína amizade e respeito. Justiça seja feita, Black dirigirá o novo Predador que estreia ano que vem...
Schwarzenegger uma vez disse que sonhava em fazer um filme no estilo Meu Ódio Será sua Herança de Sam Peckinpah ou Sete Magníficos de John Sturges, “Predador” talvez seja o mais perto que ele chegou de assim o realizar (isso se você não contar com a trilogia Mercenários). E claro, o próprio Arnold está ótimo, e ouso dizer em talvez sua melhor performance como ator, e até uma atuação subestimada por muitos. Claro que há quem diga que o Austríaco musculoso teve apenas o “star power” à seu lado por toda sua carreira e não muito nível alto como ator.
Talvez seja a presença de Carl Weathers que fez Arnold se intimidar um pouco e puxar o seu máximo aqui, ou seja a própria ÓTIMA direção de atores de McTiernan. Seja o que for, Schwarzenegger consegue habilmente aqui convencer 100% no medo e anseio de perigo de seu personagem, assim como seu pulso firme de líder nato perante o grupo. Sua frase icônica desse filme: “get to the chooper” não se tornou icônica só pelo “star power” e seu delicioso sotaque Austríaco, e sim porque seu personagem estava querendo MESMO dizer aquilo com medo da morte bem no seu encalce. Exatamente aí onde a direção de McTiernan aqui BRILHA!
O movimento é o sucesso
Uma coisa a ressaltar sobre o tipo de diretor que John McTiernan sempre foi, é que ele nunca foi só apenas um bom diretor de cenas de ação, ele foi um condutor perfeito de histórias, personagens para chegar nas excelentes cenas de ação que ele sempre conseguiu construir, mesmo em seus filmes mais fracos.
O ritmo é a palavra chave, coisa essa que nunca falha nesse filme que não desacelera por um segundo sequer. McTiernan desde a primeira cena move os personagens e a trama sempre em um movimento fluído, conciso e praticamente sem nenhum tropeço a vista. Ele se mostra ciente de toda a inevitável cafonice que a trama e os personagens podem vir a trazer e soar, e nunca deixa estes caírem no bobo demais e nem sério demais, e a simples narrativa do roteiro dos irmãos Jim e John Thomas é habilmente costurada na jornada suicida dos personagens, sempre almejando a diversão, mas nunca apelando para o bobo e sem nexo.
E quando a ação finalmente explode em tela, é um show de energia, controle de câmera, angulações e movimentos sempre precisos. A montagem nunca dá um corte falho, cada take parece ser uma explosão de adrenalina, fazendo o público quase sentir a enervante tensão que os personagens sentem ao metralharem bala atrás de bala para o nada. O inimigo que nunca vêem mas está os rodando e brincando com seu medo a todo o tempo. Assim como McTiernan brinca com a antecipação do público, no melhor estilo Tubarão, guardando o momento exato para finalmente mostrar sua criatura, e no momento em que mostra é um dos grandes momentos do filme e quase pra sempre memorável!
Sai do mato Monstrão
Talvez seja por isso que muito foi se comparado ao longo de anos Predador de McTiernan com Alien de Ridley Scott ou Aliens de James Cameron. Não só por causa dos vergonhosos “spin-off/crossover”, mas pelas leves semelhanças em sua estruturas, que são bem notáveis. Afinal vemos aqui um grupo de 7 membros (oito com a junção da jovem Anna de Elpidia Carrillo) contra um inimigo de vida alienígena imparável, em uma aura de suspense enervante a todo tempo, assim como em Alien. E o elo do grupo de militares cheio de humor e muita testosterona, recheado de ação, e que faz uma certa alusão à guerra do Vietnã, tal e qual Aliens.
Sem falar no quanto ICÔNICOS são as figuras monstruosas de ambos as franquias que não se dataram nem um pouco até hoje, tirando algumas tomadas com os efeitos CGI mostrando a invisibilidade da criatura de forma um tanto notável, mas pequenos tropeços em um antro de quase perfeição. A figura da criatura do Predador se tornou tão icônica não só graças ao INCRÍVEL design de suas características físicas que parece de um humanóide em um corpo aparentemente indestrutível e musculoso cheio de esteroides extraterrestres, com mandíbulas assustadoras (que dizem as más línguas foram idealizadas de empréstimo por um certo James Cameron), mas graças a incrível atuação física dada por Kevin Peter Hall que consegue imprimir uma certa personalidade à criatura, e impõe um ar de superioridade intimidador só por seus movimentos animalescos, e faz frente ao próprio Arnold Schwarzenegger em toda sua glória musculosa dos anos 80, que deixou seu personagem Dutch no final quase ensanguentado, caído sujo na lama, sem camisa, suado na suvaca, tremendo de medo (reparem no nível do mosntrão). E ambos garantem uma confrontação final épica antológica!
Só para glorificar o quanto escapista consegue ser o filme de McTiernan e ao mesmo tempo tão inteligente e sagaz. Nunca filmes de ação blockbuster de hoje teriam conseguido o que Predador conseguiu com apenas, hoje meras merrecas, de 18 milhões de dólares (não é a toa que o próximo filme da franquia é sondado em gastar aproximados 150 milhões). É um filme descancaradamente cafona em suas pequenas doses, e ainda consegue construir ricos personagens carismáticos com ótimas performances de todo o pequeno e memorável elenco, e ainda fazer nós o público sentirmos por cada um. E sentirmos o medo, o suspense e a enervante antecipação de cada glorioso momento de ação que no final garantem um altíssimo nível de diversão quando vemos os supostos caçadores se tornado as presas de um caçador superior e imbatível!
