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Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é o batismo de fogo do Peter Parker de Tom Holland

OBS: o texto não contém spoilers

Se há um ponto de convergência em praticamente tanto os fãs quanto os haters do atual Peter Parker interpretado por Tom Holland é o fato do personagem ser estagnado e muito dependente de diversos outros heróis do Universo Cinematográfico da Marvel, principalmente de Tony Stark. 

Desde 2017 que aguardamos ver algo que extraia a verdadeira essência do Peter Parker que conhecemos tanto nos quadrinhos quanto nas outras iterações do personagem no Cinema e, agora, cinco anos depois, finalmente temos esse batismo de fogo para o herói em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, indiscutivelmente o melhor filme do Aracnídeo nesta trilogia do MCU. 

Com grandes histórias…

Ao contrário da grande maioria dos filmes do Aranha, Sem Volta Para Casa não calca a sua narrativa derivada das grandes histórias já criadas nos quadrinhos e tampouco busca a influência deles. Podemos dizer que até mesmo se trata de uma rara história original dentro do Universo Cinematográfico da Marvel. 

Extremamente ambicioso e um tanto problemático, o texto de Chris McKenna e Erik Sommers busca atar um material originado desde 2002 com a estreia do clássico Homem-Aranha dirigido por Sam Raimi

Como já não é mais segredo para ninguém, a narrativa do filme começa imediatamente após a conclusão promissora de Longe de Casa, com a identidade de Peter Parker revelada ao mundo inteiro. 

Dedicando alguns poucos minutos para as problemáticas reais de ter a identidade do herói revelada ao público, os roteiristas movem a história para originar o conto bizarro, mas fascinante que é a história do filme. 

Com Parker pedindo ajuda ao Doutor Estranho para que todos esqueçam que o Homem-Aranha é também Peter Parker — cuja motivação é tão pífia que até o próprio filme faz piada com isso – e atrapalhando o feitiço para que alguns ainda se lembrem desse fato, o feitiço é contido, mas algo dá errado permitindo que diversos vilões das fases de Tobey Maguire e Andrew Garfield como o herói invadam o Universo Cinematográfico. 

Logo, incumbido pelo próprio Doutor Estranho, Peter precisa caçar cada um desses novos inimigos inéditos em seu universo. Mas após concluir a missão, acaba dividido em permitir que o Mago Supremo os envie de volta para a casa, afinal muitos deles acabam morrendo em combate com seus respectivos Homem-Aranha. 

A narrativa basicamente mantém a constante da imaturidade completa desse Peter Parker que sempre costuma criar os próprios problemas – mas em uma dimensão aterradora como ocorre aqui. Ao contrário do que vimos anteriormente, há aqui uma moral definidora que rende um dos momentos mais emocionantes do filme injetando muito desenvolvimento necessário para o protagonista. 

O texto também é distinto dos filmes anteriores da trilogia. Ainda que mantenha o senso de humor infantil típico dos filmes da Marvel atual – destaque para a piada deplorável envolvendo um copo d’água que tia May oferece a um certo personagem, se trata de uma obra mais séria que felizmente não conta com aquelas incômodas rupturas de atmosfera de cena que sempre assombra os filmes deste Universo. 

Logo, com momentos mais sérios, o que realmente falha no roteiro de Sem Volta Para Casa? Ambicioso como é, diversos furos de narrativa acabam escapando como, por exemplo, por que outros grandes vilões também não surgiram no meio dessa confusão, afinal a justificativa oferecida por Strange acaba incluindo eles também. 

Porém, não são os furos que incomodam de fato e tampouco a previsibilidade completa da história trazida aqui, mas sim a falta de criatividade em diversos momentos-chave da obra. Os diálogos, como de costume, são medíocres, se limitando a interações de papo furado com brincadeiras tontas tanto entre os muitos vilões como com o núcleo dos mocinhos. 

É frustrante, com certeza, mas enquanto o filme acontece, não chega a ser algo que realmente quebre a sua experiência. Muito disso acontece porque os atos são muito bem definidos repletos de uma cadência de ritmo praticamente perfeita. Nada demora muito a acontecer e levar a história a uma escalada constante de novos acontecimentos cada vez mais sombrios e desafiadores para Peter. 

São nessas horas que o texto amadurece bastante e Tom Holland passa a entregar uma performance louvável como Homem-Aranha mostrando toda a sua capacidade de dramaturgia. Até mesmo Zendaya impressiona com uma MJ muito mais amorosa e menos sarcástica e insuportável. Como agora os dois são um casal, dá pra ver a magia de uma paixão acontecendo entre os dois e isso certamente favorece a química de ambos. 

Mas o grande destaque do elenco fica mesmo para Willem Dafoe com um Duende Verde excepcional. Mesmo com quase 20 anos longe do personagem, Dafoe ainda traz camadas de novidade, deixando claro o motivo de ainda ser o melhor e mais nefasto vilão da história do Aranha. 

É impressionante vê-lo trabalhando, conseguindo tirar reações fortes da plateia com a eficácia da interpretação. Para níveis do Universo Cinematográfico da Marvel, finalmente há um pouco da magia de outra época dos filmes de herói – que o crítico confessa ser mais apaixonado. 

Aliás, é importante ressaltar que a interação entre Parker e o Duende Verde são as mais pungentes do filme. O quebra-pau entre os dois é muito violento e impressiona em um nível praticamente inédito dentro do MCU. É uma porradaria digna de O Cavaleiro das Trevas

O mesmo, infelizmente, não pode ser dito sobre Alfred Molina que, ainda tenha certa imposição da sua figura em cena, não traz o mesmo vigor de outrora, parecendo mais cansado. Isso ocorre também com Marisa Tomei, cada vez mais desinteressada do papel de May, embora haja sim uma bela cena para elevar o nível de sua interpretação. 

