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Crítica com Spoilers | Shazam! – Quero ser um Super-Herói

Se você estava em alguma possível sombra de dúvida sobre se a DC finalmente havia recuperado o fôlego do seu passado sombrio (literalmente) depois de uma boa recepção e o estrondoso sucesso de Aquaman de James Wan, Shazam! de David F. Sandberg vem para suprir todas as possíveis dúvidas para isso com um filme que é adorável o suficiente para laçar todos os corações possíveis de fãs e não fãs.

Mas como nos é de usual com essas críticas com spoiler se alongar em dissecar as possíveis várias nuances referências e fan-services que podem estar presentes nesses filmes de grande público (os de super-herói e quadrinhos majoritariamente), nem seria apropriado se estender sobre um filme como Shazam! que é tão simples e humilde em sua proposta, o que são ótimas intenções e que servem ao propósito do filme passar o sentimento de ser um filme tão único e especial mesmo que possa ser recheado de familiaridades, mas amplamente eficiente além destas.

Uma Nova Identidade

Faz parte desse novo charme que os filmes da DC vem arrumando para si desde que deixaram os dias de tiros no pé atrapalhados como Esquadrão Suicida e Liga da Justiça para trás e desde então vieram se soltando das amarras de filmes que tentam se amarrar e fazer parte de uma enorme narrativa como o Universo Cinematográfico da Marvel vem fazendo eficientemente bem por anos, e agora buscam fazer cada um de seus filmes seguindo uma voz e identidade única, mesmo que ainda se passem no mesmo universo (segundo ainda dizem).

Aquaman foi aquele épico de aventura e fantasia subaquática e o vindouro Coringa de Todd Phillips promete ser esse macabro estudo de personagem, enquanto Shazam! aqui se mostra quase como sendo esse filme perdido que foi feito nos áureos anos 80, longe do cinismo e tons exageradamente escrachados que perpetua em filmes do gênero e no seu público atualmente e surpreende com essa leveza e simplicidade que cada vez mais faz falta à um gênero quase tão estagnado em repetições.

Mas você já deve ter cansado de ler isso sobre Shazam!. Porém deixe essas palavras aqui servirem como testemunho para tal grande trunfo que o filme de David Sandberg consegue realizar tão bem, que é honrar o nome e legado do original (e único) “Capitão Marvel” por finalmente trazê-lo à vida no cinema. E talvez de forma inusitada visto a ordem de filmes que a DC vem lançando e planejando lançar não ter quase nenhum nexo, mas se a qualidade continuar assim quem será o tolo de reclamar disso, não é mesmo?!

Talvez o mesmo nível de tolice que alguns fãs mais “hardcore” da DC podem ter ao ver um filme como Shazam!, que se assume como essa comédia dentro do gênero, e virem clamar que a DC finalmente cedeu ao estilo cômico e seriado dos filmes da Marvel, afinal a mera presença de humor com certeza é um sintoma de “Marvelização”. Algo que não escapa de ser verdade visto os famigerados filmes de grupo já citados que a DC produziu esses últimos anos (Esquadrão e Liga), mas é algo que Shazam! consegue se desviar por completo.

Se você quiser falar por uma perspectiva de espírito quadrinhesco, então sim há um certo ar de Marvel no fato de que a jornada de Billy Batson no filme se transpõe na de um jovem como qualquer outro recebendo os poderes de um Deus (ou melhor, deuses) e aprendendo as responsabilidades e consequências que isso o trazem. Coloque esse tipo de trama com Homem-Aranha, Homem de Ferro, seja quem for e você notará uma possível semelhança no tipo de “pegada” no personagem. Onde Shazam! se distancia disso, é na forma como se mostra querer ser um filme muito mais focado em prestar atenção e desenvolver seus personagens do que propriamente criar uma estética distinta ou ação blockbuster grande e estilizada, e peca quando tenta fazer isso, mas mais sobre isso depois.