E talvez seja exatamente isso que Predador é, uma digna obra-prima dos gêneros de ação e ficção-cientifica em toda sua glória anos 80! E de sobra ainda comprova porque John McTiernan é um dos melhores diretores de ação de todos os tempos e Arnold Schwarzenegger um dos maiores astros do mesmo! Ah, e um dos monstros mais icônicos do cinema, o que não tem pra não gostar aqui?!
Predador (Predator, EUA - 1987)
Direção: John McTiernan
Roteiro: Jim Thomas, John Thomas
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Carl Weathers, Bill Duke, Sonny Landham, Richard Chaves, Jesse Ventura, Shane Black, Elpidia Carrillo, Kevin Peter Hall
Gênero: Ação, Aventura, Suspense
Duração: 107 min
Comentario do canal Lucas Filmes:
https://www.youtube.com/watch?v=sgm1fHzFmLc
Crítica | A Fera do Mar aborda os males das ‘fake news’ em narrativa tocante
Já chegamos na oitava produção (longa-metragem) da subsidiária Netflix Animation!
O estúdio de animação que iniciou sua trajetória com a história natalina Klaus (2019) de Sergio Pablos, atravessou os últimos anos até 2022, quando havia agendado seis (!) lançamentos para o ano. Primeiramente, disponibilizou Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial (2022) de Richard Linklater – renomado cineasta hollywoodiano – e agora, libera para seus assinantes A Fera do Mar (2022), dirigido por Chris Williams.
Este é o terceiro longa de animação de Williams, que iniciou sua carreira na direção com Bolt - Supercão (2008), para mais à frente continuar apresentando seus talentos para o gênero da ação em Operação Big Hero (2014) – ambos parte dos estúdios de animação da Walt Disney.
Agora, ele repete um tanto daquilo que lhe tornou uma figura de destaque no meio das animações através de A Fera do Mar, que nos leva para uma época em que monstros marinhos aterrorizantes vagavam pelos oceanos e caçadores eram heróis celebrados – sendo que nenhum deles era mais amado do que o grande Jacob Holland (Karl Urban). Porém, quando a jovem Maisie Brumble (Zaris-Angel Hator) se esconde em seu lendário navio, vemos o herói das águas se deparando com um aliado muito inesperado. Juntos, eles embarcam em uma jornada épica em mares desconhecidos e fazem história.
A Fera do Mar: Animação animada
Existem dois ingredientes essenciais nessa receita que destacam o trabalho de Williams – que co-escreveu o roteiro com Nell Benjamin. São eles: uma narrativa que dispõe de dinâmica envolvente, além de uma mensagem direta a respeito de um mundo de aparências e o valor real de certas coisas que vemos ou ouvimos.
Pelo primeiro quesito, notamos o uso de vários estímulos visuais que auxiliam nesse envolvimento entre o material e o assinante da Netflix, especialmente pela recriação de época. Minuciosamente detalhada e, obviamente, infestada de cores vibrantes, que naturalmente vão atrair a atenção do público, sobretudo, os pequenos.
Para auxiliar (ainda mais) essa conexão, constatamos que tal história é um organismo que propõe muitas movimentações, seja: pela ação frenética, principalmente nas batalhas marítimas entre monstros e as embarcações abastecidas de caçadores e suas armas de combate; assim como nos momentos mais intimistas, como por exemplo, as interações entre os protagonistas da trama, quando homem e menina oferecem via esta interlocução, graça e reflexão.
Não podemos afirmar que A Fera do Mar se equipara ao fervor narrativo de A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021) de Mike Rianda – outra produção original da Netflix – que foi capaz de expandir os sentidos daqueles que assistiram tal aventura familiar encharcada de agitação, humor e ternura. Todavia, não devemos desprezar estes valores propostos pela obra de Chris Williams, que demonstrou um algo a mais do que os olhos podem ver, essencialmente em sua segunda metade.
Nos mares das 'fake news'
Em determinado momento desta produção original Netflix, notamos que o texto escrito por Williams/Benjamin estabelece uma relação cirúrgica com nossa realidade atual, onde (lamentavelmente) ainda presenciamos figuras de poder tentando ludibriar tantos outros com inverdades e factoides. Sempre visando, obviamente, o autobenefício.
Através da história, desde as monarquias até as repúblicas federativas, temos testemunhado, vez após vez, o uso indevido de falsas informações – mais conhecidas como ‘fake news’ – na busca pelo poder e sua manutenção. Curioso que estes ainda repetem tais artimanhas usando de esquemas que já estão mais que manjados, como o incentivo à competição (sistema capitalista), exibicionismo militar, além daquele que é o macete mais nocivo, no caso, o controle da informação.
Resumindo: quando todas as aparências perpetuam, assim também ficam mantidos todos aqueles privilégios que mantêm a maioria submersos.
