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Crítica | Desperate Housewives: 2ª Temporada – Os Tours-de-Force Suburbanos

Se Desperate Housewives já causou um barulho e tanto em 2004, era de se esperar que a série mantivesse o mesmo ritmo frenético e pautado nas incríveis fusões tragicômicas e misteriosas de suas histórias nas temporadas seguintes. Logo, voltar à sombria e enigmática Wisteria Lane não era uma obrigação, e sim um desejo dos milhares de fãs que o show da ABC conquistara em tão pouco tempo – e mesmo anos depois, as donas de casa mais complexas que a televisão contemporânea já viu continuam tão relevantes e com muitas coisas para nos contar. Entretanto, ainda que tenha conseguido permanecer em um sólido caminho até a season finale de seu novo, é preciso dizer que certas escolhas e motivações narrativas parecem terem sido feitas às pressas, perdendo um pouco de seu peso dramático e fortalecendo-se no escopo do humor.

A série talvez tenha se transformado em uma comédia de costumes que nos remete até mesmo às investidas mais rebeldes dos romances românticos do século XIX. Entretanto, cada personagem aqui recebe um tratamento especial, dotado de complexidades inesperadas e viradas bastante interessantes para a continuidade dos acontecimentos. Entretanto, alguns clichês são sempre bem-vindos, ainda mais quando respaldados por panos de fundo bem estruturados que, na verdade, extraem o melhor das fórmulas dos dramas familiares – e aqui já podemos trazer a conturbada relação de Gaby (Eva Longoria) e Carlos (Ricardo Antonio Chavira), cujo casamento está por um fio após este descobrir que a mulher o traía e aquela descobrir que o marido financiava trabalho escravo.

O auge do relacionamento dos Solis insurge com a decisão que ambos tomam em ter um bebê, algo repudiável por Gaby até então, mas enfrentando alguns obstáculos pelo caminho. Essa mudança de escolha percorre um tortuoso caminho de mentiras e enganações, levando até mesmo ao showrunner Marc Cherry a optar por conclusões assustadoras – que até nos levam a odiar Carlos por maltratar Gaby. É através disso que Cherry deixa bem claro que há muito mais do que a simples fachada de um casarão nos mostra – afinal, o que ocorre entre quatro paredes normalmente permanece escondido e alheio até mesmo aos amigos mais próximos. De qualquer forma, Longoria carrega praticamente essa subtrama, deliciando-nos com todos os defeitos e qualidades que um ser humano carrega apenas para alcançar um ápice performático incrivelmente tocante.

Bree (Marcia Cross), entretanto, é a que mais vê sua vida mudar e sem dúvida traz consigo um arco narrativo angustiante por diversos motivos. Além de perder o marido Rex (Steven Culp) e presenciar o suicídio de seu namorado, a relação entre ela e o filho Andrew (Shawn Pyfrom) vai de mal a pior. Aqui, Cherry e seu time de incríveis roteiristas mostram que o amor maternal na verdade não é natural e pode sim encontrar um beco sem saída – e, depois de diversas tragédias que acometem os Van de Kamp, Bree decide que não tem mais psicológico para lutar contra seu filho, abandonando-o no meio da estrada em uma aplaudível atuação que nos deixa sem fôlego e aumenta ainda mais as cargas dramáticas sobre sua personagem, além de impactar em suas atitudes nos dois últimos episódios.

O mesmo pode se dizer de Lynette (Felicity Huffman) e Tom (Doug Savant), cujas vidas mudam drasticamente após ele pedir demissão do emprego e ela voltar ao mundo da publicidade com toda a força possível. E é claro que, dentro de uma sociedade comandada cegamente pelos homens, Tom não aguentaria ver sua esposa detentora de todo o capital para sustentar a família – e por isso esconde segredos surpreendentes, inclusive que tem uma filha fora do casamento que visita com uma regularidade considerável.

De qualquer forma, as nossas queridas e desesperadas donas de casa constroem-se ao longo de multiplicidades narrativas diversas e que fornecem mais camadas para as personagens. Porém, nem tudo são flores para o segundo ano, e a vertente mais trágica deixa a desejar: diferente da iteração anterior, em que Mary Alice (Brenda Young) se suicidara logo no episódio piloto, chocando os telespectadores, aqui Betty Applewhite (Alfre Woodard) torna-se a mais nova residente de Fairview e traz mais um mistério a ser resolvido. Ela esconde, nos porões da sua casa, seu filho mais novo, trancafiado a sete chaves por ter cometido assassinato e agora ser suspeito – e, para não deixá-lo ir para a cadeia, resolveu escondê-lo.

O problema é que as bases dessa trama não são sólidas o suficiente para nos agradar e nos envolver. A satisfação de mais um ano completo nunca alcançar sua completude, e o que mais irrita é o potencial desperdiçado. Woodard definitivamente não deixar sua marca na série, mantendo-se em uma entrega emocional monótona, sem altos e baixos, em contraposição ao seu filho, Matthew (Mehcad Brooks), que tristemente tangencia a canastrice. Com exceção de momentos pontuais, que partem das habilidades criativas da equipe mais do que liberdades do próprio elenco, o resultado é bem abaixo do esperado. O lado bom é que a salvação vem com a introdução do próximo mistério e um cliffhanger maravilhosamente delineado.

Mas é Susan (Teri Hatcher) que torna-se o centro dos holofotes mais uma vez. Mesmo com uma saturação de subtramas excessiva, incluindo pendências com o ex-namorado, tentativas de seguir em frente, as assombrações constantes do ex-marido e ameaças de uma vizinha que não tem nada a perder ao confrontá-la, seu timing é perfeito e traz irreverência para o show, com diálogos e até gestos que contrariam o que seria coerente ou convencional para determinados eventos. Susan também mergulha em um tour-de-force triste e chocante, que culmina em um amadurecimento compulsório e bem-vindo ao que a espera no futuro.

A segunda temporada de Desperate Housewives tem suas falhas e pode não agradar a todo mundo, caindo nas ruínas da monotonia mais do que deveria. Entretanto, não podemos negar os esforços de cada membro do time em manter um nível elevado que consegue, no geral, apagar os diversos deslizes que aqui existem – e que seriam reparados logo no ano seguinte.

Desperate Housewives – 2ª Temporada (Idem, EUA – 2005)

Criado por: Marc Cherry
Direção: Charles McDougall, Larry Shaw, Arlene Sanford, Jeff Melman, Fred Gerber, Larry Shaw, John David Coles, David Grossman
Roteiro: Marc Cherry, Oliver Goldstick, Tom Spezialy, Alexandra Cunningham, Tracey Stern, John Pardee, Kevin Murphy, Jenna Bans, Patty Lin, David Schulner, Chris Black
Elenco: Teri Hatcher, Marcia Cross, Eva Longoria, Felicity Huffman, Brenda Young, Nicollette Sheridan, James Denton, Ricardo Chavira, Andrea Bowen, Alfre Woodard, Mark Moses, Cody Kasch, Shawn Pyfrom 
Emissora: ABC
Episódios: 24
Gênero: Drama, Comédia, Mistério
Duração: 45 min. aprox.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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