Você ainda até pode enxergar “Marvel” em como Sandberg tira algumas visíveis e muito bem vindas inspirações de Sam Raimi e seus primeiros filmes do Homem-Aranha. Tanto na forma como que Raimi conseguia imprimir seu lado diretor de terror em um filme, como Sandberg o também faz aqui envolvendo o seu vilão Thaddeus Sivana e os Sete Pecados, envolvendo uma cena bem divertida de tão sádica em que vemos Sivana conquistando sua vingança contra seu pai e irmão que sempre o menosprezaram desde a infância, ao soltar os monstruosos Sete Pecados para devorar a sala inteira. Que por alguns cortes de cena muito bem escondidos, a cena não se tornou um breve filme de terror R-Rated com desmembramentos acontecendo. Remetendo tanto as cenas do Duende Verde no primeiro Homem Aranha como a cena do hospital no segundo com o Dr. Octopus. Isso sim é se inspirar nos melhores elementos Marvel no cinema!

Mas também na forma com que o filme consegue construir o drama principal de Billy de forma muito genuína, e principalmente madura, no que diz respeito às emoções com que a sua história de um jovem órfão aborda temas sensíveis de abandono e reclusão, e como isso se reflete na formação da criança ao longo de sua vida. Não é todo dia em que você vê em um filme de super-heróis uma cena onde a mãe revela que abandonou sim o filho por desespero e que nunca se arrependeu, que com certeza vai causar aquela dorzinha de frustração.

Casando isso com a sua jornada básica do “grandes poderes vem grandes responsabilidades”, mas tomando um formato um tanto diferente em sua execução do esperado, mas igualmente eficiente. O roteiro de Henry Gayden pode ser o mais simplista que você possa imaginar, mas é inteligente o suficiente para abordar todos esses componentes da jornada de super-herói de Billy e na descoberta de seus poderes, resumindo na ótima frase de Freddy sobre quais os poderes Billy escolheria se ele fosse um super-herói, “voo ou invisibilidade?… pois heróis voam”. O que realmente significa ser um herói e poderes.

Encare isso metaforicamente com a “invisibilidade” simbolizando o medo, a falta de confiança e compaixão consigo mesmo e com seu próximo que Billy mostra ter para com todos na sua vida, resultado de uma vida inteira onde ele se sentiu como um desgarrado da sociedade que sempre o tratou com crueldade, ao ponto dele duvidar da mera existência de um sinal de bondade em quem quer que seja.

E o “voo” vem claro como símbolo dele alçar confiança, também algo dito por Freddy que parece de início ser falado como uma piada de que Billy precisa “acreditar para poder voar”, mas se torna algo de fato relevante no arco que o protagonista toma, de aprender a deixar o ego e a desconfiança que sempre o cercaram para trás, superando a dor do abandono de sua mãe, e finalmente consegue encarar os valores que possui, seja os seus poderes como também a sua nova família que o assim permitiu alcançar o coração puro necessário para os escolhidos do poder de Shazam! que o Mago estabelece logo no início, uma verdadeira jornada de amadurecimento e auto-reconciliação.

Clássica DC

Pode-se enxergar nisso o quanto em espírito, Shazam é um filme puramente DC. Onde mesmo que siga uma linha de adaptação do tom e narrativa dos Novos 52 como Aquaman fez, ele no entanto opta, assim como Mulher Maravilha fez, em tentar alçar algo muito mais clássico, mais puro e que data desde as origens do mágico Capitão Marvel que datava antes do próprio Superman. Histórias com um espírito de fantasia e aventura que trazia esperança à um público que vivia em uma era de crise e depressão social.

O grande trunfo do filme de Sandberg é exatamente conseguir adaptar esse mesmo personagem para o público mais cínico e exigente de hoje, com essa roupagem de um protagonista que de início é propositalmente difícil de se gostar pelos danos emocionais que o mundo lhe causou, e embarca em uma jornada rumo à se tornar esse herói, alguém que com sua ótica juvenil e inocente é capaz de começar a enxergar o melhor que o mundo pode oferecer e se tornar esse super-herói, o símbolo idealizado de esperança e virtude para inspirar aos outros.

Cruzando essa linha bem metalinguística entre a realidade do filme e a nossa e as aproximando de forma natural e instantânea na forma como que encaramos o ser super-herói. Alguém que usa e abusa dos seus poderes com egoísmo e frieza, usando-o apenas para truques estapafúrdios e baratos em troca de recompensas e trocados (soa familiar estúdios?)? Ou alguém que realmente aja com compaixão de ajudar ao próximo pela seu dever e índole? Vocês com certeza não estavam a espera de um pouquinho de complexidade em Shazam!, não é mesmo?!