E para combater estes males que assolam a ficção de A Fera do Mar, analisamos que o duo Williams/Benjamin escolheu a destemida Maisie Brumble, uma menina negra. Sabendo que na realidade (evidentemente) ninguém compreende melhor a ideia de ter que se adaptar em nossa sociedade do que aquelas nascidas mulheres de pele negra. (Obrigatoriamente) acostumadas com as mudanças, desenvolvem com mais naturalidade o conceito de verem suas perspectivas transformando, deste modo, são capazes de enxergar quem são os verdadeiros monstros em cena.
Por fim, talvez os legítimos heróis também não sejam apenas aqueles que vivem intensamente e terminem morrendo em um ato de enorme coragem. Uma vez que ser capaz de mudar sua maneira de pensar sobre alguma coisa, já se mostra algo bravamente incrível. Ainda mais nos dias de hoje.
A Fera do Mar (The Sea Beast, EUA/Canadá – 2022)
Direção: Chris Williams
Roteiro: Chris Williams e Nell Benjamin
Elenco: Karl Urban, Zaris-Angel Hator, Jared Harris e Marianne Jean-Baptiste
Streaming: Netflix
https://www.youtube.com/watch?v=e-KPygLf5TA
Crítica | Armadilha Explosiva Traz tensão e tem tom de denúncia
Um tema mais que recorrente nos noticiários nos últimos meses, nas redes sociais e até mesmo entre as conversas que surgem entre familiares e amigos é sobre o conflito na Ucrânia, local em que a Rússia de Vladimir Putin invadiu e está ali tomando territórios e deixando um rastro de morte e destruição. Porém, esse conflito se iniciou muito antes de 2022, em 2014, na região de Donbas, com grupos pró-russos entrando em conflito contra o governo ucraniano. Essa questão é o principal foco de discussão de Armadilha Explosiva.
Usando como pano de fundo essa atmosfera sombria do conflito da Ucrânia (lembrando que o longa foi lançado em 2021, antes da recente invasão russa em 2022), o diretor Vanya Peirani-Vignes encontrou uma maneira de denunciar e discutir uma questão que ocorreu na região e que poucos ficaram sabendo, que é a do uso de minas terrestres colocadas em solo ucraniano por forças russas.
Mas é aí que entra a confusão no jeito de se tocar a história. O diretor quer focar em um tema, mas ao término fica claro que a mensagem é muito maior do que aquela passada no filme, querendo debater não apenas sobre o uso de minas terrestres em solo ucraniano e que vitimizaram várias crianças, mas também de seu uso no planeta. “No mundo, a cada hora, uma mina mata uma pessoa”, diz o texto que finaliza o filme como um aviso e também como uma espécie de alerta.
É nítido que o orçamento do longa não era tão alto, beirando até a uma produção independente. Foram utilizados poucos cenários ao longo da narrativa, com Sonia (Nora Arnezeder) e as crianças presas dentro do carro, que está carregado de explosivos armados localizado no estacionamento, em que a sua equipe especializada em minas terrestres, liderada por Igor (Radivoje Bukvic), surge para tentar desarmar os explosivos no carro.
Esse modo de se filmar, utilizando cenário único, já foi utilizado em diversas produções e tende a criar uma ligação com o espectador - pelo menos nessa situação envolvendo Sonia e as crianças - de perigo, além de tentar trazer uma tensão para um problema que surgiu e que deve ser solucionado em um curto período, que é o fato de a bomba explodir caso alguém saia do carro. Em Armadilha Explosiva essa solução funciona, pois a tensão em si já é o suficiente para prender a atenção do público, com um bom suspense de pano de fundo e com dramas secundários envolvendo os personagens.
Outro fato que traz interesse para a trama é o fato de se tentar descobrir quem realizou o atentado terrorista contra Sonia e quais são suas reais motivações contra ela. Porém, podemos dizer que é uma narrativa bastante pobre no sentido de fazer a protagonista ficar presa o tempo todo no carro, mesmo que essa seja a proposta do roteiro. Quando a trama começa a se desenvolver, ficando realmente interessante e trazendo algo de relevante para a história, o filme termina.
Armadilha Explosiva mesmo sendo bem intencionado, com uma reviravolta que até chega a surpreender em seu final, demonstra saber bem com quem dialogar e quem quer atingir, e principalmente: quem quer denunciar, no caso a Rússia e as atrocidades cometidas na Ucrânia, fato que volta a se repetir novamente no momento atual, como se fosse algo cíclico, o que transforma sua trama ainda mais atual e viva.
Armadilha Explosiva (idem, Coreia do Sul – 2022)
Direção: Jin-sung Choi
Roteiro: Jin-sung Choi
Elenco: Chang Eun-jo, Moon Hyung-wook, Cho Ju-bin, Kim Wan, Oh Yeon-seo
Gênero: Documentário, Policial
Duração: 105 min
https://www.youtube.com/watch?v=HlrNKYpYPqY&ab_channel=A2Filmes
Crítica | Agente Oculto não vale pela trama e muito menos pela ação
A Netflix aposta novamente em um blockbuster próprio do streaming, gastando US$200 milhões em Agente Oculto, longa de espionagem com claras intenções de se tornar uma franquia original da plataforma.
