Em 2007, foi lançado Evangelion Rebuild 1.11: You are (Not) Alone, primeiro de série de quatro filmes que são uma espécie de reboot/continuação da aclamada série animada de Hideaki Anno, produzida em uma parceria entre o estúdio Kara e Gainax. Neon Genesis Evangelion se passa em um mundo que está a ponto de acabar, trata-se de uma versão própria que o Anno constrói acerca da escatologia, o fim do mundo.
Introdução
É dito que neste mundo um meteoro atinge o continente antártico, descongelando boa parte das imensas geleiras que existem por lá. As consequências de tal acontecimento incluem a subida do nível dos mares que submerge as cidades litorâneas e também uma mudança no clima geral do planeta, tornando-o inóspito para boa parte da vida na terra, diz-se que a metade da humanidade foi destruída nesse evento, que passa a ser chamado de “segundo impacto”.
Como se não bastasse, logo após esses terríveis acontecimentos, surgem monstros gigantes, denominados anjos, cujo objetivo é desencadear o terceiro impacto, assim destruindo de vez toda a vida na terra. Para defender-se dessas monstruosidades, a organização paramilitar Nerv, constrói uma cidade fortaleza, Tokyo-3 e constrói robôs gigantes com o intuito de combatê-los, mas estes podem ser pilotados apenas por um grupo específico de adolescentes.
A primeira série que havia saído originalmente nos anos 90, juntamente com o filme End of Evangelion tinham feito sucesso considerável, tornando-se uma das mais apreciadas pelos fãs de anime no mundo inteiro. Mas havia um problema: o desfecho. Ao final da série original há uma pausa na história, que por sua vez ganha um teor introspectivo.
Os dois últimos episódios da série mostravam o personagem Shinji tendo uma sessão de terapia dentro da própria mente e não fica claro o que acontece no mundo exterior. Tal é revelado no filme End of Evangelion, mas ainda assim o resultado foi um filme permeado de simbolismos, que em geral foram de difícil compreensão para boa parte dos espectadores e o final de Evangelion permaneceu confuso, deixando muita gente insatisfeita.
A proposta
De acordo com Hideaki Anno, a proposta destes “Rebuilds” seria refazer Neon Genesis Evangelion como ele havia imaginado no começo, livre das amarras criativas e orçamentárias que foram impostas a ele enquanto produzia a série original. Há muita pouca diferença narrativa entre o que foi apresentado na televisão japonesa em 1995 e o filme para as telonas de 2007. Como é de praxe, alguns segmentos foram cortados e outros expandidos, mas nada que modifique muito a história geral.
O que é possível perceber muito bem é esse aumento orçamentário que foi muito bem distribuído e empregado, há uma melhora significativa em praticamente todos os aspectos. A arte está mais bonita, polida e colorida e a animação se apresenta muito mais fluida. O zelo que os animadores tiveram com a composição visual continua presente aqui.
As batalhas possuem mais peso e são mais épicas do que nunca. O clímax do filme, em que Shinji e Rei lutam contra o quinto anjo foi estendido, aqui ele dá muito mais trabalho para os pilotos do que outrora no anime original. Segundo Anno, agora eles foram capazes de utilizar o storyboard original dessa batalha e o resultado foi sensacional.
A força de Evangelion
Mas eu acredito que a real força de Evangelion não esteja exatamente nas batalhas épicas dos robôs contra essas estranhas criaturas denominadas Anjos e sim na relação (ou falta de relação) entre os personagens e os constantes questionamentos sobre seu ligar no mundo. Nos episódios que viriam depois, o tópico é intensamente discutido, mas há algumas pistas do que viria a ser Evangelion já nos primeiros episódios (o filme readapta os seis primeiros da série original).
Para começar, eu acredito que Evangelion comente de uma forma crítica ao gênero de Tokusatsu, gênero que abrange desde Power Rangers (ou Super Sentai no Japão) a Jaspion e Jiraya e dos Mecha Anime. Nessas histórias, adolescentes são escolhidos quase aleatoriamente para desempenhar papéis importantíssimos, como nesse caso, o de derrotar monstros poderosos e gigantescos para salvar a humanidade. A questão é que, nessas histórias, o adolescente quase sempre vê isso como uma dádiva, uma benção e nunca se pergunta por que logo ele que teria que designar aquela função.
É exatamente isso que os episódios iniciais de Neon Genesis Evangelion fazem. Shinji é trazido para a cidade de Neo Tokyo-3 contra a sua vontade, sem saber qual a finalidade real daquela mudança e é obrigado pelo seu próprio pai a pilotar um robô de combate para lutar contra criaturas gigantescas sem ter, inicialmente, o mínimo de treinamento. Assim, entendemos que Shinji tem um conflito pessoal com o seu pai, que o negligencia e quando o chama, é para uma finalidade terrível como esta.
O ponto é que estes adolescentes talvez não estejam em condições físicas ou até mesmo mentais de serem incumbidos com tarefas como essas. Shinji Ikari, o protagonista, passa não apenas uma vez, mas diversas pela fase do “chamado do herói”, sempre relutante em cumprir este papel, mas no final, sem escolha acaba fazendo. Isso deixa algumas marcas no jovem que já não era lá muito instável.
Aqui temos algum contraste entre Rei Ayanami, a outra piloto e Shinji. Ao contrário dele, que é sempre relutante, Rei tem algum orgulho em servir ao pai de Shinji, aparentando até mesmo considerá-lo mais como seu pai do que o garoto que de fato é seu filho. Entretanto Shinji e Rei possuem algo em comum, os dois são solitários. A tese em que Evangelion se baseia e a trabalhará ao longo de seus episódios e longa metragens é a do dilema do ouriço, do Schopenhauer, que é explicada em um diálogo entre Ritsuko Akagi e Misato Katsuragi.
Quando estão com frio, é complicado para os ouriços se aquecerem, pois possuem espinhos e não podem aproximar-se muito um do outro, portanto isso constitui o seguinte dilema: sozinhos, podem sofrer por conta do frio, mas aproximando-se dos outros com o propósito de livrarem-se desse problema, podem vir a machucar-se seriamente por conta dos espinhos. Isso pode acontecer com humanos também, como Evangelion tenta nos mostrar, quando estão longe, padecem de solidão, quando estão próximos, uma miríade de outros conflitos pode surgir e essa é a essência dos personagens Shinji Ikari e Rei Ayanami que está preservada aqui.
Conclusão
O Rebuild 1.11: You are (not) Alone não tenta reinventar a roda do Evangelion (não ainda), a maioria das cenas estão aqui, algumas cortadas, outras expandidas e a essência dos personagens é também preservada. O visual da arte em geral é composto minuciosamente, a animação está incomparavelmente mais fluida do que o que foi apresentado na série original e as batalhas são mais épicas do que nunca. Tenho que destacar também a trilha sonora e em especial a belíssima música da Utada Hikaru, Beautiful World, canção original para o filme, mais uma pérola das músicas de anime. Para os fãs mais assíduos da série Evangelion vale muito a pena conferir esse rebuild.
Ficha técnica:
Título Original: Evangerion Shin Gekijoban
Título em Inglês: Evangelion: 1.0 You Are (Not) Alone
Direção: Masayuki, Kazuya Tsurumaki, Hideaki Anno
Elenco: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara, Kotono Mitsuishi, Akira Ishida (Vozes)
Classificação: 14 Anos
Ano: 2007
Duração: 101 Minutos
País de Origem: Japão
Gênero: Animação, Ficção Científica