Se lembram de quando Kung Fu Panda lançou e surpreendeu tanta gente com sua execução tão divertida e hilária da história do urso Poe, mas que sabia equilibrar muito bem o drama e emoções na mesma medida? Aí quando anunciaram a continuação era quase um sentimento unânime de que eles nunca conseguiriam capturar o mesmo brilho duas vezes, eis que Kung Fu Panda 2 chegou e se provou ser tão bom quanto senão ainda melhor que o primeiro.
O mesmo já havia outrora acontecido com Shrek e Shrek 2 e volta à se provar o feito com Como Treinar o Seu Dragão 2, não só outra das melhores continuações que a DreamWorks já produziu, como também um segundo filme de saga ou franquia que traz honra à classificação “maior e melhor” que encontra um perfeito representante aqui.
Com a história de Soluço e seu dragão Banguela agora se passando cinco anos após o primeiro filme, onde encontramos nossos dois protagonistas mais crescidos mas tão jovens e puros quanto antes, mas agora vivendo em uma Berk que convive em paz e harmonia com os dragões. Mas uma paz que promete ser abalada quando em um de seus voos à procura de novos territórios, a dupla descobre uma caverna secreta, onde centenas de dragões raros vivem, e guardados por Valka (Cate Blanchett), uma ‘Dragon Rider’ e mãe de Soluço, que foi afastada do filho quando ele ainda era um bebê. Mas após uma grande ameaça surgir na forma de Drago Bludvist (Djimon Hounson) um fanático que deseja controlar todos os dragões existentes. E agora todos juntos precisarão se unir e proteger o mundo que conhecem.
Como podem já ter notado, e não tão diferente do primeiro filme, Como Treinar o Seu Dragão 2 consegue pegar uma trama duplamente ainda mais batida, clichê e previsível possível que você já deve ter visto em inúmeros filmes de aventura e fantasia. E tão bem (ou melhor) quanto o primeiro filme, consegue tratar sua trama direcionada prioritariamente para crianças, com tanta maturidade e invocar uma complexidade dramática digna de qualquer filme para adultos.
Novamente mostrando uma execução muito acima da média para uma animação que ainda é um tipo de cinema subestimado em capacidades cinematográficas. Mas claro que com isso não quero dizer que Como Treinar o Seu Dragão 2 é uma obra-prima do nível de filmes como O Rei Leão, Toy Story ou qualquer filme de Hayao Miyazaki, embora tire muitas óbvias inspiração desses três pilares da animação e sabe criar algo próprio para poder ser comparado à os melhores.
E como dito no início, o filme segue um destino e caminho bem similar à Kung Fu Panda 2, ao querer ir longe de ser apenas um mais do mesmo e buscar evoluir a história e seus personagens já bem estabelecidos, e levá-los por novos caminhos a expandir esse universo tão rico e atrativo, ao intensificar o drama de seus personagens, prioritariamente de Soluço e sua família, sem atrapalhar ou destoar em nada da diversão que o filme promete garantir.
Infelizmente não tivemos o retorno conjunto de Chris Sanders na direção junto de Dean DeBlois para conjurar esse feito depois de terem mostrado acertar tão bem no primeiro filme. Felizmente, DeBlois não mostra dever em nada em sua execução do filme sozinho. Após ter aceitado voltar para uma continuação com a condição de fazer uma trilogia a partir da história de Soluço e Banguela.
Porém ao contrário de continuações que são realizadas em simultâneo, apenas visando uma continuidade propicia para se angariar muito dinheiro do sucesso de ambos os filmes visados como produtos (cof cof Matrix), seu criador mostra novamente ter tempo e dedicação na execução de Como Treinar o Seu Dragão 2 e fazer dele e sua história um filme próprio e independente, mesmo que ainda deixe uma bela porta aberta para um pródigo futuro.
Além disso, DeBlois abertamente citou filmes como O Império Contra-Ataca e Meu Vizinho Totoro com principais inspirações para o trabalho que ele viria realizar aqui, e estão completamente evidentes na forma com que o filme é construído. Embora a parte que se refere à Meu Vizinho Totoro já era bem vista em execução no primeiro filme na forma com que a relação de Soluço e Banguela era construída.