O filme é adaptado de uma série de livros de Mark Greaney, sobre um presidiário convertido em agente secreto (Ryan Gosling) que precisa fugir de seus contratantes quando um segredo obscuro é revelado. Em seu encalço, um agente ainda mais insano (Chris Evans) tenta neutralizá-lo.
Infelizmente, não há absolutamente nada de novo para se apreciar em Agente Oculto. Praticamente todas as ideias e convenções do gênero da espionagem se repetem aqui, de forma bem menos inspirada e prejudiciais ao ritmo do filme.
Ainda pior, é a direção dos irmãos Anthony e Joe Russo. Mesmo tendo feito sucesso com os dois filmes recentes de Vingadores, a dupla traz mais uma bola fora no sistema fora da Marvel, entregando um espetáculo fraco e artificial, que nem ao menos valoriza o talentoso elenco.
Confira mais comentários no canal de YouTube do Lucas Filmes.
https://youtu.be/Zu5CMjCfb5c
Critica | Crimes do Futuro traz David Cronenberg de volta ao body horror
Um dos grandes nomes do cinema de ficção científica finalmente está de volta. Após quase uma década afastado das telas, David Cronenberg retorna às telas, e ainda o faz ao retomar suas raízes no body horror grotesco com Crimes do Futuro.
Protagonizado por Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart, o filme imagina um futuro onde a humanidade é incapaz de sentir dor, e encontra prazer e entretenimento em artes performáticas de cirurgia; com direito a autópsias e órgãos sintéticos.
Definitivamente é um filme raíz de Cronenberg, explorando novamente o niilismo humano e muitos efeitos práticos para criar algumas das imagens mais marcantes do cinema em 2022, onde Viggo Mortensen mais uma vez entrega uma grande performance ao lado do cineasta.
Infelizmente, só faltou uma história mais envolvente em Crimes do Futuro para colar todos esses conceitos, personagens e cirurgias nada ortodoxas. É, essencialmente mais um ensaio de tese do que um filme.
Confira o comentário completo no canal de YouTube do Lucas Filmes.
https://www.youtube.com/watch?v=gR66HfB0YvQ&t=3s
Análise | God of War e a necessidade de ser melhor
Esta análise possui spoilers leves - Texto originalmente publicado em 22 de abril de 2018.
Como Kratos cresceu. Quem diria que a franquia God of War teria marcado tanto da minha vida como marcou. Apesar de eu ter sido iniciado já no hype para o lançamento do espetacular God of War II, não imaginava que acabaria me apaixonando completamente por essa joia que transformou o hack n’ slash em algo tão único que nenhum outro game conseguiu superar.
Sendo um jogo que não só inspirou milhares pela cultura da mitologia grega, além de criar um personagem icônico, apesar de relativamente superficial, acabou transformando a marca Playstation em uma das maiores forças do mercado, afinal em 2005 a Sony não tinha tantos exclusivos de peso como possui hoje. Virando quase uma franquia anual entre diversos lançamentos para portáteis e consoles de mesa, dar adeus a God of War em 2010 praticamente não era um desejo de muitos, mas estava claro que ali devia ser o final da franquia.
Porém, escutando o clamor impensado dos fãs e também visando o lucro estratosférico que a franquia sempre ofereceu a cada iteração, a Sony lançou em 2013 o malquisto e medíocre God of War: Ascension que trazia mais um capítulo da infindável série de prequelas sobre Kratos. O dessabor foi tanto que ali parecia, enfim, o funeral pleno da franquia.
Até que, de surpresa, na história apresentação da Playstation na E3 de 2016, tivemos o anúncio deste tão aguardado retorno. God of War finalmente chegou para mudar o jogo. Literalmente. Em uma geração tão egoístas para jogos lineares single player, a Santa Monica Studio chega com tudo para mostrar que ainda é possível sim ter total comprometimento artístico sem menosprezar o potencial financeiro de jogo. Óbvio que ser um soft reboot de uma das franquias mais famosas da História colabora para isso, mas é nítido que estamos diante de um jogo que resgata e atualiza diversos dos elementos capazes de fazer meninos e meninas se apaixonarem instantaneamente por videogames.
Tragédia Nórdica
Desde o momento da revelação deste jogo, ficou claro que teríamos um foco narrativo muito maior do que já tínhamos visto em toda a franquia. Afinal, temos um salto temporal que traz novidades e muitas perguntas, já que Kratos agora vive sob domínio dos deuses nórdicos, teve outra esposa e, consequentemente, gerou um filho, Atreus. Muito embora Cory Barlog, diretor do game, e seus parceiros roteiristas não se preocupem em responder como e quando Kratos chegou ali e decidiu enterrar seu passado, mas sim sobre toda a dinâmica familiar do trágico anti-herói.
Aliás, esse é um dos alicerces que o jogo pretende trabalhar – e com muita eficiência: como tornar um crápula doentio como Kratos que assassinou milhares em sua busca insana por vingança em um verdadeiro herói? A resposta pesa e existe em God of War desde o primeiro minuto de jogatina. Kratos, já mais velho, sábio e controlado, terá que realizar o último desejo de sua falecida esposa: jogar suas cinzas no cume mais alto dos Reinos. Com Atreus, seu único filho desse relacionamento, o deus da guerra terá que enfrentar desafios muito maiores do que os imaginados para cumprir sua amável promessa. Entretanto, conforme a violência se intensifica, o protagonista terá que encontrar maneiras de continuar escondendo sua verdadeira natureza e seu passado do próprio filho.