Ao mesmo tempo em que consegue casar isso tudo em um filme de ar bem clássico e de ótica positiva que muito remete, assim como Mulher Maravilha remetia, ao Super-Homem de Richard Donner. Encontrando esse lar perfeito para a comédia assumida e drama familiar que Shazam! mostra ser, ou melhor sendo esse quase remake versão super-herói do clássico Quero Ser Grande de Penny Marshall com Tom Hanks, incluindo uma homenagem até bem óbvia, mas algo que vai além e que mostra orgulhoso e apaixonado pelo gênero em que habita.

Ainda que sim, é um filme carregado de humor exatamente como os trailers prometiam, mas sem ser a metralhadora ambulante de piadas sem fim como se fez parecer, e deixa suas sim constantes tiradas cômicas, a maioria ótimas e outras nem tanto, apenas aparecerem nos momentos certos, e de forma sempre à favor da trama e nunca contra ela. E as melhores cenas disso são exatamente as devotadas em mostrar Billy e Freddy testando os limites dos poderes de Shazam, incluindo uma ótima montagem com os vídeos de Freddy virando sucessos virais no YouTube quase que fazendo essa mini versão Jackass no mundo de super-heróis.

Mas muito que se deve para todo o humor funcionar e não soar forçado se deve claro a Zachary Levi que está ótimo, e mostra estar tendo o grande momento de sua vida ao interpretar o super-herói e facilmente convencendo na personalidade de uma criança tendo acabado de receber super poderes com uma performance tão apaixonada e cheia de vida. Não sendo um bobalhão por ser bobalhão, e sim alguém com um espírito juvenil genuíno e acesso de forma incandescente. Mas ironicamente, não é tanto ele quem rouba os holofotes de interpretação do protagonista e sim Asher Angel como o jovem Billy Batson, que tanto convence na personalidade de menino sagaz e debochado de Billy como também na frieza que o seu trauma interno de abandono lhe causa, e os dois atores acabam sim casando muito bem como a versão jovem e adulta do mesmo ser.

Até os personagens coadjuvantes que acabam se tornando muitas vezes o elo mais fraco como peso morto que o público não se importa nem um pouco nesses filmes, se destacam de forma memorável aqui. Indo desde o bom vilão do Dr. Sivana de Mark Strong, que mesmo não sendo o antagonista de motivação mais complexada e que basicamente apenas cumpra o papel clichê do vilão frio e calculista, o ator se mostra tão cheio de disposição e levando o papel a sério com tanta presença em cena que faz de Sivana um divertido e temível antagonista. E que cumpre o papel de se tornar o perfeito oposto de Billy, alguém que sucumbiu ao sentimento de ódio e vingança e nunca foi capaz de alçar o seu potencial de um coração puro.

Mas o grande atrativo fica a cargo principalmente no núcleo familiar, reunido pelo casal de acolhedores Rosa e Victor Vasquez (Marta Milans e um doce Cooper Andrews) que adotam Billy, e cuja família acabam se tornando talvez o elo mais atrativo que o filme carrega pra si, pois é exatamente onde Sandberg consegue focar muito do coração e dos temas tão puros já citados que o filme carrega. E todos recebendo seu pequeno momento de destaque, principalmente a rouba cenas Darla de Faithe Herman e claro o melhor amigo Freddy de Jack Dylan Grazer que cada vez mais vem se mostrando ser um dos melhores atores mirins trabalhando hoje.

Bem, ele e todo o elenco. Reunir tantos atores jovens e todos com um bom nível interpretativo é um digno trabalho profissional, especialidade do diretor de casting Rich Delia, o mesmo de It – A Coisa. Mas o melhor de tudo é que todos formam essa família bem multicultural e homogênea, cumprindo uma agenda de representativade sem por nenhum instante chamar atenção de importância para isso, nos fazendo gostar deles exatamente pelo que são como personagens e componentes da história.

E que aliás garantem a melhor parte do clímax um tanto atrapalhado, quando finalmente trazem a vida a família Shazam, uma reminiscência tanto da era das famílias DC como também respeitando as encarnações dos Novos 52 quase que trazidos direto dos quadrinhos para o filme, e cada um formando os totais opostos dos sete pecados que enfrentam.