Por outro, pode se dizer que o mesmo se mantém aqui enquanto DeBlois vai para outros filmes de Miyazaki para se inspirar, o mais claro sendo Princesa Monoke que muito lembra a forma com que DeBlois leva a jornada de Soluço e Banguela bem adentro do universo inexplorado dos dragões. Seja no desvendar desse ecossistema natural regido por uma forma de entidade representada no gigantesco dragão alpha, que muito lembra o Rei Javali em Princesa Monoke e o mesmo eventual confronto que se procede entre as forças da natureza vs os homens que buscam as controlar.
Não só nessa vertente da história, mas DeBlois busca fazer jus à criação de escala e estética exuberante que pega muito dos universos imaginários dos filmes de Miyazaki, e que não deixa nada à dever visualmente para qualquer filme da Pixar. Sendo-lhe garantido esse orçamento mais gordo, o diretor volta à pegar de sua câmera intimista parecida com a de um live-action do primeiro filme e a eleva aqui para o nível de enquadramentos gigantes para capturar a escala gigantesca e imersa com que o universo dos personagens é elevado.
Fazendo algo quase perto de uma versão épica animada de O Senhor dos Anéis com as eletrizantes cenas de ação, mesmo que seja por um curto período de tempo durante o filme. Tanto presente na imensa batalha do segundo ato que lembra muito a batalha dos campos de Pelenor de O Retorno do Rei, com a grandiosa batalha ocorrendo em um campo de visão gigantesco e bem estabelecido com os exércitos de humanos e dragões se colidindo, mas sendo constantemente focados à partir das pequenas ações dos personagens durante o confronto, deixando assim o espetáculo épico, embora extremamente divertido e visualmente ambicioso, são quase postos em segundo plano de atenção para o filme persistir em sua visão intimista de seguir os personagens.
Em compensação as belíssimas cenas de voo com os dragões que já eram um manjar para os olhos no primeiro filme, aqui recebem um update calibrado, com os vastos cenários montanhosos e marítimos agora quase parecendo foto-realistas enquanto temos o mesmo uso fantástico do 3D do primeiro filme agora presente em ótimas sequências de ação e com milhares de dragões cobrindo a tela como se fosse um enxame de cores variadas.
Enquanto de O Império Contra-Ataca, DeBlois não investe muito na criação de uma possível reviravolta impactante ou qualquer coisa do tipo, embora muito da história em sua primeira metade tome alguns percursos bem sombrios e inesperados antes de entrar na familiaridade da metade final do filme. E se mostra bem mais interessado em criar aquela sensação de adrenalina infinita presente em O Império Contra-Ataca, com a progressão de sua história sempre estando em um constante movimento e com poucos momentos de pausa, e quando os finalmente os temos são aproveitados em prol do desenvolvimento dramático de seus personagens.
Fazendo algo similar ao primeiro filme em buscar apresentar todas as linhas de drama e conflito que o filme vai explorar já em seu corriqueiro início, para eventualmente deixar o resto do filme respirar em sua progressão seguindo um ritmo mais fluído e natural. Buscando dividir também sutilmente a aventura em dois arcos diferentes que mais pra frente no filme se colidem em um momento específico, assim como foi com o treinamento de Luke em Dagobah de um lado e a fuga da Millenium Falcon do outro.
E é aí que está um dos momentos, se não ruins, apenas fracos do filme, pois se enquanto o arco com Soluço e sua família é tão envolvente em ótimos diálogos, cheios de humor e nuances interessantes, o da trupe de amigos liderados por Astrid tentando encontrar Soluço indo em busca de encontrar Drago e seu exército, que apenas acaba servindo para o humor galhofa dos coadjuvantes, e que não justifica em nada a presença do novo personagem Eret interpretado por um muito desinteressado Jon Snow, digo digo, Kit Harington, que acaba se tornando apenas outro do pacote que muda sua visão dos dragões após ser salvo por um. E todo um arco que só se torna interessante assim que Drago entra em cena.
Mas se o vilão não mostra ter uma personalidade realmente distinta ou memorável com características e motivações, assim como a história do filme, bem já batidas e clichês, pelo menos Djimon Hounsou faz um bom trabalho em fazer dele uma presença que prescinde perigo em suas ações e tom de voz imponente. O que realça outra ótima qualidade do primeiro filme que volta à marcar presença como um diferencial de qualidade desses filmes.