Com uma história já poderosa desde o início, além do conceito genial da câmera verdadeiramente cinematográfica que nunca é interrompida do início ao fim do game, fora o desempenho dos atores e na direção de voz, é difícil não acreditar que God of War não seja um filme jogável. Apesar dessa forte ilusão e até mesmo com a inclusão de um modo totalmente imersivo disponível nas configurações, ainda estamos falando de um jogo.
Em geral, a narrativa é facilmente a melhor que a franquia já trouxe até agora, pois temos um mundo totalmente novo no qual Kratos é um peixe fora d’água. Através de Atreus, que tinha muito contato com sua mãe nórdica, o jogador é apresentado para uma infinidade de informações relevantes sobre esta nova mitologia enquanto o lado mais “humano” é trabalhado em uma relação cheia de atritos e ressentimento entre e Kratos.
Tanto que nosso protagonista sempre chama Atreus de “garoto” e nunca de “filho”. Mas apesar dessa personalidade difícil e fria de Kratos, temos momentos cruciais e até mesmo emocionantes que mostram o amor que ele nutre pelo filho tornando todo o conflito interno do personagem bastante crível e até mesmo fácil de se identificar mesmo que haja esse aspecto fantasioso sobre o “ser ou não ser”, afinal ele usa uma máscara que, inevitavelmente, afasta Atreus.
Muitos temiam, inclusive eu, que a adição de um sidekick, ainda mais de um pré-adolescente, tanto na narrativa quanto no gameplay seria um belo tiro no pé. Mas, felizmente, é sempre bom estar errado, pois nunca mais vou conseguir futuros jogos God of War sem esse sistema formidável. Atreus, por si, é um personagem muito bem escrito por ser bastante distinto de Kratos. Verborrágico, pacífico e convidativo, Atreus interage com outros NPCs tão interessantes quanto como a Bruxa da Floresta, Sindri, Brok e o genial Mimir, além de trazer uma boa dose de humor para a narrativa.
Felizmente, apesar da história ser imensa, os roteiristas sabem adicionar ápices dramáticos como se fossem verdadeiros clímaces para os atos, testando os personagens no limite e imediatamente trazendo alterações substanciais que afetam até mesmo o gameplay – repare na evolução gradual de Atreus no combate até se tornar uma parte vital da mecânica.
Enquanto o lado protagonista é extremamente bem realizando contando com um rol de personagens marcantes, o mesmo não pode ser dito para os antagonistas da narrativa. Assim como o jogo inicial da franquia, não temos a presença maciça do rol dos principais deuses na história. Aliás, basicamente, apenas temos a presença do Estranho cujo nome não cabe revelar nesta análise. Apesar da interação superficial e repetitiva ao longo do tempo e também pela personalidade bem superficial, a história deste vilão acaba possuindo similaridades com a própria jornada passada de Kratos, conseguindo gerar um belo significado de vermos o protagonista lutar, simbolicamente, contra o seu eu do passado, repleto de ódio e cego pela vingança.
A presença dos vilões, então, apesar de fraca, ajuda significativamente para explorar nossos protagonistas a fundo – incluindo Atreus. É algo que possibilita uma edificação plena para eles justificando um foco menor nessa relação de pai e filho e seus dramas em um inevitável novo jogo. Aqui, isso de certa forma é compensado com revelações muito interessantes dessa versão que os roteiristas trazem sobre a mitologia nórdica, trazendo o pior da personalidade dos deuses através de fatos sangrentos ocorridos no passado.
Uma Nova Era de Guerra
Superado esse ponto vital sobre a narrativa, é chegada a hora de comentar sobre a reforma completa e muito bem-vinda dos consagrado gameplay da franquia. Nessa roupagem de RPG, além de termos uma câmera com um campo de visão bastante restrito que com certeza irá te prejudicar em alguns dos combates mais caóticos, há muito o que se admirar aqui.
Primeiro, com a “simplificação” do combate agora realizado através dos botões traseiros do controle, há uma pegada mais firme e visceral também permitida pela proximidade com o Machado Leviatã, além da adição bem-vinda do escudo e do combate com mãos nuas – sim, a velha e boa porrada na mão que Kratos serviu a Zeus. Funciona e é muito prazeroso de jogar e destroçar milhares de inimigos ao longo do game. As magias são substituídas pelos ataques rúnicos mais modestos, mas igualmente eficientes, além de termos todo o cenário de customização em pauta.
Mesmo que tenhamos um menu de inventário/habilidades e compra esteticamente feio e repleto de informações para ler, é possível se organizar eficientemente para adquirir os melhores itens aprimorando a armadura de Kratos e suas armas, além do próprio Atreus – isso é feito através das lojas de Sindri e Brok, os ferreiros que te auxiliam ao longo do jogo. Além de termos impactos diretos no gameplay pela adição dessa estrutura de itens e aprimoramentos, isso incentiva o jogador a procurar muitos baús e monstros para loot a fim de conseguir o melhor equipamento disponível possível.
