Parando para avaliar agora, 2011 foi um ano de transição curioso para todas as principais produtoras de filmes de super-heróis. Caminhando ainda sob a alcunha da Paramount Pictures, a recém-instalada Marvel Studios seguia o sucesso dos primeiros longas do Homem de Ferro com apostas arriscadas em personagens, naqueles tempos obscuros, considerados B e sem apelo comercial: Thor e Capitão América: O Primeiro Vingador, que seriam as peças finais para o grande evento de Os Vingadores, que definiria o futuro do MCU e a consagração dos universos compartilhados no cinema; além de estabelecerem o método da produtora em apostar em personagens desconhecidos, fazendo-os cair na graça do público.
Ainda na casa de Stan Lee, mas passando para os estúdios da Fox, a franquia dos X-Men sofria um reboot poderoso com X-Men: Primeira Classe, e que viria a estabelecer o novo elenco da franquia, liderado por James McAvoy, Michael Fassbender e Jennifer Lawrence, e também a nova linha de adaptações “de época”; que deu um novo rumo ao estúdio após as pedradas de X-Men Origens: Wolverine, que mataram a ideia de apostar em filmes solo de origem para os mutantes. E antes de partir para a DC, ainda que a Sony não tenha lançado nada, foi no final de 2011 que o primeiro trailer de O Espetacular Homem-Aranha veio ao mundo, com a promessa de uma nova pegada ao grande super-herói da Marvel. O resultado, como sabemos, não vingou.
Mas foi realmente com a Warner Bros e a DC que tivemos algo realmente digno da expressão “não vingar”, que enfim iria tentar iniciar seu próprio universo compartilhado, mesmo que ainda à sombra da fantástica trilogia do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, que já caminhava para seu capítulo derradeiro. Estamos falando, é claro, do agora infame Lanterna Verde, primeira aposta da DC em algum personagem da Liga da Justiça que não fosse o Batman ou Superman, e que foi o primeiro raio de esperança para iniciar uma nova franquia para a editora. Ainda que não considere a catástrofe monumental que a maioria parece ter pintado, é necessário admitir que Lanterna Verde não é um bom filme.
A trama nos apresenta a Hal Jordan (Ryan Reynolds), um piloto de caças americano que balança sua vida rotineira com as responsabilidades de cuidar de seu sobrinho, parecer bem na fita para sua ex-namorada (Blake Lively), por quem ainda é apaixonado, e também superar o medo deixado pela traumática morte de seu pai. Tudo vira de ponta cabeça quando Hal encontra um alienígena moribundo, Abin Sur (Temuera Morrison), e é escolhido para se tornar parte da Tropa dos Lanternas Verdes, uma polícia intergaláctica composta por diferentes espécies alienígenas, e que combatem o mal por todo o universo. Enquanto treina para ser o novo Lanterna do planeta Terra, o grupo se prepara para o ataque de uma misteriosa e maligna entidade conhecida como Parallax.
The Green Mile
No papel, é difícil pensar como um filme com uma proposta dessas poderia dar errado. Parte Star Wars, parte Flash Gordon, as possibilidades para se introduzir um super-herói intergaláctico são das mais ambiciosas possíveis, e ainda que estejamos vivendo um pouco disso atualmente com Guardiões da Galáxia, o Lanterna oferece algo ainda mais interessante, especialmente se a ênfase dos realizadores estivesse na ficção científica. Infelizmente, o que vemos no inchado roteiro de Greg Berlanti, Michael Green (que hoje encontra-se melhor com projetos como Logan e Blade Runner 2049), Marc Guggenheim e Michael Goldenberg, é uma ausência de qualquer tipo de ênfase ou foco narrativo. A trama oscila entre todo o vasto universo espacial dos Lanternas, o treinamento de Hal Jordan e todas as questões confusas envolvendo seu trauma de infância clichê, todas as relações humanas descartáveis e a obrigatória subtrama governamental para deixar esse roteiro vazio, paradoxalmente, ainda mais lotado.
Não temos a tradicional jornada do herói de Joseph Campbell, que é substituída por uma construção preguiçosa e sem uma catarse poderosa o bastante: o “medo” de Hal Jordan nunca é bem explorado, e na subsequente superação do mesmo (quando a trama o requer) é fraco e apressado, e não há a menor transformação na personalidade do personagem se compararmos o início com o fim; nenhuma construção. E mesmo que carismático, Reynolds não convence totalmente como o protagonista, e o tom infelizmente acaba levando tudo para a piada e uma entrega majoritariamente sarcástica – o humor desse filme é do pior nível possível, que nem mesmo Esquadrão Suicida foi capaz de superar em ruindade. Nem mesmo com os demais personagens, tendo um núcleo amoroso péssimo com a apagada Carol Ferris de Blake Lively, e é de se espantar que Reynolds e Lively estejam juntos na vida real, já que não há qualquer sinal de química entre os dois aqui.
