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Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa – Um filme imaturo demais

Poucos heróis foram tão reinventados no cinema como o Homem-Aranha, que gerou três versões cinematográficas desde 2002, além de uma ótima animação no ano passado. Atualmente, o herói encontra-se em sua fase mais segura e confortável com improvável acordo entre a Marvel Studios e a Sony Pictures, que permitem que Peter Parker possa habitar o mesmo universo de Homem de Ferro, Capitão América e os demais Vingadores. É algo que possibilita histórias mais diversificadas e grandiosas, afinal, Parker não é o único herói desse mundo.

Isso trouxe implicações mistas para Homem-Aranha: De Volta ao Lar, primeiro filme solo de Tom Holland que fazia bem em explorar o lado mais adolescente e “pé no chão” do herói da vizinhança, mas também o tornava apenas parte de um jogo muito maior com os outros membros dos Vingadores. Sem falar que todo o seu arco no filme é basicamente um jogo de aprovação para o mentor Tony Stark. Infelizmente, essa mesma limitação se repete em Homem-Aranha: Longe de Casa, que volta a reciclar alguns dos mesmos temas do anterior, e revela-se uma obra irritantemente direcionada a um público muito mais jovem.

A trama começa após os eventos de Vingadores: Ultimato, mostrando um pouco das consequências do retorno à existência dos dizimados pelo vilão Thanos. Isso é logo abandonado quando Peter e seus amigos saem uma excursão escolar pela Europa, onde o jovem pretende relaxar um pouco e esquecer a responsabilidade do Homem-Aranha. Eis que Nick Fury (Samuel L. Jackson) o recruta para uma missão, que envolve combater criaturas chamadas de Elementais, presentes justamente no solo europeu. Para ajudá-lo, entra em cena o enigmático e poderoso Mysterio (Jake Gyllenhaal).

Férias Frustradas na Europa

Em muitos níveis, Longe de Casa traz elementos inéditos para o herói no cinema. É a primeira vez que vemos o Homem-Aranha passeando pelas paisagens europeias (sem contar o aeroporto alemão em Guerra Civil), e segue aproveitando a proposta adolescente estabelecida no anterior. Porém, sai o John Hughes e entra mais para uma versão sem graça de National Lampoon, com Longe de Casa sendo uma versão mais morna e menos arriscada de Férias Frustradas 2 (ou até mesmo o divertido Eurotrip). O problema fica mesmo com o excesso de humor nessa decisão, já que o texto de Chris McKenna e Erik Sommers é incapaz de ficar 2 minutos sem soltar alguma piada, que variam entre algumas observações engraçadinhas e outras abominações como “você pode desviar de balas, mas não de uma banana?”. É s

Foi particularmente chocante quando o filme tem início e, logo nos minutos iniciais, já temos uma sequência para ironizar e fazer piada com as mortes de Vingadores: Ultimato. Isso porque lettering de Comic Sans e o uso irônico de “I’ll Always Love You” (tema de O Guarda-Costas) já deixaram de ser engraçados na década passada, mas também revela como Longe de Casa não tem o menor compromisso em abordar a tragédia de forma séria. E não tem problema nisso, afinal essa franquia sempre se levou menos a sério, mas é triste que sejam com piadas tão pouco inspiradas, apostando em um humor adolescente que só deve funcionar para uma geração mais contemporânea.

Isso também tira a seriedade de momentos que necessitam de uma reflexão. Por exemplo, nada do romance entre Peter e MJ (Zendaya) funciona, principalmente por ser tão apressado e inconsequente. Como vamos torcer pelo romance do casal se nunca vimos os dois conversar por mais de duas cenas em De Volta ao Lar? Todas as cenas em que os dois interagem aqui carecem da química palpável entre Tobey Maguire e Kirsten Dunst ou Andrew Garfield e Emma Stone, e sinceramente me peguei tendo flashbacks de Crepúsculo – pelas reações forçadas de embaraço e timidez entre os dois atores.

Mas é mesmo culpa do roteiro e da direção, já que tanto Holland quanto Zendaya estão ótimos no filme. O jovem continua se mostrando um excelente Homem-Aranha/Peter Parker, e quando o texto lhe permite algo mais complexo, ele é capaz de transparecer a pressão que sente em ser taxado como o próximo Homem de Ferro, assim como a tristeza que sente ao se lembrar do mentor – rendendo uma ótima cena com Jon Favreau, em bela participação como Happy Hogan.

Mas é mesmo Jake Gyllenhaal quem rouba a cena com seu misterioso Quentin Beck, trazendo uma excelente variação entre o lado mais suave e charmoso do ator com sua persona mais insana – vista em obras como Okja e Velvet Buzzsaw. Sem spoilers, mas quem sabe a real natureza de Mysterio nos quadrinhos certamente não se surpreenderá nem um pouco com o rumo da história aqui, mas basta dizer que é digno do melhor que o personagem já trouxe, ainda que seu passado tenha algumas explicações bem macarrônicas, e dignas de uma cena que traz o pior tipo de exposição possível. Porém, que tenhamos mais Gyllenhaal no futuro da Marvel Studios.

Mais potência

Mostrando-se um poço de obviedade e falta de entusiasmo no primeiro filme, ao menos Jon Watts se mostra mais inspirado aqui. A escolha do diretor de fotografia Matthew J. Lloyd. aproveita bem as cores vibrantes de cidades como Veneza e Praga, garantindo um filme visualmente mais interessante. O comando de Watts na ação também se torna mais engenhoso, com planos abertos e que exploram a lógica do Homem-Aranha para usar suas teias e habilidades contra os inimigos poderosos – com a sequência de Praga sendo o grande ápice desse fator, além de uma outra cena envolvendo o personagem Mysterio que, por trazer poderes que brincam com o ilusionismo, oferecem um resultado espetacular – e que deve deixar os fãs mais saudosos dos quadrinhos bem satisfeitos.

Ainda assim, Watts demonstra deficiência nos efeitos visuais, algo sistêmico para a maioria das produções da Marvel. Pessoalmente não consigo engolir as armaduras digitais e suas máscaras holográficas, soando terrivelmente artificial quando o herói usa sua Aranha de Ferro no primeiro ato – e agradeço por Peter usar trajes mais práticos no decorrer do longa. E por mais que a sequência mais surreal com Mysterio seja excelente, o filme nem esconde que se transformou em um videogame descarado, com o CGI bem mais evidente e borrachudo. Até perdoamos pela cena ser boa, mas esse efeito realmente prejudica a tediosa batalha do terceiro ato, bem mais genérica e desinteressante do que as demais sequências de ação do filme. Ao menos, dessa vez o compositor Michael Giacchino apareceu, rendendo um bom novo tema para Mysterio.

Longe de Casa, mesmos problemas

Homem-Aranha: Longe de Casa é inferior ao primeiro filme solo de Tom Holland, justamente por tratar-se de um roteiro muito mais interessado em humor pastelão do que uma história forte. Flerta com temas interessantes e traz uma adição de peso com o Mysterio de Jake Gyllenhaal, mas quem espera mais além de um entretenimento descartável, vai sair decepcionado.

Homem-Aranha: Longe de Casa (Spider-Man: Far From Home, EUA – 2019)

Direção: Jon Watts
Roteiro: Chris McKenna e Erik Sommers, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Tom Holland, Jake Gyllenhaal, Zendaya, Marisa Tomei, Samuel L. Jackson, Cobie Smulders, Jon Favreau, Jacob Batalon, Tony Revolori, Martin Starr, Angourie Rice
Gênero: Aventura
Duração: 129 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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