A árvore de habilidades está mais generosa do que nunca e é vital que o jogador invista seu tempo estudando e experimentando essas adições que tornam o combate muito mais complexo e interessante. Um dos poucos aspectos negativos, mas ainda assim relevante, é a relativa escassez de inimigos comuns e principalmente da notória falta de bosses relevantes já que toda vez temos a presença de Trolls que forçam as mesmas estratégias, além de termos que presenciar sempre a mesma animação de finalização – isso também é um problema com os inimigos comuns. É bem decepcionante experimentar isso já que além dos Trolls, somente temos a presença de outros três chefes distintos.
Aliás, é justo também apontar o tom violento muito mais abrandado deste game em uma franquia conhecida justamente pela ultraviolência. Mesmo que faça sentido para esse Kratos mais comedido que luta ao lado do filho, não termos ao menos uma sequência na qual ele revela sua verdadeira monstruosidade ao apelar na brutalidade é, também, decepcionante.
Enquanto o combate é renovado, os puzzles, curiosamente também são, mas não no sentido que muitos podem imaginar. Aqui eu aplaudo as sacadas de Cory Barlog e dos responsáveis pelo level design sempre muito criativo apostando ferrenhamente em porções bem abertas do mapa – é muito curiosa a concepção circular geral da topografia de Midgard, ou através da verticalidade em locais mais lineares. Mesmo que tenhamos mais puzzles a la Uncharted ainda há a forte presença dos clássicos enigmas da franquia, além das armadilhas que continuam irritantes, mas mais toleráveis pela nostalgia.
Os elementos e magia, como sempre, são essenciais, mas agora divididos entre as habilidades de Atreus e Kratos. Isso varia em ritmo saudável, mesmo que haja certo exagero no uso do congelamento provocado pelo Machado. Vale mencionar também que por conta da liberação tardia de diversas magias, como sempre aconteceu na franquia, temos um processo inevitável de backtracking que felizmente não é doloroso pelas recompensas, mas tampouco é perfeito.
Em termos de conteúdo, este é de fato o jogo mais completo de God of War até então. Beirando as 20 horas somente no modo história, a Santa Monica Studio criou um mundo repleto de surpresas, além de termos missões paralelas que incentivam o jogador a liberar toda a névoa do mapa e explorar a ponto do jogo facilmente atingir 40 horas de conteúdo – inclusive com liberação de territórios totalmente inéditos na jornada principal.
Técnica dos Deuses
Tendo jogado cada exclusivo do Playstation 4, posso afirmar sem medo que do ponto de vista tecnológico, God of War é uma maravilha inacreditável que possa rodar tão bem no console base no qual joguei. Temos os gráficos mais bonitos da geração aqui. Basta reparar no nível alto de tantas texturas exibidas ao mesmo tempo em momentos mais calmos do jogo. É algo surreal ver o couro da ombreira de Kratos, os entalhes do cabo do machado, das rugas da nuca de sua cabeça e da colorização distinta de suas articulações como a do cotovelo, além da polidez rústica do aço da arma.
Tudo isso sendo renderizado com milhares de efeitos em tela como de partículas, vento, iluminação ou névoa, além da inevitável presença de outros inimigos também muito bem detalhados. Se toda a técnica gráfica já impressiona de modo absoluto, o mesmo ocorre com o estupendo trabalho de concepção artística.
Se a mitologia grega oferecia grandes cenários luxuosos, além de outros lugares exóticos de modo deslumbrante, os nórdicos trazem um retrato relativamente mais modesto, mas que ainda tem espaço para mostrar riquezas grandiosas e espaços gigantescos. A maioria do clima é realmente de abandono em um lugar inóspito que, estranhamente, confere uma atmosfera amedrontadora para os minutos iniciais do jogo que dispõe de uma paleta de cores um pouco mais tímida se compararmos com o resto dos cenários mais coloridos.
Aliás, é importante mencionar o quão distintos são os locais entre si, variando de clima, cores, inimigos e terreno. É particularmente genial o uso do barco como o meio de transporte favorito já que a sensação de descobrimento fica mais forte, além de termos conversas muito interessantes durante essas viagens. Enfim, de modo geral, temos sempre um trabalho muito esforçado para corresponder os locais tanto com a arquitetura nórdica tradicional, além dos toques fantasiosos originais.
Novamente, a única decepção fica na adaptação do visual de alguns vilões, principalmente do Estranho, que não tem uma característica visual que o torne marcante de alguma forma. Apesar de ser desenvolvido mais que qualquer outro antagonista da saga, facilmente é um dos menos expressivos.
Também é previsível que um jogo deste porte apresente alguns pequenos problemas técnicos, apesar de eu não ter presenciado um único bug durante minha jogatina. O único fator bastante recorrente no jogo é a queda da taxa de quadros em momentos mais exigentes, mas nada realmente que destrua a experiência formidável que o jogador terá.
Além de um gameplay apurado, design artístico competente e uma história firme, a franquia sempre foi conhecida pela qualidade excepcional da trilha sonora. Mesmo que não tenhamos alguma composição que supere o tema inesquecível da trilogia original, há belos arranjos que refletem o luto e amargor constante que Kratos traz consigo. Novamente, condiz com o momento delicado que personagem experimenta, repleto de vozes guturais murmurantes masculinas em uníssono até chegarmos a um canto feminino delicado e solene na conclusão da jornada.