Com o mesmo feito se refletindo novamente aqui com todo o elenco e seus atores que se mostram bem mais imersos em seus personagens do que no filme anterior. Seja Jay Baruchel mostrando um Soluço bem mais maduro em entonação, embora ainda jovem e brincalhão mas prestes a cruzar uma linha de maturidade, e Gerard Butler entregando um Stoico mais compreensivo e bondoso mostrando uma real mudança natural do personagem teimoso e extremista do primeiro filme. Mas a adição que realmente se destaca e que só enriquece ainda mais os talentos envolvidos dentro desses filmes, é Cate Blanchett como Valka. Que mostra aquela jovialidade resquícia do filho Soluço, mas com uma personalidade de anciã e sábia sobre o mundo em que vive, mas ao mesmo tempo seus sentimentos apreensivos de medo do pior que o ser humano é capaz de fazer.
O que só serve para intensificar o grande nível dramático que DeBlois realmente busca trazer para essa história e expandi-la. Pois se enquanto o primeiro filme lidava abertamente com temáticas de abuso animal e a temática familiar na relação atribulada entre Soluço e seu pai, que se refletia no conflito de guerrilha sem fim em Berk contra os dragões, sua continuação volta à lidar com os mesmos temas mas elevados à um novo nível de espetáculo e universalidade.
Seja tanto na já mencionada representação obviamente religiosa que o filme faz da figura do dragão Alpha como sendo essa espécie mística do meio natural dos dragões, e quem os controlar são verdadeiros messias desse mundo, como Drago se vê sendo e o que Soluço acaba se tornando, um Moisés dos dragões se preferirem.
Como também, e novamente, dentro do meio familiar, agora presente na relação entre Soluço e sua mãe Valka, lidando com temáticas de maternidade, perda e afastamento, mas ao mesmo tempo perdão e sabedoria através do afeto. Seja no rápido perdão de Soluço para sua mãe ainda no terço inicial do filme, o inesperado e lindo perdão no reencontro de Stoico com sua amada Valka, e mais tarde o perdão de Soluço e Banguela após o grande momento Rei Leão do filme, que garanto que conseguiu abalar muitos corações com a dureza e tom quase seco com que esse momento é lidado no filme e só adiciona à complexidade moral com que DeBlois busca dar à essa história.
E todos esses atos de perdão, dão fruto à um aprendizado de vida para cada um deles. Soluço descobre mais sobre os dragões e o universo em que habita; Valka descobre através de um Stoico mais doce e afetuoso que pessoas são sim capazes de mudar assim como Berk inteira (e o Eret Snow) mudaram de sentimento para com os dragões; e o último, tanto conclui com chave de ouro o arco de Soluço finalmente descobrindo o que é ser um verdadeiro líder para o seu povo, ambos os humanos e os dragões agora unidos, e Banguela assume uma nova responsabilidade dentro de sua espécie ao se tornar o dragão Alpha, ambos conquistando uma responsabilidade e maturidade.
A mesma maturidade que já era um dos grandes acessórios com que DeBlois se usou para fazer de Como Treinar o Seu Dragão em uma história, mesmo que tão recheada de familiaridades, em algo especial e que conseguiu conquistar a muitos, e agora sua continuação aqui que consegue fazer total jus ao seu pequeno marco. Tornando o que era uma história de um menino e seu Dragão, que agora se tornava a história de um homem assumindo responsabilidades e indo de encontro à um destino imprevisível junto de seu eterno amigo.
Mesmo que talvez não contenha a mesma solidez de seu antecessor, consegue implementar muito de seus grandes feitos em novos níveis dignos de um épico de fantasia moderno, e tão intimista e verdadeiro em seu drama melhor do que qualquer filme premiado hoje, formando aqui sucessor mais do que digno ao que já era ótimo e agora é excelente!
Como Treinar o Seu Dragão 2 (How To Train Your Dragon 2 – EUA 2014)
Direção: Dean DeBlois
Roteiro: Dean DeBlois (baseado no livro de Cressida Cowell)
Elenco: Jay Baruchel, Cate Blanchett, Gerard Butler, Craig Ferguson, America Ferrera, Jonah Hill, Christopher Mintz-Plasse, T.J. Miller, Kristen Wiig, Djimon Hounsou, Kit Harrington
Duração: 102 min.