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Crítica | Além da Imaginação : 1ª Temporada – O tropeço de Jordan Peele

Uma série se torna um clássico, geralmente, por trazer algo de original ou de inovador em um cenário em que produções não conseguem mais trazer nada de novo em relação ao que se tem feito. Foi exatamente isso que aconteceu quando Além da Imaginação (The Twilight Zone nome original) foi lançado em 1959, com Rod Sterling no comando e tendo um ótimo roteiro e temas excêntricos sendo apresentados ao telespectador, algo que na época foi tido como diferente por fazer o que antes era possível de assistir apenas no cinema, e que na TV ainda não havia sido transmitido com tamanha qualidade narrativa.

E é justamente pensando nessa questão da qualidade que Além da Imaginação ganhou um novo reboot nas telas, agora com Jordan Peele (Corra!) a frente do show, e tentando trazer para o público atual as histórias surpreendentes e bizarras envolvendo as mais diversas situações. O principal problema desta temporada está em relação a tentar fazer algo de surpreendente e inusitado a respeito de temas que pautam a sociedade, isso utilizando a estrutura narrativa das temporadas passadas, ou seja, Jordan Peele, e o grupo de roteiristas, se prende demais no estilo dos anteriores, no jeito de se fazer a narração, de contar a história, e até mesmo na tentativa de criar uma atmosfera de suspense, mas nada disso funciona, pois essa preocupação, por parte do roteiro, em não sair do formato acaba por deixar a trama menos inovadora e menos atraente para o telespectador.

O que pode ser presenciado neste novo capítulo de Twilight Zone é a obrigatoriedade em ter que colocar alguma mensagem relevante a cada episódio.Tal fato acaba deixando o roteiro óbvio e sem criatividade em abordar algo que realmente importe, pois essas mensagens não são aprofundadas, e o debate acaba se tornando superficial em muitos momentos. Sempre que um capítulo começa a ficar interessante, termina com a mensagem sendo passada pela metade, o que dá uma sensação de decepção ao terminar de assistir.

Pegue como exemplo o episódio The Blue Scorpion, em que a ideia é debater o cenário atual americano sobre a liberação das armas de fogo para a população, a questão não é debatida, está ali apenas para mostrar como as armas são maléficas, tornando a trama fraca em sua abordagem e tirando o foco da ação dos acontecimentos envolvendo o personagem. Em Point of Origin também há uma tentativa em dialogar a respeito dos campos de refugiados e como essas pessoas são tratadas, mas outra vez o tema importante se esvai, acaba ficando na mesmice de sempre, sem nada de relevante sendo discutido, e com uma mensagem que era para ser impactante, e que por fim se torna monótona.

O mistério e o suspense são situações que andam lado a lado no reboot. Há alguns momentos em que o roteiro tenta criar uma atmosfera de terror psicológico mesclado ao suspense, mas em muitos episódios isso não funciona, como em Not All Men, em que os homens se tornam os vilões por se tornarem violentos, a situação até que é interessante, mas logo todo o ar de terror vai embora com o andamento da trama. Em Replay, em que a questão racial americana é discutida, com um policial perseguindo uma mulher e seu filho, é criativo e lembra bastante Black Mirror, mas peca pela falta de ambição em se fazer algo mais focado no suspense. Outros episódios ficam tão presos em querer colocar um mistério onde não existe que deixa tudo sem peso ao final de cada história, isso ocorreu principalmente em A Traveler Blurryman, esse segundo é uma homenagem ao o que a série Além da Imaginação representa, mas somente quem assistiu as temporada de 1959 irá entendera referência.

Outro fato que atrapalha bastante Twilight Zone é a obrigatoriedade em surpreender e revelar algo extremamente grandioso ao fim de cada episódio, que é mais uma prova de que estavam mais preocupados em manter o formato original de realmente criar algo diferente e inovador. Os capítulos mais fracos, de longe, são aqueles que justamente os diretores, alinhados ao roteiro, tentam colocar um terror psicológico que não funciona, casos de The ComedianBlurryman e A Traveler, que trazem boas ideias, mas que foram pessimamente executados ao longo da trama, algo no roteiro deixa de funcionar pelo caminho, e isso tem muito a ver com o jeito com que a narrativa é tocada, com um fato sendo apresentado de início, cortando para uma narração de Jordan Peele e depois com uma tentativa de desdobramento que seja impactante, que esteja a altura não apenas de Além da Imaginação, mas também de Jordan Peele, isso é algo que atrapalhou bastante o andamento e finalização de cada história.

O público de hoje em dia assiste a cada episódio de uma série com aquele entusiasmo e atenção criado, possivelmente, pelo fato da produção (no caso de Além da Imaginação) já ter um nome a zelar e por ter Jordan Peele como uma das cabeças pensantes da série. Porém, em uma época em que Black Mirror se tornou referência para o telespectador quando o assunto diz respeito a mensagem relevante que se quer passar para a sociedade, alinhado a um final surpreendente, que faz Além da Imaginação ser obrigado a superar a antologia sobre tecnologia da Netflix, isso pode ser visto no jeito com que a trama é trabalhada. Cada diretor criou o seu ambiente diferente para contar as histórias de cada episódio, mas fica evidente que tentaram fazer uma mescla, em relação a narrativa, das séries antigas de Além da Imaginação com o jeito com que Black Mirror toca a trama.

Há boas intenções em Além da Imaginação, e nem tudo é de se jogar fora. A estrutura criada para estes capítulos, provavelmente, será utilizada para construir as tramas da segunda temporada. Jordan Peele, mesmo sem ter dirigido nenhum episódio, mas tendo trabalhado no roteiro de todos, tem boas idéias, mas erra ao não saber direito qual tom que quer dar para a narrativa. O reboot de Além da Imaginação não será lembrado daqui alguns anos como um clássico, e sim como uma série bastante esquecível por ter errado em não saber como dialogar da maneira certa com o público e nem de que forma levar a história adiante de uma maneira satisfatória. É uma pena, pois havia grande potencial para ser uma excelente temporada, coisa que acabou não acontecendo.

Além da Imaginação (Twilight Zone, EUA – 2019)

Criado por: Rod Serling
Direção: Ana Lily Amirpour, Christina Choe, Owen Harris, Mathias Herndl, Simon Kinberg, Craig William Macneill, Gerard McMurray, Richard Shepard, Jakob Verbruggen, Greg Yaitanes
Roteiro: Simon Kinberg, Jordan Peele, Marco Ramirez, Rod Serling, Glen Morgan, Heather Anne Campbell, Alex Rubens, John Griffin, Andrew Guest, Selwyn Seyfu Hinds, Richard Matheson
Elenco: Jordan Peele, David Epstein, Shalyn Ferdinand, Zazie Beetz, John Cho, Taissa Farmiga, Ginnifer Goodwin, Sanaa Lathan, Kumail Nanjiani, Chris O’Dowd, Adam Scott, DeWanda Wise, Steven Yeun, Chris Diamantopoulos, Lucinda Dryzek, James Frain, Betty Gabriel, Jacob Tremblay, Patrick Gallagher, Seth Rogen
Emissora: CBS
Episódios: 10
Gênero: Drama, Fantasia, Horror
Duração: 45 min. aprox.

 

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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