Um Deus Melhorado
God of War provou a máxima de que um cão velho sempre pode aprender novos truques. Mesmo com uma renovação quase que total, temos um jogo fantástico que evoca o poder dessa franquia já muito especial. Kratos cresceu como personagem, nós crescemos como jogadores e a Sony em conjunto com o estúdio Santa Monica clamam para que os desenvolvedores voltem a crescer e enfrentar riscos.
Afinal ninguém poderia acreditar que um jogo de câmera fixa pertencente ao gênero Hack n’ Slash se tornaria um excelente RPG de aventura medieval. A mudança deu certo e consegue trazer ares nostálgicos na medida certa – inclusive com alguns fan services que são capazes de colocar um sorriso no rosto de qualquer fã da franquia.
Espero que God of War conquiste os louros do sucesso para que tenhamos mais jogos que desafiem sua própria natureza e se reinventem de modos ainda mais inteligentes. Um deus que simplesmente melhorou. Um jogo que nos convida a uma experiência digna de Valhalla. Kratos, enfim, cresceu. E crescerá ainda mais.
Prós: Experiência única, representação original da mitologia nórdica, reforma da fórmula, combate ainda excepcional, rico em narrativa, diversos momentos épicos, Atreus e novos personagens
Contras: vilão pouco aproveitado, repetição de inimigos, chefes e animações, poucas finalizações, design atrapalhado do menu, violência abrandada
God of War (2018)
Desenvolvedora: Santa Monica Studio
Publisher: Sony Interactive Entertainment
Plataforma: Playstation 4
Gênero: RPG de Aventura
https://www.youtube.com/watch?v=K0u_kAWLJOA
Crítica | Cyber Hell: Exposing an Internet Horror – O Lado Obscuro do Telegram
Uma questão comportamental vem surgindo nas redes sociais já há algum tempo, local em que se encontra os principais debates que ditam o dia a dia da sociedade moderna. Essa relação comportamental é algo recente e que se popularizou com a criação do Facebook, por Mark Zuckerberg, e outras redes sociais que vieram através do tempo, criadas com o intuito de gerar discussões e fomentar opiniões. A partir da disseminação dessas redes, começaram uma série de debates éticos por parte do público a respeito dessas empresas e de suas políticas empregadas, entre os debates estão a falta de privacidade do público nesses meios, o medo de se ter os dados vazados e também de se ter o conteúdo privado exposto, ou seja, as mídias vazadas de forma ilegal, como fotos e vídeos privados para que todos na internet possam ter acesso, tornando algo que era particular em algo público. É justamente sobre isso que o documentário Cyber Hell: Exposing an Internet Horror trata de maneira perturbadora, mas sob um outro ponto de vista.
Produção da Netflix, dirigida por Jin-sung Choi, apresenta uma realidade mais assustadora que a de muitos filmes de terror, e isso se deve ao fato de justamente o documentário abordar um tema atual e de uma maneira crua, mostrando os perigos das redes sociais, no caso focando no Telegram, já que seu roteiro foi desenvolvido e pensado em denunciar uma prática criminosa na Coréia do Sul e que envolve essa rede social em si.
Em Cyber Hell, é acompanhado o trabalho de um grupo de jornalistas coreanos que iniciam uma investigação de modo independente para alguns veículos jornalísticos, sem a ajuda da polícia, para tentar identificar pessoas que dentro de grupos no Telegram compartilham conteúdo pornográfico de menores de idade, ou seja, uma rede de pedofilia que estaria atuando em grupos na rede social pelo país.
Os jornalistas ao investigarem as pistas que receberam descobrem algo muito, mas muito maior. Um esquema sofisticado, que além de escravizar inúmeras garotas de todas as idades de forma sórdida, as intimidando a fazer o que lhes era mandado pelo Telegram, caso contrário esse grupo ameaçava expor fotos e vídeos íntimos delas para seus pais ou pela rede social, isso quando não faziam outras ameaças ainda piores, como expor seus endereços residenciais em grupos com milhares de pessoas no Telegram. Com isso os criminosos as mantinham “escravas” para criarem mais conteúdo sexual exclusivo para esses grupos.
Mesmo sendo um acontecimento local, algo cometido na Coréia do Sul, o documentário acaba funcionando por ter um apelo global entre os jovens e adultos de todas as idades, pela necessidade de se ter atenção nas redes sociais e de ser um aviso para que se tenha cuidado para que não fiquem à mercê de criminosos perigosos, como Baksa e GodGod, os vilões apresentados pela produção e que criaram os grupos criminosos de compartilhamento de pornografia no Telegram. Um segundo fator é que também funciona como denuncia de como o Telegram é usado para disseminar conteúdo pornográfico infantil e para espalhar mídias de diversas vítimas sem o conhecimento delas, na maioria das vezes originados de roubos ou de hackers.
Se há algo em que Cyber Hell peca é em relação ao seu roteiro de não se aprofundar em discutir um tema tão importante como são os crimes sexuais cometidos na web, algo que pode ser considerado como uma oportunidade perdida pela produção, pois ao ficar apenas no relato da abordagem das ocorrências cometidas por GodGod e por Baksa, se esquece de debater os perigos das redes sociais e seus problemas a fundo, algo que o documentário O Dilema das Redes faz muito bem, mesmo que sendo através de outro ponto de vista, e que em Cyber Hell cabia ter feito melhor o debate sobre a respeito do tema.