É triste afirmar isso, mas o verdadeiro problema de Sem Volta Para Casa não está no roteiro e muito menos no elenco, mas sim na pífia direção de Jon Watts

…vêm grandes responsabilidades

E ainda assim, mesmo com uma boa história, um trabalho praticamente pré-montado através do talento de Sam Raimi e, em alguma dose, de Marc Webb, é surreal o quão insípida consegue ser toda a inexistente força visual desse filme graças à preguiça e completa falta de imaginação desse cineasta. 

Desde De Volta ao Lar que bato na tecla afirmando que Watts é um dos piores diretores já escolhidos pela Marvel para trabalhar. O mais impressionante é ele ter conseguido finalizar uma trilogia inteira e ainda ter a oportunidade de contar com o filme mais ambicioso de toda a franquia no currículo. 

Mesmo com todas essas facilidades, com a companhia do prestigiado cinematografista Mauro Fiore – o cara fotografou Avatar de James Cameron, um dos filmes visualmente mais impressionantes da História, Watts exibe uma plástica visual tenebrosa. 

O filme é feio que dói. 

As cores, como sempre, são lavadas. Os cenários, nada inspirados – destaque para o clímax breguíssimo que acontece em uma Estátua da Liberdade munida do escudo do Capitão América. Até a Dimensão Espelhada que Scott Derrickson fez coisas incríveis em 2016 consegue ser xoxa nesse filme. 

É insano e quase impossível de expressar em palavras. Tudo se resume a uma linguagem televisiva chinfrim de planos e contraplanos. Não há atmosfera na maioria das cenas, as coisas são apresentadas quase que sem cerimônia alguma – as apresentações dos vilões, ao menos, são um tanto mais inspiradas ainda que firmadas em ideias básicas.

Mesmo com momentos históricos e definitivos para a franquia, simplesmente tudo é gravado e enquadrado com casualidade. Watts liga a câmera, faz um enquadramento aleatório e manda gravar. Isso é bem evidente no caótico plano sequência logo no começo do filme, no apartamento de May. É praticamente uma linguagem de telejornalismo de catástrofe ao vivo de tão pedestre que é. 

Em um filme que é bastante longo, dá para contar nos dedos de uma só mão quais planos que são realmente muito bem pensados e valiosos. Um deles até traz uma metáfora visual boa para o momento crucial de Peter Parker, totalmente engolido pela imagem de um J. Jonah Jameson furioso. 

O mesmo pode ser dito da encenação, também completamente sem cerimônia ou imaginação. Enquanto as lutas entre o Aranha e o Duende são viscerais, elas impressionam apenas pelo trabalho sonoro e violência, pois novamente não há atmosfera. Uma cadência de acontecimentos ou até mesmo uma interação de diálogo entre os personagens.

A estética realmente é parca e não chega nem perto do trabalho de Raimi e de Webb. É sofrível ver o quão engessado esse filme é visualmente sendo que poderia explorar a criatividade em inúmeros níveis dado o volume generoso de vilões e situações. 

Também sempre acho muito bizarro a falta de senso de velocidade nas lutas do personagem com os vilões, algo que já é visto desde De Volta ao Lar. Aqui tudo se mantém igual, mas mais nítido pela quantidade superior de cenas de ação que são eficientes. 

Porém, eficiência não significa beleza e criatividade. Ela basicamente permite que as regras da ação e continuidade sejam respeitadas tornando tudo bastante compreensível para o espectador. Por Deus, até Webb conseguiu tornar uma luta mais emocionante com uma tampa de bueiro em O Espetacular Homem-Aranha 2

Aí vem a grande questão: Watts acerta em alguma coisa? Sim, por incrível que pareça, acerta. Acho ele um diretor razoável de elenco e ele consegue transmitir muita naturalidade nas relações entre os personagens. Ele é um bom diretor nesse sentido, mas cinematograficamente falando, o homem é um verdadeiro desastre. 

Tão eficaz com o elenco que é fato: ele consegue arrancar reações emocionadas em alguns momentos certeiros do filme. É realmente, quando esses momentos surgem, o filme cresce bastante ainda que seja em linguagem visual de telenovela – a trilha de Michael Giacchino também ajuda bastante. 

Quando Peter Parker virou um herói

Depois de tanta expectativa, tanta fuga de spoilers, tantos segredos, Sem Volta Para Casa finalmente mostrou a que veio e felizmente se trata de uma grande experiência daquelas que quanto menos se sabe, melhor. 

Falho, imperfeito, mas ambicioso e corajoso, o filme não é melhor porque é capitaneado pela pessoa mais sem imaginação de Hollywood, mas ainda assim, a força de uma boa ideia, um bom roteiro e um grande elenco conseguem torná-lo o melhor dessa nova trilogia. 

Sem revelar nada, apenas afirmo que o filme conseguirá marcar diversas gerações e cumprir com as expectativas que o cercam. Se trata mesmo de um marco para a história do personagem no Cinema. 

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (Spider-Man: No Way Home, EUA – 2021)

Direção: Jon Watts
Roteiro: Chris McKenna e Erik Sommers, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Tom Holland, Jake Gyllenhaal, Zendaya, Marisa Tomei, Willem Dafoe, Jamie Foxx, Alfred Molina, Benedict Cumberbatch, Jon Favreau, Jacob Batalon, Tony Revolori
Gênero: Aventura
Duração: 148 min.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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