Não que seja um clímax exatamente ruim, mas Sandberg não mostra direito exatamente o que ele quer criar esteticamente nessa cena. Subverter o grande confronto de superpoderosos em uma escala pequena? Ok, mas nisso ele acaba se esticando demais em ações que tentam ter esse ar de comédia pastelão com Billy se alternando entre ele e Shazam para fugir dos truques de Silvana e os ataques dos Sete Pecados. Ao mesmo tempo em que também alterna para as cenas de porradaria CGI com uma câmera lenta quase sem nenhuma necessidade além de talvez prestar homenagem ao estilo de Zack Snyder.

Porém, como é o caso de todo o filme, quando o humor aparece de forma natural das situações é que essas sequências se tornam bem mais divertidas. E quando a família Shazam aparece, tudo parece se iluminar. As versões adultas de cada um surpreendem em compartilhar do mesmo espírito juvenil de Levi e tornam a ação bem mais divertida com cada um esbofeteando os Sete Pecados, mesmo que sejam essas massas cinzentas em CGI as vezes bem notáveis, mas os personagens e seus atores estão todos bem que conseguem sobreviver a uma estética bem simplista mas eficiente.

Capitão Dedo-Faísca

Não que esse ar simplista seja um demérito total ao filme, ainda mais tendo em vista o orçamento um pouco “limitado” para um filme do gênero. E Sandberg consegue criar uma identidade bem própria e old-school para Shazam!, e tendo em vista que esse é o seu primeiro filme desse porte, ele mostra se sair muito melhor que vários outros. Fazendo aquela velha mistura de ser um filme bem família que você com certeza pegaria passando na Sessão da Tarde, mas uma sessão da tarde de qualidade e bem memorável graças à esse espírito bem infanto-juvenil boca suja, repassando o legado deixado por filmes como Os Gonnies e E.T: O Extraterrestre.

Enquanto esteticamente, vemos novamente o lado terror de Sandberg marcando presença de forma bem interessante no design gráfico do filme. Vide o lar do mago que é construído em uma estética gótica quase cartoonesca, que tanto remete aos quadrinhos parecendo uma boa mistura da fantasia leve da era clássica da Detective Comics, junto do tom mais carregado em penumbras dos Novos 52, como também remete bastante aos filmes de Ivan Reitman como Ghostbusters, os próprios Sete Pecados facilmente poderiam se passar como os demônios “gargulóides” do filme.

Que o faz também assumir essa personalidade narrativa bem brusca que lembra bastante Gremlins de Joe Dante (ironicamente um filme que também se passa no Natal), que conseguia ter esse tom leve e família, ao mesmo tempo em que era bem gráfico para um filme prioritariamente para crianças e toda a família, seja com a sugestão de brutalidade tratada como um tom bem assumidamente cafona, e por simplesmente deixar seus personagens agirem e falarem como pessoas de verdade.

Pois é, até a DC veio a adotar a nova onda nostálgica oitentista para um de seus filmes, tanto na forma com que escreve seus personagens e conta sobre esse mundo e história. E novamente prova essa diversidade de tons que o Universo DC vem realizando nessa sua nova próspera fase, que vem mostrando conseguir serem bem fiéis ao tom e visual de seus quadrinhos, ao mesmo tempo em que ainda conseguem dar vida e coração aos seus ricos personagens que se mostram capazes ainda de serem símbolos de entretenimento e inspiradores para o seu público ainda hoje.

E se esse for o rumo que a DC vai pegar de trazer diretores de visão única para trazer vida à esse vasto leque de personagens e histórias, então por favor que continuem o assim fazendo e deixem essa idéia de universo compartilhado para quem ainda prefira ver tantos filmes dependentes um do outro, e não um tão único e especial como SHAZAM!.

Shazam! (EUA, 2019)

Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Henry Gayden, baseado nos personagens da DC
Elenco: Zachary Levi, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Mark Strong, Djimon Hounsou, Grace Fulton, Marta Milans, Cooper Andrews, Faithe Herman, Ian Chen, Jovan Armand, Natalia Safran
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 132 min

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Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

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