A história conta com detalhes de como é realizada a investigação da equipe de jornalistas, e esse é um ponto positivo para se entender os acontecimentos. Mas ao contar sobre os crimes e as salas do Telegram o diretor deixa a narrativa um pouco confuso para que ocorra seu entendimento pelo público, claro que depois entende-se tudo com muita facilidade. Mas de início fica um pouco confuso devido à falta de uma análise mais profunda e pela falta de informação, principalmente por não ter contado muito sobre os crimes.
Cyber Hell: Exposing an Internet Horror é uma boa trama investigativa e que deve chocar aos espectadores pelo seu conteúdo. A conclusão que se chega ao assistir a obra da Netflix é que o problema não está relacionado apenas às redes sociais, à internet, nem ao Telegram e que esse é um problema muito maior. Há pessoas que se utilizam dessas redes para o mal, sendo que elas não foram criadas para esse fim. Infelizmente não é o primeiro caso de crimes virtuais e infelizmente não será o último.
Cyber Hell: Exposing an Internet Horror(idem, Coreia do Sul – 2022)
Direção: Jin-sung Choi
Roteiro: Jin-sung Choi
Elenco: Chang Eun-jo, Moon Hyung-wook, Cho Ju-bin, Kim Wan, Oh Yeon-seo
Gênero: Documentário, Policial
Duração: 105 min
https://www.youtube.com/watch?v=hpceNxQASKw&ab_channel=Netflix
Crítica | Ms. Marvel começa muito bem, mas cai no lugar comum
Desde que a Marvel Studios tem se aventurado em produções seriadas no Disney+, basicamente levando sua premissa de universo compartilhado para o streaming, esperei por alguma mudança radical. No cinema, o modelo bilionário implementado por Kevin Feige rendeu boas experiências e easter eggs divertidos, mas quase 20 anos depois, já se mostra esgotando a criatividade autoral de seus realizadores.
Passando por WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal, Loki, What If...?, Gavião Arqueiro e Cavaleiro da Lua, é um processo torto para o MCU. Alguns acertos, muitos erros e, só agora, um real investimento em novos personagens. Após o vigilante perturbado de Oscar Isaac, é a vez da heroína paquistanesa Kamala Khan ganhar as telas em Ms. Marvel, uma série que realmente começa com muita promessa, mas infelizmente cai no mesmo lugar comum do MCU.
A trama nos introduz à carismática adolescente Kamala Khan (a estreante Iman Vellani), filha de uma família paquistanesa que mora em Nova Jersey, e obcecada pelos atos grandiosos dos Vingadores e todos os heróis que habitam o universo - em especial a Capitã Marvel. Quando Kamala recebe um bracelete misterioso de sua avó, ganha poderes sobrenaturais que logo a colocam na mira de vários inimigos perigosos; ao mesmo tempo em que parte em uma jornada para entender a origem de suas habilidades.
De início, Ms. Marvel realmente encanta por seu enfoque no coming of age. Mais preocupado em drama adolescente e as pressões do colegial, a série comandada por Bisha K. Ali gasta bastante tempo construindo as relações humanas de seus protagonistas, enfim dando espaço para o cidadão comum, o literal "mundo" que os heróis estão sempre salvando, mas que nunca eram banhados pelo holofote. Seja nas amizades de Kamala e seus amigos de escola, ou nas dóceis cenas envolvendo sua carismática família paquistanesa, o coração de Ms. Marvel bate muito forte.
Fica ainda melhor graças às realizações estéticas da produção. Preenchendo a tela com mais cor, fumaça e neon do que qualquer outra obra do MCU, toda a paisagem visual de Ms. Marvel é de se encher os olhos, especialmente porque seu piloto é ditado pela talentosa dupla belga Adil El Arbi e Bilall Fallah (que conquistaram Hollywood após Bad Boys para Sempre), que injetam energia e emoção nas situações mais cotidianas - é um estilo maravilhoso e digno do que esperamos de uma adaptação de histórias em quadrinhos.
O problema da série começa a aparecer na metade. Ms. Marvel bem que se sairia muito melhor se os grandes perigos envolvessem provas da escola ou castigos dos pais, mas infelizmente o lado MCU fala mais alto e não demora para que vilões de conceitos macarrônicos, lutadores extradimensionais, viagem no tempo e sociedades secretas comecem a estragar o belíssimo tom e contexto perfeitamente estabelecido em seu terço inicial. É uma decisão que ainda acarreta em cenas de ação medianas, efeitos visuais de qualidade duvidosa e mudanças de comportamento apressadas em diversos personagens.
Em uma franquia tão colossal e que satura-se a cada ano que passa, Ms. Marvel tinha o segredo para reinventar a roda: apostar em sua própria simplicidade. Uma verdadeira pena que essa ingenuidade criativa e vibrante troque espaço para a velha fórmula do MCU em sua metade final. Quase uma ótima série.
Confira mais comentários sobre a série no canal de YouTube do Lucas Filmes.
https://youtu.be/s0WUBG54-wQ