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Crítica | A Crônica Francesa traz Wes Anderson em ótima forma

Wes Anderson é um dos autores mais únicos de sua geração. Dono de um estilo visual característico, personagens que nunca funcionariam fora de seus filmes e também de uma unidade tonal inimitável, é sempre um prazer assistir a uma nova obra do excêntrico cineasta americano. E, de certa forma, este novo A Crônica Francesa é quase como um abraço caloroso após muito tempo afastado; já que após o estrondoso sucesso de O Grande Hotel Budapeste, Anderson voltou para as animações com o irregular Ilha dos Cachorros, e a pandemia da COVID-19 acabou atrasando seu novo filme.

Novamente ambientando-se no cartunesco universo colorido do cineasta, a trama concentra-se no núcleo editorial da revista francesa que dá título ao filme. Através de uma narrativa formada por antologia, acompanhamos três histórias diferentes, que envolvem a relação curiosa de um pintor prisioneiro (Benicio Del Toro) e sua musa (Léa Seydoux), um jovem revolucionário (Timothée Chalamet) que trabalha com uma jornalista (Frances McDormand) para revisar seu manifesto e o perfil nada convencional que o cronista Roebuck Wright (Jeffrey Wright) traça de um cozinheiro (Steven Park) envolvido com um bizarro sequestro policial.

Novos truques

Sempre sei exatamente o que esperar de um filme de Wes Anderson, e A Crônica Francesa certamente traz o que aprendemos a esperar. Os personagens coloridos e as situações absurdas, que partem de uma proposta aparentemente infantil e típica de desenho animado, mas que chocam de forma hilária ao apelar para violência e conteúdo sexual. Todas essas características estão presentes aqui, mas com belas inovações: pelo caráter jornalístico de uma revista, as diagramações visuais de Anderson e seu fotógrafo Robert Yeoman se aproximam dessa mídia, especialmente na forma como as legendas para diálogos estrangeiros são expostas – assemelhando-se a caixas de textos que normalmente veríamos em matérias impressas em papel.

Além disso, a estética de Anderson também é deliciosa ao fazer homenagens a dois elementos essenciais dos folhetins. Primeiramente, as fotografias em still geram algo que o diretor nunca havia feito antes, ao trazer momentos caóticos e repletos de movimento que são “congelados”, mas onde vemos que os atores envolvidos claramente estão parados no set, ao invés de congelados na pós-produção; e a técnica gera quadros belíssimos e repletos de easter eggs cômicos. A outra é, naturalmente, sobre tirinhas, onde Anderson transforma alguns momentos da história em  maravilhosos desenhos animados em 2D, com destaque para a insana perseguição de carro na terceira história que oferece uma das cenas de ação mais engraçadas que vi recentemente.

Antologia colorida

De cara, a primeira história é 100% Wes Anderson no melhor sentido. A Obra-Prima Concreta encanta desde o início graças ao carisma e a relação curiosa dos protagonistas de Del Toro e Seydoux, e também oferece usos estilísticos inteligentes por parte de Anderson. Toda a narrativa é apresentada em preto e branco e na razão de aspecto quadrada, mas Anderson cirurgicamente escolhe momentos para apresentar cores e uma proporção de tela maior, como quando o engomadinho personagem de Adrien Brody apresenta um dos quadros chave para seus investidores – homens em preto e branco que veem a cor pela primeira vez.

Infelizmente, é a segunda história, Revisões de um Manifesto, que acaba enfraquecendo o longa. Apesar de ótimas ideias que se traduzem visualmente muito bem, como o jogo de xadrez épico entre o personagem de Chalamet e um desesperado prefeito, a história acaba embolada no enfadonho. Todas as três narrativas seguem o caminho de tangentes e ramificações complexas, mas no caso de Revisões de um Manifesto, o caminho é tão caótico que acaba gerando o desinteresse e até um certo cansaço visual; mesmo que Frances McDormand faça um trabalho formidável como a divertida revisora.

E quando finalmente chegamos ao derradeiro A Sala de Jantar Particular do Comissário de Polícia, o filme recupera a boa sensação da primeira metade. Não só pelo absurdo de sua premissa e da excepcional cena de ação em animação que comentei acima, mas também pela ótima performance central de Jeffrey Wright, capaz de circular os diferentes estados de espírito de seu personagem ao longo da narrativa quebrada – que tem seu ápice absoluto ao introduzir o arco de sequestradores comandado por Edward Norton. A trilha sonora de Alexandre Desplat, diga-se de passagem, é especialmente brilhante nesse segmento ao misturar  sua orquestra dinâmica com elementos diegéticos do cenário.

Depois de alguns anos em hiato, A Crônica Francesa traz Wes Anderson em ótima forma. Pode não ser a melhor ou a mais envolvente coleção de histórias que o cineasta já apresentou, mas traz sua sempre divertida estética característica, contando também com algumas surpresas e inovações bem-vindas. Uma revistinha de muito bom gosto.

A Crônica Francesa (The French Dispatch, EUA/França – 2021)

Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, argumento de Roman Coppola
Elenco: Bill Murray, Owen Wilson, Jason Schwartzman, Benicio Del Toro, Léa Seydoux, Adrien Brody, Tilda Swinton, Timothée Chalamet, Frances McDormand, Jeffrey Wright, Liev Schrieber, Steven Park, Mathieu Almaric, Christoph Waltz, Edward Norton, Saiorse Ronan, Bob Balaban, Tony Revolori, Henry Winkler
Gênero: Comédia
Duração: 108 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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