Isso sem falar também no apagado arco de Hector Hammond (Peter Sarsgaard), que é potencialmente o melhor personagem do longa, carregando o manto do vilão incompreendido que é praticamente uma versão negativa do herói, ao ter sua amada Carol Ferris indo para seu rival, Hal, e ter um pai (Tim Robbins) que o subestima terrivelmente. Sarsgaard consegue transmitir bem essa persona do “patinho feio”, e até conseguimos sentir algum afeto a ele quando o acompanhamos em sua rotina. Quando Hammond é contaminado por uma amostra alienígena durante a autópsia de Abin Sur, o personagem ganha um arco de transformação que tenta ser um misto do terror psicológico de Darren Aronofsky com o body horror de David Cronenberg, com o aumento monstruoso de sua cabeça e os poderes psíquicos, mas que acaba mais perto de um desenho animado de má qualidade. Felizmente, Sarsgaard permanece divertido de assistir, já que claramente abraça a galhofa da situação; algo bem expresso pelo hilário grito agudo de Hammond.
O quarteto de roteiristas até faz um bom trabalho em explicar a gigantesca mitologia do personagem e seu vasto universo, e também o fascinante conceito do anel que transforma pensamento em realidade, mas tudo através do batido setor da exposição, quando Hal é guiado por Tomar-Re (voz de Geoffrey Rush) em Oa, centro de reunião dos milhares de Lanternas Verdes do universo – e também é redundante, visto que o filme abre como uma narração que já introduz alguns desses mesmos conceitos para o espectador. Há até mesmo o velho clichê do treinamento com o instrutor durão, com um ótimo Mark Strong perfeitamente caracterizado como Sinestro, e uma tímida montagem de treinamento explorando o poder do anel, que enfraquece também graças a um James Newton Howard nada inspirado, cujos acordes eletrônicos/rock parecem sugerir que está compondo música para um videogame dos anos 90.
Vômito visual
Defeituoso em seu roteiro, Lanterna Verde apresenta um problema pior, e que geralmente é uma qualidade nesse tipo de fracasso: o visual. É um filme feio de se olhar, e que apresenta um design inexplicavelmente brega e pouco imaginativo plasticamente. A começar pela fotografia de Dion Beebe, que realmente não precisava levar o personagem ao pé da letra e deixar todo o filme sob filtros verdes. Todas as cores do filme acabam recebendo algum toque de verde, até mesmo quando estamos mergulhados em algum ambiente mais escuro, ou mais clean, tornando tudo isso simplesmente horroroso de se olhar, além do filtro de Beebe trazer um péssimo grão que torna a experiência visual ainda mais decadente.
O design alienígena é outro demérito, com as criaturas até garantindo algo interessante no papel ou artes conceituais (o primeiro vislumbre de Parallax é muito interessante), mas que soam toscos e artificiais em suas renderizações; não ajuda que o trabalho de efeitos visuais seja muito abaixo da média, e isso interfere diretamente no uniforme do herói. A abordagem de Ngila Dickson para o traje do protagonista é até inventiva, com a energia verde do anel formando linhas por todo o seu corpo, e a decisão de criá-lo através de CGI também é válida, mas, novamente, acaba saindo tosco. Não só pela cabeça de Ryan Reynolds sempre parecer “flutuando” quando em movimento, mas também pela horrorosa máscara (também em CGI) que parece deformar o rosto do ator ao cobrir a metade superior de seu rosto, tornando simplesmente impossível de levá-lo a sério quando em cena. Sério, é como se um saco de lixo estivesse na cara de Reynolds.
E, por fim, que decepção por parte de Martin Campbell. Saindo do sucesso do excepcional Cassino Royale, filme que tem algumas das melhores cenas de ação que este par de olhos já viram, o diretor perde a mão completamente aqui. Talvez pelo excesso de CGI ruim e poucos efeitos práticos, todas as cenas de ação são genéricas e carecem da imaginação sem limites que o herói conceitualmente possui (um autorama gigante? Mas hein?), nunca sendo capaz de empolgar ou surpreender. Não só isso, todas as batalhas e perseguições trazem soluções fáceis, com destaque para a péssima derrota do monstruoso Parallax, que é tão apressada e simplificada que exibe as marcas de refilmagem, na veia do clímax horroroso do Quarteto Fantástico de Josh Trank. Aliás, vale mencionar que Campbell, por diversos conflitos com o estúdio, perdeu o corte final do longa e diversas cenas acabaram deletadas e inseridas de última hora, além das já mencionadas refilmagens – o clímax seria muito mais grandioso, mas o orçamento estourado requiriu algo mais… sem graça.
No que diz respeito a oportunidades perdidas, poucas são mais frustrantes do que este Lanterna Verde. Mesmo que tenha um vasto e rico universo à disposição, o filme de Martin Campbell erra no tom e na concepção visual, que rende um dos longas mais feios do gênero. Mas, pior, falha em ter um protagonista com o qual possamos nos identificar e pelo qual possamos torcer.
Lanterna Verde (Green Lantern, EUA – 2011)
Direção: Martin Campbell
Roteiro: Greg Berlanti, Michael Green, Marc Guggenheim e Michael Goldenberg
Elenco: Ryan Reynolds, Blake Lively, Peter Sarsgaard, Tim Robbins, Taika Waititi, Jay O. Sanders, Angela Bassett, Mark Strong, Geoffrey Rush, Michael Clarke Duncan, Temuera Morrison
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 114 min