O que acontece depois que morremos? Todos já devem ter feito esta pergunta alguma vez na vida e certamente ficaram abalados com o mistério da ausente resposta. O cinema nunca tratou com muita profundidade esse tema. Existem alguns protótipos nacionais como “Chico Xavier”, “Nosso Lar” e “Bezerra de Menezes”, mas todos baseiam-se na religiosidade espírita.
Já no exterior, existiram alguns filmes que abordaram o tema de maneira inteligente como o vencedor de 2 prêmios Oscar “Ghost – Do Outro Lado da Vida” ou, até mesmo em comédias românticas, como “E Se Fosse Verdade”. E finalmente então Clint Eastwood apresenta para o mundo a sua visão a respeito da morte com “Além da Vida”.
Marie Lelay é uma francesa que sobreviveu ao monstruoso tsunami de 2004 na Indonésia, mas esta sobrevivência lhe deixou seqüelas profundas e algumas visões graças a uma experiência de “quase morte” resultante de uma pancada na cabeça. Enquanto isso, um vidente genuíno tenta esquecer sua vida profissional de antigamente e procura uma maneira de viver como uma pessoa normal ignorando seu dom. E, em Londres, um menino que perdeu seu ente mais querido é afastado de sua mãe e faz de tudo para conseguir contatar o espírito do falecido e se recompor da situação em que sua vida se encontra.
Tentativa e erro
O roteiro assinado por Peter Morgan é cheio de altos e baixos. Ele não é centrado em apenas um protagonista, no caso temos três – Marie, Marcus e George, isso já eleva sua complexidade e torna mais difícil, o desenvolvimento dos três personagens.
O desenvolvimento de duas das três histórias não é arrastado e mantém um ritmo agradável – uma narrativa intercala no meio de outra e assim por diante. Já a história que trata Marie como protagonista é chata demais e muito maçante, principalmente pela falta de carisma de sua personagem. Ele brilha em suas horas de mostrar como existem vários psíquicos de araque de maneira cômica. Brilha também no seu início, graças a bela sequência de ação, o desenvolvimento do drama de George e Marcus, a explicação convincente da origem da vidência de George e a relação do médium com seu irmão picareta.
Geralmente roteiros que não são centrados em um único protagonista tem a característica da “coincidência” onde todos os personagens relevantes do enredo se encontram e mudam o destino final de cada narrativa. O evento “coincidência” da história não é muito bom. A relação de Marcus com George chega até a ser poética, graças a profundidade que emociona o espectador. Mas quando George encontra Marie, a abordagem é simplória e a história da francesa não empolga desde o início do longa. Não espere encontrar uma relação entre personagens como em “Babel” onde a rede e a conexão entre cada um é dez vezes mais complexa e muito melhor elaborada.
Para não deixar o espectador dormir no meio da película, graças a total falta de ação, ele é recheado de sustos, principalmente quando George faz um contato com o outro mundo.
Mortos, mas nem tanto
O ator que mais se esforça no longa é Matt Damon e, felizmente, ele entrega um resultado muito bom, principalmente por seu carisma e sua ótima química com Bryce Dallas Howard que tem seu momento no meio do filme. Já a atriz Cécile De France casa bem com sua personagem monótona: sua atuação é completamente sem graça. Os gêmeos Frankie e George McLaren roubam a cena toda vez que aparecem na tela, possuem uma simplicidade e comoção difícil de encontrar nas “crianças” de Hollywood de hoje em dia. Steve Schirripa também trabalha muito bem com seu personagem “Chef”, ele consegue distrair o público nos momentos de descontração do roteiro.
Indicado ao Oscar
Os efeitos visuais do filme têm grande participação na abertura com o tsunami. O trabalho é realmente incrível, o movimento da água destruindo todos os edifícios, é estarrecedor. É interessante citar a complexidade de realizar um efeito deste – repare que na imagem tudo está sendo arrastado pela água desde o horizonte até a varanda do hotel, ou seja, todos os elementos do cenário estão sendo destruídos ao mesmo tempo, exatamente como o lastimável, mas bem digitalizado “2012”. O resultando desta única sequencia de apenas seis minutos é a indicação do Oscar de melhores efeitos visuais. Também realizaram um efeito interessante nas rápidas passagens no outro mundo sem criar uma atmosfera brega.
Dicromática
A direção de arte optou por deixar somente duas cores em quase todos os cenários: azul e branca. O branco varia de significado conforme os cenários mudam: no hospital de doenças terminais representa o vazio da morte; outras vezes representa a serenidade, a palidez, a frieza, o mistério, etc. O azul geralmente é misturado com o branco através de faixas e geralmente usado para reforçar visualmente a sobrenaturalidade do tema. O figurino também ajuda com cores mortas, por exemplo, cinza e marrom para contrastar e destacar os personagens nos cenários.
A iluminação também é significativa no caso, sempre durante as sessões de contato de George, ela trabalha com as penumbras dos personagens contrastando com o mistério e a misticidade da cena.
Eastwood trabalha com a câmera rígida durante o filme, não arrisca muitos movimentos, a não ser a rotação apaixonada em 360º e outro movimento inteligente que não irei citar para não estragar a surpresa. Apenas uma dica: ela se passa em Londres e acontece no início do filme.
A edição do filme resolve o problema da câmera imóvel e deixa a cena fluir – afinal assistir a uma cena com apenas um ponto de vista é genial ou desnecessário, depende do diretor. Também existem grandes planos gerais ou GPGs mostrando as belas paisagens do interior da França, de Paris e de Londres.
Duas faixas
Predominam duas músicas durante as cenas do filme, ambas de composições simples, mas carregadas de sentimento. A primeira é um solo de piano que é repetida diversas vezes com poucas variações. Ela é feita de acordes pesados e profundos com o objetivo arrancar lágrimas dos olhos do espectador. A outra é um arpejo inspirado de violão que repete demasiadas vezes com o mesmo objetivo.
Por uns dólares a mais
Clint Eastwood, o eterno “Dirty Harry”, parece ter ganhado seu momento de reflexão. Afinal ele está envelhecendo, viveu ao extremo nos seus anos dourados e a morte é um fato certo de nossas vidas. O interessante foi que em sua direção, ele não abordou a morte como a vilã destruidora de vidas, mas sim como algo que conforta, descrevendo o bordão que muitos conhecem “passou desta para melhor”.
Sua direção sempre foi crua e realista: quando algum personagem leva um tiro nas costas e fica paraplégico, ele continua paraplégico até o fim do longa. Não existe realidade de James Cameron em seus filmes porque o mundo não é fantasia. Para os que não conhecem sua maneira de dirigir, o filme pode acabar até sendo impressionante e cruel pela frieza retratada, mas sempre com uma sensibilidade e sutileza inacreditáveis.
Fiquei intrigado pela falta de pulso de Eastwood a respeito de Cécile De France. É um descuido muito grande para um diretor de tamanha genialidade! Inacreditável deixar uma atriz manchar a reputação de seu filme que foi feito com intuito de ser a obra de sua vida. Ele também tem um talento natural de descobrir novas promessas para o cinema, no caso os gêmeos McLaren.
Somente em outra vida?
O filme tem seus deslizes, principalmente quando Cécile protagoniza e tira a empolgação restante do público e o clímax despercebido. O tema é bom e o filme relaxa o espectador, mesmo com a abertura frenética. Não é a melhor obra de Eastwood, mas também não é a pior, simplesmente faltou algo a mais, porém muito recomendado para os que procuram um bom filme de drama no cinema. Mas Eastwood é Eastwood. Conferir é obrigação!