Apesar de hoje poucos celebrarem a cinegrafia de John Woo, houve um tempo no qual o cineasta trazia o que o Cinema de Ação tinha de melhor, além de colocar Hong Kong como um polo exportador das fitas mais explosivas que a audiência brasileira poderia conferir em programas como Domingo Maior. Mesmo não sendo o maior nome do cinema de ação de outrora, Woo acabou realizando algumas obras de suma importância histórica.
Indiscutivelmente, o ponto alto de sua carreira vem com Fervura Máxima no qual o cineasta busca trabalhar com referências conceituais americanas, mas as aprimorando ao jogar em cenários inusitados que inspirariam outras obras hollywoodianas chegando até mesmo a fundamentar momentos icônicos de Batman: O Cavaleiro das Trevas – não é à toa que o Morcego acaba visitando a própria Hong Kong em certo momento do longa.
Ação Global
É sempre muito curioso e gratificante ver como a comunidade cinematográfica pós-globalização se torna um tanto mais integrada devido a facilidade de diretores de diferentes países conferirem produções de outros colegas. Apesar de não ser explicitado em entrevistas, há um trato de similaridades que conectam Fervura Máxima com Duro de Matar, Um Dia de Cão e até mesmo Caçadores de Emoção.
A história como em quase todos os longas de Woo pré-Hollywood parte de uma premissa estritamente simples. Tequila (Yun-Fat Chow), um policial linha dura, parte em uma investigação complexa contra a Tríade, máfia chinesa, após entrar em confronto com o grupo acidentalmente durante uma ação em uma casa de chá. A complicação é que por se intrometer onde não é chamado, Tequila pode comprometer uma longa operação já em curso envolvendo outro agente, Alan (Tony Chiu-Wai Leung) que está infiltrado na organização criminosas há meses.
Woo é um cineasta mais preocupado com a estética do que a substância de seus próprios filmes. Por conta dessa escolha muito aparente já em questão de poucos minutos, é um fato que a história demore a engrenar e conquistar o espectador. Como os personagens estão inseridos em conflitos trabalhados de modos mais inteligentes em diversos outros filmes, além de serem bastante superficiais, se sustentando apenas em características fugazes do clássico clichê “policial esquentadinho vs. policial regrado”, é igualmente complicado gerar empatia por ambos, apesar das performances simpáticas de Chow e Leung.
Tanto que a interação da dupla só funciona pela química exibida em tela, já que os diálogos, em geral, são bem rasteiros e de qualidade duvidosa. Os personagens basicamente não se conhecem o suficiente, nem trocam experiências pessoais que formam elos significativos. O elo da amizade apenas nasce pelo ofício.
Se nem os heróis da obra inspiram, os vilões conseguem ficar ainda mais abaixo por conta também da natureza bastante simplista de seu antagonismo forçado. Alguns personagens se destacam pelas proezas exibidas em tela, mas o mandante que é o vilão principal simplesmente é um poço generoso de apatia, apesar de seus planos maléficos caricatos de matar inocentes em um hospital sitiado.
Aliás, mesmo que tenhamos uma narrativa suficientemente capaz de sustentar esse filme bastante longo para sua proposta, há um exagero pulsante no desequilíbrio entre cenas de desenvolvimento narrativo e as de ação. As gigantes sequências explosivas duram por uma eternidade, apesar de serem divertidas e Woo sempre dispor de cartas na manga para tornar seu trabalho inventivo o suficiente a cada nova investida.
Pirotecnias a Mil
Portanto, como a história de Fervura Máxima não é nada memorável ou impactante, fica nítido que o longa se sustenta apenas pelas proezas técnicas fascinantes do cineasta insano. Dispondo de muitos explosivos para efeitos especiais, Woo elabora tiroteios exemplares e muito lógicos na decupagem organizada que não permite qualquer confusão mental no espectador.
Isso ocorre por Woo sempre colocar os protagonistas da ação em conjunto ao enquadramento do figurante alvejado e, acredite, há um número insano de corpos estraçalhados nesse longa. O diretor preza então por este realismo da violência visceral dos tiros atravessando impiedosamente os inúmeros corpos, mas enquanto evoca esse grafismo curioso, torna toda a situação fantasiosa com exageros por vezes cômicos como a quantidade absurda de explosões, faíscas e do número surreal de balas que os policiais conseguem disparar de suas armas sem a necessidade de recarregar em momento algum.
Obviamente que isso não é apontado como defeito de forma alguma pelo resultado criativo que Woo consegue tirar de seu exagero. Apenas no terceiro ato igualmente enorme concentrado nos dois personagens tentando evacuar um hospital sitiado que o cineasta comete equívocos a ponto de se tornar repetitivo. Há um investimento irritante em coreografias envolvendo personagens se atirando em vidraças para escapar da linha de tiro – sempre em slow motion, além de um núcleo envolvendo a remoção de recém-nascidos durar excessivamente.
Como há essa cacofonia gigantesca de efeitos pirotécnicos, coreografias repetitivas, núcleos bobos e a sempre irritante trilha musical muito envelhecida e derivada, o terceiro ato se torna uma verdadeira penúria, extraindo toda a beleza do heroísmo dos personagens em arriscar a própria pele para combater a Tríade. Mas no meio disto tudo, há um momento realmente excepcional no qual Woo cria um fantástico plano-sequência exibindo o melhor segmento do tiroteio, além de focar em uma virada dramática forte para um protagonista – o cineasta infelizmente insiste em brincar com a velocidade dos fotogramas por vezes criando um efeito cômico inusitado.
Nas demais cenas, Woo também permeia sua assinatura cinematográfica distinguível, já que a mesma salta aos olhos. Na época, era algo realmente inovador, mas hoje há a impressão de muitas cenas serem “videoclipadas”, com o look e estilo dos videoclipes noventistas. Isso ocorre tanto pelo uso de slow motions desnecessários, fusões bregas e outras escolhas estéticas curiosas que tornam a imagem sempre bastante artificial devido a encenação de mão pesada – detalhe para as tradicionais pombas brancas presentes em diversos dos filmes de Woo. Em geral, é um trabalho de importância história, pois Woo definiu um estilo que seria muito explorado por outros cineastas de estética exagerada, incluindo Zack Snyder em seus Watchmen ou Batman Vs Superman de sua carreira.
Balés de Tiros
Se leu toda a análise, deve ter percebido que Fervura Máxima não envelheceu espetacularmente bem, apesar de ser um marco do cinema de ação, além de marcar, provavelmente, o ponto mais alto da carreira de John Woo que possui sim grande parcela de competência artística atribuída com muita paixão nesse filme repleto de excessos. Ao que se propõe, apesar dos desvios insanos, é um longa eficiente repleto de ação de primeira linha com pirotecnias fantásticas e um cuidado pleno na arte de decupar ação de modo que o espectador sempre estará entretido. Entre tantos efeitos especiais, Woo não se consagra como um ótimo contador de histórias, mas um virtuoso esteta dinâmico.
Fervura Máxima (Lat sau san taam, Hong Kong – 1992)
Direção: John Woo
Roteiro: John Woo
Elenco: Yun-Fat Chow, Tony Chiu-Wai Leung, Teresa Mo, Philip Chan
Gênero: Ação, Policial
Duração: 128 minutos.